segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12074: Notas de leitura (522): "No Ocaso da Guerra do Ultramar", por Fernando de Sousa Henriques (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 31 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
O nosso malogrado confrade Fernando de Sousa Henriques descreve neste texto de recensão o assédio brutal a Canquelifá.
Estamos num local e num tempo da guerra de guerrilhas da Guiné onde o PAIGC já se move como num teatro de guerra convencional, traz viaturas e despeja em rampas os foguetões sobre os objetivos. Pelo que ele tão discretamente narra, o abandono de Copá teve foros de dramatismo. Nos primeiros tempos, a aviação ainda se afoitou a procurar castigar as peças de artilharia que desfaziam Canquelifá. Depois atingiram um avião, as coisas mudaram. Até porque um mês depois chegou o 25 de Abril.

Um abraço do
Mário


No ocaso da guerra do Ultramar (2)*

Beja Santos

“No ocaso da guerra do Ultramar”, por Fernando de Sousa Henriques, já foi dito, é uma narrativa sem rival nesta literatura da nossa guerra. O autor prometera aos seus camaradas de Batalhão escrever esta crónica sobre a vivência de todos no Leste da Guiné, com fronteiras com o Senegal e a Guiné-Conacri, entre 1972 e 1974. E concretizou a sua promessa, dirigindo-se a um leitor não iniciado descreveu armamentos e equipamentos, a composição da máquina de guerra, as entidades civis intervenientes, como fizera e onde a sua formação militar, narrou detalhadamente as vicissitudes passadas pelo BCAÇ 3883 e particularmente a CCAÇ 3545, a sua companhia, que irá viver o terrível assédio de Canquelifá, perto do termo da guerra.

Nunca encontrei relato que se aparentasse com este, não é uma questão zelo burocrático, é a nítida vontade de inserir o leitor num ambiente de Piche e quartéis envolventes, deu-se ao cuidado de explicar o que era o reino de Pachisse, caracterizou Canquelifá, todas as instalações do aquartelamento, os usos e costumes de Fulas e Mandingas, as acessibilidades, as milícias locais, os guias e colaboradores, o sistema de informações naquela área tão sensível, dá-se mesmo ao cuidado de contar, em resumo, os principais factos relacionados com o Batalhão que foram render e como se processou o período de sobreposição. Igualmente minucioso com o quotidiano de todo o efetivo militar e assim chegamos à guerra propriamente dita.

O sector do BCAÇ 3883 tornou-se repentinamente explosivo em 1973. O PAIGC saíra beneficiado da retirada das tropas portuguesas do Boé, paulatinamente foi-se aproximando de populações hostis e urdiu uma estratégia de clara intimidação a partir de 1972, começou por privilegiar as emboscadas nos principais eixos de comunicações. Em Agosto de 1973, entre Piche e Canquelifá fez um ataque feroz e observa que depois destes acontecimentos nada ficou como dantes. O próprio capitão Peixinho de Cristo ficou abalado, ele que assistiu à morte de um dos seus soldados, atingido gravemente nos intestinos, conversou com ele até ao final, dele recebeu, entre gemidos, as últimas vontades. As minas anticarro começaram a proliferar. O moral da companhia baixou.

A partir de Novembro, não mais houve descanso em Canquelifá, repetiram-se as flagelações, os mísseis deram entrada nas flagelações frequentes, era nítido que os guerrilheiros queriam comprometer os reabastecimentos e acantonar as tropas aos seus quartéis. As emboscadas às obras da estrada Piche-Nova Lamego também se acentuaram. Em dezembro houve um relativo descanso mas os assaltos às tabancas deram frutos, as populações, ainda lentamente, começaram a fugir para os grandes centros.

No início de Janeiro, os ataques com foguetões a Canquelifá marcaram presença, o autor explica a natureza das destruições que as imagens, pela sua eloquência, desfazem todas as dúvidas. Mas não só Canquelifá, Piche e Buruntuma também foram contempladas. Nessa altura os efetivos do Batalhão levam quase 24 meses de Guiné, foi necessário pedir apoio à CCAÇ 21, uma companhia só de guineenses, comandada pelo tenente Jamanca. Em 7 de Janeiro a CCAÇ 21 surpreende uma força inimiga e traz dois corpos, um cubano e cabo-verdiano. As flagelações recrudesceram. Ia começar o martírio de Copá, um destacamento que irá ser abandonado por impossibilidade de defesa. As picagens tornaram-se um tormento. De 19 a 21 de Março, Canquelifá é sujeita a bombardeamentos consecutivos, a partir de diversas bases de fogos situados a Leste e a Norte do aquartelamento. Quartel e tabanca estão irreconhecíveis, o gerador elétrico inutilizado, muitos edifícios queimados, um dos paióis periféricos da artilharia escapou milagrosamente. O desgaste psicofísico das tropas é enorme. As tabancas vizinhas começam a desertificar-se, a própria população civil de Canquelifá começa a retirar. O autor escreve: “Canquelifá passara a ser o epicentro de um vulcão, pronto a explodir. Era a capital do reino de Pachisse, um território ancestral e carismático, o único com fronteiras com o Senegal e Guiné-Conacri. Canquelifá era um alvo a abater para maior projeção externa do PAIGC”.

Em capítulo separado, o autor descreve os derradeiros dias do destacamento de Copá: “A partir do início de Fevereiro, esse destacamento passou a estar sujeito a fogo de morteiro de 120 mm, com intensidade variável, mas algumas das vezes até inusitada. Dentro, não havia a possibilidade de levantarem a cabeça”. Na segunda quinzena de Fevereiro, depois de uns três dias seguidos de assédio a Copá, foram aparecendo aos poucos e em pequenos grupos os elementos provindos daquele destacamento. “O pessoal vinha todo sujo, camuflado, se existia, em desalinho, arma às costas ou ao ombro, desorientado e de olhar perdido. Enfim, uma lástima. Tinham fugido do inferno em que Copá se transformara. Sem o saberem, deixaram para trás o furriel, o operador das transmissões e talvez outros. Aquilo parecia deserção. Confrontados com a ideia de regresso, diziam que preferiam ser mortos”. Lá foram convencidos a juntarem-se a quem permanecera no posto de combate, juntaram-se ao furriel, e então regressaram todos.

Em 21 de Março, chega ao aquartelamento o major Raul Folques, vinha a comandar duas companhias de comandos africanas. Detetaram uma base inimiga, atacaram-na, veio a Força Aérea e rechaçou-os, o PAIGC terá tido 26 mortos, entre eles 2 cubanos, capturam-se 2 morteiros 120 completos e 2 incompletos. Os Comandos, no decorrer da refrega, sofreram 2 mortos e 20 feridos. A seguir, fez-se uma nova coluna de reabastecimento, os guerrilheiros apareceram em peso mas a resposta das nossas tropas foi enérgica. As minas prosseguiram, mesmo a seguir ao 25 de Abril.

O BCAÇ 3883 deixou a Guiné em Junho de 1974. Fernando Sousa Henriques descreve emocionado as despedidas de todos, enumera e louvores e distinções de todo o Batalhão, e ao longo dos anos, os convívios sucessivos. Procede à relação nominal dos efetivos e não descura o espólio fotográfico relacionado com o sector L4. São impressionantes as imagens de Canquelifá em fase de destruição, os aspetos desoladores da tabanca, vemos mulheres e crianças catando nas cinzas os seus pobres bens pessoais, vemos as colheitas a arder, um canhão sem recuo completamente destruído. Fernando de Sousa Henriques cumpriu cabalmente o objetivo a que se cometera, nada de mais minucioso, segundo sei, se fez à volta da história de um Batalhão, de uma Companhia, de uma vivência. O autor já não está entre nós, ainda voltou à Guiné, escreveu em 2011 “Picadas e caminho da vida na Guiné”, na mesma altura em que aderiu ao nosso blogue.
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 20 de Setembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12061: Notas de leitura (521): "No Ocaso da Guerra do Ultramar", por Fernando de Sousa Henriques (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12073: Notícia dos nossos amigos da AD-Bissau (29): Efeméride: Há 40 anos era proclamada, unilateralmente, a independência da Guiné-Bissau... (Não em Cubucaré, no sul, como estava inicialmente previsto, mas no leste, na região do Boé... E aqui não foi em Madina do Boé, nem em Lugajole, mas sim em... Vendu Leidi, um lugarejo fronteiriço)






A independência da Guiné-Bissau foi proclamada, unilateralmente,  pelo PAIGC, em 23 de setembro de 1973, na região do Boé, não em Madina do Boé, como durante anos se fez crer, nem sequer em Lugajole, mas sim em Vendu  Leidi, localidade fronteiriça da zona leste... Esteve inclusive planeada para ser no sul, na península de Cubucaré  (setor de Bedanda)... Os planos do PAIGC foram sucessivamente açterados, à última da hora, pro razões de segurança. Havia sérios riscos de bombardeamentos pela Força Aérea Portuguesa.

Hoje o dia 24 de setembro é feriado nacional na Guiné-Bissau. Portugal, como é sabido, só reconheceu a independência da Guiné-Bissau, um ano depois, em 10 de setembro de 1974.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).


 E a propósito desta iniciativa comemorativa, de um grupo de antigos combatentes do PAIGC do Cubucaré, na região de Tombali,  lê-se no sítio da AD-Bissau:

(...) Como jovem país, embora com conturbados desvios no seu caminho, [a Guiné-Bissau] procura recuperar a sua própria identidade e força para se afirmar como uma nação moderna e progressiva.

As sucessivas lideranças que fomos tendo, esqueceram-se claramente do pensamento de Amilcar Cabral e dos ensinamentos da Luta, embarcando em sucessivas aventuras militaristas e afastando-se dos ideais do Combate inicial.

Há quem chegue a pensar que a Luta foi uma operação militar e que por isso, todos os outros que a ela aderiram e que não pegaram em armas, não têm os mesmos direitos dos que vestem as fardas, grande parte delas apanhadas nos becos da História.

 (...) 
Todos contribuíram decisivamente para a vitória, incluindo mesmo aqueles que, durante estes 40 últimos anos, se esqueceram das tabancas onde vivem todos os seus antigos camaradas de Luta, para se sentarem a descansar em Bissau.(...)

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Guiné 63/74 - P12072: Parabéns a você (628): Tony Borié, ex-1.º Cabo Op Cripto do Comando Agrupamento 16 (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 21 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12064: Parabéns a você (627): Coutinho e Lima, Coronel Art.ª Ref (Guiné, 1963/65; 1968/70 e 1972/73); Maria Teresa Almeida, Liga dos Combatentes e Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402 (Guiné, 1968/70)

domingo, 22 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12071: Inquérito online: 40 anos depois da proclamação (unlilateral) da independência da Guiné-Bissau, a 24 de setembro de 1973, como vês o futuro das relações (políticas, diplomáticos, económicas, sociais, culturais, etc.) deste país lusófono com Portugal ? Com pessimismo, indiferença ou otimismo ? Resposta até 27/9/2013

Amigos e camaradas da Guiné:

Há uma sondagem a decorrer a propósito dos 40 anos da procalamação (unilatertal) independência da Guiné-Bissau, efeméride que se comemora na próxima 3ª feira, dia 24 de setembro...

Queremos saber qual a vossa atitude em relação ao futuro das relações da Guiné-Bissau com Portugal... Pesimismo, indiferença, optimismo ?

Sejam gentis, respondam "on line"... A sondagem vem no canto superior esquerdo do blogue.... Respondam LÀ, diretamente, não aqui... Aqui, podem comentar, justificando ou fundamentando o vosso voto... Sejam espontâneos, sinceros, intuitivos... Não se trata de "acertar" mas de "adivinhar" o futuro... A resposta não é fácil... Há muitas variáveis em jogo...Mas a vossa "intuição", o que é que vos diz ? Até à data, já temos 20 e tal respostas...


Sondagem > 40 anos depois da independência da Guiné-Bissau, a 24 de setembro de 1973, vejo o futuro das relações (políticas, diplomáticos, económicas, sociais, culturais, etc.) deste país com Portugal  com...

[Resposta numa escala de 1. Muito pessimismo, 
a 7. Muito otimismo... Só se pode escolher uma hipótese de resposta. Na vigência da sondagem, a decorrer durante seis dias, a partir de 21 do corrente, pode-se mudar o voto, sempre que se quiser...]


1. Muito pessimismo
2. Bastante pessimismo
3. Algum pessimismo
4. Indiferença. nem pessimismo nem otimismo
5. Algum otimismo
6. Bastante otimismo
7. Muito otimismo


Um abraço. O editor, Luís Graça

Guiné 63/74 - P12070: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (14): A minha passagem pelo Depósito Geral de Adidos, em Brá

1. Em mensagem do dia 19 de Setembro de 2012, o nosso camarada Augusto Silva Santos (ex-Fur Mil da CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, Pelundo, Có e Jolmete, 1971/73), enviou-nos mais uma história dos Fidalgos de Jol.

Olá Camarada e Amigo Carlos Vinhal
Antes de mais, que esteja tudo bem contigo e família, são os meus sinceros votos.
Já há algum tempo (quase um ano) que não te "brindava" com mais uma das minhas estórias, pelo que resolvi, mais uma vez, vasculhar o meu baú e "sacar" algumas memórias da minha passagem por terras da Guiné. Além do mais, importa continuar a "alimentar" o nosso blogue... 
Nesta perspectiva, junto estou a enviar ficheiro que relata a minha passagem pelo Depósito de Adidos em Brá, após ter deixado de pertencer à CCAÇ 3306/BCAÇ 3833, mas que por uma questão cronológica gostaria que continuasses (caso aches oportuno) a incluir nas "Estórias dos Fidalgos do Jol" sob o título "A minha passagem pelo DA".
Deixo ao teu critério.
Junto seguem também ficheiros com algumas fotos que poderás publicar de acordo com as minhas sugestões, ou fazê-lo como melhor entenderes.
Muito obrigado pela tua disponibilidade em continuares ao "serviço" das nossas memórias.

Recebe um Grande e Forte Abraço
Augusto Silva Santos


ESTÓRIAS DOS FIDALGOS DE JOL

14 - A MINHA PASSAGEM PELO DA

Depois da partida do BCAÇ 3833 para a metrópole no navio Uíge, que ocorreu em Dezembro de 1972, fui colocado no Depósito Geral de Adidos em Brá. Naquele Batalhão pertenci à CCAÇ 3306 colocada Jolmete, para onde fui em rendição individual.


Crachá do Depósito de Adidos

No Depósito de Adidos, para além do serviço na Secção de Justiça como escrivão, tinha também periodicamente, para além dos serviços inerentes à Unidade, a missão de fazer Sargento de Dia à Casa de Reclusão Militar.
Lembro-me que no primeiro dia em que isso aconteceu, no Render da Guarda tinham desaparecido 12 reclusos, que entretanto ao longo da semana foram voltando. Na segunda vez desapareceram mais 5, que mais tarde também voltariam a aparecer.
Esta era uma situação comum com outros camaradas que faziam esse mesmo serviço, que igualmente se queixavam e viviam o problema.

Brá / Depósito de Adidos, Fev1973

Nunca ninguém (pelo menos no meu tempo) chegou a saber ao certo por onde os presos fugiam, só sei que eles saíam para ir ao Pilão a Bissau (às “meninas”) e deliciarem-se com alguns petiscos, e que mais tarde voltavam sempre (alguns obviamente eram apanhados pela PM). Tive alguns dissabores (ameaças de levar uma “porrada” se os reclusos não aparecessem), pelo que a partir de determinada altura e, por sugestão de outros camaradas mais antigos (inclusivé de um 1.º Sargento), combinei com um dos reclusos (o mais velho, um Fuzileiro com a alcunha de “Grelhas” e que se dizia havia tido um “confronto directo” com o Cor. Paraquedista Rafael Durão, tendo este como consequência, partido uma mão), para fazer uma “escala de saída”, com a condição de todos estarem presentes ao Render da Guarda.
Remédio santo, ou seja, nunca mais faltou nenhum recluso quando estava de serviço.
A esta distância parece caricato, mas o que é certo é que a “medida” funcionou (para mim e para os reclusos).



Brá / Casa de Reclusão Militar, Mar1973 – Em convívio com alguns reclusos por ocasião de um aniversário. O camarada ao fundo, de óculos e barba, é o Carlos Boto, já aqui referenciado por outros camaradas

O meu relacionamento com a maioria dos reclusos era regra geral muito cordial e sem grandes problemas. Alguns eram considerados como “perigosos” por terem cometido crimes com alguma gravidade no teatro de operações ou no interior das suas unidades, mas sinceramente nunca observei nada que me levasse a acreditar nessa perigosidade ou a ter receio fosse do que fosse.
Relembro que, na sua maioria, eram camaradas nossos, que pelos mais diversos motivos haviam caído nesta situação. De qualquer forma não deixavam de o ser (camaradas), pelo que assim sempre os considerei, embora com as limitações a que a situação obrigava.

Brá / Depósito de Adidos

Quando já me faltavam escassos 3 meses para acabar a comissão, por ter discordado de uma ordem mal dada por um oficial (o que viria a ser confirmado) e chegado a via de factos, fui castigado com 5 dias de detenção. Só não apanhei 5 dias de prisão porque tinha dois louvores e tive vários Furriéis e Sargentos que presenciaram os factos a testemunharem em meu favor.

Foi-me na altura dito pelo então Comandante do Depósito Geral de Adidos, um tal Major Francisco Ferreira, de alcunha “o Galo” por andar sempre todo emproado (usava um boné à Hitler), que eu tinha razão, mas que a democracia ainda não tinha chegado à tropa (sic), e que a ordem de um superior, mesmo mal dada, era para ser sempre cumprida.
Como consequência, fui ainda castigado com o ter de fazer a guarda de honra ao General Spínola, na sua última deslocação a este aquartelamento, o que para mim na altura até foi mesmo uma honra.

Brá Depósito de Adidos – No dia em que fiz a última Guarda de Honra ao General Spínola, antes do seu regresso a Portugal

Lembro-me que, nos finais de 1973, era já grande a tensão entre as NT, principalmente por acontecimentos como os de Guileje e Guidaje (entre outros), factos dos quais íamos tomando conhecimento por relatos dos de camaradas que pelo Depósito de Adidos iam passando.
O facto de o PAIGC possuir os mísseis terra-ar Strela, passou a ser um grande problema para a nossa força aérea. Também me recordo de Bissau começar então a ser cercada de arame farpado e da colocação de minas nalgumas zonas da sua periferia, e de nos ter sido comunicada a possibilidade de podermos vir a sofrer em qualquer altura um ataque por terra ou por ar, por também constar que o IN já possuía os famosos MIGs.

Isto passou-se perto do final de Dezembro de 1973, altura em que terminei a minha comissão e regressei a Portugal.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE OUTUBRO DE 2012 > Guiné 63/74 - P10495: Estórias dos Fidalgos de Jol (Augusto S. Santos) (13): Aventura com final feliz: O Cabo 'Bigodes', o Dandi e a mulher mais velha do Dandi...

Guiné 63/74 - P12069: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (8): Continuação do balanço

1. Em mensagem do dia 16 de Setembro de 2013, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422 / BCAÇ 1858, Farim, Mansabá, K3, 1965/67) enviou-nos mais um episódio da sua série Pós-Guiné:


O PÓS-GUINÉ 65/67

8 - A MINHA CICATRIZ RESULTANTE DO CORTE DO CORDÃO UMBILICAL

(CONTINUAÇÃO DO BALANÇO)

Chegado à Guiné, cedo me apercebi (em Setembro de 1965) d'alguns diferentes usos e costumes.
E propus-me vir a praticar aquela religião que permitia que um homem pudesse comprar qualquer mulher e até porque o preço, não me parecia exagerado. Dessa forma não trabalharia mais porque teria as escravas a fazer tudo.

Na verdade, mil e quinhentos e uma vaca estavam bem dentro das minhas posses, pois se bem m'alembro o pré do furriel que fui, andava à volta de três mil e quatrocentos pesos e vacas tuberculosas era pr'ali o que não faltava na mata. Era-me estranho, mas até invejava o macho a descansar à sombra, deitado na sua rede presa entre duas palmeiras e controlando as sete.
Umas apanhando o arroz... outras, arando com aqueles primitivos aparelhos... uma ou outra lavando... outras colhendo alguns tomates que iam nascendo sem serem semeados, mais algumas bananas ou caju (que delicioso e refrescante este sabia, caraças !!! pegava-se-lhe pela castanha... trincava-se... chupava-se tendo todavia o cuidado de não engolir o fruto)... e tudo enquanto o dono mascava a sua noz de cola, tomava o seu vinho de palma... ao mesmo tempo que ia arengando com todas elas.

Tratavam-se de tradições estranhas embora na Metrópole, também as pobres mulheres, estivessem sob o jugo do marido, poucas trabalhavam fora de casa, (tinham a missão espantosa de criar e educar os filhos) e até precisassem da sua, dele marido, autorização para se deslocarem ali ao lado a Badajoz onde iam comprar o café, as gasosas e as meias de nylon. Em boa verdade alguns, nanja eu puritano que continuo, até iam fazendo das suas, mas a esposa verdadeira só podia ser uma e mais nenhuma, o que era desprestigiante para as outras nunca assumidas, embora andassem na boca suja dos maldizentes. Contudo todos fechavam os olhos e até se aprovavam as aventuras de qualquer vangloriante garanhão de raça Lusitana. E quando digo... "puritano que continuo" mas que poderia ter deixado de o ser, pois que e dadas as minhas, popularidade e simpatia, resultantes do facto de ser o vocalista do Conjunto Sôr-Ritmo... com boa voz... boa presença e quiçá beleza... ou seja só me faltava a auréola, porque admiradoras não me faltavam "nã sinhor".

De todo o modo, eu até achei, em Mansabá, onde fui confrontado com a situação em causa, que estava certo comprá-las e mantê-las. Sim porque o facto de as ter adquirido, também lhes dava a responsabilidade de as sustentar senão o vendedor poderia exigir a devolução do bem transaccionado... Convenhamos que dar a papa biandense a sete mais os filhos que iam aparecendo, não era nada fácil.


Disse no inicio que me propus etc, etc, e por isso houve que estudar como "religiãonizar-me" mas... se aceites as duas condições qu'abaixo descrevo:
Após demoradas pesquisas, cansativas noites mórbidas, pensamentos enviesados, cheguei à que penso bem elaborada e pior brilhante conclusão final: lá ter sete esposas, tudo bem, mas eu ter de alimentá-las não queria. Daí que só aceitaria se numa primeira fase se acabasse com essa mordomia e qu'elas que adultas são, se desenrascassem.
Numa segunda fase impor-lhes-ia a contribuição de vinte por cento dos ganhos que tivessem e fosse lá da forma como o conseguissem. Afinal adaptando o sistema deles, ao nosso Ocidental, onde já existia uma classe bem posicionada na vida e conhecida por chulos.


JUNHO DE 1967

Acabadinho de regressar e já com as "sódadinhas" iguais às d'agora e porque antes não tinha tido tempo... porque me não apetecera... porque andar na borga era bem mais divertido... porque o que eu queria era ser 1.º trompete lá na Banda Filarmónica da Ponte de Sôr, não estudei o suficiente, na idade própria para tal, mas trabalhei desde os 10 anos, ora bem!!!
Dado que permitiam aos militares no activo e aos regressados, fazer exames liceais em qualquer altura, desde que houvessem passado 60 dias após o último exame, entendi que devia completar o 5.º ano Liceal, Secção de Ciências... qu'a de Letras já tinha e tal impunha-se até para poder subir, através de concursos, na função pública.

Foi canja e em Dezembro desse ano estava feito. Para além da obrigatoriedade de pagar trinta escudos para a Mocidade Portuguesa, os dirigentes dessa e porque eu até sabia escrever à máquina Remington teclado AZERT, pediram-me para ser o elemento que contactaria com outros grupos congéneres, no sentido de se organizarem alguns convívios, com jogos à mistura quer fossem de futebol, ou outro desporto com bola. Para além do mais poderia dar também umas dicas aos moços, sobre alguns aspectos com que eles mesmos um dia se iriam confrontar, se mobilizados.

Ali numa terra perto e tal como eu, havia uma rapaz a procurar saber mais (e que por isso também andava a estudar à noite) e que fora o indigitado para ser o impulsionador do desporto, tal como me acontecera.

Convém acrescentar e elucidar, que qualquer correspondência trocada entre organismos públicos, terminava sempre assim: A BEM DA NAÇÃO.. e por baixo a função de quem escrevia, ou seja "O Chefe (disto ou daquilo) ou o Director, etc etc.
Ora a determinada altura recebi um convite em papel timbrado, onde convidavam o nosso grupo para um jogo, almoçarado antes, e a realizar daí a 15 dias.
Tudo bem... falei com o verdadeiro Cmdt de Bandeira lá do sítio, anuímos mas ri... ri muito. É que o ofício terminava:
"A BEM DA NAÇÃO"
O barbeiro cá da terra.

 (continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12046: O pós-Guiné (Veríssimo Ferreira) (7): A saga do corte umbilical

Guiné 63/74 - P12068: Filhos do vento (20): Bambadinca: foto do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques (CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)


 Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  Uma rapariga de Bambadinca, de cujo nome já não me recordo, e que tinha dois filhos de militares portugueses (presumo).  Como muitas outras, seria lavadeira.

Por Bambadinca, passaram desde o início da guerra, ou até memso antes (dezembro de 1962),  alguns milhares de homens... Ver aqui a lista, do Benjamim Durães,  das cerca de 30 unidades e subunidades que estiveram sediadas em Bambadinca. Nessa lista, conto, pelo menos, 5 companhias, 18 pelotões e 6 batalhões, o que pode perfazer qualquer coisa como, no mínimo, um total de 2250 homens, na base dos 150 homens por companhia, incluindo as CCS dos batalhões...

Mas, a caminho de outros setores do leste, vindos de LDG, desembarcados no Xime ou em Bambadinca, terão passado algumas dezenas de milhares, ao longo da guerra, de 1963  a 1974... Por outro lado, no setor L1 havia tropas em permnanência, além de Bambadinca, noutros aquartelamentos, como o Xime, Fá Mandinga, Mansambo e Xitole, sem contar com os destacamentos e tabancas em autodefesa. O Benjamim Durães não inclui na lista a 1ª Companhia de Comandos Africanos, sediada perto, a escassos quilómetros de Bambadinca, em Fá Mandinga, logo a partir de 1970.

Estas crianças da foto acima terão sobrevivido estes anos todos ? Alguém se lembra delas e da mãe ? Havia mais casos,no tempo (julho de 1969/março de 1971).

A foto é do álbum do 1º cabo bate chapas Otacílio Luz Henriques, do Pelotão de Manutenção (, que era comandado pelo alf mil Ismael Augusto, membro da nossa Tabanca Grande). Deve ter sido tirada entre meados de 1968 e meados de 1970.

Vd. no Público Multimédia o dossiê sobre os Filhos do Vento.

Foto: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.)

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Nota do editor:

sábado, 21 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12067: Os nossos seres, saberes e lazeres (57): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (4) (Tony Borié)

1. Em mensagem do dia 8 de Setembro de 2013, o nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), enviou-nos a continuação da narrativa da sua viagem/aventura de férias, num percurso de 7000 milhas (sensivelmente 11.265 quilómetros) através dos Estados Unidos da América, na companhia de sua esposa.




7000 milhas através dos USA - 4

Ainda se lembram onde parámos no último dia?
Eu vou lembrar.
Foi na cidade de Hays, no estado de Kansas.

Bem, companheiros de “Jornada”, cá vai o resumo do quarto dia

Sim, dormimos na cidade de Hays, no estado do Kansas, que dizem que é a maior cidade no norte-oeste do estado de Kansas, é um centro económico e cultural da região e é a casa da “Fort Hays State University”, que tem uma população que anda à volta de 20.500 pessoas. Pelo menos para nós é acolhedora, comemos o menu típico do Kansas, que para quem não sabe, existem muitas “smokehouses”, que servem algumas variedades de bife ou costelas de búfalo, e até mesmo uma espécie de enchidos, frescos, que são assados num grande “braseiro”. A ementa é à base de carne, alguma curtida, tudo acompanhado com cerveja, alguma local, que é uma espécie de vinho branco, sem muito álcool. O molho, ou seja o tempero na comida, depende da zona onde se pára, pois pode ser de origem russa, polaca, irlandesa, alemã, sueca, mexicana, italiana, ou até mesmo da grã-bretanha, pois algum desse molho, até leva mel e passas de uvas. Alguém nos aconselhou, que não interessava o aspecto do restaurante, o importante era o número de carros ou camiões estacionados à porta, e foi o que fizemos e não ficámos com razão de queixa, também dormimos bem.


Continuando, e desculpem lá a linguagem, “fizemo-nos” de novo à estrada número 70 que depois longas rectas, com a paisagem já conhecida, de pastagens, poços de petróleo com bombas em funcionamento, moinhos de energia, estábulos, alguns abandonados, aqui e ali algumas quintas, onde havia sempre um letreiro em letras muito grandes, mas muito mal desenhadas, dizendo que era o maior “Rancho”, ou a maior “Pedraria” do mundo, com uns milhares de hectares, onde se podia caçar coelhos, lebres e outras qualidades de animais selvagens, assim como faisões, codernizes, perus, galinhas bravas, e muitas outras aves.


Chegámos e cruzamos a fronteira com o Colorado, que está localizado nas montanhas rochosas, parte do seu terreno, pelo menos na parte oeste é acidentado, cheio de montanhas e recebe uma grande precipitação de neve durante o inverno, terreno muito propício para a criação de grandes “resorts” de esqui, como a internacionalmente conhecida “Aspen”.

O nome Colorado, foi dado pelos exploradores espanhóis que deram o nome ao rio que atravessa muito do actual estado de Colorado, por causa do terreno vermelho onde o rio está situado. 


Visitámos o centro de boas-vindas, que tem um museu bastante atractivo com motivos do oeste americano que frequentemente se vê nos filmes de Hollywood, tomámos conhecimento da rota que deveríamos seguir, onde existem as melhores estradas, e os locais com maior beleza, o nosso objectivo era ver a cordilheira de montanhas, que se prolonga por umas centenas de milhas de norte para sul, para o lado de lá da cidade de Denver, que os nossos antepassados, se viram aflitos para cruzar e seguir em direcão à Califórnia.

Chegámos a Denver, aquele Denver de terra plana de um lado e montanhas do outro, aquele Denver cantado em baladas de cowboys, aquele Denver, onde tem locais de sonho, com casas lindas e jardins tratados, na encosta da montanha, e na parte baixa, junto de grandes edifícios, ruas sem tráfego automóvel, só abertas a pessoas para caminhar, com estabelecimentos de modas e restaurantes “chiques”, tudo muito limpinho, as pessoas transportando sacas de compras na mão, com nomes de botiques famosas, mas em outros locais parecidos com o inferno, se é que se pode chamar inferno, a locais com pouca limpeza, casas, algumas deterioradas onde passam estradas rápidas sobre pontes, e debaixo dessas pontes, algumas pessoas dormem, e talvez até habitem. Outras estão junto dos cruzamentos, perto dos semáforos, empurrando aqueles carrinhos das compras do supermercado, onde talvez transportem todos os seus bens, toda a sua fortuna, onde nunca falta um saco de plástico com dezenas de latas vazias de refrigerantes, ou qualquer outro líquido, roupas, sapatos, botas ou chinelas, largas e algumas rotas e sujas, com a face coberta por cabelo de meses. Fazem sinal aos carros, estendendo a mão, dizendo que são “pessoas sem abrigo”, enfim, aquele aspecto que sempre se vê nos subúrbios das grandes metrópoles, mas a impressão final foi de que é uma cidade agradável e sempre em movimento, uma espécie de posto avançado, talvez onde as pessoas esperam antes de atravessar a cordilheira de montanhas e ir para o outro lado, na esperança de ver o oceano Pacífico.


Seguimos para norte pela estrada número 25, e umas milhas à frente, desviámo-nos para oeste, para as montanhas, pois o nosso destino era o “Rock Mountain National Park”. Este parque é parte do “Continental Divide”, em outras palavras, dá uma grande extensão de terreno ao leste e outra ao oeste. Na parte leste, o parque é seco e tem cumes com gelo quase todo ano, na parte do oeste, tem água, ribeiros, lagos, vegetação e floresta. Tem 359 milhas de carreiros famosos onde se pode caminhar, 150 lagos, 450 milhas de ribeiros caindo da montanha, tem 72 picos, ou seja locais com nome, com mais de 12.000 pés de altura, sendo o seu ponto mais alto com 14.259 pés, (4.346 metros), que se chama Long Peak.

É o local de preferência de muitos atletas, campeões olímpicos, que aqui se preparam, também local de lazer de pessoas com boa situação financeira, que possuem casas em locais, que o Tony nunca imaginou que pudesse haver construção, como em ravinas, cimo de montes, vales e em outros locais que são autênticos precipícios!

Um familiar nosso sempre fez referência para visitarmos, neste parque, uma parte que se designa por “Estes Park”, que é uma pequena vila, na encosta de uma montanha, com um grande lago, casas pequenas e acolhedoras, estabelecimentos de modas e outras coisas para quem viaja, tudo muito limpinho, guardas florestais fazendo patrulha a toda a hora, onde está situado o famoso hotel “Stanley”, mesmo na encosta da montanha, sim o hotel “Stanley” dos filmes de Hollywood, onde actores famosos actuaram, como por exemplo: Jim Carrey e Jeff Daniels, no filme “Dumb and Dumber”.


Este hotel foi construído e começou a operar em 1909, onde passaram nomes famosos, como a sobrevivente do desastre do “Titanic”, Margaret Brown, o músico John Philip Sousa, autor da marcha oficial dos Estados Unidos, que é “The Stars and Stripes Forever”, descendente de emigrantes portugueses, pois seu pai era português, mais propriamente oriundo dos Açores, o presidente Theodore Rosevelt, o imperador do Japão e muitas personalidades de Hollywood. 

Contam que este hotel tem uma maldição, e que de noite aparecem pessoas já mortas há muitos anos, por isso este hotel foi o tema do filme “The Shining”, com os actores Jack Nicholson e Shelley Duval. O Tony dormiu nele, no quarto 213, quase junto ao quarto 217, onde foi baseada a história do filme, dizem que aparecem vozes e pessoas já mortas há muitos anos, a caminhar nos corredores, nuas ou com roupa aos farrapos, durante a noite, mas ao Tony e à sua companheira e esposa, nada apareceu.
Estava um pouco excitado, mas devia de ser de duas cervejas que tinha bebido no bar do hotel!


Também percorreram parte do parque, caminharam algumas distâncias, viram alguns animais e aves exóticas, cascatas de água pura vinda da montanha, trilhos que atravessavam pequenos ribeiros, onde ainda se podia beber a água, e fizeram um pic- nic, junto de um lago.

Tony Borie, Agosto de 2013.
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Nota do editor

Último poste da série de 7 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12014: Os nosssos seres, saberes e lazeres (55): Passagens da sua vida - 7000 milhas através dos Estados Unidos da América (3) (Tony Borié)

Guiné 63/74 - P12066: In Memoriam (159): Sadjo Seidei, o Menino da CCAÇ 4540, falecido em Setembro de 2013 na Guiné-Bissau (Eduardo Campos)

IN MEMORIAM

SADJO SEIDI
O Menino da CCAÇ 4540


1. Mensagem do nosso camarada Eduardo Campos (ex-1.º Cabo TRMS da CCAÇ 4540, Cumeré, BigeneCadique, Cufar. Nhacra) com data de 11 de Setembro de 2013:

Hoje dia 11 de Setembro recebi a triste noticia do falecimento de Sadjo Seidi*, o HOMEM DO JERRICAN, titulo dado ao P6308, publicado no blogue em 2010.

A última vez que falei com ele, (acontecia com muita frequência), estava internado no Hospital com malária e de imediato o pânico se apoderou de mim.
Infelizmente vislumbrei este fim.
O Sadjo, o "menino" da minha Companhia que reencontrei em Buba em 2010, já não está entre nós.
Pelo orgulho que sentia por ter convivido com "tugas" e a gratidão que por nós nutria, direi que foi mais um de nós que partiu.
Até sempre Sadjo.

Eduardo Campos
Ex-1º Cabo Rádio Telegrafista

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(*) - Nota do editor:

Vamos relembrar o que está escrito no Poste 6308, de 3 de Maio de 2010, onde o nosso camarada Eduardo Campos narra como encontrou o menino da sua Companhia quando se deslocou à Guiné-Bissau em 2009, se não estou em erro.


SADJO SEIDI – O HOMEM DO JERRICAN

TESTEMUNHO VIVO

Regressei recentemente da Guiné, onde, na companhia de alguns camaradas, andei a visitar os locais onde estivemos instalados durante a guerra.
Confesso que apesar de o meu diário estar recheado de histórias bonitas e outras nem por isso, decidi ainda não enviar nada para publicar no blogue, pelo menos por agora. No entanto um acontecimento surgido em Buba, quer pela sua originalidade, quer pela minha vontade férrea em encontrar alguém conhecido e, porque não dizê-lo, pelas emoções que me causou (algumas lágrimas nos cantos dos olhos), não poderia continuar a ocultá-lo.

O motorista de uma das viaturas que nos acompanhou durante a nossa estadia, parou junto a uma esquadra da polícia em Buba, dizendo-nos que iria falar com o Comandante (seu chefe) já que o mesmo também era policia.
Nós aproveitamos a referida paragem para sairmos da viatura.

Sentados num banco estavam três polícias, um dos quais me pareceu ter uma cara familiar e, sem hesitações, logo lhe perguntei:
- Por onde andaste durante a guerra?

Ao que ele me respondeu:
- Bigene!
- E Cadique? – perguntei-lhe eu.

Ele disse:
- Nhacra!

Foi o percurso que a minha Companhia, a CCAÇ 4540, fez durante a sua permanência na Guiné, pelo que fiquei quase que paralisado. Afinal tinha motivos para que aquela cara me fosse familiar e de novo ele “ataca”:
- E tu és o Campos das transmissões.

Mas que brincadeira é esta? – pensei eu. E logo o José Carvalho me tocou nas costas e apontou-me um jerrican que estava atrás de mim com a seguinte inscrição: CCAÇ 4540.

Foi o sinal que eu precisava para lhe dizer:
- E tu, és o menino da Companhia.

Estava na presença do SADJO SEIDI, o miúdo que nos acompanhou durante os dois anos de permanência da companhia na Guiné e deixamos em Nhacra, no final da comissão, com 15 anos de idade.
Fui agora encontrá-lo em Buba, 36 anos depois, como polícia e com 51 anos de idade.
Dizia ele entusiasmado:
- Eu sabia que um dia havia de encontrar alguém da Companhia. Ando há muitos anos com o jerrican atrás de mim, sempre com a esperança que isto viesse a acontecer.

E aconteceu. Ele disse ao meu cunhado (José Carvalho), que, inteligentemente, antes de ter a ideia do jerrican com a inscrição da CCAÇ 4540, tinha um bidon de 200 litros, mas como era difícil mudá-lo de local, para poder ser mais facilmente visível, optou então pelo jerrican.

- Manga de esperto nos cabeça! - digo eu, claro.

Comentando com os meus companheiros de “aventura”, com a tal lágrima no canto do olho, dizia eu repetidamente que já tinha ganho a viagem.
Eu, entretanto, continuei a ser surpreendido pela memória do Sadjo, perguntando-me por elementos da companhia e, mais me perguntava, se ainda sei como se chamava em termos de código Cufar e Cadique, ao que eu naturalmente respondi que não.
Para ele não foi qualquer problema:
- "Ébano" e "Cação.” – respondeu-me.

Como perguntou também pelo Vasco Ferreira, de imediato lhe liguei para Portugal passando-lhe o telefone, para que o Sadjo falasse com ele (mais uma lágrima).
Os deuses estiveram comigo nesse dia e não nos queríamos separar.
Falamos, falamos… e não é que uma das viaturas que nos transportava avariou, permitindo-nos ficar mais umas horas na conversa.

O miúdo que ficou em Nhacra não teve vida fácil depois da NT entregarem as instalações ao PAIGC, esteve inclusivamente preso e só a idade dele e o bom senso do Comandante, o livraram de… aquilo que todos sabemos que aconteceu aos que “colaboraram” connosco.

Mas, finalmente, tivemos que nos separar, com um “até sempre”, que durou apenas uns dias porque o Sadjo me telefonou a perguntar se eu tinha chegado bem.

Acreditem, já sinto saudades do SADJO SEIDI.

Fotos: © Eduardo Campos (2009). Direitos reservados
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Nota do editor

Último poste da série de19 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11956: In Memoriam (158): João Santos Correia, ex-1.º Cabo TRMS da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4512, falecido em 4 de Agosto de 2013 (Manuel Marinho)

Giné 63/74 - P12065: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (15): A rádio DW - Deutsche Welle emite em português para África e vai passar uma reportagem sobre a situação em que vivem os nossos antigos camaradas guineenes, no próximo dia 24 de setembro


Guné > Zona Leste > Setor L1 (Bambadinca) > Finete > 2ª metade de 1969 > Três militares da CCAÇ 2590 / CCAÇ 12   (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), 4º Grupo de Combate, 2ª secção... Da esquerda para a direita: (i) Furriel miliciano apontador de armas pesadas de infantaria, Luis M. Graça Henriques; (ii), de joelhos), 1º Cabo nº mecanográfico 82115569 José Carlos Suleimane Baldé, de etnia fula, que vive hoje na Guiné-Bissau, na região leste, e que é membro da nossa Tabanca Grande; (iii) soldado nº mec 82115869 Umarú Baldé, apontador de morteiro 60), de etnia fula, que morreu em Portugal, de doença, na miséria, apenas ajudado por camaradas (metropolitanos) da CCAÇ 12.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.



Página do sítio da DW - África, em língua portuguesa. DW é o acrónimo de Deutsche Welle, a Voz da Alemanha.

1. O nosso blogue, e mais concretamente o nosso editor Luís Graça, foi contactado pelo jornalista João Carlos, português, de origem santomense, correspondente da DW em Portugal, em 22 de agosto último, e nos seguintes  termos:

 (...) Sou jornalista, correspondente da Rádio DW a viver em Lisboa. Vi o seu/vosso blogue na minha pesquisa para um trabalho sobre a situação em que vivem os antigos combatentes guineenses em Portugal. Será mais uma reportagem sobre esta temática para a qual gostaria de contar com a sua colaboração, prestando um depoimento que, certamente, irá enriquecer o nosso trabalho.

A minha dúvida é se mora em Lisboa ou arredores. Caso seja o caso e queira colaborar na referida reportagem, aguardo pela sua resposta para, se possível, combinarmos um encontro.

Com os meus agradecimentos.

O correspondente em Portugal,
João Carlos
Jornalista-DW

Tel:(+351) 96 6787827;
Palácio Foz: 21 3429271; 21 3462815
Fax: 21 3464145; 21 3477761
SEIXAL (Portugal)
email: jc1959@gmail.com

2. Há dias foi possível encontrarmo-nos em Lisboa, tendo sido produzido um depoimento para a DW, de cerca de 3 minutos. Previsivelmente a peça jornalística que o João Carlos preparou  irá para o ar na manhã ou noite do dia 24 de setembro, dia da independência da Guiné-Bissau. E também será colocada on-line. O nosso editor deu também o contacto do nosso camarada Jorge Cabral. O jornalista recolheu depoimentos de antigos combatentes guineenses que vivem na capital portuguesa. 

O João Carlos também já foi  correspondente da Voz da América (VOA), embora não conheça o nosso amigo Nelson Herbert, que está em Washington.

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11960: O nosso blogue como fonte de infiormação e conhecimento (14): Estou interessado em projetos conjuntos na área da arqueologia da guerra colonial (Jaisson Lino, Universidade Federal da Fronteira Sul, Chapecó, Santa Catarina, Brasil)

Guiné 63/74 - P12064: Parabéns a você (627): Coutinho e Lima, Coronel Art.ª Ref (Guiné, 1963/65; 1968/70 e 1972/73); Maria Teresa Almeida, Liga dos Combatentes e Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402 (Guiné, 1968/70)


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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12039: Parabéns a você (626): Ribeiro Agostinho, ex-Soldado da CCS/QG/CTIG (Guiné, 1968/70)

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Guiné 63/74 - P12063: Memórias de um passado (Joaquim Cardoso) (2): Um só dia e uma só noite no mato bastaram para um grande susto

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Cardoso (ex-Soldado de TRMS do Pel Mort 4574, Nova Lamego, 1972/74), com data de 17 de Setembro de 2013:

Caros Amigos e Camaradas:
Envio este texto, que é mais um pedaço daquilo que se vai mantendo no meu arquivo memorial. Certo das insuficiências que ele contém referentes a datas e, qual a Companhia e/ou Batalhão do pessoal que me acompanhou. Fiz algumas pesquisas, mas considerei insuficientes para arriscar as suas nomeações. Penso contudo que dará para subentender um momento de aflição por que passei em terras Africanas.


MEMÓRIAS DE UM PASSADO

2 - Um só dia e uma só noite no mato bastaram para um grande susto 

Foi em princípios do mês de Setembro de 1972 que cheguei ao Gabú-Sara em Nova Lamego na Guiné, isolado, (como já tive a oportunidade de referir noutro texto), dos meus companheiros do Pelotão de Morteiros 4574/72.
Após a chegada, comecei por contactar os serviços praticados no Posto de Rádio, Central Telefónica e Centro de Mensagens, afectos à CCS do BCAV 3854, de forma a obter experiência e, posteriormente, fazer parte da escala de serviço dos restantes companheiros de transmissões.

Três ou quatro dias(?) depois de ter chegado, fui informado pelo 1.° Sargento Martins que pertencia ao mesmo Pelotão, para na manhã do dia seguinte me equipar com a farda de mato para seguir para o CAOP, (Quartel Velho), a fim de acompanhar uma coluna em serviço de transmissões, (por falta de pessoal no dito Quartel), coluna essa que tinha como finalidade, (soube depois), o reconhecimento de um local que diziam ser muito perigoso e que já tinha sido utilizado pelas tropas opositoras nas suas ações de guerrilha.

Dando cumprimento à ordem que havia recebido, de manhã vesti o camuflado, preparei a mochila, enfiei 4 carregadores de munições no cinto, peguei na G3 e aguardei.
Transportaram-me depois num jeep até ao Quartel Velho e, após me ter juntado ao resto do pessoal, fomos transportados em Berliets e Unimogs que atravessaram a Bolanha, seguindo pela estrada alcatroada em direção a Oco Maúndo.

Percorridos alguns quilómetros(?), as viaturas pararam e apeámo-nos junto a uma picada em terra batida, tendo as ditas viaturas recolhido ao Quartel.
Não conhecia ninguém do grupo por duas razões: -Ter chegado há poucos dias ao Gabú e não pertencer àquele Quartel. Ali estava eu, junto daqueles operacionais, com a minha farda "novinha em folha" ainda a cheirar a naftalina, contrastando com a deles, em que se notava sem qualquer motivo para dúvidas, o desgaste provocado pelo tempo e/ou trabalhos já passados.

Mochila às costas, G3 num ombro e o rádio AVP1 (Banana) no outro. O rádio Racal que fazia parte do meu equipamento, para comunicações a longa distância, seguia às costas de um carregador, contratado para o efeito, (era um luxo!).

O Alferes que comandava a coluna apeada ordenou para o pessoal formar duas filas, uma no lado direito e a outra no lado esquerdo da picada. Já habituados àquelas "andanças", o pessoal começou desde logo a tomar posições de acordo com as funções que cada um desempenhava e, as filas em pouco tempo ficaram formadas. Eu porém mantinha-me fora da fila, juntamente com o acompanhante com o rádio às costas, esperando orientações.

O Alferes que ia acompanhando os movimentos do pessoal, ao ver-me fora da fila, perguntou:
- Ó transmissões, não vais para a tua posição?

Respondi:
- Meu Alferes, cheguei há poucos dias da Metrópole. É a primeira vez que faço este tipo de serviço e não sei que posição tomar!

Dito isto, olhou para mim com ar de preocupado, com voz alterada e em linguagem militar pergunta:
- Sabes trabalhar com essa "merda"? - apontando com o dedo para o rádio.

Respondi-lhe:
- Depois de terminar a especialidade, utilizei um rádio Racal em duas finais de curso de Comandos na Serra das Meadas em Lamego e, sendo os rádios iguais, não vejo motivo para dificuldades.

Tinha já em minha posse os códigos correspondentes, (os que utilizo a seguir são fictícios), coloquei os auscultadores, puxei a antena, coloquei o botão na respectiva frequência, peguei no microfone e chamei o Posto de escuta:
- OSCAR OSCAR, aqui PAPÁ, diga se me ouve? - Escuto.
O OSCAR respondeu:
- PAPÁ aqui OSCAR, afirmativo-informe
O PAPÁ de novo:
- OSCAR aqui PAPÁ, é uma chamada de experiência.
O OSCAR responde:
- PAPÁ aqui OSCAR, ouço em perfeitas condições.
Finalmente o PAPÁ:
- OSCAR aqui PAPÁ, Ok terminado.

Depois do PAPÁ conseguir comunicar, foi para o meio duma fila onde afinal era o seu lugar!
Seria meio da manhã e, à ordem de avanço, as filas puseram-se em movimento.
Seguimos em marcha moderada com os elementos que a compunham distanciados cerca de 3 metros entre si, a arma em posição de fogo e em permanente vigilância das duas partes do matagal. 

Por volta do meio dia, meia hora(?), parámos para comer a ração de combate. Alguém já conhecedor do meio ambiente, fez uma pequena fogueira, não por falta de calor, que disso estavam todos bem abastecidos, mas para tentar afastar a mosquitagem que além de nos morder constantemente, teimavam em pousar no conteúdo da lata de conserva para dar umas bicadas.

A água do cantil em pouco tempo esgotou e só foi possível reabastecê-lo mais tarde, com a água existente nuns charcos de uma clareira rochosa, "quente como caldo" como é habitual dizer-se.
O Enfermeiro distribuiu ao pessoal "quininos" (habituais comprimidos), para sua desinfeção, e não sendo agradável bebê-la naquelas condições, serviu para humedecer os lábios, limpando-lhes a saliva que se havia acumulado.

A meio da tarde a marcha prosseguia, começando a ouvir-se algumas vozes discordantes, queixando-se ao Alferes do esforço que o pessoal estava a fazer. Entretanto, a marcha mudou de direção. Deixámos a picada e entrámos "mato dentro", agora numa só fila.
Caminhámos por um trilho ladeado de capim com mais de 2 metros de altura. A marcha aqui, tornou-se mais lenta, não só devido ao cansaço dos muitos quilómetros percorridos mas também, pelo aumento das dificuldades que se iam encontrando à medida da sua progressão.
Deu para entender que era local perigoso. As ordens vinham da frente para trás e, em passa-palavra dizia-se:
- Redobrar atenção, aproximar 1 metro, alargar 2 metros, etc.

Passado esse trilho, chegámos ao fim da tarde a um local amplo, onde passámos a noite.

É neste local onde apanhei o que considero ser, o maior "cagaço" da minha vida!
O Alferes ordenou ao pessoal para formar um círculo. Eu fiquei, entre outros, no meio desse círculo, distanciado cerca de 3 metros do Alferes. Seriam, 23 ou 24 horas(?), não havia luar, não se podia acender um cigarro, era escuridão quase absoluta.

Estendido no chão, estava o meu cérebro, bem como o resto do corpo, a aliviar-se um pouco do cansaço que a marcha lhes tinha provocado, quando de repente senti, ou sonhei, um puxão na capa com que me cobria, dando a sensação de me quererem raptar!

Acordo terrivelmente assustado, com o coração a bater mais forte que nunca, mas na incerteza, não "piei". Segundos depois outro puxão, mas agora não tinha dúvidas, era mesmo realidade!
Porém, logo de seguida, uma voz em tom de silêncio e com pronúncia Africana chama:
- Meu Alfero?

Ah... que alívio. - Era o guia!

Homem negro, conhecedor do terreno, que orientava o pessoal em plena mata, procurava aos apalpões na escuridão o Alferes para lhe comunicar que ouviram um barulho e convinha fazer reconhecimento.
Verificou-se depois que o dito barulho, fora provocado por animais que passavam próximos, e não por alguém que certamente estaria no nosso imaginário.

Com muita dificuldade refiz-me do susto, voltando à posição inicial, mas o sono que também se terá assustado, naquela noite não voltou.

Ao romper da aurora, vieram ao nosso encontro algumas viaturas que nos transportaram de regresso ao Quartel.
Após a minha chegada, dirigi-me à Enfermaria e pedi algo para colocar nos pés e músculos por forma a reparar o mal que a marcha dos mais que prováveis 30kms (?), lhes tinham causado.

Finalizando, refiro um à-parte que para mim foi curioso:
O Alferes, Comandante do meu Pelotão, abordou-me e perguntou:
- Onde estiveste ontem que não te vi?

Fiquei admirado com tal pergunta, e expliquei-lhe o que tinha acontecido.
Respondeu-me que nada sabia acerca do assunto e, por esse motivo, sendo o nosso Pelotão Independente, de futuro não voltaria a sair do Quartel, para qualquer tipo de serviço, sem sua autorização.

Tomei nota da sua recomendação e, felizmente para mim, nunca mais voltei ao verdadeiro mato, bastando assim um só dia e uma só noite para apanhar um grande susto.

Castelões- Penafiel, dia 17 de Setembro de 2013
J.Cardoso,
Ex-Sold. Trans. 194530/71

Joaquim Cardoso e Graça

Joaquim Cardoso na Cabina Telefónica

António Santos e Joaquim Cardoso
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 21 DE AGOSTO DE 2013 > Guiné 63/74 - P11966: Memórias de um passado (Joaquim Cardoso) (1): O começo foi assim

Guiné 63/74 - P12062: Convívios (533): Confraternização anual do pessoal da CCAÇ 2797 e Pel Canh SR 2199, dia 5 de Outubro de 2013, na Mealhada (Luís de Sousa)

1. O nosso Camarada Luís de Sousa (ex-Soldado Trms da CCAÇ 2797, Cufar, 1970-72), enviou-nos esta mensagem solicitando a divulgação da Confraternização Anual da sua Companhia e do Pel Canh SR 2199:

Caro Vinhal, 
Venho pedir o favor da divulgação no nosso blogue de mais um encontro da CCaç 2797 e do Pelotão de Canhões s/recuo 2199, que terá lugar no próximo dia 5 de Outubro na Mealhada.

O restaurante escolhido é o "Nova Casa dos Leitões". 

As marcações podem ser feitas com o camarada "Pintarola" ou com o ex-Alf Mil Fernandes pelos números:
916 026 810 ou 239 702 831.

Forte abraço, e, até sempre.
Luís de Sousa
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Nota do editor

Último poste da série de 17 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12054: Convívios (532): 19º Convívio dos ex-militares da CArtª 566 - Vila Nova de Gaia, 26 de Outubro de 2013 (José Augusto Ribeiro)

Guiné 63/74 - P12061: Notas de leitura (521): "No Ocaso da Guerra do Ultramar", por Fernando de Sousa Henriques (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2013:

Queridos amigos,
Graças à impressionante afabilidade da Teresa Almeida, da Biblioteca da Liga dos Combatentes, lá vou tendo acesso a material de registo obrigatório.
O Fernando de Sousa Henriques já nos deixou, a ele se deve um outro livro de viagem de saudades que ele coordenou. Este “No ocaso da guerra do Ultramar” é um relato sem rival, nunca vi tanta minúcia, detalhe e pormenor. Preocupou-se em criar o cenário da guerra, com as suas armas e transportes, a natureza da instrução, a caracterização do meio.
E na segunda parte vamos ter o seu testemunho sobre os terríveis acontecimentos ocorridos em Copá e Canquelifá.

Um abraço do
Mário


No ocaso da guerra do Ultramar (1)

Beja Santos

“No ocaso da guerra do Ultramar, uma derrota pressentida”, por Fernando de Sousa Henriques, edição de autor, 2007, é um livro único no panorama da literatura da guerra colonial da Guiné. Único pela quantidade de informação compilada pelo autor: sobre o cenário da guerra; o tipo de armamento e equipamento usados; súmula dos meios de intervenção e de apoio logístico dos três ramos das Forças Armadas; o que faziam o Movimento Nacional Feminino e a secção feminina da Cruz Vermelha Portuguesa. E dispostos todos estes elementos, o leitor é convocado para uma experiência militar, desde a ida “às sortes” até à desmobilização, tudo é esmiuçado: o ato da inspeção médica, o apuramento do mancebo, o número mecanográfico, o grupo sanguíneo, a recruta, o curso de operações especiais em Lamego, os mandamentos do Ranger e, enfim, a mobilização para a Guiné. O autor integrou a CCAÇ 3545 pertencente ao BCAÇ 3883, é enunciada toda a composição das unidades. Em Março de 1972, parte para a Guiné, de Bissau passam para Bolama, a IAO terá aqui a duração de um mês, e depois rumam para o reino de Pachisse, via Xime/Bambadinca/Bafatá/Nova Lamego/Piche. O destino é Canquelifá.

A minúcia do relato não abranda, ficamos a saber quem vão render, que estão na Zona de Ação L-4, zona de savana com cerca de 2000 km2 de extensão, caracterizada por uma superfície plana, de solo argiloso, coberto de mata dispersa. De Canquelifá a Piche distam 33 km. Ficamos a saber que nesse ano de 1972 Piche teria uma população aproximadamente de duas mil almas, predominantemente Fulas mas coexistindo com a etnia Mandinga. O régulo de Piche era Maundé Embaló, que morava numa casa ao lado da oficina de mecânica do batalhão, saíram de Piche e passaram por Cambor e Dunane. Ficaram surpreendidos quando entraram em Canquelifá, havia uma placa com o símbolo internacional identificativo de termas, estavam a ser praxados.

Não há qualquer economia descritiva na caracterização de Canquelifá, o reino de Pachisse, os lençóis de água, tipo de clima, os marcos fronteiriços identificativos de Portugal e Senegal, enquanto a nossa fronteira com a Guiné-Conacri era definida por certas árvores seculares que existiam naquela zona árida e agreste. Canquelifá era um aldeamento com cerca de 1,2 km de comprimentos e 500 m de largura. Dentro do perímetro interno havia 15 abrigos para as nossas tropas e milícias, espaldões previstos para os obuses 14 e o canhão sem recuo. Com todo o detalhe, o leitor ficará inteirado onde estão os edifícios, um a um, quem ocupa as instalações, como era a casa ocupada pelo capitão Peixinho de Cristo, são apresentados o 2.º Sargento Patada e o 1.º Sargento Simões. Depois o autor embala-se na pormenorização do Canquelifá social, o nome das povoações e até as tabancas abandonadas. E mais, o leitor é induzido para as celebrações do ramadão, as cerimónias do casamento, os batuques, os dias de festa na tabanca, o fanado, as tarefas domésticas, os trabalhos a cargos dos homens, os casos de lepra. Logo ficamos a saber que o autor esteve em Bambadinca cerca de três meses a comandar uma companhia de instrução de milícias, assunto que remete para o pelotão de milícias 267, em Canquelifá.

Segue-se o breve historial sobre o BCAV 2922, esteve na região de Piche entre 1970 e 1972, são registadas as atividades militares mais relevantes.

E começa o dia-a-dia de Canquelifá, da companhia “Os Abutres”, os seus patrulhamentos, as obras de beneficiação, o material utilizado, os lazeres com jogos de cartas, jogos de futebol e de voleibol. Ficamos também a saber as recordações do capelão e do médico. O capelão fora já para a Guiné com muitas dúvidas de fé, admitia no futuro deixar o sacerdócio. As missas eram celebradas debaixo de uma árvore frondosa que exista junto à enfermaria. Improvisava-se uma espécie de altar que não era mais do que uma pequena mesa onde se colocava o Cristo crucificado. A homilia consistia numa mensagem de paz interior, tudo muito terra-a-terra. Ficaram muito boas impressões do médico da companhia, desvelado e interessado pela saúde de todos. Temos aqui fartos apontamentos sobre o paludismo, as visitas a Canquelifá e até a deserção do furriel Vagomestre, que nas férias rumou para a Suécia. Falava-se muito da comida, todos tinham saudades do rancho familiar. Todos se dedicaram às pequenas hortas, até se plantavam piri-piri, pimentos e salsa.

Asseguro que nunca li um relato como este, é uma prosa coloquial, quase divagante, Fernando de Sousa Henriques depõe, indignado, pela sorte dos militares guineenses que foram esquecidos na pós-independência, não pactua com o abandono destes camaradas tão fiéis, tão aprumados, tão combativos. Parece que escreve para diferentes públicos ao mesmo tempo, a sua participação na guerra parece confundível que toda a guerra, com os acontecimentos ocorridos em todos os teatros de operações, toma-se a sua mobilização como a mobilização de centenas de milhares de jovens portugueses. Não disfarça o orgulho pelas suas classificações e por ser o número dois da companhia. A sua preocupação é envolver o leitor, dar-lhe a saber que havia rações de combate, como eram os quartéis, qual o comportamento das populações face à guerra. Nesta dimensão é um cronista que não esconde os seus estados de alma, faz reproduzir o seu álbum fotográfico com oportunidade. No final do livro, não descurará as listagens de militares ex-combatentes, teremos ali o BCAÇ 3883 por inteiro, tal como o BCAV 2922, a lista nominativa dos combatentes originários dos Açores, o seu espólio fotográfico insere-nos em Canquelifá, aperta-se-nos o coração com as destruições que irão ocorrer na última fase da guerra, pois o relato será igualmente minucioso com os graves acontecimentos em 1974 que tocaram à desditosa Copá e ao cerco a Canquelifá.

Será esta a matéria para a próxima recensão.

(Continua)
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Notas do editor

Vd. também poste de 28 DE JANEIRO DE 2009 > Guiné 63/74 - P3809: Notas de leitura (12): Os últimos dias do destacamento de Copá, Janeiro/Fevereiro de 1974 (Helder Sousa / Fernando de Sousa Henriques)

Último poste da série de16 DE SETEMBRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P12048: Notas de leitura (520): "Guiné Mal Amada - O Inferno da Guerra", por António Ramalho de Almeida (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P12060: Manuscrito(s) (Luís Graça) (11): No melhor pano cai a nódoa... (Luís Graça)



Marco de Canaveses > Paredes de Viadores > Candoz > Quinta de Candoz > 28 de agosto de 2013 > Um quivi, ainda verde...Um fruto de origem chinese cuja cutura se expandiu pelo continente australiano, América e depois pela Europa e, mais recentemente, por Portugal e a região de Entre Douro e Minho... Uma nódoa na paisagem, como o eucalipto e tantas outras plantas exóticas e infestantes (, mas também coisas, ideias, usos, costumes, etc.).

Foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados.






No melhor pano cai a nódoa
por Luís Graça







No melhor pano cai a nódoa, diz o povo. 
Ou dizem que diz o povo.
Pergunto: com razão ?
Opto pela dúvida metódica.
Não sei se cai mesmo,
a nódoa no pano.
E afinal o que é que cai ?
E onde ?
A nódoa ou o pano ?
A nódoa no pano ou o pano na nódoa ?

Ou melhor, reformulando a questão:

é a nódoa que cai no pano
ou é o pano que cai na nódoa ?
O pano pode ser voador
como o tapete mágico
das mil e uma noites.
E até provocar um orgasmo de múltiplas nódoas.
E a nódoa, por seu turno,
pode estar ali,
especada,
emboscada,
traiçoeira,
oportunista,
como uma flor carnívora
à espera da sua vítima,
como a orquídea-abelha
à espera do zangão
para ser fecundada.


Pergunto:
será o pano fêmea
e a nódoa macho ?
Se sim, porque dizes o pano, a nódoa ?
Tu, que és pano,
não sei porque deverias ser
estático,
passivo,
objeto,
recetáculo.
Tu, que és nódoa,

terias que ser dinâmica,
proactiva,
sujeito,
vetor ?


Em boa verdade,
não sei mesmo se a nódoa cai,
como a a mação de Newton
por força da gravidade
ou por via do pecado original.
E muito menos se cai no pano.
E logo no melhor pano.

Além disso, por que é que no melhor pano

haveria de cair a pior nódoa ?
Ou por que é que no pior pano
não pode cair também a melhor nódoa ?

Na seda mais fina é que a nódoa pega,
há também quem o diga e ajuramente.
O que vale é que 
a nódoa que põe a amora.
com outra, verde, se tira.
Eu prefiro a bosta de abril
que tira manchas mil.
Mas cuidado com os meses,
que a nódoa de janeiro
não a tira o ano inteiro.
E depois há nódoas e nódoas:
nem toda a água do mar
pode certas nódoas tirar.
E, abrenúncio!,
nódoa de gordura
é alma que cai no inferno.


A conclusão que eu tiro
é que não há pano sem nódoa,
não há nódoa sem pano,
não há ponto sem nó.

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Nota do editor:


Último poste da série > Guiné 63/74 - P12040: Manuscrito(s) (Luís Graça) (10): O dever de servir a Pátria... Éramos todos iguais, mas uns mais do que outros