segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16631: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): A maldição de Cancolim e a CCAÇ 3489 que teve dois casos (o capitão e um alferes) de "abandono" (no período de férias) e um de "deserção" para as fileiras do IN, o sold at inf José António Almeida Rodrigues (1950-2016)


Guiné > Bissau > Cumeré > 1/1/1972 > Passagem de ano > "À frente o alferes que nos abandonou e,  primeiro da última fila [, do lado esquerdo, de pé],  o capitão que também se foi" (sic)...

Legenda complementar [RB]: Em primeiro plano temos o Ferreira, e de baixo para cima da esquerda para a direita, estão o Gaspar, Baptista, Correia, Grosso, Jacinto, Oliveira, Piedade e o Sá;  mais acima estão o Rodrigo Oliveira e o Silva, por cima estão o Guarda, ao lado com a garrafa e o outro a seguir me recordo dos nomes, Conde, Romana, depois temos o Figueiredo, Andrade, o outro Silva e o Bidarra.

Foto (e legenda): © Rui Baptista (2009) Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].




1. Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (14): A maldição de Cancolim e a CCAÇ 3489 que teve dois casos (o capitão e um alferes) de "abandono" das nossas fileiras (no período de férias) e um de "deserção" para as fileiras do IN. 

Há uma maldição de Cancolim ? Há uma maldição do Saltinho / Quirafo ? Há uma maldição do Xime / Ponta do Inglês ? Há uma maldição de Bajocunda / Copá ? .... De Canquefilá ?  De Buruntuma ? De Cheche / Madina do Boé ?...

Há uma maldição do Leste, com a escalada da guerra no chão fula (atuais regiões de Bafatá e de Gabu), que se acentua a partir de 1969, e de que muitos de nós fomos observadores, testemunhas, atores, vítimas…

Por exemplo, João Amado, natural de Carvide, concelho de Leiria, sold aux cozinheiro, nº 03858869, CCAÇ 3489 / BCAÇ 3872, morto em 2/3/1972, no ataque a Cancolim. (Está sepultado em Vieira de Leiria, concelho de Marinha Grande.). Ou Rui Baptista, ex-fur mil da mesma subnidade, felizmente vivo, residente em Póvoa de Santo Adrião, nosso grã-tabanqueiro (desde 9/12/2009) , que pertencia ao 2º pelotão,  "Os Vingadores (e que ficou sem comandante, o alf mil  Rosa Santos, transferido "para as tropas africanas"). Ou o Zé António Rodrigues, recentemente falecido, que foi "prisioneiro de guerra", mas antes foi acusado de "deserção"...

Mp nosso blogue, temos cerca de três dezenas e meia de referências a Cancolim e menos de metade à  CCAÇ 3489 (Cancolim, 1971/74).

Mobilizada pelo RI 2, a CCAÇ 3489 partiu para a Guiné em 18/12/1971 no T/T Angra de Heroísmo e regressou em 28/3/1974 no T/T Niassa, tendo chegado a Lisboa em 4 de abril desse ano, a escassas 3 semanas do 25 de abril de 1974.

A CCAÇ 3489 esteve em Cancolim. Comandantes: cap mil Manuel António da Silva Guarda; e cap mil inf José Francisco Rosa. Pertencia ao BCAÇ 3872 (Galomaro, 1971/74), comandado pelo ten cor inf José de Castro e Lemos. Faziam ainda parte deste batalhão, a CCAÇ 3490 (Saltinho; comandante: cap mil inf Dário Manuel de Jesus Lourenço) e CCAÇ 3491 (Dulombi, Galomaro, cap mil art Fernando de Jesus Pires).

O Rui Baptista é membro da nossa Tabanca Grande , desde 3/12/2009. Recorde-se como ele se nos apresentou:

(…) “Nesse espaço de tempo que permaneci na Guiné (27 meses e alguns dias), sempre em Cancolim (há que retirar o tempo do IAO no Cumeré, duas viagens de férias a Lisboa e dois internamentos no Hospital Militar em Bissau), aconteceram coisas que jamais poderei esquecer” (…)

A "maldição de Cancolim" (o termo é nosso) percebe-se agora melhor, quando o Rui diz:

“A CCaç 3489 não teve muita sorte durante a comissão, principalmente nos primeiros meses. Logo no início em Cancolim em três quintas-feiras seguidas tivemos 4 mortos e 21 feridos”:

(i) Um morto e um ferido numa mina na picada entre Cancolim e o destacamento de Sangue Cabomba; 

(ii) 16 feridos ligeiros num despiste de uma viatura a caminho de Bafatá;

(iiii) e mais 3 mortos e 4 feridos na primeira flagelação do IN ao aquartelamento , em 2/3/1972.

E conta um detalhe biográfico do seu verdadeiro baptismo de fogo:

“Neste primeiro ataque tive a sorte de um ex-furriel dos velhinhos me ter empurrado para dentro da porta da secretaria;  ele, com esse gesto, acabou por ser ferido numa vista por um estilhaço de uma granada de morteiro 82 e eu escapei ileso”…

Não menos grave, ou talvez ainda muito pior para o moral da tropa, foi o que se seguiu:

(...) "Tivemos o abandono do capitão  e de um alferes, e a partida forçada para as tropas africanas do alferes Rosa Santos do meu pelotão”...

Repare-se que o Rui nunca fala em “deserção” (por pudor, por tabu, por respeito, por desconforto ?…) mas em “abandono” (sic)… Presume-se que os dois oficiais, milicianos, tenham "desertado" (é o termo técnica e juridicamente apropriado) durante as férias na metrópole, com menos de meio ano de comissão, portanto no verão de 1972…

A maldição continuou:

“Como o IN não nos dava tréguas, e com o pouco material de guerra que tínhamos para nos defender (na altura apenas um morteiro 81), com o assalto pelo IN ao nosso destacamento e a captura de 2 homens nossos, a fuga de um soldado para o IN, juntamente com as notícias de mortos no Saltinho [em Quirafo, em 14 de Abril de 1972,] e emboscadas no Dulombi, o desânimo instalou-se nas nossas tropas”.

"A fuga de um soldado para o IN" ?  A confirmar-se seria uma terceira "deserção", o que é muito para uma companhia só, depois de um capitão e de um alferes...

E prossegue o nosso camarada Rui:

“Com a substituição do capitão e dos alferes, acabamos por não ter um comando à altura de nos elevar o moral, passámos por um período do quase salve-se quem puder. Valeu-nos o reforço de um pelotão do Dulombi e a visita de alguns Páras [, do BCP 12,] para as coisas acalmarem em Cancolim”.

Mas a maldição não acaba aqui…

“O resto da comissão, principalmente os últimos 7 ou 8 meses de 1973, foi bem mais calmo. O último ataque a Cancolim foi em 20 de janeiro de 1974, nesse dia o IN veio de manhã quase junto ao arame, apesar de muitos de nós andarem a jogar futebol, conseguimos fazer com que batessem em retirada deixando um morto no terreno.

Antes disso, ainda houve duas visitas (forçadas) do Rui ao HM 241, em Bissau, a última das quais por ferimentos graves na sequência de rebentamento de mina A/C que tinha, ao que parece,  "código postal errado" (*)

No meio de tanta desgraça, desânimo e desnorte, ainda rapaziada de Cancolim conseguiu dar provas  de resiliência ao stresse físico e psicológico (exemplificada em brincadeiras, jogos,  atividades lúdicas, etc.),  capacidade essa  que todos nós,  combatentes no TO da Guiné, tivémos que saber desenvolver para sobreviver...

2. Quanto ao "abandono" ou "deserção" das fileiras, por parte de 3 militares da companhia...


A deserção, tal como o suicídio, pode ser contagiante, sobretudo quando o nosso chefe ou líder dá o exemplo... Há famílias "suicidárias", como pode haver unidades militares com tendências para a deserção, em todas as épocas, em todos os exércitos...

Isso aconteceu, infelizmente, em alguns casos (seguramente raros) no TO da Guiné, durante a "nossa guerra" (1961/74). Um deles pode ter sido o da CCAÇ 3489...

O pobre José António Almeida Rodrigues (1950-2016), ex-sold inf,  foi para a cova, ainda recentemente,  e a terra foi-lhe, certamente, mais pesada do que a outros camaradas , pela terrível "suspeição de deserção" que carregou toda a vida...

Dos outros dois antigos militares não falamos, presumindo nós que estão vivos  e que têm direito à reserva de intimidade (o ex-capitão sabemos que sim, que está vivo): só eles sabem por que razão "abandonaram" os seus homens, no verão de 1972... e só eles podem, em consciência, dar ainda, em público, mesmo que tardiamente, uma justificação para uma decisão que não terá sido tomada de ânimo leve. (Julgamos que, no final das férias de 1972, e a partir do momento em que ficaram sob a alçada da justiça militar, pelo "crime de deserção", terão saído do país, não sabemos se de maneira concertada, ou cada um por seu lado, e por sua conta e risco, nem para onde, nem como...).

Até há pouco, quando o caso do Zé António Rodrigues veio à baila no nosso blogue, justamente por ocasião da sua morte, estava ainda muito arreigada na memória do pessoal da CCAÇ 3489 a imagem (estereotipada e injusta) do Rodrigues como "desertor" e, pior ainda, "traidor".

O Rodrigues tinha um "comportamento antisssocial", era agressivo, imprevisível, indisciplinado, "bicho do mato", dizia-se... Ninguém tinha mão nele... A verdade é que o pelotão dele ficou sem alferes, logo cedo, quando este "não regressou de férias", na metrópole, tal como o capitão!...

O Rodrigues dava-se ao luxo de sair a seu bel prazer, para ir caçar, sozinho, ou com os caçadores da tabanca...

Enfim, Cancolim parecia andar sem rei nem roque...

O camarada Rui Silva, ex-furriel e nosso grã-tabanqueiro, disse-nos, ao telefone, que a maior parte da malta estava convencida que ele, Rodrigues,  se tinha "passado para o inimigo". Durante as 24 horas do seu desaparecimento, andaram atrás do seu rasto até ao rio Corubal. Encontraram munições (de G3), abandonadas, e que seriam presumivelmente dele... Logo a seguir o destacamento de Sangue Cabomba foi atacado (tal como Cancolim)...

Há quem "visse" o Rodrigues no meio dos "turras", a orientar o ataque a Sangue Cabomba!!!...

Crucificaram o Zé Rodrigues em vida!... A malta nunca lhe perdoaria  a alegada "traição"!... E nunca fizeram questão de o procurar nem ele procurou os seus antigos camaradas, na metrópole!... Em Bissau, quando esteve preso por "suspeita de deserção" (sic), o 2º comandante do batalhão terá falado com ele...Ele sempre se terá defendido dizendo que tinha sido feito prisioneiro pelo PAIGC (e tratado como tal)...

O António Batista, grã-tabanqueiro, da CCAÇ 3490, que infelizmente já também não está aqui entre nós, tendo morrido no mesmo dia do Zé António (!), deixou-os um testemunho em vídeo, e disse-nos, por mais de uma vez, que o Rodrigues levava porrada dos carcereiros...

Nunca teve nenhum "tratamento VIP" como desertor... E aliciou o Batista para fugir com ele, em março de 1974...

Recorde-se que ambos foram companheiros de infortúnio, no cativeiro, em Conacri e no Boé (entre 1972 e 1974) ... O António  da Silva Batista esteve preso desde abril de 1972 até ao fim da guerra.  O Zé Rodrigues, aprisionado em julho de 1972,  acabou por fugir dos seus captores, em março de 1974, e ensaiar uma heróica fuga, andando  9 dias ao longo das margens do Rio Corubal até chegar ao Saltinho... 

Fizemos questão de reparar esta injustiça,  no nosso blogue, embora tardiamente... O Zé António nunca teve oportunidade de se defender em vida!... E só conheceu a miséria, a infelicidade, a doença e a solidão. Está morto e enterrado!... Mas, apesar dessa vida de  miséria,  ele também conheceu em fim de vida a compaixão humana, a solidariedade e a camaradagem...  Entrou para a nossa Tabanca Grande, a título póstumo, por proposta do Zé Manuel Lopes, seu vizinho da Régua. (**)

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Notas do editor:

(**) Último poste da série > 17 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1606: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (13): Jorge Cabral

(...) Há quarenta anos nós,  jovens,  optámos. Informados ou desinformados,  fomos e lá estivemos. Partilhámos medos, sofrimentos, tristezas, alegrias.

Hoje resta-nos a memória desses tempos. E é essa memória corporizada na Tertúlia, que nos une.

A Tertúlia é, e deve continuar a ser, um Fórum de Camaradas, que em pé de igualdade, informam, relatam e recordam.

Quantos desertaram na Guiné? Porquê? Que fizeram depois? Deram informações?
Colaboraram com o Inimigo? Desconheço, mas não lhes atiro pedras. Não me peçam, porém, para os enaltecer, glorificar ou incensar. (...)

domingo, 23 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16630: Blogpoesia (476): "Do verde ao amarelo..."; "Na sombra eu teço..." e "Rio da esperança", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. O nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) vai-nos enviando ao longo da semana belíssimos poemas da sua autoria, dos quais publicamos estes, ao acaso, com prazer:


Do verde ao amarelo...

Caminho longo.
Um processo espesso.
Silencioso e sombrio.
Emergindo da terra.
Raízes profundas.
No intercâmbio dos elementos.

A seiva pura sobe nos caules.
Com vida.
Um rio fluente.
Cadeia de laços.
Tecendo fazenda.
Viva estrutura.

Crescem os ramos.
Se cobrem de verde.
As folhas.
As flores e os frutos.

Bate-lhes o sol.
Tudo aquecendo.
Medrando.
No tamanho exacto.

Passa-lhe o tempo.
Toldando-lhe a cor.
Um milagre de química
Se deu.
O verde morreu.
O amarelo surgiu...

ouvindo Claydermann

Berlim, 19 de Outubro de 2016
10h7m

JLMG

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Na sombra eu teço…

Sejam suaves, coloridas estas linhas
Que, na sombra, eu teço.
Vêm do linho corado ao sol
E da lã da serra que a terra dá.

O rio as rega, o sol as banha.
Os azuis do céu.
O matiz das urzes.
Minha pena as urze.
Meu tear sombrio.

Linha a linha eu teço
Desta seara d’oiro
Que me aloira a alma.

É tão breve a vida,
Tão rico o bragal.
Ó riqueza louca,
Para eu expor ao sol…

Ouvindo concerto de Schumann por Khatia Buniatiswilli ao piano

Berlim, 21 de Outubro de 2016
9h22m

JLMG

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Rio da esperança

Maviosa fluência de serenidade
Vai naquele rio largo.
A ele acudo nas minhas horas
Mais agitadas que a vida traz.

Nele me banho e lavo todas as asperezas
Que me feriram no corpo e alma.
Se dissipam as névoas negras
Que me toldam a paz.

Reverdece a esperança
E renasce a alegria…

Berlim, 23 de Outubro de 2016
9h3m

JLMG
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Nota do editor

Último poste da série de 16 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16605: Blogpoesia (475): "Pelo céu cinzento..."; "Flor perfumada..." e "Poisei meus pés em África...", poemas de J.L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

Guiné 63/74 - P16629: (De)caras (49): Apresentação, na A25A, em Lisboa, em 20/10/2016, do livro do Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e amor"... Vídeo com direito a poema, escrito em Bissau, em 1997




Vídeo 2' 51'' (alojado em You Tube > Luís Graça)


Lisboa > Associação 25 de Abril > 20 de outubro de 2016 > Sessão de lançamento do livro "Guiné: crónicas de guerra e amor", da autoria do Paulo Cordeiro Salgado (Lema d'Origem Editora, Carviçais, Moncorvo, 2016, 230 pp; coleção Palavra).  

Foi feita uma edição de 500 exemplares, com o apoio da Câmara Municipal de Moncorvo. A capa, muito bonita, baseia-se numa imagem do "pano pente" ou "pano de pente". Na contracapa, com uma bela foto do célebre poilão de Maqué, da autoria de Maria da Conceição Santos Salgado (2006), lê-se: "A presente obra é o resultado de experiências vividas pelo autor no período da guierra colonial e duarnte a sua permanência, como cooperante, na Guiné-Bissau".

A apresentação da obra e do autor esteve a cargo do poeta e jornalista transmontano Rogério Rodrigues, amigo de infância do Paulo Salgado, e  de que fizemos também uma gravação em vídeo. O livro foi vendido, no local,  a preço de lançamento (13 €). O livro pode ser adquirido através de pedido para o mail da editora: editora@lemadorigem.pt

O nosso camarada Paulo Salgado, nascido em Torre de Moncorvo, em 1946,  foi alf mil cav, op esp, CCAV 2721 (Olossato e Nhacra, 1970/72), sendo seu comandante o então cap cav Mário Tomé, hoje cor cav ref.  Foi professor primário, licenciou-se em direito, é mestre em administração de unidades de saúde, fez formação pós-graduada em administração hospitalar, trabalhou em diversos hospitais do Serviço Nacional de Saúde  e foi cooperante em países lusófonos, como a Guiné-Bissau (1990/92 e 1997-2006)  e Angola (nos últimos sete anos). É administrador hospitalar reformado,  vive em Vila Nova de Gaia, tem dois filhos e um neto, é membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora (2005).

Na sua intervenção, a seguir à do editor, António Lopes, e do apresentador, Rogério Rodrigues, o autor fez uma série de agradecimentos e, no final, leu um poema da sua autoria, datado de Bissau, 1997, à época em que esteve á frente do Hospital Nacional Simão Mendes. Aqui se reproduz um excerto da sua intervenção e, por escrito, o seu poema (que teve a gentileza de nos enviar por email hoje mesmo).



POEMA SIMPLES

por Paulo Salgado



Amigos,
gostava de escrever
um poema
que cantasse
a voz do batuque,
o choro do korá,
o eco do bombolom.

Um poema
que tratasse
do trinado das guitarras,
do rufar do adufe,
do gemer de uma viola.

Amigos,
gostava de escrever
um poema
que conseguisse remexer
as profundezas da solidariedade
e da fraternidade.

Um poema
que alcançasse
a planície alentejana,
os vales estreitos transmontanos
e as inundadas bolanhas
e frondosas florestas.

Um poema
que nos cobrisse 

de paz,
de lágrimas de contentamento,
de esperança no presente
e de crença no futuro.

Um poema,
amigos,
para uma música simples.
numa melodia capaz
de embalar os homens
que um dia se encontraram…



Escrito em Bissau no ano de 1997

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Nota do editor: 

sábado, 22 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16628: Recortes de imprensa (83): Guerra colonial: mais de 200 mil refratários, mais de 8 mil desertores... e faltosos, não se sabe..., segundo estudo em curso conduzido pelos historiadores Miguel Cardina e Susana Martins (Lusa / DN - Diário de Notícias / Expresso, de ontem


Amadora > RI 1 > 1968 > CCAÇ 2402, em formação > De pé e da esquerda para a direita, o Raul Albino, o Francisco Silva e o Medeiros Ferreira, aspirantes milicianos.  [Os dois primeiros são membros da nossa Tabanca Grande.]

O João Bonifácio, ex-furriel mil SAM, CCAÇ 2402 (, Mansabá e Olossato, 1968/70) e que vive no Canadá, evocou aqui no poste P1592, o exemplo do Medeiros Ferreira que, como é publicamente sabido, não compareceu ao embarque, para a Guiné . Ele é, das nossas figuras públicas, talvez o mais conhecido dos desertores da guerra colonial.

Na foto acima, o antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros de Mário Soares (I Governo Constitucional, 1976/78), historiador e professor universitário (FSCH/NOVA), já falecido, José Medeiros Ferreira (Ponta Delgada, 1942 - Lisboa, 2014), aparece assinalado com um círculo a vermelho. Foi também um dos principais dirigentes estudantis durante a crise académica de 1962.

Foto: © Raul Albino (2006). Todos os direitos reservados.



Cartaz do Colóquio O (as)salto da memória", 27 de outubro de 2016,  FSCH / NOVA, Lisboa



1. Reprodução de excerto, com a devida vénia,  de notícia da Lusa, publicada no DN - Diário de Notícias, de ontem,  "Mais de oito mil soldados desertaram da Guerra Colonial"


(...) O número de militares do Exército Português que desertaram entre 1961 e 1973 ultrapassou os oito mil, segundo uma investigação dos historiadores Miguel Cardina e Susana Martins que vai ser apresentada num colóquio sobre deserção e exílio.

"Este número, baseado em fontes militares, é um número que peca por defeito e refere-se ao período entre 1961 e 1973. É bastante acima de oito mil e é um número importante porque, até agora, não tínhamos dados sobre o pessoal já incorporado", disse à Lusa Miguel Cardina, um dos autores da análise histórica sobre o fenómeno da deserção da Guerra Colonial.

Miguel Cardina antecipou à Lusa algumas das conclusões do estudo que será apresentado na próxima quinta-feira na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas [da Universidade NOVA de Lisboa], em Lisboa.

"Tínhamos algumas referências a números mas eram parcelares e faziam eco de um certo tipo de deserções. O que nós vamos mostrar é que a deserção é um fenómeno mais complexo do que aquilo que se considerava", explicou.

Os historiadores do Centro de Estudos Sociais (CES), da Universidade de Coimbra,  vão apresentar os dados finais do estudo no colóquio "O (as)salto da memória: histórias, narrativas e silenciamentos da deserção e do exílio", que se realiza na quinta-feira, no qual será também apresentada documentação inédita sobre desertores da Guerra Colonial.

De acordo com os investigadores, o número definitivo do novo estudo sobre militares que desertaram da Guerra Colonial "pode pecar por defeito" porque ainda não é possível contabilizar os dados referentes a todos os territórios e o estudo tem como base apenas fontes do Exército.

O Código de Justiça Militar definia como desertor aquele que não comparecia na instalação militar a que pertencia num prazo limite de oito dias.

Segundo Miguel Cardina, para compreender o fenómeno da recusa de ir à guerra, além dos militares que desertaram, é preciso também considerar os refratários - jovens que faziam a inspeção mas que fugiam antes da incorporação - e os faltosos, que nem sequer faziam a inspeção militar.

"Temos dados que indicam que entre 1967 e 1969 cerca de dois por cento dos jovens que são chamados à inspeção foram refratários. Este número é certamente superior ao número dos desertores. Os faltosos são aqueles que nem sequer se apresentam à inspeção. Dados de 1985 do Estado-Maior do Exército indicam que cerca de 200 mil terão abandonado o país. Na década de 1970, cerca de vinte por cento dos jovens que deveriam fazer a inspeção já não se encontravam no país", indicou o historiador do CES.

Para Miguel Cardina, o "processo de afastamento e fuga" da estrutura militar deve ser estudado com profundidade e, por isso, o estudo começa pelos desertores - porque não existiam números conhecidos até ao momento - mas frisou que é preciso considerar as outras categorias: os refratários e os faltosos.

"Temos de colocar estas três categorias na mesma equação, sabendo que elas são diferentes e têm uma ligação com o fenómeno da guerra, também ela diferente. É natural que, no quadro dos faltosos, a guerra possa estar presente mas não tem o mesmo peso que tem nos refratários e também nos desertores", explicou.

Segundo o historiador, o "fenómeno dos faltosos" cruza-se com o fenómeno da emigração, sendo que uma boa parte destes jovens não estavam a "fugir da guerra" mas também da falta de perspetivas de futuro, ou seja, "a guerra podia ser" uma das motivações para o ato de emigrar.

A primeira conclusão do estudo indica, sobretudo, que a Guerra Colonial tem ainda aspetos de natureza historiográfica que é preciso aprofundar e torna evidente que a temática do exílio, da deserção e da recusa da guerra precisa de ser estudada. (...)

Sobre os militares que desertaram, Miguel Cardina indicou que "todas as histórias de fuga são individuais" e que, por isso, devem ser tidos em conta os portugueses que vão para a África e que desertam das colónias, refugiando-se em Argel ou na Europa, assim como os africanos incorporados nas forças portuguesas.

Cardina frisou que, nos anos finais do conflito colonial, há um fenómeno de africanização das tropas, "porque havia pouca gente e, por isso, havia necessidade de soldados para a guerra", verificando-se que muitos africanos incorporados na tropa portuguesa constituem, em muitos casos, um fluxo específico de deserção.

O colóquio é organizado pela Associação dos Exilados Portugueses (AEP61-74) [, tem página no Facebook, aqui], Centro de Documentação 25 de Abril, Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Centro em Rede de Investigação em Antropologia (CRIA) e Instituto de História Contemporânea.

Vão estar presentes, além de Miguel Cardina e Susana Martins, os historiadores Rui Bebiano, do Centro de Documentação 25 de Abril, Victor Pereira, da Universidade de Pau, em França, e os historiadores Irene Pimentel, Sónia Ferreira, Sónia Vespeira de Almeida e Cristina Santinho.

O presidente da Associação de Exilados Políticos Portugueses, Fernando Cardoso, disse à Lusa que a questão dos desertores da Guerra Colonial (1961-1974) deve ser "analisada com profundidade" porque ainda divide a sociedade portuguesa. (...)


2. Recorte do Expresso, com data de ontem > Centro de Documentação 25 Abril divulga material sobre desertores da Guerra Colonial



(...) O Centro de Documentação 25 de Abril está a preparar documentação inédita sobre desertores da Guerra Colonial para divulgar durante o colóquio sobre a deserção, na próxima quinta-feira, em Lisboa.

“Basicamente, são documentos, muitos deles pessoais e de organizações que se destinavam a apoiar politicamente e pessoalmente os desertores, e que não são conhecidos. Muitas destas organizações resultaram de circunstâncias que já passaram e que só existiram enquanto foram necessárias”, disse à Lusa Rui Bebiano, historiador e diretor do Centro de Documentação 25 de Abril.

O historiador é um dos participantes no colóquio “O (as)salto da memória: história, narrativas e silenciamentos da deserção e do exílio”, que vai decorrer na próxima quinta-feira na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa.

A divulgação inicial de material respeitante à deserção da Guerra Colonial (1961-1975) - através do site do Centro de Documentação 25 de Abril - está integrada nos trabalhos do colóquio e organiza documentos pessoais e de material de países estrangeiros que apoiavam os movimentos de libertação nas antigas colónias portuguesas, assim como os militares que decidiram desertar.

“Nós temos o espólio de organizações de apoio aos desertores na Suécia, na Holanda e em França e temos materiais que nos foram cedidos por exilados e desertores, e é isso que vamos apresentar nesta exposição virtual”, acrescentou Rui Bebiano.

Além da apresentação do material de arquivo, o diretor do Centro de Documentação 25 de Abril vai também fazer uma comunicação que levanta a interrogação sobre se os desertores da Guerra Colonial foram heróis ou traidores.

“Pretendo refletir sobre esta divisão entre aquelas pessoas que consideram os desertores como heróis e aqueles que vêm os desertores como traidores. Há aqui duas vertentes: há pessoas que pensam que o desertor abandonou o teatro de guerra por medo, porque não queria morrer ou ficar ferido. Essas pessoas continuam a pensar da mesma maneira, ainda hoje”, referiu Rui Bebiano, sublinhando que a sociedade portuguesa ignora os motivos da deserção assim como a realidade vivida pelos exilados e desertores antes de 1974.

“É preciso desfazer a ideia de que o desertor ia para uma bela vida no estrangeiro porque, na verdade, foi uma vida de dificuldades e de privações”, afirmou o historiador.

“A animosidade em relação aos desertores – que perdura nos dias de hoje - deve-se à ausência de memória. Não se conhecem as razões que levaram as pessoas a desertar e desconhece-se como foi a vida que essas pessoas levaram a partir do momento em que escolheram não combater, e isso é muito importante. É por isso que este colóquio faz todo o sentido”, disse Rui Bebiano, considerando que se trata de um assunto “esquecido” pela sociedade portuguesa. (**)

“O importante é a compreensão, quer em relação àqueles que decidiram desertar como também em relação a todos os que quiseram combater”, concluiu. (...) (***)


(Excerto reproduzido com a devida vénia...)
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(...) [João Bonifácio:] Pessoalmente, acho que cada um de nós tem o direito a demonstrar o seu ponto de vista, mesmo que negativo. Depois do 25 de Abril, penso que todos os que foram obrigados pelo antigo regime de Salazar e Marcelo Caetano, a refugiar-se em certos países da Europa, puderam todos, ou quase todos, regressar a Portugal e restabelecer as suas vidas junto aos seus familiares.

Por isso, penso que este tema, por muito complicado que seja, deverá ser discutido abertamente por todos os que sintam ter as suas ideias quanto aos chamados desertores. Hoje, e depois de ler neste blogue que o Amigo Luís em tão boa hora iniciou, ter lido das dificuldades de tantos militares, que por pouco não foram apanhados à mão e até fugiram para o mato, para não falar do abandono total por parte dos chefes da guerra em abandonar estes nossos irmãos, até já fiz a pergunta se eu não deveria ter feito o mesmo. (...)


(...) [Paul Raposo:] Quem fugiu, foi por medo, conveniência, comodismo, etc. Uma coisa é certa, por política é que não foi. Esta de, à ultima da hora, vir dizer que se era antifacista, não cola. Se havia assim tantos, então no tempo da outra senhora onde andavam? Andavam a mamar à custa do regime e, para se branquearem, viraram resistentes para aranjarem novos tachos. Cambada de oportunistas.
Atenção, não me compete criticar ninguém, mas galos e perús não são todos uns. Bem me custou o embarque, fugir era mais fácil. (...)


(...) J. L. Vacas de Carvalho:] Uma parte da minha consciência diz que não devemos fazer juízos de valor sobre as causas que levaram um português a desertar. pode ter sido por razões familiares, razões de consciência ou por outras razões que não me compete a mim julgar ou criticar. Outra parte de mim diz-me que eles simplesmente fugiram, tiveram medo, acobardaram-se. Ponto final. Admiti-los no nosso blogue é uma traição a quem lá esteve e que por quem lá morreu. No entanto o nosso Presidente no seu mais alto critério assim o decidirá.(...)

(**)  "Desertores" é um dos temas fraturantes do nosso blogue, que é um blogue de combatentes, dos que cumpriram o dever como portugueses, independentemente das reservas ou objeções (políticas, ideológicas, religiosas, morais, etc.) que podia, ter ou não em relação àquela guerra.

Temos, mesmo assim, cerca de meia centenas de referências com o marcador "desertores"... Em prosa,. em verso: vd. por exemplo poste de 2 de outubro de  2014 > Guiné 63/74 - P13680: Manuscrito(s) (Luís Graça) (40): Selfies /autorretratos: o meu amigo F..., pintor, e eu... Queria que fôssemos, a salto, até Paris, em 1965...

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16627: In Memoriam (266): Manuel Ribeiro de Figueiredo (1942-2016), ex-sold cond auto, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65)




1. Mensagem do nosso camarada, o veteraníssimo José Colaço, ex-soldado trms da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65):


Data: 21 de outubro de 2016 às 19:30
Assunto: Óbito de um camarada


Se for possível pôr informação no blogue,   agradeço.

Faleceu o ex-soldado condutor auto nº 1223 Manuel Ribeiro de Figueiredo, que prestou serviço militar na Guiné,  integrando a CCaç 557.

O funeral é amanhã, 22 do corrente,  na Figueira da Foz. Não tenho mais informações.

José Colaço

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Nota do editor:

Último poste da série > 9 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16580: In Memoriam (265): Manuel Francisco Moniz de Simas, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703 / BCav 705 (Guiné, 1964/66) (Manuel Luís Lomba / Carlos Cordeiro)

Guiné 63/74 - P16626: Agenda cultural (508): No passado dia 14 de Outubro de 2016, no Salão Nobre do Quartel da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, realizou-se a sessão de apresentação do livro "Memórias Boas da Minha Guerra" da autoria do nosso camarada José Ferreira da Silva

Foto: © Jorge Portojo, com a devida vénia.


No passado dia 14 de Outubro de 2016, no Salão Nobre do Quartel da Serra do Pilar (ex-RAP 2), em Vila Nova de Gaia, realizou-se a sessão de apresentação do livro "Memórias Boas da Minha Guerra" da autoria do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69). A cerimónia foi presidida pelo Senhor Coronel Rui Ribeiro, Comandante daquela Unidade.

A  Mesa era composta por: Edgar Maia, em representação da Chiado Editora; Coronel Rui Ribeiro, Comandante do Quartel da Serra do Pilar; General Art.ª Manuel de Azevedo Moreira Maia, ex-CMDT da CART 1689; Carlos Vinhal, co-editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, em substituição do apresentador do livro, Dr. Alberto Branquinho, ausente por motivos de força maior; e José Ferreira, autor do livro.

Deu início aos trabalhos, que decorreram de forma muito informal, ou não estivéssemos entre camaradas e amigos, o Autor José Ferreira, que começou por agradecer ao Comandante da Unidade, senhor Coronel Rui Ribeiro, a sua hospitalidade, e a quem deu a palavra.

O Comandante do Quartel da Serra do Pilar, Coronel Rui Ribeiro

Retivemos das palavras do senhor Coronel Rui Ribeiro, o prazer que aquela Unidade tinha em receber os antigos Combatentes dali saídos em missão de soberania para o antigo Ultramar, especialmente para uma sessão de lançamento de um livro de memórias da autoria de alguém que combateu, respondendo ao chamamento de Portugal.

Seguiu-se uma intervenção do senhor Edgar Maia que representava a Chiado Editora, que salientou a disponibilidade da sua Editora para dar a conhecer livros da autoria dos Combatentes da Guerra do Ultramar, uma forma de literatura que deve ser divulgada e acarinhada.

O representante da Chiado Editora, Edgar Maia, no uso da palavra.

Na ausência do camarada Alberto Branquinho, por motivos imponderáveis, coube ao co-editor deste Blogue, Carlos Vinhal, ler o texto que o Branquinho havia preparado, metendo pelo meio algumas achegas para também dar o seu cunho pessoal, e não ser só um mero leitor. 

O Branquinho começa por dizer como conheceu o Ranger Silva, em Lamego, sem saber que iriam juntos para a Guiné e muito menos na mesma Companhia.
Faz seguidamente uma apreciação à chamada literatura da Guerra Colonial, na qual, de acordo com a sua opinião, se insere este livro. Volta ao autor, explicou como o incentivou a escrever para o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné a sua primeira história, "Bife à Dunane", e mais tarde a publicar um livro, este.
De uma forma original enumera umas quantas histórias que fazem parte do livro, apresentando dois ou três parágrafos, deixando o resto à curiosidade dos leitores.
Não esquece a história "O Chico do Palácio", o nosso Chico, como refere Branquinho, o primeiro militar da Companhia morto na guerra.

Termina o texto com um novo incentivo ao autor José Ferreira, para que continue a publicar no Blogue e faça uma selecção doutros textos que, não sendo divertidos, como os da série "Outras Memórias da Minha Guerra", merecem ser divulgados também em livro.

Por sua vez, Carlos Vinhal terminou dizendo que as histórias publicadas pelo Silva da CART 1689 no seu livro "Memórias Boas da Minha Guerra", assim como as publicadas no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, são o espelho da sua maneira de ser e de como vê o seu semelhante, sem filtros e com verdade, tendo ainda a capacidade nata para o retratar com as palavras certas.
E que venha o segundo livro, agora baseado nas "Outras Memórias", estas bem mais duras, mais tristes, porque são as da guerra-guerra, como diria o camarada Branquinho.

O co-editor deste Blogue, Carlos Vinhal, apresentando o texto do camarada Alberto Branquinho, a pedido deste.

Tomou depois a palavra o Autor José Ferreira que, de improviso, falou do seu livro, das histórias nele contidas, originalmente publicadas no nosso Blogue, dos incentivos  que recebeu para se abalançar nesta aventura, e na alegria que sentia por se ver ali rodeado pelos seus familiares, amigos e camaradas, destacando a presença do "seu Capitão" Manuel Azevedo Maia.
Agradeceu à sua família a compreensão e ajuda que deu nas diversas vertentes para que o seu livro fosse uma realidade. Projectos como estes um homem só não leva a bom porto.
A intervenção do José Ferreira teve de tudo, momentos de boa disposição, hilariantes mesmo, e outros de comoção, ambos contagiantes que não deixaram ninguém indiferente. Os presentes riram a bom rir, mas também engoliram em seco quando as palavras calavam fundo.

O autor José Ferreira num momento contagiante de alegria. Talvez estivesse a falar da "Cabra do Berguinhas".

Seguiu-se o depoimento do senhor General Manuel Moreira Maia, que enquanto Cap Art.ª, comandou a CART 1689.
Começou por agradecer o convite do autor para ali estar, lembrando os tempos vividos na Guiné, os bravos homens que comandou e nunca esqueceu, especialmente aqueles que morreram.
Contou peripécias, boas e más, e riu-se de algumas das histórias publicadas, que desconhecia, aproveitando também para desfazer antigos equívocos.

O senhor General Manuel Moreira Maia, ex-Comandante da CART 1689, quando se dirigia aos presentes. 

Um abraço sentido entre velhos camaradas de armas, o Furriel Miliciano José Ferreira e o seu Capitão Maia.

Uma surpresa estava ainda reservada ao Zé de Catió.
O Bando do Café Progresso, grupo a que o José Ferreira também pertence, estava largamente representada no Quartel da Serra do Pilar. Um dos Bandalhos, o nosso camarada Jorge Teixeira (Portojo), tinha um texto para ser lido se fosse oportuno. E foi, não pelo Jorge Teixeira, autor do texto, mas pelo outro Jorge Teixeira, o mais Bandalho do Bando, porque dele é o Chefe.
Aqui fica o registo fotográfico.

Jorge Teixeira lendo o texto do Jorge Teixeira (Portojo), uma singela homenagem ao homem do dia.

Terminadas as alocuções, ainda no Salão Nobre, seguiu-se a sessão de autógrafos, devidamente supervisionada pelas 3 netas e neto do nosso camarada José, num dia particularmente feliz.

Fotos:© Dina Vinhal

Era este o aspecto do Salão Nobre do Quartel da Serra do Pilar
Foto: © Carlos Vinhal

Finalmente, numa sala anexa ao Salão Nobre, foi servido um Porto de Honra aos presentes, oferecido pelo José Ferreira. Já libertos do cumprimento do silêncio exigido antes, foram trocadas memórias de tempos idos, comuns a quase todos.

Foto: © Jorge Portojo, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 17 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16610: Agenda cultural (501): No passado dia 13 de Outubro, integrada na série Tertúlias Fim do Império, na Messe Militar do Porto, sita na Praça da Batalha, no Porto, foi apresentado o livro "A Batalha de Cufar Nalu" da autoria do nosso camarada Manuel Luís Lomba, que foi Furriel Miliciano na Companhia de Cavalaria 703 (Guiné, 1964/66)

Guiné 63/74 - P16625: (De)caras (48): Apresentação ontem, na A25A, em Lisboa, do livro do Paulo Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e amor"... As primeiras fotos.


Foto  nº 1 >  Na mesa, da esquerda para a direita, o editor, António Lopes. o autor, o nosso camarada Paulo Salgado;  o anfitrião, cor inf Vasco Lourenço, o apresentador da obra, Rogério Rodrigues, poeta e jornalista, amigo de infância do autor; e por fim o prefaciador Mário Tomé (, cor cav ref).


Foto nº 2 > O autor, ladeado do filho mais velho, Ramiro Salgado, e do neto. Contou também com a presença da filha, Paula Salgado (que é bióloga, investigadora em Inglaterra) e, claro, com o amor da sua vida, Conceição Salgado, além de muitos amigos e camaradas, incluindo malta da Tabanca Grande.


Foto nº 3 > Dedicatória ao filho, Ramiro Salgado (que vive em Vila Nova de Gaia)


Foto nº 4 > O autor escreve uma dedicatória ao seu antigo comandante, o ex.cap cav Mário Tomé

Lisboa > Associação 25 de Abril > Rua da Misericórdia,  95 > Sessão de lançamento do livro do Paulo Cordeiro Salgado, "Guiné: crónicas de guerra e  amor" (Lema d' Origem, Editora, Carviçais, Moncorvo, 2016, 230 pp.).

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2016). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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Guiné 63/74 - P16624: Notas de leitura (893): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (3) (Mário Beja Santos)

Bissau - Monumento ao Infante D. Henrique


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Setembro de 2015:

Queridos amigos,
Os programas comemorativos da gesta dos Descobrimentos foram perfeitamente lineares entre 1880 e 1960, de monárquicos, passando por republicanos, até aos aficionados do Estado Novo, tudo fizeram para exaltar a epopeia encetada pelo Infante D. Henrique, e que imprimiu um cunho indelével à História de Portugal. O fim do Império não significou o fim do estudo dos Descobrimentos portugueses, pelo contrário, a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses procurou responder, até que foi extinta, aos ditames do rigor da investigação científica, distinguindo a comemoração da propaganda. Conhecer as sucessivas fases destas comemorações é penetrar no quadro mental e nos conceitos ideológicos dos nacionalistas e de quem lhes sucedeu.

Um abraço do
Mário


As comemorações imperiais portuguesas, nos séculos XIX e XX (3)

Beja Santos

Graças ao importante trabalho de investigação intitulado “Ritualizações da História”, de Fernando Catroga, incluído no II volume da “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, Temas e Debates, 1998, é possível encontrar uma sequência das grandes manifestações nacionalistas-imperialistas entre o jubileu de Camões (1880) e as comemorações do V Centenário da morte do Infante D. Henrique (1960), podendo, por conseguinte, descodificar as razões políticas para as exaltações da “questão imperial”.

Estamos agora nesse grande acontecimento que foi a Exposição do Mundo Português de 1940. António Ferro não iludiu o móbil do que estava a propor para as comemorações: Fundação, Restauração e Descobrimentos. Ou seja, a Fundação e a Refundação da Nação deviam ser simbolizadas como momentos matriciais da construção do Império daí o deslumbramento do Cortejo Imperial do Mundo Português. O Portugal de hoje, síntese do Portugal imperial desfilava com trajes típicos de todas as províncias, ilhas e colónias. E quanto ao Portugal de amanhã lá tínhamos o Carro Alegórico da Mocidade Portuguesa. Catroga é minucioso na descrição de todas as etapas deste programa onde era peça importante a “Exposição Histórica do Mundo Português”.

O V Centenário da descoberta da Guiné é a primeira comemoração depois da II Guerra Mundial, no ar do tempo já espreita a descolonização, ela é desejada e incentivada pelas duas superpotências. A Guiné dispõe de um governador ativíssimo, diligente, reformador como muito poucos. Em Lisboa, é a Sociedade de Geografia quem vai promover as promoções centradas em Nuno Tristão. Em Bissau, as cerimónias terão lugar entre Janeiro de 1946 e Janeiro de 1947, houve conferências, o Centro de Estudos e o Boletim Cultural aparecem sob a batuta de Teixeira da Mota, realiza-se uma exposição histórica na ampla praça em frente do Palácio do Governador. E discursa-se coisas como esta: “O Império, a eternidade de Portugal, nasceu em Sagres. Portugal, sem Império, seria hoje uma anquilose, uma petrificação histórica”.

Para a ciência histórica, são tempos de refrescamento. Um jovem cientista, opositor do regime, Vitorino Magalhães Godinho, alertava: “Os aniversários e centenários só podem ser úteis se constituírem ensejo para estudar problemas, meditar diretrizes, criticar certezas dogmáticas; caso contrário, mumificam-se os vivos sem ressuscitar os mortos”. Godinho traz novas hipóteses interpretativas, envolveu-se em polémica suave com Teixeira da Mota que lhe lançara uma farpa de que era antipatriótico criticar os Descobrimentos, ou de diminuir a ação do Infante ou de pôr em dúvida a existência da Escola de Sagres. A verdade é que Teixeira da Mota nunca mais voltou a escrever em tom apologético.

E estamos chegados às festas henriquinas de 1960, já há movimentos anticoloniais a trabalhar nas colónias portuguesas. É nesta atmosfera de ofensiva anticolonialista que o governo retoma a consigna de uma só Nação, de Minho a Timor. Revogara-se o Ato Colonial de 1930 e as Colónias passaram a designar-se por Províncias Ultramarinas. O que se traçou para as comemorações henriquinas é anunciado publicamente: “Exaltar, através da evocação da figura e obra do Infante D. Henrique, a grande gesta dos Descobrimentos e ação civilizadora dos portugueses. Estas comemorações não estão voltadas exclusivamente para o passado, mas serão a demonstração do valor e das possibilidades das gerações de hoje e como que um ato de fé nos destinos da Pátria – bem necessário nesta hora incerta da vida no mundo”. À semelhança do Duplo Centenário, voltávamos ao conceito de Portugal como baluarte cristão, a sustar o comunismo. A nova lógica era a seguinte: já não estávamos em 1940, a exaltação imperial teria que ser proclamada num contexto em que ainda pudesse gozar de alguma credibilidade, por isso se imprimiu ao discurso oficial português o tom de resistência e os valores da civilização Ocidental. E a proclamação das festas henriquinas, subliminarmente, usava o tom triunfal do passado: “Nesta hora em que o mundo, cada vez mais dividido e disperso, sofre de tão grandes doenças mortais e em que tudo parece ter entrado em dissolução: os espíritos e os corações, a autoridade e a estabilidades dos governos, o sentido de solidariedade e da unidade dos povos, sabemos nós, Portugueses, manter essa crença, essa virtude que iluminou com os seus fogos a nossa grandeza no passado e que nos dias de hoje marca o nosso inconfundível êxito aos olhos do mundo”. Um dos pontos mais altos das comemorações passou pela construção do Padrão dos Descobrimentos, da autoria de Cottinelli Telmo e de Leopoldo Almeida.

E agora? Agora comemoramos a descoberta do “outro”. Extinto o Império, comemoram-se os Descobrimentos portugueses, foi esta a tarefa que recaiu sobre a Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, o objetivo era impulsionar a investigação científica, e Vitorino Magalhães Godinho veio novamente à estacada, defendendo a necessidade de se dar prioridade ao estudo erudito e crítico das fontes e à elaboração de trabalhos que refletissem uma posição interdisciplinar. Havia que renovar a historiografia dos Descobrimentos, dominada por estudos marcantes de Orlando Ribeiro, Teixeira da Mota, Luís de Albuquerque e do próprio Godinho. Estes propósitos irão ser plasmados num elevado número de publicações e em comemorações como as do 450.º aniversário da chegada dos portugueses ao Japão, na Expo 98 e na celebração da viagem de Pedro Álvares Cabral.

Revista Oceanos, o cartão-de-visita da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses 

Extinto o Império, tem sido notório o embaraço com o culto cívico dos mortos da guerra colonial, bem ao contrário do que aconteceu no termo da I Guerra Colonial que deixou dezenas e dezenas de monumentos, lápides, colunas ou pilares espalhadas pelo país. De 1921 a 1936, houve uma Comissão de Padrões da Grande Guerra que apoiou a construção de memoriais no Sul de Angola e no Norte de Moçambique, Açores, mas também em França (o escultor Teixeira Lopes é o responsável pela obra mais relevante que se ergue em La Couture, região em que morreram muitos soldados portugueses. Parece ter ficado bem claro que a consolidação da memória através de comemorações, exposições, cortejos, edições de selos, medalhas, filmes e tantas expressões iconográficas é fruto de um quadro mental em dada conjuntura. Há um fio condutor em que estiveram envolvidos monárquicos de todos os matizes, republicanos e aficionados do Estado Novo: Portugal era indissociável da gesta dos Descobrimentos. Este quadro mental é severamente afetado pelo ciclo da descolonização, pela declaração universal dos direitos humanos, pela carta da ONU, pelo reconhecimento de que os povos eram livres de escolher o seu destino. A historiografia pós 25 de Abril espelha a rejeição da propaganda e a necessidade de estudar numa visão que ultrapassa o eurocentrismo de que se alimentou o sonho nacionalista-imperialista.

Monumento do escultor Teixeira Lopes em La Couture
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Notas do editor

Postes anteriores de:

14 de Outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16598: Notas de leitura (890): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (1) (Mário Beja Santos)
e
17 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16608: Notas de leitura (891): “História da História em Portugal, Séculos XIX-XX”, organização de Luís Reis Torgal, José Amado Mendes, Fernando Catroga; Temas e Debates; 1998, volume II (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 18 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16613: Notas de leitura (892): (D)o outro lado do combate: memórias de médicos cubanos (1966-1969) - Parte XI: O caso do médico militar, especialista em cirurgia cardiovascular, Virgílio Camacho Duverger [II]: Estava a 3 km de Madina do Boé, em 10 de novembro de 1966, quando o cmdt Domingos Ramos foi morto por um estilhaço de morteiro da CCAÇ 1416 (Jorge Araújo)

Guiné 63/74 - P16623: Inquérito 'on line' (77): Num total de 117 respostas, 62% diz que, nos sítios onde esteve, no mato, nunca houve familiares de militares, metropolitanos ou guinenses... Comentários dos camaradas Jorge Cabral, Vasco Pires, Jorge Canhão, Rogério Cardoso, Carlos Mendes Pauleta, Eduardo Estrela, José Colaço, J. Diniz Sousa Faro e Manuel Amaro


Guiné > Região do Óio > Bissorã > c. 1973/74 > Maria Dulcinea (Ni), esposa do nosso camarada Henrique Cerqueira, que esteve com o marido e o filho em Bissorã, de outubro de 1973 a junho  de 1974 (*). [O Henrique Cerqueira foi fur mil, 3.ª CCAÇ / BCAÇ 4610/72, e  CCAÇ 13, Biambe e Bissorã, 1972/74]


Guiné > Região do Óio > Bissorã > c. 1973/74 > Miguel, o filho do Henrique Cerqueira, e da Maria Dulcinea (Ni),  com a filha de um capitão da CCS, no quintal da casa dos Cerqueira.


Guiné > Região do Óio > Mansoa > c. 1973/74 > Miguel, a Maria Dulcinea (Ni), de costas, com a esposa de um outro militar de Bissorã, também de costas, em visita a Mansoa.

Fotos (e legendas); ©  Maria Dulcinea (Ni) / Henrique Cerqueira  (2011), Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


A. INQUÉRITO 'ON LINE': 

"NO MATO, NO(S) SÍTIO(S) ONDE EU ESTIVE, NA GUINÉ, HAVIA FAMILIARES NOSSOS"...

Resultados finais (=117)



1. Sim, esposas (não guineenses) > 26 (22%)

2. Sim, esposas e filhos (não guineenses) > 13 (11%)

3. Sim, familiares guineenses (sem ser das milícias) > 14 (11%)

4. Não, não havia > 73 (62%)

5. Não aplicável: não estive no mato > 3 (2%)

6. Não sei / não me lembro > 0 (0%) 

Total: 117


O prazo de resposta terminou em 20/10/2016, 5ª feira, às 6h52.  O inquérito admitia até três respostas: por exemplo 1, 2 e 3.


B. Comentários dos nossos  camaradas, leitores do blogue (**):

(i) Jorge Cabral

Missirá era um Quartel ou uma Tabanca? E estar no mato, o que era? Tudo fora de Bissau? Bafatá era mato? Por outro lado, e como se sabe, as mulheres fulas acompanhavam sempre os maridos militares. (...) Assim no meu Pelotão [, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71] , existiam 24 soldados, 19 mulheres e 32 crianças...


(ii) Vasco Pires

Nós,  da Artilharia, "herdávamos" um Pelotão [, o 23.º Pel Art, Gadamael, 1970/72] com cerca de trinta soldados e outras tantas mulheres, e uns quantos filhos, e, sinceramente, às vezes ficava difícil de a administrar. (...) Felizmente, lá em Gadamael,  como já referi anteriormente, os Furriéis eram dedicados, eficazes e leais (Furriéis Kruz e Oliveira). Eu mesmo (com os Furriéis) morava na tabanca, bem como os soldados e cabos de recrutamento local.


 (iii) Jorge Canhão

Em relação ao poste do meu camarada Carlos Fraga, há um pequeno equívoco da parte dele, pois em Mansoa, além de esposa do cmdt do batalhão, esteve lá também a esposa e filho do cap Patrocínio, então da CCaç 15, a esposa e filha de um camarada nosso mas da CCS, assim como a esposa de um furriel (Roma) da CCS. Penso que também a esposa do major de operações da CCS estava lá. Inclusive numa festa africana em Mansoa, um individuo atirou uma granada para o meio da festa tendo provocado bastantes feridos, estava lá o camarada Jesus (o tal da CCS) com a esposa e a filhota, que felizmente não foram feridos.

Jorge Canhão,  ex fur mil. 3ª Caç/BCaç 4612/72


(iv) Rogério Cardoso

Em 1964 e 1965 a Cart 64, "Águias Negras", estava sediada em Bissorã. O seu 1.º sargento,  de nome Rogério Meireles, estava acompanhado da mulher e de uma filha de pouca idade, residia numa pequena casa fora do aquartelamento. Acabou ao fim de 1 ano deixar de pertencer à companhia  por ter problemas de estômago, e deste modo foi embora com a família. Digo de passagem que foi o melhor que ele fez, pois, quando de alguns ataques noturnos, aquelas pobres sofriam bastante. Também o furriel vaguemestre mandou ir a mulher, que chegou a Bissau no dia seguinte a ele ter sido ferido, mas sem gravidade. Ele ao fim de uns meses também mandou a mulher de regresso, pelas mesmas razões do anterior caso.


(v) Carlos Mendes Pauleta

O camarada Fraga refere que não existiam familiares de militares em Mansoa. Como o Jorge Canhão referiu no seu comentário, tal não corresponde à realidade. Além dos militares identificados pelo Canhão,  também o major António Rebelo Simões, 2.º Comandante do BCAÇ 4612/72, vivia com a sua esposa. Se assim não fosse como poderia um 1.º cabo sapador ter sido castigado por estar a "espreitar" a esposa do 2.º comandante do batalhão a tomar banho?


(vi)  Eduardo Estrela [ ex-Fur Mil da CCAÇ 14, Cuntima, 1969/71]

(...) Lembro-me bem que em 1970 estavam em Farim, a esposa dum fur mil e a esposa e filha dum 1.º sargento. Não me recordo a que unidades militares pertenciam, mas ambos estavam integrados na guarnição do Batalhão 2879, do qual a minha CCaç 14 fazia parte como unidade de reforço.


(vii) José Botelho Colaço

Penso que nos primeiros anos da guerra no verdadeiro mato não havia um mínimo de condições [para alojar familiares de militares, quer esposas, quer filhos]. Além disso a cultura que nos foi ministrada também não ajudava nada para que tal acontecesse, os filhos e esposas não guineenses coabitarem connosco no mato.

Na minha CCaç 557 (1963/65) a única mulher que nos fez companhia foi a esposa do médico mas só nos finais de 1964 quando no regresso do mato (Ilha do Como) a Bissau e nos fixámos em Bafatá. Aí a drª Maria Luísa foi uma companheira amiga e presente no dia a dia além do doutor, ela era,  e ainda é para nós, militares da 557, a nossa amiga doutora.


(viii) José Diniz Carneiro de Sousa e Faro

O meu caso assim como todos os combatentes pertencentes à BAC 1 / GAC 7 que estavam no mato, os pelotões de Artilharia tinham sempre familiares dos seus praças oriundos de incorporação territorial que transportavam consigo os seus familiares (mulheres e filhos). Era frequente utilizar duas ou mais viaturas só para transporte dos familiares que eram alojadas nas tabancas. Em Binar (1970) tinha um soldado com 6 mulheres.

J. Diniz S. Faro, ex-fur mil art, 1968 - 1970


(ix) Manuel Amaro

No meu BCAÇ 2892, em 1970,  Aldeia Formosa (Quebo), estiveram, durante pouco tempo, duas senhoras, esposas de um Alferes e de um Sargento. A estada foi curta porque o PAIGC, depois de um tempo de quase ausência, decidiu aumentar a sua acção na zona. O único branco civil em Aldeia Formosa era o agente da PIDE/DGS, de apelido Manjerico.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  26 de maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8329: As mulheres que, afinal, também foram à guerra (11): Como fui parar à Guiné (Maria Dulcinea)

(...) Quando chegamos a Bissorã e entro na nossa 'Casa' fiquei espantada pois estava decorada com assentos dum carocha, as camas eram da tropa, tínhamos um frigorífico a petróleo, a casa de banho eram dois bidões de chapa. Tínhamos chuveiro pois o Henrique conseguiu ir buscar água bem longe (daí a explicação do seu estado de magreza pois que arranjou casa, fez uma abrigo, decorou a casa e sempre fazendo a sua actividade militar, porque na CCAÇ 13 não se mandriava).

Quanto à nossa alimentação, foi organizada do seguinte modo: as refeições dos adultos vinham duma espécie de restaurante (O Labinas') que tinha um acordo com a tropa, mas as refeições do nosso Miguel era eu que as confeccionava com artigos comprados na messe e outros sempre que possível na população.

Entretanto eu e o Henrique tiramos a Carta de Condução no mesmo dia em Bissau. Não pensem que nos facilitaram a vida, não, pelo contrário, foram bem exigentes no exame em Bissau.

Para além de ter tido um Natal muito especial em 1973, com pinheirinho (uma folha de palmeira enfeitada), rabanadas e aletria, tudo isto foi enviado pela família da metrópole. Mas o que mais gostei foi ter partilhado esse Natal com outros soldados que invadiram a nossa casa que até se esqueceram que havia algures por ali uma Guerra.

Entretanto veio o 25 de Abril, e tive a oportunidade de ir cumprimentar o pessoal do PAIGC ainda no seu estado de combatentes inimigos. Uns dias antes os "patifes" tinham-nos bombardeado com foguetões, porque pareciam não estarem satisfeitos com o susto que me pregaram em Dezembro, ao infligirem-nos um bruto ataque que foi o meu baptismo de fogo.  (...)

Em Junho [de 1974] regresso a Portugal com o Miguel, e em Julho regressa o Henrique, e uma vez mais fui ter com ele a Lisboa ao RALIS onde foi (fomos) definitivamente desmobilizado[s].

(...) Antes de acabar, lembro que em Bissorã viviam mais senhoras, esposas de militares, ou seja dum soldado, dum furriel e de um capitão que tinha uma menina linda de quem vou tomar a liberdade de publicar a foto, junta com o meu Miguelito. (...)



(**) Vd. os últimos postes da série:


17 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16609: Inquérito 'on line' (75): as primeiras 66 respostas, a três dias do fim do prazo (5ª feira, dia 20): só em 28 casos havia famílias de militares, não guineenseses, no mato... "Lembremos que o maior número de militares do quadro não estavam longe de belas cidades como Luanda, Benguela, Uíge, Malange, Lourenço Marques, Beira, Nova Lisboa e Bissau, por exemplo, onde não faltava nada (comentário de Antº Rosinha)

13 de outubro de 2016 > Guiné 63/74 - P16597: Inquérito 'on line' (73): Até ao dia 20 deste mês, responder à questão "No mato, no(s) sítio(s) onde eu estive, havia familiares nossos... esposas com ou sem filhos"

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16622: Memória dos lugares (348): Olossato, com o Moura Marques, o Grão de Bico, a São... 35 anos depois (Paulo Salgado, ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; autor do livro "Guiné: crónicas de guerra e de amor", 2016)



Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > 2006 > O Grão-de-bico, ontem criança, hoje homem grande, pai de filhos, reencontra o ex-1º cabo Moura Marques e o ex-alf mil cav op esp Paulo Salgado, da CCAÇ


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > 2006 > Rio Olossato > O Paulo Salgado e o Moura Marques, 35 anos depois...


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Olossato > Maqué > O centenário poilão de Maqué... Um monumento vivo... Na foto, o Paulo Salgado e o Moura Marques


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região Autónoma de Bissau > Cumeré > 2006 > Uma viagem de regresso ao passado...A cumplicidade de dois antigos camaradas de armas...



Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região do Oio > Farim > Rio Farim > 2006 > Cambança do rio..."A bos portuguisis? Pai di nôs!"...

Fotos (e legendas); © Paulo & Conceição Salgado (2006), Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O regresso de um homem bom! (*)

por Paulo Salgado  

[ex-alf mil cav op esp, CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72; administrador hospitalar reformado,  transmontano,  apaixonado pela África Lusófona, cooperante, autor do livro "Guiné: crónicas de guerra e de amor", 2016]

Quero falar-vos do Moura Marques [MM] – camarada de luta, companheiro de labutas, amigo de confidências. Nos idos meses de 1970-1972.

Foi no Olossato que se forjou uma solidariedade grande, mas já em Santa Margarida se notava ali a bondade e valentia do Moura Marques, para quem não havia heroísmos nem cobardias, para quem mais valia a verdade do que o servilismo. Se foi louvado, só o poderia ser pela coragem, pelo exemplo, pela calma que dele transparecia, que dele irradiava.

Ontem, dia 26 de fevereiro de 2006, 35 anos depois de a CCAV 2721 embarcar para Lisboa, fomos ao Olossato: ele, a Maria da Conceição e eu,  no Prado. Devagar, para bebermos em conjunto as emoções, e rememorar momentos vividos com os outros camaradas.

Saída em direcção a Bula e dali para Bissorã: o largo, as fotos ao que resta de Os Bigodes, as casas coloniais envelhecidas pelo tempo inclemente, a picada, que outrora era picada por causa das minas, e, não sei por que razão, agora estava linda, avermelhada, e, ao lado, as pequenas bolanhas do alto do Maqué, onde está o mais belo poilão que conheço da Guiné [, foto nº 3], o que resta do aquartelamento do pontão do Maqué, não mais do que algumas paredes onde ainda se descobre uma fresta espreitando para a mata lá atrás (ai quantas sentinelas feitas pelos infernais, pelos vampiros). As fotos da praxe [Foto nº 2]. O marejar de lágrimas do MM.
– Vês, ali, Salgado, tantas horas de trabalho na construção do heliporto, quantas horas perdidas na solidão da mata, quanto de nós ali está ! – dizia ele, emocionado… E a Maria da Conceição tirando as fotos das mais bonitas que já vimos…

Na ligeira subida para o Olossato, alguém grita correndo:
Bolea, patim,  bolea!

Parámos. Uma mulher vinha correndo:
Um mindjer prenhadu sta ali na caminhu!

E nós, os três, preparados para o que desse e viesse que as dores e contracções (percebiam-se) eram repetidas e já nos imaginávamos a fazer de parteiros na beira da estrada…Felizmente a mulher aguentou. E lá foi levada com mil cuidados ao centro de saúde. E nós, como sorrimos de satisfação e de alívio.

O reencontro com os amigos. Um deles anda se recordava do cabo Moura. E o Moura Marques mais uma vez emocionado:
– Bolas, um homem sofre, com este exorcismo... (palavras do MM).

Uma oferta aos amigos. Uma visita à campa muçulmana do Suleiman Seidi. Uma oração em silêncio, um silêncio de saudade, uma saudade enorme – o Suleiman era um irmão. Eu que o diga. O Moura Marques chorou, de pé, honrando a memória de soldado milícia português – um homem chora quando tem que chorar, bolas.
– Olha, ali era o PC, e ali o local dos morteiros; acolá o bar…
– E ali, bem visível a caserna, agora escola de marabu...

O sol já caía a pino. E os amigos, de volta: mantenhas, e o desejo manifesto do Grão-de-bico (homem agora com quatro filhos…menino era naquele tempo) [Foto nº 1]:
– Cabo Moura, leva-me para Lisboa.

Que carinho e que ternura e que vontade de ter outra vida o desejo destes homens, dos que estiveram connosco dos que combateram do outro lado.
– Salgado, isto é demais!

Lá fomos em direcção ao rio Olossato, sempre bonito e frondosas as margens, lodoso, embora. Mais fotos e sempre as crianças, as belas crianças. Umas bolachas que a Conceição distribuiu, fizeram-nas sorrir. Sorrir ainda mais, se é possível.

 Depois a picada para Farim com passagem por Cansambo (só possível agora visitar, pois naquele tempo estava arrasada) e K3; a travessia de canoa a remos para a outra banda: Farim. Tarde quente de calor do sol e de calor humano. Uma cerveja meio quente junto da Fatu Turé e Mustika Turé, encarregadas do bar da festa carnavalística (assim lhe chamou o comandante da canoa! – um neologismo (?!) para o nosso vocabulário.
Boa tarde! A bos portuguisis? Pai di nôs.

O que responder a tal fé antiga? Sem palavras.

De novo a cambança. No meio do rio [foto nº 5], gritou o comandante da canoa vizinha, a motor, sorrindo:
Li, tene manga di lagartus [crocodilos]…

A corrida para Mansabá, umas fotos do jovem ferreiro e da forja… Depois, Mansoa. Um hospitalzinho novo, da cooperação francesa, e as ruínas do quartel com soldados sentados à sombra dos mangueiros…!

E a seguir, Uaque. O último olhar para uma viagem longa, mas emocionantemente bela, reconfortante. Estava (quase) feita a catarse… O Moura Marques:
– Meu Camaradão, meu amigo!...


PS - No dia anterior, estiveramos em Nhacra e no Cumeré {Foto nº 4)… exactamente no dia em que pela última vez o MM almoçara com o seu amigo Fernando (periquito) que viria a morrer em emboscada dois dias depois…

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Notas do editor:

(*) Texto, revisto,  a partir do poste de 2 de março de 2006 > Guiné 63/74 - P584: Crónicas de Bissau (ou o 'bombolom' do Paulo Salgado) (12): reviver o passado em Olossato

(**) Três últimos postes da série >

18 de setembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16499: Memória dos lugares (347): Samba Juli, Sansancuta e Demba Tacobá, tabancas fulas em autodefesa, a sudeste de Bambadinca, para as quais foi destacado por mês e meio, em 20/7/1969, o 3º pelotão da CPM [, Companhia de Polícia Militar,] 2537 (Bissau, 1969/71), a que pertencia o sold cond auto Jerónimo de Sousa, hoje secretário geral do PCP