Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 27 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P5019: Meu pai, meu velho, meu camarada (13): Mindelo, ontem e hoje ( Lia Medina / Nelson Herbert / Luís Graça)
Cabo Verde >Ilha de São Vicente > 2006 > Ponta João Ribeiro > Restos do quartel das forças expedicionárias portuguesas, ali estacionadas durante a II Guerra Mundial. Estas posições de bateria de anti-costa protegiam a baía do Mindelo. A Ponta João Ribeiro fica hoje a 3 km da cidade do Mindelo. Em frente, a uns escassos 600/800 metros, situa-se o ilhéu dos Pássaros.
Fotos: © Lia Medina (2009) / Blogue Luís Graça & Caranaras da Guine. Todos os direitos reservados
Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1943 > "As peças antiaéreas do Monte Sossego [monte sobranceiro a João Ribeiro, pelas indicações que o meu pai me dá; também havia artilharia contra-costa]. Fotografia oferecido pelo meu amigo Boaventura em 21/7 (?)/43 em Mindelo. S. Vicente. Luís Henriques" [1º cabo nº 188/41, 1º Pelotão, 3ª Companhia, 1º Batalhão do Regimento de Infantaria nº 5, expedicionário em Cabo Verde, na Ilha de São Vicente, cidade do Mindelo, de 1941 a 1943]. Portugal, receoso das intenções dos beligerantes, mobilizou alguns milhares de homens para defender as suas ilhas do Atlântico, em especial os arquipélagos dos Açores e de Cabo Verde, para os quais havia planos (secretos) de ocupação por parte dos ingleses (na hipótese da invasão alemã da Península Ibérica, com a cumplicidade do Franco).
Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1943 > "Posição das peças anti-áereas no Monte Sossego, São Vicente, Cabo Verde. Fotografia oferecida pelo meu amigo Boaventura [ Horta, natural da Lourinhã, já falecido, pai dos meus amigos de infância Carlos, Olga e Elisa ] em 21/3/43. Luís Henriques".
Fotos: © Luís Graça (2009). Direitos reservados
1. Mensagem, com data de 8 de Junho de 2009, enviada por Lia Medina:
Assunto - Militares portugueses em São Vicente [, Cabo Verde]
Dr. Luís Graça
Chamo-me Lia Medina e sou cabo-verdiana, filha duma portuguesa com um cabo-verdiano. Sou professora em algumas instituições de ensino superior aqui na ilha de São Vicente, e a minha formação também é sociologia, pela Universidade de Coimbra.
Há uns dias atrás, a realizar pesquisas na Internet, descobri num dos seus vários blogs algumas informações e fotografias sobre a presença de militares portugueses aqui na ilha, durante a segunda guerra mundial, incluindo o seu pai (se não me engano).
Estou-lhe a escrever pelo seguinte, tenho uma turma do 1º ano de turismo cujos alunos desconhecem os dois quartéis militares de Alto de Bomba(ou Paiol de São João) e o de João Ribeiro. Então, resolvi fazer uma visita de estudo com estes alunos aos pontos de defesa da Baía do Porto Grande. Contudo, como vim a descobrir, não existem cá documentos com informações como as datas de construção e desactivação, etc.
Entrei em contacto com o comando militar aqui da ilha, onde fui informada de que os documentos, que existiam em Cabo Verde sobre a presença militar portuguesa nas ilhas, foram quase todos queimados, e os que sobreviveram às fogueiras estão desaparecidos.
Os motivos que me levam a escrever são dois. Um primeiro para lhe pedir autorização para usar fotografias e alguns dados, que consegui encontrar num dos seus blogs, na preparação da visita de estudo. E um segundo, para lhe perguntar se, por acaso não terá mais informações ou mesmo mais histórias sobre a presença dos militares portugueses aqui em Cabo Verde, que me possam ser úteis ou interessantes.
Muito obrigada pela sua atenção.
Os meus cumprimentos.
Lia Medina
2. Resposta de L.G., no mesmo dia:
Minha cara amiga:
Pode utilizar todos os materiais do nosso blogue para efeitos didácticos... A nossa missão também é essa, preservar e divulgar a memória dos portugueses e de outros povos lusófonos, com interesse historiográfico, socioantropológico, linguístico, cultural... Prendem-me, além disso, laços afectivos a Cabo Verde, onde tenho amigos e antigos alunos, e por onde passou o meu pai...
Gostaria que me autorizasse a publicação do seu mail...Em contrapartida, tenho mais fotos e histórias que irei publicar, sobre a presença de expedicionários portugueses em Cabo Verde, nomeadamente durante a II Guerra Mundial...
Essa memória corre um sério risco de se perder... O meu pai, por exemplo, tem já 89 anos. Há um amigo dele, que já morreu, e que tinha também um belo álbum fotográfico... No verão vou ver se consigo recuperar algumas e digitalizá-las... O pai do Nelson Herbert, editor sénior da Voz da América (serviço português para África) - caboverdiano que emigrou e casou na Guiné - também esteve no Mindelo, nos anos 40... Vou também publicar a sua história...
A Lia podia fazer a ponte connosco... Se assim o entender, pode juntar-se aos já 340 membros do nosso blogue, fazendo parte de uma tertúlia a que chamamos Tabanca Grande, uma metáfora, que dá uma ideia da nossa pluralidade e multiculturalidade...
Mantenhas para si. Luís Graça
(Na Tabanca Grande, tratamo-nos todos por tu...)
3. No mesmo dia, recebemos a seguinte mensagem do Nelson Herbert:
Bem hajam, os vrios tentáculos do blogue !
O meu velho está aí a chegar, aos Estados Unidos, no próximo dia 19 de Junho... Pedi aos meus irmãos em Cabo Verde, que com a ajuda dele, vasculhassem os arquivos fotográficos desse período específico da vida dele... Em todo o caso, a vinda dele é já uma boa oportunidade para o registo dos seus depoimentos e experiência durante esse período !
Haver vamos se é desta ..tal como reza o ditado português.. que os santos da casa [não] fazem milagres...
Mantenhas
NHL
4. Resposta da Lia Medina, com data de 9 de Junho:
Olá, Luís
Claro que tem a minha autorização para publicar o email.
É com muito gosto que farei parte da vossa comunidade. E sempre que necessitarem de alguma coisa, daqui das ilhas, estejam à vontade.
Muito obrigada por tudo.
Um abraço.
5. Em 9 de Junho o editor L.G. tinha pedido à Lia (e ao Nelson) para identificar alguns dos locais referidos no poste P4926 (*):
Lia e Nelson): Se puderem confirmar ou identificar os locais, óptimo... Por exemplo, chã de Alecrim (*) hoje está integrado na cidade (digo eu, que não conheço o Mindelo in loco). Abraço.
6. Resposta do Nelson:
Chã de Alecrim ou Lecrim (em crioulo) foi e é de facto um bairro, a norte da cidade do Mindelo..sempre fez parte da cidade e onde esteve instalado o comando militar, isto desde a época colonial...
Com a independência do país, o quartel foi ainda herdado e com mesma finalidade pelas Forçaas Armadas caboverdianas...
Uma outra metade, já nos anos 90 e durante a minha gestão (director geral da Televiso de Cabo Verde), foi recuperada para a instalação do centro de produção da televisão nacional caboverdiana, para as ilhas do Barlavento ...Ainda hoje lá funciona !
Nas instalações dos oficiais daquele quartel, funcionou ou funciona ainda hoje o Hotel 5 de Julho que chegou a pertencer ao BANA... a voz cabovediana.
Chã de Alecrim é hoje um dos modernos bairros de Mindelo...
Quanto ao quartel, acredito que deixou de existir como tal !
7. Resposta da Lia Medina:
Olá, Luís
Gostei muito das fotografias (*). Acho que nunca tinha visto nenhuma delas.
Hoje Chã de Alecrim faz parte da cidade, sim, mas penso que o quartel já não deve existir pois nunca vi lá nenhuma construção do género das fotografias.
Vou ver se consigo saber junto das pessoas mais idosas se consigo identificar pelo menos o local exacto do quartel.
Um abraço.
Ps- mando umas fotografias actuais do quartéis de Ponta de João Ribeiro.
8. Novo mail da Lia Medina, de 10/9/2009:
Aqui vão mais fotografias. A número 50 ainda é do quartel de João Ribeiro. São de 2006, as de João Ribeiro continuam na mesma, já o quartel de Monte Sossego está muito mal.
Como os acessos a este quartel são melhores a população já desmontou quase todos os canhões (só ficou um) e a câmara destruiu muitas das construções para evitar que pessoas fossem lá morar.
As fotografias são todas de Pedro Marcelino, um amigo meu.
Um abraço.
Lia
9. A Lia Medina passa a integrar a nossa Tabanca Grande, tendo respondido amavelmente ao nosso convite, em 9 de Junho último:
Olá Luís
Claro que tem a minha autorização para publicar o email [, de 8 de Junho].
É com muito gosto que farei parte da vossa comunidade. E sempre que necessitarem de alguma coisa daqui das ilhas estejam à vontade.
Muito obrigada por tudo.
Um abraço.
Lia
10. Comentário, posterior, ao Poste 5022, de Carlos Cordeiro, professor de História Contemporânea em Ponta Delgada, irmão do malogrado Cap Pára-quedista João Manuel da Costa Cordeiro da CCP 123. É um leitor atento do nosso Blogue. Ele próprio foi, salvo erro, combatente em Angola, durante a guerra colonial:
Um espólio formidável que o blogue tem aqui arquivado. É de destacar este trabalho exigente de pesquisa e divulgação. Veja-se que, no caso concreto, Luís Graça procurou responder a uma solicitação de uma professora caboverdiana para apoiar uma acção pedagógica. É de louvar vivamente.
Quanto à participação de Portugal na Guerra, os historiadores falam em "neutralidade colaborante". E sobre o caso específico de Cabo Verde, António José Telo ("Os Açores e o Controlo do Atlântico", p. 280) diz o seguinte: "Ao longo de 1941, foram enviados cerca de 5000 soldados para o arquipélago [de Cabo Verde], mas que só têm praticamente armamento ligeiro. A defesa do vital porto de S. Vicente continua a basear-se quase só em três peças de 150 mm, reforçadas em 1941 com quatro peças antiaéreas, 12 metralhadoras e uma secção de morteiros de 81 mm. O cônsul americano em Cabo Verde garante que, caso se dê um desembarque no arquipélago, a resistência será meramente simbólica".
Saudações, Carlos Cordeiro
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. último poste da série:
9 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4926: Meu pai, meu velho, meu camarada (12): 1º cabo Ângelo Ferreira de Sousa, S. Vicente, 1943/44 (Hélder Sousa)
Vd. postes anteriores desta série:
20 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4059: Meu pai, meu velho, meu camarada (1): Memórias de Cabo Verde, São Vicente, Mindelo, 1941/43 (Luís Graça)
21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4060: Meu pai, meu velho, meu camarada (2): Militar de carreira, herói da 1ª Grande Guerra, saiu do RAP 2 como eu (David Guimarães)
21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4062: Meu pai, meu velho, meu camarada (3): No Dia Mundial da Poesia (António Graça de Abreu)
24 de Maio de 2009> Guiné 63/74 - P4407: Meu pai, meu velho, meu camarada (4): Não é um elogio fúnebre que te quero dedicar... (António G. Matos)
26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4420: Meu pai, meu velho, meu camarada (5): A minha família e o RAP2 (Vila Nova de Gaia) (David Guimarães)
16 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4694: Meu pai, meu velho, meu camarada (6): Ex-Cap Pára João Costa Cordeiro, CCP 123/ BCP 12 (Pedro M. P. Cordeiro / Manuel Rebocho)
17 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4700: Meu pai, meu velho, meu camarada (7): Cap Pára João Costa Cordeiro: Um homem de carácter (António Santos / Carlos Matos Gomes)
17 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4703: Meu pai, meu velho, meu camarada (8): Sobre o Capitão-Pára João Costa Cordeiro (Manuel Peredo)
18 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4705: Meu pai, meu velho, meu camarada (9): Testemunho do Coronel Pára Sílvio Araújo sobre o Cap-Pára João Costa Cordeiro (João Seabra)
18 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4706: Meu pai, meu velho, meu camarada (10): Depoimento e fotos sobre o Cap-Pára João Costa Cordeiro (Miguel Pessoa)
24 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4731: Meu pai, meu velho, meu camarada (11): Mensagem do filho do Cap-Pára João Costa Cordeiro (Pedro Miguel Pereira Cordeiro)
Guiné 63/74 – P5018: Em busca de... (93): Procuro qualquer informação sobre o pessoal da CART 3567 "Os Insaciáveis". – 1972/74, (Paula Sofia Ferreira)
1. O nosso Camarada Luís Graça recebeu uma mensagem/apelo de Paula Sofia Ferreira, filha de um Camarada-de-armas nosso, o Manuel Henrique Ferreira, da CART 3567 "Os Insaciáveis" – 1972/74, que passamos a divulgar e diz o seguinte:
APELO
CART 3567
Caro Luís Graça,
É com muito gosto que tomo conhecimento do seu blogue!
O meu pai, Manuel Henrique Ferreira, foi combatente no Ultramar. Como certamente adivinha, não passa dia nenhum que não haja uma história nova para ouvirmos... mesmo que não seja nova, o prazer de ouvir o meu pai é sempre GRANDE!
O meu pai regressou do Ultramar em 1974 e como todos os combatentes, continuou a lutar pela sua vida... no início não foi fácil; devido a algumas dificuldades tornou-se impossível o meu pai acompanhar os almoços convívio com os camaradas. Acabou por perder o contacto...
Por várias vezes tenho tentado pesquisar (net), na esperança de conseguir novidades, mas não tenho tido muita sorte.
Hoje, e ao fim de alguma insistência, conseguimos convencer o meu pai a ir à Liga dos Combatentes... porque como sabe tão bem... os anos passam mas as marcas da guerra ficam para sempre...
Chegou a casa muito motivado em voltar!
Ele referiu o facto de ter imenso gosto em partilhar com os camaradas, os convívios anuais. A dona Teresa (liga dos Combatentes) deu o seu blogue como referencia para a possível busca e encontro de novidades daquilo que procuramos: camaradas da companhia a que o meu pai pertencia.
Como calcula, adorava surpreender o meu pai com o contacto de algum camarada! Tenho como referencia: CART 3567 "Os Insaciáveis".
Conto com a sua ajuda e agradeço desde ja a disponibilidade. Se forem necessários outros dados agradecia que me comunicasse!
Atentamente,
Paula Sofia Ferreira
Emblemas de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
Guiné 63/74 - P5017: Parabéns a você (28): Luís Borrega, ex-Fur Mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72 (Os Editores)
Neste Domingo, dia 27 de Setembro de 2009, completa mais um ano de vida, que se quer seja muito longa, o nosso camarada Luís Borrega (*), ex-Fur Mil Cav MA da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72.
Toda a Tabanca se junta, para numa só voz, desejar ao Luís Borrega as melhores venturas e um dia muito alegre, junto dos que lhe são mais queridos.
Aproveitámos para deixar já marcado encontro para, pelo menos os próximos 30 anos, sempre neste dia.
Luís Borrega está connosco desde Dezembro de 2008, quando se nos dirigiu assim:
Caro amigo, após conversa com nosso camarada Mário Beja Santos, decidi escrever para o teu blog para me inscrever na tabanca grande, ai vai a minha apresentação:
Luís Filipe de Magalhães Borrega (Luís Borrega)
Ex-Fur Mil Cav com o curso de Minas e Armadilhas, mobilizado para a Guiné pelo Regimento de Cavalaria 3 de Estremoz, integrando a CCAV 2749/BCAV 2922, colocado no sector L4, no leste da Guiné em Piche.
A minha Companhia tinha os destacamentos CAMBOR, Ponte de RIO CAIUM e mais tarde reocupamos o destacamento de BENTEM.
A nossa área de operações era Piche, Canquelifá e Buruntuma.
Aguardando noticias tuas...
Alfa Bravo!
Luis Borrega
Se bem se recordam, Luís Borrega reclamou para si a fasquia do visitante UM MILHÃO do nosso Blogue (**). Manga de ronco para ele e um orgulho para todos nós, por termos atingido, e já de longe suplantado, tão importante meta.
Quem quiser saber um pouco de dialeto Fula, por mera curiosidade que seja, também pode recorrer ao Mestre Borrega, ou consultar os seus postes dedicados ao Dicionário Fula/Português
Consultados os arquivos do Blogue, apenas encontramos esta foto do Luís:
O Ex-Fur Mil Cav MA Luís Borrega a partir mantanha com os bravos do seu Pelotão (3.º GComb da CCav 2749/BCav 2922) no almoço/convívio realizado em Santarém no ano de 2008.
__________
Notas de CV:
V. postes postes de Luís Borrega de:
(*) 4 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3699: Tabanca Grande (108): Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...
26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3798: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (3): Jungo, neuréjungo, ondo... / Braço, mão, dedo, ...
1 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3827: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (4): Nhamo, nano... / Direita, esquerda...
14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3889: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (5): Jubi, ala poren, iauliredu... / Miúdo, avião, tem medo...
3 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3833: Em busca de... (64) Militares do BCAÇ 3872, Guiné 1971/73 (Luís Borrega)
21 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3922: Blogoterapia (92): A guerra nunca acaba para aqueles que se bateram em combate (Luís Borrega)
15 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4190: Convívios (109): Pessoal da CCAV 2749 e CCS/BCAV 2922, Vila de Teixoso, no dia 1 de Maio de 2009 (Luís Borrega)
(**) 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4215: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (7): Luís Borrega, visitante um milhão (Luís Borrega)
27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4252: Os Bu...rakos em que vivemos (7): Destacamento de Rio Caium (Luís Borrega)
Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4986: Parabéns a você (27): O veterano Coutinho e Lima, Cor Art Ref, Gadamael (1963/65), Bissau (1968/70), COP 5 (1972/73)
Toda a Tabanca se junta, para numa só voz, desejar ao Luís Borrega as melhores venturas e um dia muito alegre, junto dos que lhe são mais queridos.
Aproveitámos para deixar já marcado encontro para, pelo menos os próximos 30 anos, sempre neste dia.
Luís Borrega está connosco desde Dezembro de 2008, quando se nos dirigiu assim:
Caro amigo, após conversa com nosso camarada Mário Beja Santos, decidi escrever para o teu blog para me inscrever na tabanca grande, ai vai a minha apresentação:
Luís Filipe de Magalhães Borrega (Luís Borrega)
Ex-Fur Mil Cav com o curso de Minas e Armadilhas, mobilizado para a Guiné pelo Regimento de Cavalaria 3 de Estremoz, integrando a CCAV 2749/BCAV 2922, colocado no sector L4, no leste da Guiné em Piche.
A minha Companhia tinha os destacamentos CAMBOR, Ponte de RIO CAIUM e mais tarde reocupamos o destacamento de BENTEM.
A nossa área de operações era Piche, Canquelifá e Buruntuma.
Aguardando noticias tuas...
Alfa Bravo!
Luis Borrega
Se bem se recordam, Luís Borrega reclamou para si a fasquia do visitante UM MILHÃO do nosso Blogue (**). Manga de ronco para ele e um orgulho para todos nós, por termos atingido, e já de longe suplantado, tão importante meta.
Quem quiser saber um pouco de dialeto Fula, por mera curiosidade que seja, também pode recorrer ao Mestre Borrega, ou consultar os seus postes dedicados ao Dicionário Fula/Português
Consultados os arquivos do Blogue, apenas encontramos esta foto do Luís:
O Ex-Fur Mil Cav MA Luís Borrega a partir mantanha com os bravos do seu Pelotão (3.º GComb da CCav 2749/BCav 2922) no almoço/convívio realizado em Santarém no ano de 2008.
__________
Notas de CV:
V. postes postes de Luís Borrega de:
(*) 4 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3699: Tabanca Grande (108): Luís Borrega, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche, 1970/72
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3785: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (1): Nafinda, nháluda, naquirda... Bom dia, boa tarde, boa noite...
24 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3786: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (2): Gô, Didi, Tati, Nai, Joi.../ Um, Dois, Três, Quatro, Cinco...
26 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3798: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (3): Jungo, neuréjungo, ondo... / Braço, mão, dedo, ...
1 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3827: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (4): Nhamo, nano... / Direita, esquerda...
14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3889: Dicionário fula / português (Luís Borrega) (5): Jubi, ala poren, iauliredu... / Miúdo, avião, tem medo...
3 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3833: Em busca de... (64) Militares do BCAÇ 3872, Guiné 1971/73 (Luís Borrega)
21 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3922: Blogoterapia (92): A guerra nunca acaba para aqueles que se bateram em combate (Luís Borrega)
15 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4190: Convívios (109): Pessoal da CCAV 2749 e CCS/BCAV 2922, Vila de Teixoso, no dia 1 de Maio de 2009 (Luís Borrega)
(**) 19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4215: O mundo é pequeno e o nosso blogue... é grande (7): Luís Borrega, visitante um milhão (Luís Borrega)
27 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4252: Os Bu...rakos em que vivemos (7): Destacamento de Rio Caium (Luís Borrega)
Vd. último poste da série de 21 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4986: Parabéns a você (27): O veterano Coutinho e Lima, Cor Art Ref, Gadamael (1963/65), Bissau (1968/70), COP 5 (1972/73)
sábado, 26 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P5016: Efemérides (26): Bissau, Cerimónias do 24 de Setembro de 2009 (Pepito)
1. Mensagem que o Pepito enviou para o Luís Graça, no dia 24 de Setembro de 2009:
Luís,
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...
Festejámos ontem o nosso dia da Independência.
Já o não fazíamos há 20 anos!
Foi bonita a Festa, pá.
Voltou-se a falar de Amílcar Cabral.
Corre um vento muito bonito de esperança.
Compete-nos a nós continuar a assoprar e não deixar, outra vez, que outros o façam por nós.
Um abração,
pepito
Fotos: Pepito (2009). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
25 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5010: Efemérides (21): Boé, 24 de Setembro de 1973, memórias de L. Mussatov, diplomata russo (Nelson Herbert / José Milhazes, Lusa)
Guiné 63/74 - P5015: Banco do afecto contra a solidão (7): O texto, revisto, do livro está entregue, mas o Amadu Djaló não está bem (Virgínio Briote)
1. Notícias, com data de 24 do corrente,
do nosso mui querido amigo e co-editor Virgínio Briote (na foto à esquerda, com o Amadu e o J. Colaço, no 10 de Junho de 2009, em Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso):
Não temos boas notícias do Amadu. Depois de ter sido internado com insuficiência respiratória, foi levado para Belém e sujeito a medicação.
Visitei-o ontem, encontrei lá por acaso o Cor Folques (estava também a internar a mulher) e estivemos a conversar com o Amadu. Pareceu-me muito melhor, falou duarante
cerca de uma hora sem grandes dificuldades.
Mas ontem esteve outra vez pior e hoje falei com a médica dele, a Drª Helena Pinto, que me disse que o ia meter na máquina. O problema respiratório mantém-se. Suspeita de insuficiência cardíaca, uma doença com reduzida esperança de vida, e que o ia mandar fazer os exames para confirmar.
Entretanto o Amadu quer sair a todo o custo e deu um prazo para melhorar até 2ª feira. Caso não mehore vai ter com o filho a Londres...
É isto que tenho para vos contar.
Um abraço
vbriote
PS - Entreguei ontem o texto revisto do livro do Amadu ao Lobo do Amaral.
do nosso mui querido amigo e co-editor Virgínio Briote (na foto à esquerda, com o Amadu e o J. Colaço, no 10 de Junho de 2009, em Lisboa, Belém, Forte do Bom Sucesso):
Não temos boas notícias do Amadu. Depois de ter sido internado com insuficiência respiratória, foi levado para Belém e sujeito a medicação.
Visitei-o ontem, encontrei lá por acaso o Cor Folques (estava também a internar a mulher) e estivemos a conversar com o Amadu. Pareceu-me muito melhor, falou duarante
cerca de uma hora sem grandes dificuldades.
Mas ontem esteve outra vez pior e hoje falei com a médica dele, a Drª Helena Pinto, que me disse que o ia meter na máquina. O problema respiratório mantém-se. Suspeita de insuficiência cardíaca, uma doença com reduzida esperança de vida, e que o ia mandar fazer os exames para confirmar.
Entretanto o Amadu quer sair a todo o custo e deu um prazo para melhorar até 2ª feira. Caso não mehore vai ter com o filho a Londres...
É isto que tenho para vos contar.
Um abraço
vbriote
PS - Entreguei ontem o texto revisto do livro do Amadu ao Lobo do Amaral.
Guiné 63/74 – P5014: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (20): Os códigos secretos da guerra
1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 20ª estória:
Camaradas,
Ao vasculhar o meu baú de memórias, dei com este texto que, em outros tempos, escrevi sobre os nossos camaradas Operadores de Cripto.
Penso que, com a sua publicação no blogue, prestar-lhes-ei o meu pequeno e modesto, mas mais que justo contributo.
O Titulo que dei ao texto foi:
"CÓDIGOS SECRETOS DE GUERRA"
As trocas de transmissões de mensagens entre os diversos elementos das diversas Unidades espalhadas pelo território, bem como entre os operacionais no terreno, tornavam-se indispensáveis e cruciais à realização de toda e qualquer acção militar e ao melhor êxito na sua concretização.
Em inúmeras situações, além do intercâmbio de informações vitais acerca de todas as matérias em jogo nas nossas movimentações, em acções de combate, pedidos de dicas sobre orientação, apoio de fogo com armas pesadas, pedidos de socorro, etc. permitiam-nos, essencialmente e acima de tudo, actuar com prontidão e eficácia na evacuação dos nossos feridos.
Os operadores de Cripto, eram então os militares que cifravam e decifravam as mensagens classificadas, a que eram atribuídos os seguintes graus de segurança: RESERVADO, CONFIDENCIAL, SECRETO ou MUITO SECRETO.
Além do envio e recepção de mensagens, também escutavam, interceptavam e, ou, interferiam nas transmissões efectuadas entre os guerrilheiros do IN.
Para proteger as nossas trocas de informações (mensagens faladas via rádio), de modo a evitar a eventual decifração pelo IN das mesmas, foi imaginado e criado o uso de Códigos Secretos.
Os referidos códigos eram constituídos por dígitos e símbolos, que dispostos numa mensagem, aparentemente, não demonstravam qualquer nexo a um qualquer leitor, e estavam, geralmente, compilados em pequenos manuais, de acesso muitíssimo restrito.
A sua distribuição era feita de maneira muito específica e cuidadosa, apenas a determinadas e seleccionadas hierarquias superiores e, do mesmo modo, a militares seleccionados e de altíssima e insuspeita confiança.
Qualquer suspeita de fuga de informação, ou de desconfiança que o IN, por qualquer motivo, descodificara os códigos em uso, implicava a sua imediata alteração.
Os Operadores de Cripto tinham os códigos secretos de decifração das mensagens, que circulavam nos Comandos da Guiné.
Como é óbvio dominando soberbamente esta matéria, os nossos criptos tornavam-se “apetitosos” elementos a capturar pelo IN, pelo que eram sempre homens muito bem guardados.
Nos aquartelamentos do mato, zelávamos atentamente pela sua segurança, para que nada lhes acontecesse e muito menos deixá-los ser apanhados.
Lembro-me de um “Top Secret” chegar a Mampatá, e nos ter alertado para este precioso e importante facto.
Haviam informações de que o IN, procurava por todos os meios capturar pelo menos um dos nossos criptos.
Estes especialistas, devido ao seu estatuto de “secretismo”, tinham todos fichas de caracterização pessoal na PIDE/DGS, e após as suas desmobilizações da tropa, eram vigiados/controlados, durante longos períodos da suas vidas, por aquela polícia política, visto que, mantinham nos seu cérebros o domínio dos segredos utilizados na codificação, que tinham aprendido e empregue ao longo das suas comissões de serviço.
Lembro-me do Ramos um desses Operadores Criptos da minha Companhia dizer, num dos nossos encontros anuais, que depois de passar à “peluda” ainda tinha sido abordado pela PIDE/DGS.
Naquele tempo haviam especialidades, que nós do mato julgávamos que eram privilegiadas, mas afinal não passavam de um grande bico-de-obra.
Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art
Fotos: José Félix (2009). Direitos reservados.
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Notas de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
sexta-feira, 25 de setembro de 2009
Guiné 63/74 - P5013: Gavetas da Memória (Carlos Geraldes) (8): A Poderosa Rainha
1. Das Gavetas da Memória de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66, saiu esta história/refexão sobre nós, como sentimos Áfica e como a vivemos naqueles longínquos anos.
Gavetas da Memória
A Poderosa Rainha
Acordei a meio da noite com uma sensação estranha que nunca tinha sentido. Saí da cubata para o meio da aldeia tentando adivinhar que mistério seria aquele que sentia crescer em volta de mim. A lua já se tinha escondido e dera lugar a uma espantosa toalha de luzinhas fulgurantes que se deixavam cair, langorosamente, sobre a minha cabeça, cobrindo-me como um manto da cabeça aos pés.
Foi então que me pareceu ouvir os sóis, as estrelas e todos os corpos celestes. Era um zumbido muito leve que apenas se deixava adivinhar. Era como um coro de anjos fabulosos, vindos lá do fim do Universo, afogando-me numa tal estupefacção que fiquei ali, pregado ao chão, de olhos esbugalhados.
Quando recuperei da surpresa procurei uma tosca plataforma de troncos onde os homens se reuniam durante o dia e ali me deitei, com os braços abertos em cruz, deixando que todo o céu desabasse sobre o meu corpo estarrecido.
Naquela tabanca, edificada numa pequena elevação que parecia estar no umbigo do Mundo, avaliei profundamente, a verdadeira dimensão de todos nós, pobres seres pensantes que julgamos tudo dominar. O tempo rugia nas roldanas do mundo que vogava pelo infinito, sem destino.
Num silêncio sepulcral toda a aldeia dormia sob um manto mágico que parecia proteger as casas, os homens, os animais e dar mais força às árvores dispostas agora em redor, velando por nós como sentinelas atentas.
Quando julguei que apenas eu era testemunha daquela revelação, vi um pequeno clarão e o acender de um cigarro de alguém que como eu, estava evidentemente com insónias.
Era o alferes Machado.
Na véspera tínhamos recebido uma mensagem de Bissau que o surpreendera tanto a ele, como a todos nós. Viriam brevemente buscá-lo para uma missão que diziam ser da mais alta responsabilidade. Acabara de ser nomeado oficial adjunto do Governador.
Naquela tarde, mal soubéramos da novidade, tínhamos ido todos festejar para a Cantina e ele acabou por pagar várias rodadas de cerveja como se estivesse fazendo as despedidas finais, como se tratasse do embarque de regresso à metrópole.
Mas o entusiasmo acabou por abrandar, pois era só uma mudança de morada. O pior seria depois, com as fastidiosas recepções oficiais, os salamaleques imbecis para agradar às gordas matronas dos oficiais superiores, sempre de ar muito cansado como se carregassem o enorme fardo daquele guerra absurda e irreal, dos salões com ventoinhas por todos os lados, dos olhares laterais da criadagem, das cozinheiras sempre na espreita de alguma oportunidade para consumarem a vingança por ancestrais humilhações (?)
Seria uma boa vida, claro! Mas o que diriam os antigos camaradas? Aqueles que ficaram roendo o capim debaixo de um sol pavoroso?
O preço a pagar iria ser muito alto. E isso atormentava-o como um ferro em brasa espetado no peito.
Em vão procurava ânimo e sossego na quietude da noite e viera comigo para aquela tabanca na tentativa de um esquecimento total que tornasse toda a realidade num mundo de brincadeirinha, de história em quadradinhos que logo arrumamos para o lado.
Agora sob a protecção de um magnífico manto de estrelas, sóis tão longínquos que a imaginação não pode alcançar, só assim podia acalmar a alma e sonhar que era outra vez menino, correndo de volta da saia da mãe.
Agarrou a arma e disparou uma rajada de fúria como se quisesse rasgar o véu negro da noite para deixar entrar de novo a luz da vida de verdade.
Ninguém respondeu. Ninguém se atreveu a acordar.
Ficámos ainda calados um bom pedaço. As palavras tinham desaparecido, apenas a memória matraqueava nos nossos cérebros.
- Quando eras pequeno também gostavas de revistas com histórias aos quadradinhos? - perguntou ele, rompendo de súbito o silêncio. - Era apaixonado pelo Tintim - continuou sem me dar tempo a responder. – O meu pai mandava-mo vir directamente da Bélgica, por intermédio de um parente que lá morava.
- Tem graça! - respondi, surpreendido pois nunca poderia imaginar vir encontrar alguém, aqui na negrura de África, que também tivesse tido uma infância parecida com a minha.
- Nos meus tempos de miúdo esfarrapava tudo o que eram revistas de quadradinhos ou banda desenhada como agora lhe chamam. Era o Cavaleiro Andante e o Mundo de Aventuras coleccionados religiosamente e rivalizando um com o outro. Que saudades isso agora me veio fazer!
E o resto da noite foi passado quase sem darmos por isso a evocar as doces recordações de infância, espantando com a maior das eficácias, os medos, as angústias que o mistério do futuro imediato, o inesperado da morte, há tanto tempo nos perseguia.
Dois adultos ainda com sonhos de criança, sob um céu cravejado de estrelas, no meio da imensa noite africana.
Nunca tinham estado tão perto do firmamento, nunca tinham sentido aquela estranha sensação de vertigem em direcção do espaço infinito, de sentir sobre os ombros o peso colossal do cosmos ali tão perto, quase ao alcance da mão.
Era então este o verdadeiro mistério da noite africana, a mágica iniciação da adoração de Mãe África, a poderosa Rainha?
Fotos: © Carlos Geraldes (2009). Direitos reservados
__________
Nota de CV:
Vd. poste de 21 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4988: Gavetas da Memória (Carlos Geraldes) (7): A Mina
Gavetas da Memória
A Poderosa Rainha
Acordei a meio da noite com uma sensação estranha que nunca tinha sentido. Saí da cubata para o meio da aldeia tentando adivinhar que mistério seria aquele que sentia crescer em volta de mim. A lua já se tinha escondido e dera lugar a uma espantosa toalha de luzinhas fulgurantes que se deixavam cair, langorosamente, sobre a minha cabeça, cobrindo-me como um manto da cabeça aos pés.
Foi então que me pareceu ouvir os sóis, as estrelas e todos os corpos celestes. Era um zumbido muito leve que apenas se deixava adivinhar. Era como um coro de anjos fabulosos, vindos lá do fim do Universo, afogando-me numa tal estupefacção que fiquei ali, pregado ao chão, de olhos esbugalhados.
Quando recuperei da surpresa procurei uma tosca plataforma de troncos onde os homens se reuniam durante o dia e ali me deitei, com os braços abertos em cruz, deixando que todo o céu desabasse sobre o meu corpo estarrecido.
Naquela tabanca, edificada numa pequena elevação que parecia estar no umbigo do Mundo, avaliei profundamente, a verdadeira dimensão de todos nós, pobres seres pensantes que julgamos tudo dominar. O tempo rugia nas roldanas do mundo que vogava pelo infinito, sem destino.
Num silêncio sepulcral toda a aldeia dormia sob um manto mágico que parecia proteger as casas, os homens, os animais e dar mais força às árvores dispostas agora em redor, velando por nós como sentinelas atentas.
Quando julguei que apenas eu era testemunha daquela revelação, vi um pequeno clarão e o acender de um cigarro de alguém que como eu, estava evidentemente com insónias.
Era o alferes Machado.
Na véspera tínhamos recebido uma mensagem de Bissau que o surpreendera tanto a ele, como a todos nós. Viriam brevemente buscá-lo para uma missão que diziam ser da mais alta responsabilidade. Acabara de ser nomeado oficial adjunto do Governador.
Naquela tarde, mal soubéramos da novidade, tínhamos ido todos festejar para a Cantina e ele acabou por pagar várias rodadas de cerveja como se estivesse fazendo as despedidas finais, como se tratasse do embarque de regresso à metrópole.
Mas o entusiasmo acabou por abrandar, pois era só uma mudança de morada. O pior seria depois, com as fastidiosas recepções oficiais, os salamaleques imbecis para agradar às gordas matronas dos oficiais superiores, sempre de ar muito cansado como se carregassem o enorme fardo daquele guerra absurda e irreal, dos salões com ventoinhas por todos os lados, dos olhares laterais da criadagem, das cozinheiras sempre na espreita de alguma oportunidade para consumarem a vingança por ancestrais humilhações (?)
Seria uma boa vida, claro! Mas o que diriam os antigos camaradas? Aqueles que ficaram roendo o capim debaixo de um sol pavoroso?
O preço a pagar iria ser muito alto. E isso atormentava-o como um ferro em brasa espetado no peito.
Em vão procurava ânimo e sossego na quietude da noite e viera comigo para aquela tabanca na tentativa de um esquecimento total que tornasse toda a realidade num mundo de brincadeirinha, de história em quadradinhos que logo arrumamos para o lado.
Agora sob a protecção de um magnífico manto de estrelas, sóis tão longínquos que a imaginação não pode alcançar, só assim podia acalmar a alma e sonhar que era outra vez menino, correndo de volta da saia da mãe.
Agarrou a arma e disparou uma rajada de fúria como se quisesse rasgar o véu negro da noite para deixar entrar de novo a luz da vida de verdade.
Ninguém respondeu. Ninguém se atreveu a acordar.
Ficámos ainda calados um bom pedaço. As palavras tinham desaparecido, apenas a memória matraqueava nos nossos cérebros.
- Quando eras pequeno também gostavas de revistas com histórias aos quadradinhos? - perguntou ele, rompendo de súbito o silêncio. - Era apaixonado pelo Tintim - continuou sem me dar tempo a responder. – O meu pai mandava-mo vir directamente da Bélgica, por intermédio de um parente que lá morava.
- Tem graça! - respondi, surpreendido pois nunca poderia imaginar vir encontrar alguém, aqui na negrura de África, que também tivesse tido uma infância parecida com a minha.
- Nos meus tempos de miúdo esfarrapava tudo o que eram revistas de quadradinhos ou banda desenhada como agora lhe chamam. Era o Cavaleiro Andante e o Mundo de Aventuras coleccionados religiosamente e rivalizando um com o outro. Que saudades isso agora me veio fazer!
E o resto da noite foi passado quase sem darmos por isso a evocar as doces recordações de infância, espantando com a maior das eficácias, os medos, as angústias que o mistério do futuro imediato, o inesperado da morte, há tanto tempo nos perseguia.
Dois adultos ainda com sonhos de criança, sob um céu cravejado de estrelas, no meio da imensa noite africana.
Nunca tinham estado tão perto do firmamento, nunca tinham sentido aquela estranha sensação de vertigem em direcção do espaço infinito, de sentir sobre os ombros o peso colossal do cosmos ali tão perto, quase ao alcance da mão.
Era então este o verdadeiro mistério da noite africana, a mágica iniciação da adoração de Mãe África, a poderosa Rainha?
Fotos: © Carlos Geraldes (2009). Direitos reservados
__________
Nota de CV:
Vd. poste de 21 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4988: Gavetas da Memória (Carlos Geraldes) (7): A Mina
Guiné 63/74 - P5012: História da CCAÇ 2679 (27): Da História da Unidade (José Manuel M. Dinis)
1. Mensagem de José Manuel M. Dinis, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71, com data de 22 de Setembro de 2009:
Caríssimo Carlos,
Anexo um extracto da "História da Unidade", respeitante ao mês de Setembro de 1970, portanto, sem qualquer cunho pessoal ou interpretativo, ao contrário dos escritos anteriores. Parece-me que, para valorização desta narrativa, vou passar a intercalar os meus textos com a transcrição da história oficializada da 2679. Isto, independentemente de outros camaradas virem a terreiro contar as suas experiências nos diferentes particulares da permanência no CTIG. Mas não só histórias, também outros conhecimentos, que podem referir-se à instrumentação agrícola, ou ao conjunto de orientações do Alcorão contidos na tábua sagrada, usos, costumes e mézinhas, principalmente fulas, étnia predominante nas regiões por onde andámos. A ver se eles aparecem, porque alguns vêm o blogue.
Um grande abraço para ti e para a Tabanca.
Da História da Unidade da CCAÇ 2679
Situação geral durante o mês de Setembro - 70
Durante o mês de Setembro processaram-se modificações sensíveis no quadro dos efectivos das forças estacionadas em Bajocunda.
- A 1.ª Companhia de Comandos Africanos que reforçava a zona regressa no dia 13 deste mês a FÁ MANDINGA.
- A CART 2438 que a Companhia rendeu no Sub-sector segue no dia 21 para Bissau a fim de embarcar para a Metrópole, por ter chegado o termo da sua comissão.
- Chegou a Bajocunda vindo de Piche, 02 GrCombate da CCAV 2747 que ficam na situação de reforço temporário à Companhia.
- O dispositivo no dia 30 era o seguinte:
- Comando e 02 GrComb. ... Bajocunda
- 01 GrComb ... Copá
- 01 GrComb .... Tabassi
- 9.º Pel Art ... Bajocunda
- Pel Caç Nat 65 ... Copá
- Pel Mil 269 ... Amedalai
- 02 GrComb da CCAV 2747 ... Bajocunda
Prossegue a intensa actividade operacional no Sub-sector.
A Companhia pica diariamente o itinerário Bajocunda/Pirada.
O Pel Caç Nat 65 reforça temporariamente Tabassi até 16SET70, inclusive, véspera da sua ida para Copá, a fim de render o GrComb da CArt 2438.
Tal como no mês anterior a actividade do IN foi muito reduzida, resumindo-se a uma flagelação sobre o Destacamento de Copá, sem quaisquer danos às NT ou à população.
Devido às intensas chuvas caídas o trânsito auto faz-se com muita dificuldade em todos os itinerários, fazendo com que a Companhia fique isolada durante alguns meses em consequência das cheias dos rios BIDIGOR e MAEL JAUBÉ, tendo às vezes de se fazer o reabastecimento de Pirada para Bajocunda por meio de barcos pneumáticos.
O péssimo estado dos itinerários (e só como tal são considerados os que a carta assinala como estradas) provoca elevados danos nas viaturas auto.
Ao péssimo estado que atingiram as estradas percorridas pelas viaturas, consequência das chuvas acrescido da contínua falta de sobessalentes auto, resultou numa situação muito delicada, quanto a viaturas auto operacionais.
A população entrega-se, no período, a actividade intensa no sector agricola.
As NT prosseguiram a sua actividade normal de patrulhamentos da área sob a sua responsabilidade e de contacto com a população.
De salientar ainda o reforço da Companhia na melhoria das suas instalações a fim de proporcionar um mínimo de conforto e bem-estar ao pessoal. Isto é de salientar por ser feito nos intervalos da actividade operacional, com o pessoal bastante cansado.
Seguem-se resumos de actividade diária em que a Companhia esteve envolvida, destacando-se 21 patrulhamentos nas regiões de Bajocunda e Copá.
Meu comentário:
Quanto à referência às más condições em que se encontrava o parque auto, deve ter-se em conta que a Companhia aceitou-as no mau estado em que se encontravam, presas por pontas, como soi dizer-se, em negociata de bastidores, num porreirismo cúmplice com a Companhia rendida. Desta atitude resultaram, de facto, muitas dificuldades para a actividade operacional. Seria bonito, no entanto, confrontar os consumos constantes dos mapas de gestão, com o número de viaturas disponíveis e os quilómetros percorridos. Mas, obviamente, esta análise não é passível de se fazer agora. O que se verificou em todo o resto da comissão, foi um sufoco no número e qualidade de viaturas disponíveis, sendo frequente o recurso a viaturas emprestadas. De certeza, porém, como já referi anteriormente, foram os operacionais que correram riscos inusitados, amontoando-se, frequentemente, um grupo de combate em uma ou duas viaturas, por vezes com taipais, que para além de incómodas, representavam um passaporte para a outra vida, em deslocações diárias pelas picadas, com os riscos decorrentes de minas ou emboscadas.
Nunca o comando da Companhia manifestou qualquer sensibilidade para o problema, e nunca foi apurado o quantitativo do nagócio associado. Sabia-se, porém, que por diversas vezes o Furriel MAR era confrontado com exigências e ameaças punitivas, absolutamente insensatas, provenientes daquelas cabecinhas pensadoras, destituídas dos mínimos conceitos éticos e de responsabilidade.
Deste quadro deriva, na minha interpretação, um primeiro grande alheamento do General ComChefe, que não soube, ou não quis saber, criar e implementar eficazes equipas de inspecção ao material circulante, aos depósitos de géneros e material de guerra, às instalações de cozinhas e refeitórios, dotando-as de auditores que garantissem uma rigorosa distribuição da despesa, bem como mínimos de qualidade de vida aceitáveis. Porque em muitos casos o pessoal ficava à mercê dos abutres das dotações financeiras. E isso aconteceu até ao fim da comissão na 2679.
Quanto à movimentação de pessoal, reza assim:
Durante o mês de Setembro - 70
Abates ao efectivo:
- 1.º Cabo NM 07137969 - ANTÓNIO LUDGERO RODRIGUES CRÓ (Foxtrot)
Abatido ao efectivo desde 03SET70 data em que foi evacuado para o HNDIC, por motivo de doença, ficando na situação de Além do Quadro, (QOIEM) até decisão da Junta Hospitalar.
- Soldado At NM 04019569 - ANTÓNIO EVANGELINO RODRIGUES AGUIAR
Abatido ao efectivo desde 30SET70, data em que faleceu por motivo de doença.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4966: História da CCAÇ 2679 (26): Passeio fronteiriço e, A GMC e o coelho na coluna ao Gabú (José Manuel M. Dinis)
Caríssimo Carlos,
Anexo um extracto da "História da Unidade", respeitante ao mês de Setembro de 1970, portanto, sem qualquer cunho pessoal ou interpretativo, ao contrário dos escritos anteriores. Parece-me que, para valorização desta narrativa, vou passar a intercalar os meus textos com a transcrição da história oficializada da 2679. Isto, independentemente de outros camaradas virem a terreiro contar as suas experiências nos diferentes particulares da permanência no CTIG. Mas não só histórias, também outros conhecimentos, que podem referir-se à instrumentação agrícola, ou ao conjunto de orientações do Alcorão contidos na tábua sagrada, usos, costumes e mézinhas, principalmente fulas, étnia predominante nas regiões por onde andámos. A ver se eles aparecem, porque alguns vêm o blogue.
Um grande abraço para ti e para a Tabanca.
Da História da Unidade da CCAÇ 2679
Situação geral durante o mês de Setembro - 70
Durante o mês de Setembro processaram-se modificações sensíveis no quadro dos efectivos das forças estacionadas em Bajocunda.
- A 1.ª Companhia de Comandos Africanos que reforçava a zona regressa no dia 13 deste mês a FÁ MANDINGA.
- A CART 2438 que a Companhia rendeu no Sub-sector segue no dia 21 para Bissau a fim de embarcar para a Metrópole, por ter chegado o termo da sua comissão.
- Chegou a Bajocunda vindo de Piche, 02 GrCombate da CCAV 2747 que ficam na situação de reforço temporário à Companhia.
- O dispositivo no dia 30 era o seguinte:
- Comando e 02 GrComb. ... Bajocunda
- 01 GrComb ... Copá
- 01 GrComb .... Tabassi
- 9.º Pel Art ... Bajocunda
- Pel Caç Nat 65 ... Copá
- Pel Mil 269 ... Amedalai
- 02 GrComb da CCAV 2747 ... Bajocunda
Prossegue a intensa actividade operacional no Sub-sector.
A Companhia pica diariamente o itinerário Bajocunda/Pirada.
O Pel Caç Nat 65 reforça temporariamente Tabassi até 16SET70, inclusive, véspera da sua ida para Copá, a fim de render o GrComb da CArt 2438.
Tal como no mês anterior a actividade do IN foi muito reduzida, resumindo-se a uma flagelação sobre o Destacamento de Copá, sem quaisquer danos às NT ou à população.
Devido às intensas chuvas caídas o trânsito auto faz-se com muita dificuldade em todos os itinerários, fazendo com que a Companhia fique isolada durante alguns meses em consequência das cheias dos rios BIDIGOR e MAEL JAUBÉ, tendo às vezes de se fazer o reabastecimento de Pirada para Bajocunda por meio de barcos pneumáticos.
O péssimo estado dos itinerários (e só como tal são considerados os que a carta assinala como estradas) provoca elevados danos nas viaturas auto.
Ao péssimo estado que atingiram as estradas percorridas pelas viaturas, consequência das chuvas acrescido da contínua falta de sobessalentes auto, resultou numa situação muito delicada, quanto a viaturas auto operacionais.
A população entrega-se, no período, a actividade intensa no sector agricola.
As NT prosseguiram a sua actividade normal de patrulhamentos da área sob a sua responsabilidade e de contacto com a população.
De salientar ainda o reforço da Companhia na melhoria das suas instalações a fim de proporcionar um mínimo de conforto e bem-estar ao pessoal. Isto é de salientar por ser feito nos intervalos da actividade operacional, com o pessoal bastante cansado.
Seguem-se resumos de actividade diária em que a Companhia esteve envolvida, destacando-se 21 patrulhamentos nas regiões de Bajocunda e Copá.
Meu comentário:
Quanto à referência às más condições em que se encontrava o parque auto, deve ter-se em conta que a Companhia aceitou-as no mau estado em que se encontravam, presas por pontas, como soi dizer-se, em negociata de bastidores, num porreirismo cúmplice com a Companhia rendida. Desta atitude resultaram, de facto, muitas dificuldades para a actividade operacional. Seria bonito, no entanto, confrontar os consumos constantes dos mapas de gestão, com o número de viaturas disponíveis e os quilómetros percorridos. Mas, obviamente, esta análise não é passível de se fazer agora. O que se verificou em todo o resto da comissão, foi um sufoco no número e qualidade de viaturas disponíveis, sendo frequente o recurso a viaturas emprestadas. De certeza, porém, como já referi anteriormente, foram os operacionais que correram riscos inusitados, amontoando-se, frequentemente, um grupo de combate em uma ou duas viaturas, por vezes com taipais, que para além de incómodas, representavam um passaporte para a outra vida, em deslocações diárias pelas picadas, com os riscos decorrentes de minas ou emboscadas.
Nunca o comando da Companhia manifestou qualquer sensibilidade para o problema, e nunca foi apurado o quantitativo do nagócio associado. Sabia-se, porém, que por diversas vezes o Furriel MAR era confrontado com exigências e ameaças punitivas, absolutamente insensatas, provenientes daquelas cabecinhas pensadoras, destituídas dos mínimos conceitos éticos e de responsabilidade.
Deste quadro deriva, na minha interpretação, um primeiro grande alheamento do General ComChefe, que não soube, ou não quis saber, criar e implementar eficazes equipas de inspecção ao material circulante, aos depósitos de géneros e material de guerra, às instalações de cozinhas e refeitórios, dotando-as de auditores que garantissem uma rigorosa distribuição da despesa, bem como mínimos de qualidade de vida aceitáveis. Porque em muitos casos o pessoal ficava à mercê dos abutres das dotações financeiras. E isso aconteceu até ao fim da comissão na 2679.
Quanto à movimentação de pessoal, reza assim:
Durante o mês de Setembro - 70
Abates ao efectivo:
- 1.º Cabo NM 07137969 - ANTÓNIO LUDGERO RODRIGUES CRÓ (Foxtrot)
Abatido ao efectivo desde 03SET70 data em que foi evacuado para o HNDIC, por motivo de doença, ficando na situação de Além do Quadro, (QOIEM) até decisão da Junta Hospitalar.
- Soldado At NM 04019569 - ANTÓNIO EVANGELINO RODRIGUES AGUIAR
Abatido ao efectivo desde 30SET70, data em que faleceu por motivo de doença.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 16 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4966: História da CCAÇ 2679 (26): Passeio fronteiriço e, A GMC e o coelho na coluna ao Gabú (José Manuel M. Dinis)
Guiné 63/74 - P5011: Notas de leitura (24): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte II (Beja Santos)
1. Mensagem de Mário Beja Santos (*), ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, com data de 23 de Setembro de 2009:
Caríssimo Carlos,
Vejo que és tu que comandas as operações no navio almirante.
Aqui te envio o segundo texto da recensão do sargento Talhadas, o terceiro e último ainda seguirá esta semana.
Um abraço do
Mário
Memórias de um guerreiro colonial (2)
Beja Santos
Namoro, aerogramas, Teixeira Pinto e Buba
Em meados de 1969, o sargento Talhadas recebe o prémio “Governador da Guiné” (irá recebê-lo novamente em 1971), veio passar férias a Portugal e conheceu a sua futura mulher na Baixa da Banheira. Passou aqui dois meses, a namorar com a “conversada”, na coboiada com os camaradas, com um carro a caminho da sucata fazia ralis na Avenida da Praia, no Barreiro. Sentiu-se espicaçado para uma nova estada em África, em Janeiro de 1970 embarcou rumo à Guiné.
Para esta sua terceira comissão o navio de embarque de tropas destinado foi um petroleiro da Marinha de Guerra, o seu destino era um novo destacamento de fuzileiros especiais. Não haveria a tensão de despedida no cais da doca de Alcântara, acontece que o petroleiro “gripou” no Mar da Palha, acabaram por sair no cais de Alcântara.
O sargento Talhadas tem agora à mão o registo dos acontecimentos, os aerogramas enviados à “conversada”: “Encontro-me numa cidadezinha que tem por nome Teixeira Pinto. Tem o estatuto de cidade, mas para te ser franco é muito mais pequena que a Baixa da Banheira”. O PAIGC aumentara a sua influência na região, estabelecera bases na área do Churo, actuando com ataques a quartéis e emboscadas a colunas de viaturas numa faixa de terreno entre Teixeira Pinto, Bachile e Cacheu. A “tropa macaca” (as unidades do Exército), segundo ele, fazia a quadrícula, e a operacional tinha a grande participação de pára-quedistas, fuzileiros e comandos: as tropas “normais” ficavam cada vez mais agarradas aos quartéis, as unidades guerrilheiras só recuavam depois dos enfrentamentos com as tropas de elite portuguesas. Escreve textualmente: “As tropas especiais em território guineense agigantaram-se naquela ocasião e ainda mais nos anos subsequentes, quando a desmoralização no interior dos quartéis começava a ser evidente. Foram elas que romperam cercos, acorreram rapidamente a auxiliar e repelir tentativas de tomadas de unidades nas áreas fronteiriças, que impuseram respeito ao desafio crescente da guerrilha que se expandia e solidificava um pouco por toda a parte”. Incansável nas suas convicções, relembra-nos que estava ali para defender a Pátria, arriscava tudo em sua defesa. E escreve para a Baixa da Banheira: “Eu não estou aqui por gostar de matar. Disse-te que gostava disto, é verdade. Sou um tipo que sempre gostou da aventura. Mas não como tu compreendes-te. Eu não gosto de matar. Se o tenho feito é para não acabarem comigo. Ainda sabes o que é a guerra... Ainda na última missão, tivemos vários contactos com inimigo, em todos lhe causámos baixas. Em todos eles estive na primeira linha. Vi dois colegas serem feridos. Inclusive fui projectado para o ar com o rebentamento de uma bazucada. Se essa granada tivesse explodido uns metros mais à frente, talvez já não existisse. Agora diz-me: tenho, ou não tenho, razão? Mata-se ou morre-se, é assim a guerra”.
Em Teixeira Pinto havia sido criado um Comando de Agrupamento de Tropas, Spínola apostava fortemente no desgaste interno do PAIGC. Durante meses, centenas e centenas de soldados das tropas especiais e do Exército movimentaram-se por Churo, Coboiana, Pelundo, Jol, Jolmete. Vai relatando todos estes confrontos, não sem deixar o reparo que as forças do PAIGC retiravam e, semanas mais tarde, refaziam os seus acampamentos. A população era a grande sofredora, sempre intimidada, intranquila, por vezes famélica.
Depois, partem para a região de Buba, onde o aquartelamento era bombardeado com regularidade. Foram recebidos com júbilo pelos camaradas do Exército, encontrou mesmo um colega da escola da Baixa da Banheira. Nessa altura reconstruía-se e alargava-se a estrada para a Aldeia Formosa, tudo um tormento diário, desminavam-se as picadas de manhã à noite voltavam a ser semeadas minas. Os fuzileiros começam a fazer emboscadas nocturnas e vão interceptando as deslocações dos guerrilheiros: “Regressámos a Bissau um mês depois. O quartel de Buba esteve em relativo sossego mais uns tempos, mas assim que o PAIGC detectou que os fuzileiros já não voltavam, iniciou, novamente, a pressão quase diária. Outros destacamentos, meses depois, tiveram de zarpar para lá. A guerra estava a evoluir, com a introdução de nova tecnologia. Tinham chegado os foguetões Katiucha”.
O regresso ao Cacheu
Metidos a bordo de uma lancha de desembarque grande seguiram para a base de Ganturé, onde viveram dois meses de monotonia mas também de intensa preparação para as novas actividades operacionais. Os fuzileiros deslocavam-se em botes de borracha Zebro, saíam em equipas que se rendiam em pleno rio, na vã tentativa de dissuadir a movimentação dos guerrilheiros. Os ataques com artilharia do PAIGC aos aquartelamentos da zona militar eram constantes e até rotineiros. É nessa altura que se dá um grande ataque ao aquartelamento de Bigene em que os guerrilheiros avançaram para o arame farpado, foram os fuzileiros que levaram a força do PAIGC a recuar. A “nomadização” passara a ser feita pelas tropas especiais, substituindo a acção da tropa de quadrícula que “na prática, não saía, em actos ofensivos, do seu quartel ou do seu perímetro exterior”. Por vezes, as tropas especiais infiltravam-se em território senegalês, como em Nénecó ou Cumbamory. Em Cumbamory deu-se uma refrega violenta, as tropas do PAIGC deram uma resistência enorme, como habitualmente a guerrilha retirava e depois regressava. E foi assim que decidiu uma nova operação à reconstruída base de Cumbamory. Apanharam-se 10 toneladas de armas. Mas as forças locais do PAIGC ripostaram, chegou a temer-se o corpo a corpo, os T-6 lançaram bombas, os fuzileiros retiraram para Bigene. O sargento Talhadas regista que as duas batalhas de Cumbamory em que interveio colocaram frente a frente, na prática, unidades de guerra clássica, quase de trincheiras. Mas não deixa de referir que nessa altura ainda se fazia sentir a supremacia da frota aérea.
O destacamento de fuzileiros, nesta sua segunda comissão da Guiné, está completo com a chegada dos jovens grumetes, a unidade tornou-se numa unidade de guerra. Regista que o COP 3 entre Abril de 1970 e Janeiro de 1971 conheceu quatro comandantes efectivos e, pelo menos, um interino: “Quase todos eles tiveram comportamento negativo no que diz respeito à competência de liderança e gestão de homens, alguns deles altamente treinados, o que, naturalmente, se reflectiu no planeamento operacional e que só não trouxe um desgarramento na estrutura e no enquadramento prático no terreno porque as principais unidades tinham um alto espírito de disciplina e actuação”. O sargento Talhadas insiste que eram os fuzileiros as únicas unidades de toda a zona operacional a efectuar acções ofensivas, garantindo as tropas do Exército apenas a defesa dos quartéis. Nesta óptica, o PAIGC movimentava-se em crescendo por todo o território do COP 3, deslocava os seus foguetões, dispondo de uma capacidade de retirada imediata: “A guerra estava a entrar numa fase de maior sofisticação em termos de tecnologia. E tal não acontecia do nosso lado”.
(Continua)
__________
Nota de CV:
Vd. poste de 22 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4994: Notas de leitura (23): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte I (Beja Santos)
Caríssimo Carlos,
Vejo que és tu que comandas as operações no navio almirante.
Aqui te envio o segundo texto da recensão do sargento Talhadas, o terceiro e último ainda seguirá esta semana.
Um abraço do
Mário
Memórias de um guerreiro colonial (2)
Beja Santos
Namoro, aerogramas, Teixeira Pinto e Buba
Em meados de 1969, o sargento Talhadas recebe o prémio “Governador da Guiné” (irá recebê-lo novamente em 1971), veio passar férias a Portugal e conheceu a sua futura mulher na Baixa da Banheira. Passou aqui dois meses, a namorar com a “conversada”, na coboiada com os camaradas, com um carro a caminho da sucata fazia ralis na Avenida da Praia, no Barreiro. Sentiu-se espicaçado para uma nova estada em África, em Janeiro de 1970 embarcou rumo à Guiné.
Para esta sua terceira comissão o navio de embarque de tropas destinado foi um petroleiro da Marinha de Guerra, o seu destino era um novo destacamento de fuzileiros especiais. Não haveria a tensão de despedida no cais da doca de Alcântara, acontece que o petroleiro “gripou” no Mar da Palha, acabaram por sair no cais de Alcântara.
O sargento Talhadas tem agora à mão o registo dos acontecimentos, os aerogramas enviados à “conversada”: “Encontro-me numa cidadezinha que tem por nome Teixeira Pinto. Tem o estatuto de cidade, mas para te ser franco é muito mais pequena que a Baixa da Banheira”. O PAIGC aumentara a sua influência na região, estabelecera bases na área do Churo, actuando com ataques a quartéis e emboscadas a colunas de viaturas numa faixa de terreno entre Teixeira Pinto, Bachile e Cacheu. A “tropa macaca” (as unidades do Exército), segundo ele, fazia a quadrícula, e a operacional tinha a grande participação de pára-quedistas, fuzileiros e comandos: as tropas “normais” ficavam cada vez mais agarradas aos quartéis, as unidades guerrilheiras só recuavam depois dos enfrentamentos com as tropas de elite portuguesas. Escreve textualmente: “As tropas especiais em território guineense agigantaram-se naquela ocasião e ainda mais nos anos subsequentes, quando a desmoralização no interior dos quartéis começava a ser evidente. Foram elas que romperam cercos, acorreram rapidamente a auxiliar e repelir tentativas de tomadas de unidades nas áreas fronteiriças, que impuseram respeito ao desafio crescente da guerrilha que se expandia e solidificava um pouco por toda a parte”. Incansável nas suas convicções, relembra-nos que estava ali para defender a Pátria, arriscava tudo em sua defesa. E escreve para a Baixa da Banheira: “Eu não estou aqui por gostar de matar. Disse-te que gostava disto, é verdade. Sou um tipo que sempre gostou da aventura. Mas não como tu compreendes-te. Eu não gosto de matar. Se o tenho feito é para não acabarem comigo. Ainda sabes o que é a guerra... Ainda na última missão, tivemos vários contactos com inimigo, em todos lhe causámos baixas. Em todos eles estive na primeira linha. Vi dois colegas serem feridos. Inclusive fui projectado para o ar com o rebentamento de uma bazucada. Se essa granada tivesse explodido uns metros mais à frente, talvez já não existisse. Agora diz-me: tenho, ou não tenho, razão? Mata-se ou morre-se, é assim a guerra”.
Em Teixeira Pinto havia sido criado um Comando de Agrupamento de Tropas, Spínola apostava fortemente no desgaste interno do PAIGC. Durante meses, centenas e centenas de soldados das tropas especiais e do Exército movimentaram-se por Churo, Coboiana, Pelundo, Jol, Jolmete. Vai relatando todos estes confrontos, não sem deixar o reparo que as forças do PAIGC retiravam e, semanas mais tarde, refaziam os seus acampamentos. A população era a grande sofredora, sempre intimidada, intranquila, por vezes famélica.
Depois, partem para a região de Buba, onde o aquartelamento era bombardeado com regularidade. Foram recebidos com júbilo pelos camaradas do Exército, encontrou mesmo um colega da escola da Baixa da Banheira. Nessa altura reconstruía-se e alargava-se a estrada para a Aldeia Formosa, tudo um tormento diário, desminavam-se as picadas de manhã à noite voltavam a ser semeadas minas. Os fuzileiros começam a fazer emboscadas nocturnas e vão interceptando as deslocações dos guerrilheiros: “Regressámos a Bissau um mês depois. O quartel de Buba esteve em relativo sossego mais uns tempos, mas assim que o PAIGC detectou que os fuzileiros já não voltavam, iniciou, novamente, a pressão quase diária. Outros destacamentos, meses depois, tiveram de zarpar para lá. A guerra estava a evoluir, com a introdução de nova tecnologia. Tinham chegado os foguetões Katiucha”.
O regresso ao Cacheu
Metidos a bordo de uma lancha de desembarque grande seguiram para a base de Ganturé, onde viveram dois meses de monotonia mas também de intensa preparação para as novas actividades operacionais. Os fuzileiros deslocavam-se em botes de borracha Zebro, saíam em equipas que se rendiam em pleno rio, na vã tentativa de dissuadir a movimentação dos guerrilheiros. Os ataques com artilharia do PAIGC aos aquartelamentos da zona militar eram constantes e até rotineiros. É nessa altura que se dá um grande ataque ao aquartelamento de Bigene em que os guerrilheiros avançaram para o arame farpado, foram os fuzileiros que levaram a força do PAIGC a recuar. A “nomadização” passara a ser feita pelas tropas especiais, substituindo a acção da tropa de quadrícula que “na prática, não saía, em actos ofensivos, do seu quartel ou do seu perímetro exterior”. Por vezes, as tropas especiais infiltravam-se em território senegalês, como em Nénecó ou Cumbamory. Em Cumbamory deu-se uma refrega violenta, as tropas do PAIGC deram uma resistência enorme, como habitualmente a guerrilha retirava e depois regressava. E foi assim que decidiu uma nova operação à reconstruída base de Cumbamory. Apanharam-se 10 toneladas de armas. Mas as forças locais do PAIGC ripostaram, chegou a temer-se o corpo a corpo, os T-6 lançaram bombas, os fuzileiros retiraram para Bigene. O sargento Talhadas regista que as duas batalhas de Cumbamory em que interveio colocaram frente a frente, na prática, unidades de guerra clássica, quase de trincheiras. Mas não deixa de referir que nessa altura ainda se fazia sentir a supremacia da frota aérea.
O destacamento de fuzileiros, nesta sua segunda comissão da Guiné, está completo com a chegada dos jovens grumetes, a unidade tornou-se numa unidade de guerra. Regista que o COP 3 entre Abril de 1970 e Janeiro de 1971 conheceu quatro comandantes efectivos e, pelo menos, um interino: “Quase todos eles tiveram comportamento negativo no que diz respeito à competência de liderança e gestão de homens, alguns deles altamente treinados, o que, naturalmente, se reflectiu no planeamento operacional e que só não trouxe um desgarramento na estrutura e no enquadramento prático no terreno porque as principais unidades tinham um alto espírito de disciplina e actuação”. O sargento Talhadas insiste que eram os fuzileiros as únicas unidades de toda a zona operacional a efectuar acções ofensivas, garantindo as tropas do Exército apenas a defesa dos quartéis. Nesta óptica, o PAIGC movimentava-se em crescendo por todo o território do COP 3, deslocava os seus foguetões, dispondo de uma capacidade de retirada imediata: “A guerra estava a entrar numa fase de maior sofisticação em termos de tecnologia. E tal não acontecia do nosso lado”.
(Continua)
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Nota de CV:
Vd. poste de 22 de Setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4994: Notas de leitura (23): "Memórias de um guerreiro colonial", de José Talhadas - Parte I (Beja Santos)
Guiné 63/74 - P5010: Efemérides (25): Boé, 24 de Setembro de 1973, memórias de L. Mussatov, diplomata russo (Nelson Herbert / José Milhazes, Lusa)
Imagem de Amílcar Cabral (1924-1973), o líder histórico do PAIGC que a morte, uns meses antes, não permitiu estar presente na cerimómia da Proclamação da Independência da Guiné-Bissau,na região do Boé, em 24 de Setembro de 1973, em local ainda hoje objecto de controvérsia (*). Foto (editada) da revista PAIGC Actualités, nº 54, Outubro de 1973, edição dedicada à proclamação (unilateral) da independência da Guiné-Bissau . Portugal viria a reconhecer a nova república apenas um ano depois, em 24 de Setembro de 1974 (**).
Imagem: © Magalhães Ribeiro / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2008). Direitos reservados.
1. Do nosso amigo guineense Nelsom Herbert (n. 1962, Bissau), licenciado em Comunicação Social pela FCSH/UNL, jornalista, da secção portuguesa da Voz da América / VOA, e membro da nossa Tabanca Grande desde Março de 2008 (***)
Achei interessante...
Mantenhas
Nelson Herbert
Journalist-Editor / Editor e Jornalista
Voice of America / Voz da América
Washington, DC, USA
2. Guiné-Bissau: Entrega de credenciais diplomáticas em plena selva
Número de Documento: 10152535
Moscovo, Rússia 24/09/2009 09:23 (LUSA)
Temas: História, Política, Diplomacia, Guerrilha, Conflitos (geral)
*** José Milhazes, da Agência Lusa ***
Moscovo, 24 Set (Lusa) - Quando a União Soviética reconheceu a independência da Guiné-Bissau, declarada há precisamente 36 anos, Moscovo quis estabelecer relações diplomáticas com o novo país, mas, como a capital, Bissau, estava sob controlo português, a cerimónia realizou-se no mato.
Em 24 Setembro de 1973, a direcção do PAIGC declarou a independência da Guiné-Bissau nos territórios sob o seu controlo, acto que foi reconhecido por mais de 80 Estados até ao início de 1974.
Alguns deles - Argélia, Roménia, Jugoslávia, Guiné-Conacri e União Soviética - decidiram estabelecer relações diplomáticas ao nível de embaixadas.
Leonid Mussatov, então embaixador soviético em Conacri, foi nomeado representante por inerência na Guiné-Bissau, tendo sido encarregado de entregar as credenciais diplomáticas a Luís Cabral, Presidente do Conselho de Estado do novo país.
"Em Maio de 1974, recebi um convite do Governo da Guiné-Bissau para estar no dia 09 de Maio na cidade de Boké (Guiné-Conacri) a fim de ir para uma das regiões libertadas do país (...) Juntamente com os embaixadores da Argélia, Roménia, Guiné e Jugoslávia, cheguei a Boké na manhã de 09 de Maio", escreve Mussatov nas suas memórias "Viagens Africanas", publicadas em Moscovo.
A viagem rumo aos territórios libertados do PAIGC foi feita de noite por questões de segurança.
"Visto que a cidade de Boké se encontra a 60 km da fronteira, fomos até à Guiné-Bissau em camiões protegidos por soldados e comandantes guineenses. Eu ia num carro com o vice-ministro da Defesa da Guiné-Bissau, Pedro Pires [actual Presidente de Cabo Verde]", recorda o diplomata soviético.
"Entre as três e as cinco horas da manhã de 10 de Maio", continua Mussatov, "descansámos em tendas num acampamento militar e, depois, cansados, infiltrámo-nos no território da Guiné-Bissau", descrevendo "ruínas de aldeias guineenses queimadas pelos portugueses".
"Finalmente, às 10 horas, chegámos à residência do Presidente, constituída por vários "palacetes", cabanas no interior da selva. Fomos instalados no "hotel dos embaixadores", cabana construída de ramos e folhas de palmeiras e de outras árvores e anunciaram-nos que a entrega de credenciais começaria às 12.30", recorda o embaixador.
"De súbito", relata ainda o diplomata, "às 11 horas, no céu apareceram dois aviões militares portugueses e, depois de alarme aéreo, fomos obrigados a escondermo-nos. Felizmente, os aviões, depois de darem várias voltas por cima da selva, afastaram-se".
Leonid Mussatov lembra que, no regresso a Conacri, no dia seguinte, soube que a "Voz da América" tinha noticiado esta expedição diplomática. "A espionagem americana e os seus agentes na Guiné seguiram atentamente a nossa viagem e, pelos vistos, juntamente com os portugueses, tentaram assustar-nos", prossegue Mussatov.
Regressado a Conacri, o embaixador soviético seguiu depois para Moscovo para apresentar informação sobre a cooperação com a Guiné-Bissau, tendo mostrado aos membros do Colégio do MNE fotos daquela cerimónia pouco comum.
"O primeiro vice-ministro V.V.Kuznetsov declarou então: 'É o primeiro caso na História da Diplomacia em que embaixadores entregam credenciais não num palácio, mas na selva da guerrilha'", lembra Mussatov.
Lusa/fim
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Notas de L.G.:
(*) Vd. postes de:
18 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3911: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (1): Em 1995, confirmaram-me que o local da cerimónia foi mais a sul (Miguel Pessoa)
20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3920: Dossiê Madina do Boé e o 24 de Setembro (2): Opção inicial, uma tabanca algures no sul, segundo Luís Cabral (Nelson Herbert)
(**) Vd. postes de:
2 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3828: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (1): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 1-2
5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3846: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (2): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 3-4
10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3864: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (3): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 5-6
17 de Fevereiro de 2009 > Guiné 64/74 - P3905: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (4): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 7-8
(***) Vd. poste de 16 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2652: Guineenses da diáspora (3): Nelson Herbert, o nosso Correspondente nos EUA (Virgínio Briote)
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