ESTÓRIAS DE MANSAMBO II - 20
CHORO NA NOITE
CHORO NA NOITE
Noite clara e a chegar rápida.
O cansaço a tomar conta deles, a paragem a ser feita na bolanha do Bissári.
De repente choro de criança, choro de bebé a soar forte, a cortar a noite, a avisar o inimigo da posição.
- Vai com um milícia dizer à mãe para calar o gaiato.
Traziam três mulheres, uma ou duas com bebés e dois ou três rapazes. Vinham de Cancodea Beafada. Traziam os prisioneiros porque tudo ficara destruído e essas eram as ordens.
O choro parou e o sono foi tomando conta dele e dos outros.
De repente o som forte a cortar a noite. Choro de bebé novamente.
- Foda-se, vai calar o bebé.
- A mãe não percebe. É balanta ou beafada.
- Anda comigo.
A mulher olha-os, embala a criança, afaga carinhosamente o corpito, tenta dar-lhe a mama, cala-se por breve momento o bebé, breve muito breve e volta a chorar forte.
Por gestos tenta fazer-se entender. Sente que o som põe em perigo todos aqueles homens.
E agora? Agora, em gesto brusco, olhar de louco puxa da faca enorme e encosta-a ao seu pescoço. Faz o gesto de degolar.
Na pouca claridade da noite sente o olhar de terror daquela mulher a fundir-se com o seu, sente a criança a ser mais fortemente apertada, sente, nas outras mulheres o medo.
Levanta-se. Sente, ele mesmo, ser um selvagem. Mesmo sendo impossível concretizar a ameaça. Volta com a cabeça a latejar e ouve barulho noutro lado.
- O rapaz mais velho fugiu e outro está ferido…
Fala com o Capitão e rápido iniciam a marcha de regresso. Passos apressados, fatigados, caminhar de gente farta de andar e pouco depois ouvem a saída e o estrondo da granada de morteiro, logo mais outra e curtas rajadas… cabrões… foi o rapaz… Estavam perto… o gaiato ou o rapaz?
Apressam o passo. Andam, mexem as pernas como autómatos e esgotados param uns quilómetros à frente. Consultam o guia, a carta e a bússola, metem-se debaixo do “ponche”, encostam-se ombro com ombro sentados nos calcanhares… só uma hora… fuma um cigarro e “vê” o olhar da mulher… sente-o… raios o partam.
Voltou a vê-la com a criança já em Mansambo. Ela olha-o com terror… afasta-se dali… pede ao Leonardo, chefe da tabanca, para lhe darem o que ela quiser e conta-lhe. O velho ouve-o, bate-lhe no ombro e sorri ao afastar-se.
O olhar dela, daquela mãe não sorri… andou muitas noites de suor com ele e, mesmo agora que alinho letras, se fechar os olhos vejo-o ali… mesmo ali… e arrepio-me…
Mansambo 18 de Março de 1969
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 12 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 – P6375: Estórias de Mansambo II (Torcato Mendonça, CART 2339) (19): Tabanca de Fá Mandinga