sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19073: Notas de leitura (1106): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (54) (Mário Beja Santos)

Imprensa Nacional em Bolama, 
Foto de Francisco Nogueira, inserida no livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
O gerente Virgolino Pimenta passou um mau bocado com a vigilância britânica, havia empresas que tudo faziam para que os seus produtos chegassem aos alemães, constavam de uma lista negra, recorriam a expedientes que eram intermediários. Durante um tempo, as fronteiras, além de porosas, eram um meio fácil de chegarem a locais que depois faziam transbordo para a Alemanha e países amigos. Tudo vai mudar a partir de 1943, quando as potências do Eixo abandonaram África. Mas a Inglaterra manteve-se vigilante todo o tempo, como esta correspondência, iniludivelmente, o revela.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (54)

Beja Santos

Todo este período que compreende a II Guerra Mundial reflete-se no BNU da Guiné fundamentalmente em duas áreas: com a transição da capital para Bissau, decidiu-se reduzir ao mínimo a filial de Bolama que ficou com o estatuto de Correspondência; e estreita vigilância às operações comerciais e financeiras, a pressão britânica era permanente para que não saíssem matérias-primas para o Eixo e seus aliados.

De há muito que o gerente de Bissau pedia a Lisboa o encerramento de Bolama, tenha-se presente uma informação datada de 22 de agosto de 1933, já nessa altura se dizia que fora solicitado ao Ministro das Colónias o encerramento da filial de Bolama, em virtude dos avultados prejuízos, e o gerente de Bissau verberava assim:
“O movimento desta filial é insignificante, e nem sequer a Caixa do Tesouro justifica a sua existência, pois, conforme se alvitrou a Sua Ex.ª o Ministro das Colónias, este serviço pode, sem prejuízo, ser feito pela Fazenda, caso não convenha concentrá-lo em Bissau.
O nosso administrador, Dr. Francisco Vieira Machado, aquando da sua visita à Guiné, reduziu ao mínimo as despesas gerais da filial, cujo quadro do pessoal foi igualmente reduzido.
Apesar das razões apontadas, entende o Sr. Governador da Guiné que o Banco deve manter os serviços da Caixa do Tesouro, embora entregue a sua Agência a uma casa comercial, isto no caso de se não querer mudar a capital para Bissau”.

O cônsul da Grã-Bretanha protestava quanto aos negócios da Companhia Agrícola e Fabril da Guiné. Escrevia o gerente de Bissau para Lisboa, em 26 de maio de 1942:
“A firma em questão está na lista negra inglesa. O cônsul inglês exerce uma especial vigilância sobre a Companhia, e todos que transaccionarem com ela ficarão sujeitos a represálias por parte da vigilância inglesa e irão parar à lista negra.
É esta a razão por que esta firma não consegue relações comerciais nesta colónia e, por isso, não consegue vender um quilo dos produtos que tem armazenados em Bubaque.
Quando o gerente da Companhia começou a falar-nos em lhe concedermos crédito, sondámos com toda a prudência o cônsul inglês e ficámos com a certeza absoluta de que ele incitaria a vigilância inglesa contra quem negociasse com a Companhia.
É certo que o cônsul inglês, não tendo grandes possibilidades de exercer represálias contra o Banco, não hesitará em as exercer contra as sociedades ligadas ao Banco e isso lhe traria consequências bem mais graves que as que já resultam do disfarçado mas firme bloqueio que os ingleses fazem a esta colónia.
A situação da Companhia é séria. Não vende os seus produtos. A fábrica está parada e o pessoal de cor e europeu foi despedido. As plantações velhas estão sem cuidados e já invadidas pelo matagal que cresce continuamente. O coconote armazenado desde o começo da guerra tende a depreciar-se. Os óleos guardados desde a mesma altura, também se acabarão por depreciar. Da má situação da Companhia resultará impossibilidade desta liquidar o empréstimo, a fazer-se. E se o Banco tiver que lançar mão da garantia, não tem quem lha compre nem a poderá embarcar, porque os ingleses não darão navicert (certificado inglês usado em tempo de guerra para transporte marítimo) ”.

Em 3 de junho desse ano, o administrador do BNU A. Menezes Correia de Sá assina a seguinte circular sobre a filial de Bolama:
“Para os devidos efeitos comunicamos a V. Sas. que o Exmo. Conselho do Banco, em sessão do passado dia 12 de Maio, resolveu transformar a Filial de Bolama em Correspondência; portanto todas as operações com esta colónia serão feitas com a nossa dependência de Bissau que passou a denominar-se filial.
Em Bolama apenas funcionará essa Correspondência subordinada à filial de Bissau, a cargo da Sociedade Comercial Ultramarina, Bolama”.

O gerente Virgolino Pimenta, a tal propósito, corresponde-se com a sede, informa que a Sociedade Comercial Ultramarina ficará com móveis e os cofres que tinham pertencido à agência de Bolama, as louças, vidros, talheres e pequenas miudezas iriam para Bissau, tal como o arquivo e os documentos.

Em 15 de novembro de 1943 é expedido para Lisboa, com caráter reservado, um ofício em que se fala do Flit e da doença do sono, tem interesse tomar nota do que ele escreve:
“O Flit pedido é necessário para prevenção. Se houver a sorte de não ser preciso para tal efeito é sempre necessário porque temos traça em todo o edifício e temos de defender as notas e valores do Estado existentes na casa forte onde há também traças e outros bichos da velha madeira das estantes.
O secretário do Sr. Governador informou-nos anteontem que ia buscar importante quantidade de vacina ao território francês.
Aproveitamos escrever sobre sanidade da colónia e informamos que, há tempo, apareceram casos da doença do sono, em Bissau, e em três indivíduos que foram picados a uns 15 km da cidade. O ex-Director de Saúde teimou em não diagnosticar doença do sono e os três indivíduos chegaram a tal ponto que o Sr. Governador os remeteu a Zinguinchor onde os médicos franceses, na forma gentil do costume, verificaram que os doentes estavam já em tal estado que morreriam certamente, se não fossem imediatamente tratados da doença do sono.
E deram gratuitamente os remédios necessários.
O ex-Director de Saúde manteve a sua teima, o que demonstrava uma ignorância total pois o sangue dos doentes que foram a Zinguinchor dera prova absoluta do seu mal, na análise feita”.

Os ingleses eram também severos com a quantidade de bagagens dos passageiros a caminho da metrópole, assim se compreende a carta que o inspetor Caetano de Sá dirigiu ao agente em Bissau da Companhia Nacional de Navegação:
“Para que V. Ex.ª se digne transmitir a todas as pessoas que adquiram passagens para a metrópole nos navios da vossa Companhia, comunico que, segundo informou o vice-consulado britânico nesta cidade, os passageiros que desejam levar consigo bagagens, géneros alimentícios de peso superior a 5 kg terão de solicitar do vice-consulado um certificado de origem, que custa 25$50. Estes certificados serão passados para quantidades entre 5 e 1000 kg. Para os embarques de géneros alimentícios com peso superior a uma tonelada é necessário navicert”.

Os pedidos de crédito eram rigorosamente vigiados pelo consulado britânico. Em 12 de novembro de 1943 o Vice-Cônsul James Graham dirige a seguinte carta ao gerente Virgolino Pimenta:
“Dear Sir,
I have been instructed by His Britanic Majesty’s Principal Secretary of State for Foreign Affairs to inform you that His Majesty’s Government in the United Kingdom regard with very great displeasure the loans which your bank have made in the recente times to the German-owned company at Bubaque, “Agrifa”, in exchange for palm-oil and other goods. His Majesty’s Government point out that these loans provide the company “Agrifa” with a market for their products and enable them to continue in existence”.

No dia seguinte, a propósito de créditos para a Companhia Agrícola e Fabril da Guiné, o gerente Virgolino Pimenta escreve para Lisboa:
“O consulado britânico nesta cidade nunca perdoou ter o Banco feito a operação de crédito efectuada, há tempo, com esta Companhia.
Agora que o crédito já está liquidado e que julgávamos o assunto arrumado, volta o consulado com a carta cuja cópia juntamos.
Falámos com o cônsul, a quem fizemos ver que V. Ex.ª agiu dentro dos severos preceitos da nossa neutralidade, tratando todos igualmente e ainda lhe dissemos que a Companhia tem a sua sede em Lisboa e, legalmente, é considerada portuguesa.
Nada o convence e, pelo que se vê, o assunto está merecendo a atenção de Londres, mas vinculando pessoalmente o gerente desta filial que, como V. Ex.ª sabe, apenas cumpriu as ordens de V. Ex.ª.
É interessante registar que o signatário foi avisado de Lisboa por uma pessoa amiga, no passado correio, que ia ser alvo de qualquer perseguição por parte das autoridades inglesas.
Não é este o ponto que interessa. O que interessa é salvaguardar o Banco de qualquer aborrecimento, este pode surgir na negação, por exemplo, de navicerts relativos a cargas em que houvera a nossa interferência directa ou por ordem de clientes.
Já instámos com a “Agrifa” por várias vezes para retirar o óleo do nosso armazém mas esta nada resolve.
O cônsul britânico telegrafou ontem para Londres sobre o assunto, em extenso telegrama que não sabemos o que diz, por estar cifrado.
Dado o que lhe expusemos, prometeu que iria tudo esclarecer do modo mais favorável ao Banco.
No entanto, pedimos licença para alvitrar a necessidade de se esclarecer o caso, aí, no consulado geral britânico.
Se a nossa observação não erra, é provável que a “Agrifa” venha a solicitar novo crédito sobre o mesmo óleo.
Afigura-se-nos de desatender nova operação pois se se fizer não resta dúvida nenhuma que surgirão maiores aborrecimentos, em troco, afinal, de pequeno benefício, tanto mais que o óleo vai tendo excesso de prazo de armazenagem e os tambores vão apresentando vestígio de estrago.”

Tempos depois, a 16 de fevereiro de 1944, volta-se aos assuntos da Companhia Agrícola de Bubaque, esclarece-se Lisboa do seguinte modo:
“Já informámos que todo o óleo saiu do nosso armazém. A demora em ser retirado provinha da negativa do cônsul inglês em autorizar que os donos dos camiões os alugassem para este efeito e só a custo se conseguiu.
Pedimos muita desculpa mas não podemos perceber como nos pode ser atribuída grande parte da responsabilidade em quaisquer consequências que possam surgir.
E menos percebemos ainda porque é mal julgado o nosso procedimento. Basta ler-se toda a nossa correspondência telegráfica e ordinária para se ver que esta gerência fez tudo quanto pôde para não se fazer tal operação com os alemães. O procedimento que V. Ex.ª nos censura foi apenas uma resultante de ordens que V. Ex.ª nos deu numa carta reservada de 1943 mandando-nos procurar vender o óleo à Sociedade Comercial Ultramarina.
Ora a primeira coisa que tínhamos que fazer, para cumprir aquela ordem, era abordar o cônsul inglês para ver se ele permitia que o óleo passasse para Sociedade Comercial Ultramarina sem esta ir para a lista negra.
O cônsul garantiu que a Sociedade Comercial Ultramarina iria para a lista negra e como os alemães liquidaram a conta ficou o caso arrumado pelo melhor.
Por tudo o exposto, se vê que não fizemos nada para nos serem imputadas responsabilidades ou para merecermos censuras.
V. Ex.ª pode repetir-nos que a autoridade estrangeira nada tinha com isto.
Aí, pode pensar-se que é assim. Aqui, na prática, não é. Todos têm que se subordinar ao cônsul inglês”.

No acervo documental do Arquivo Histórico do BNU nada mais relevante se encontrou sobre este período da II Guerra Mundial. O que se segue tem a data de 1947, o gerente Virgolino José Pimenta entrega a gerência da filial de Bissau ao gerente José Henrique Gomes.

Continua

Esta fotografia do governador Muzanty, cujo nome fica ligado às campanhas de 1907-1908, contra Infali Soncó, consta do álbum “Guiné – Alvorada do Império”, 1953, trata-se de uma homenagem ao Governador Raimundo Serrão.

Mulheres de etnia “Papel” – (Tatuagens), 
Retirado do livro “Guiné Portuguesa”, I Volume, por Luís Carvalho Viegas, 1936.
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Notas do editor

Poste anterior de 28 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19052: Notas de leitura (1104): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (53) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 1 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19059: Notas de leitura (1105): “Gargalhada da Mamã Guiné”, de Carlos-Edmilson M. Vieira, edição de autor, 2014 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19072: In Memoriam (328): Homenagem da Tabanca de Matosinhos ao João Rebola (1945-2018)... O toque de silêncio e o poema com que nos despedimos dos heróis (José Teixeira)


João Rebola (1945-2018). Foto: Tabanca de Matosinhos


1. Mensagem do dia 4 de Outubro de 2018, do nosso camarada José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70):

Assunto - A Homenagem da Tabanca de Matosinhos ao João Rebola

O João Rebola era um cativador de amigos. À volta dele vivia-se a amizade, a alegria e a boa disposição. Aquele homem nunca deixou transparecer desanimo ou tristezas, mesmo quando já minado pela doença, nos recebia em sua casa.

Agora que partiu ao encontro do Criador, sentimo-nos mais pobres.

Na despedida final foi bem patente a amizade que o unia a muitos camaradas da Guiné que se cruzaram com ele nos últimos anos da sua vida. Uma presença massiva de gente que palmilhou as picadas da Guiné, vinda de norte e sul do país, que lhe quis prestar a ultima homenagem com a presença nas cerimónias fúnebres.

Em devido tempo, o Eduardo Moutinho Santos, Presidente da Tabanca Pequena - Grupo de Amigos da Guiné- Bissau, transmitiu aos presentes, em nome da Tabanca Pequena e da tertúlia da Tabanca de Matosinhos, as seguintes palavras:


UMA DESPEDIDA ...

Caro João Rebola

Com a permissão da Elsa e dos teus filhos Maria João e Miguel, em meu nome pessoal e dos teus amigos e camaradas da Tabanca de Matosinhos aqui presentes, e também de todos aqueles que, por vários motivos, aqui não podem estar neste nosso último encontro, queria recordar-te - pelo resto dos dias que ainda por aqui andarei - com algumas palavras para expressar-te a gratidão que sinto por teres permitido há uma dezena de anos que, por nos termos encontrado e conhecido na Tabanca de Matosinhos, eu fizesse parte do teu círculo de amigos e camaradas. E acredita que, de facto, sinto de todo o meu coração que fomos amigos e camaradas com a magnitude que estas palavras encerram.

- Apesar de ter sido bancário durante mais de 23 anos, e ter andado muitos anos pelo Sindicato desempenhando várias funções e cargos sindicais, nunca – se a memória me não atraiçoa – ali nos encontrámos. Felizmente que eu não era grande “cliente” dos SAMS.

- E apesar de a nossa permanência na Guerra ter coincidido no tempo, e os nossos aquartelamentos na Guiné - Có e Jolmete - apenas distarem uns 15 kms entre si, as condições do terreno e a guerra não permitiram que tivéssemos oportunidade para qualquer encontro.

Assim, foi a necessidade de conviver e partilhar experiências nos convívios da Tabanca de Matosinhos, para fazermos a catarse do stress da guerra, que levou a conhecermo-nos e a unir os nossos esforços e os de muitos camaradas de armas, seu familiares e amigos, na missão que atribuímos à nossa ONGD, a Tabanca Pequena-Grupo de Amigos da Guiné-Bissau, de proporcionar ajuda às populações daquele martirizado país irmão.

E, caro João, nessa missão foste o melhor de todos nós, o mais entusiasta e o mais empenhado, ou seja, o primeiro.

Obrigado João por teres aceitado o meu desafio para participares na Direção da ONGD como tesoureiro, e me teres mostrado que é sempre possível, com muito pouco, dar sentido àquela máxima da Madre Teresa de Calcutá que tinhas como lema de vida: “Não devemos permitir que aquele que vem ter connosco saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz.”

João, continua, onde quer que estejas, a abençoar a Elsa, a tua para sempre companheira, amiga e amante, e os teus filhos Maria João e o Miguel que te terão para sempre no coração.

Perdoem-me, mas faltam, ainda, uma palavras de todos nós, teus camaradas de armas. A guerra, por que passamos na nossa juventude, matou-nos a todos um poucochinho que fosse. Por isso, devemos considerar-nos merecedores da homenagem que se presta aos que caem em combatem. Aqui fica essa homenagem e deixo-te com o toque de silêncio e o poema com que nos despedimos dos heróis:


Toque do SILÊNCIO ... (música de fundo).

O dia terminou, e o sol escondeu-se
sobre os lagos, nas colinas e no horizonte.
Mas tudo está bem,
a luz ténue obscurece a visão,
e uma estrela embelezando o céu
e brilhando luminosa,
aproxima-se ao longe.

Cai a noite.
Graças e louvores pelos dias vividos
debaixo do sol,
debaixo da chuva,
debaixo das estrelas e
debaixo do céu.

E enquanto percorremos o nosso caminho
- disso temos a certeza –
Deus está próximo.

Descansa em paz!!! JOÃO

02/10/2018

Eduardo Moutinho Santos

[Publicado também na página do Facebook da Tabanca de Matosinhos]
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Nota do editor:

Último poste da série >  2 de outubro de  2018 > Guiné 61/74 - P19064: In Memoriam (327): António Manuel Sucena Rodrigues (1951-2018): até sempre, camarada ! (António Duarte, Jorge Araújo, Luís Graça)

Guiné 61/74 - P19071: Vídeos de guerra (17): "Buruntuma, algum dia serás grande", de Jorge Ferreira, no You Tube, com música de Mamadu Baio


Vídeo (11' 03'') alojado em You Tube > Jorge Ferreira (Corytesia do autor, membro da Tabanca Grande)

Vídeo: © Jorge Ferreira (2018). Todos os direitos reservados. 


Jorge Ferreira, foto da sua página do Facebook
1. Está disponível, desde 10 de junho último, no YouTube, na conta de Jorge Ferreira, um vídeo (*) com uma seleção das suas belas fotos do livro "Buruntuma: 'algum dia serás grande', Guiné, Gabu, 1961-63". (Edição de autor, Oeiras, 2016)(**).

O vídeo merece uma "visita" por uma dupla razão: 

(i) o Jorge Ferreira (ex-alf mil da 3ª CCAÇ, Bolama, Nova Lamego, Buruntuma e Bolama, 1961/63), é membro da nossa Tabanca Grande,  é um fotógrafo amador com mais de meio século de experiência, tem um página pessoal no Facebook, além de um "site" de fotografia, Jorge da Silva Ferreira; as suas fotos de Buruntuma inserem-se na categoria da etnofotografia;

Mamadu Baio: foto de Luís Graça (2014)

(ii) o vídeo tem a excecional colaboração de um outro grã-tabanqueiro (nº 642), talentoso músico guineense,  lider do grupo musical Super Camarimba,  Mamadu Baio, originário da tabanca de Tabató (, região de Bafatá, Guiné-Bissau), e hoje cidadão português; a musiquinha que ele disponibilizou  é do primeiro CD dos Super Camarimba ("Sila Djanhará", c. 2010), gravado no Mali.

O nosso editor, Luís Graça, pôs o Jorge Ferreira erm contacto com o Mamadu Baio e lá chegaram os dois a um acordo sobre a utilização de uma das faixas de música, com menção dos direitos de autor, na ficha técnica, no final.O vídeo, disponível numa rede social de impacto gobal como o You Tube, não tem qualquer propósito comercial, é uma homenagem ao povo de Burintuma (que em mandinga quer dizer justamente "Algum dia serás grande").


2. O Jorge Ferreira foi convidado do programa de Luiz Carvalho, Fotobox, o n.º 88, há 5 meses atrás. O vídeo pode ser visto aqui, no Vímeo > Fotobox. Luiz Carvalho, arquiteto de formação, é um conceituado fotógrafo, fotojornalista, professor de fotografia,  realizador.

O Fotobox é um programa de televisão da RTP3 sobre Fotografia, do autor e realizado  Luiz Carvalho. Sinopse: entrevistas a fotógrafos; fotografias com Histórias; as escolhas de Luiz carvalho da semana.

Sabemos, através do Jorge Ferreira, que o Luiz Carvalho está interessado em conhecer e eventualmente divulgar, no Fotobox,  alguns dos nossos melhores álbuns fotográficos sobre a Guiné e a guerra colonial (1961/74).
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5 de maio de 2017 > Guiné 61/74 - P17321: Notas de leitura (953): "Buruntuma - Algum Dia Serás Grande - Guiné-Gabú - 1961-63", por Jorge Ferreira (Mário Beja Santos)

14 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17139: Agenda cultural (546): Apresentação do livro de fotografia, "Buruntuma", do nosso camarada Jorge Ferreira, em Oeiras, no passado sábado, dia 4 (Parte II) - Fotos de tocadores de korá e atuação do mestre Braima Galissá

6 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17110: Agenda cultural (545): Apresentação do livro de fotografia, "Buruntuma", do nosso camarada Jorge Ferreira, em Oeiras, no passado sábado, dia 4 (Parte I) - As primeiras fotos

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19070: Tabanca Grande (467): José Ramos, ex-1º cabo cav, condutor Panhard AML, EREC 3432 (Bula, 1972/74)... Novo grã-tabanqueiro, nº 778.


Guiné > Região do Cacheu > Bula > 1º cabo cav, condutor de Panhard AML, EREC 3432 (1972/74)


As quatro primeiras Panhard, a operar no TO da Guiné (1966). Foto de José Linhares, Antigos Combatentes da Guiné... In: Blogue Panhard Esquadrão de Bula, Guiné, 1963-1974... Com a devida vénia

Na Guiné, o espaço físico do “Esquadrão” de Bula ficou ligado, até final do conflito, à Panhard, às unidades que ai permaneceram e em particular à figura do então Cap Monge, comandante do ERec 2454, que obteve autorização para instalar a sua unidade num espaço próximo dessa povoação, anteriormente ocupado pela "Engenharia", durante a fase de construção de estradas na zona.
Por muitos lugares que andássemos, e andámos, aquele local simbolizava a nossa “casa”, onde todos queríamos regressar e nos sentíamos mais protegidos.


No excelente livro de memórias "Guiné mal-amada - O inferno da guerra"  [, Porto: Fronteira do Caos Editores, 2013], de António Ramalho de Almeida,   dos primeiros oficiais do Exército a tirar a especialidade de autometralhadoras Panhard, na Escola Prática de Cavalaria de Santarém, tendo cumprido uma comissão de serviço no TO como Alf Cav, este diz a certo passo, a propósito da sua nomeação para uma nova missão:

" (...) Aguardamos a chegada de um esquadrão de autometralhadoras Panhard, mas a preparação ainda está atrasada à volta de dois meses. Estão ainda na Metrópole em Santa Margarida e só devem embarcar em Junho."

Este texto antecipa o princípio da utilização das Panhard na Guiné, com a chegada, em 1966, do Pel Rec 1106, que foi a primeira unidade a operar estas viaturas blindadas no TO. Esta unidade seria rendida pelo Pel Rec 2024, que posteriormente integrou o ERec 2454. 

Fotos (e legendas): © José Ramos (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Resposta do José Ramos ao nosso convite para integrar a Tabanca Grande, passando a sentar-se no lugar nº 778, sob a sombra protetora e fraterna do nosso mágico poilão (*)

Assunto - Esquadrão de Bula
Data: quinta, 27/09, 16:15

Caro Luís,

Foi de facto um acaso agradável o nosso encontro e quero enviar-te um abraço pelo modo simpático e "histórico" como respondeste (*). Bem como, o convite que envias e que aceito. Envio pois as fotos e um texto que creio serve ao caso.

Em 1971 cruzei a Porta de Armas do RL 1 / CICA 3, de Elvas, integrando o SMO e realizar a instrução militar básica, vindo depois para o RC 7, de Lisboa, para atirar a especialidade de condutor de Panhard AML, tendo em 1972, após mobilização, rumado à Guiné-Bula, integrando o ERec 3432-2.ª Fase, e aí permanecido até 1974.

Hoje, na idade do tempo, criei o blogue Panhard Esquadrão de Bula, Guiné 1963-1974, que revisita os factos e as vivências do passado, longe que vão essas realidades, perto que continua o espírito de camaradagem. E é com esse valor que me apresento e agradeço o convite do Luís Graça para integrar a vossa, e a partir de agora a nossa Tabanca Grande, acolhendo-me igualmente à sombra do nosso mágico e fraterno poilão.


Temos que arranjar um pouco mais de tempo para nos sentarmos a tomar um café, na Lourinhã, e ficarmos a conhecer-nos melhor.

Abraço.
José Ramos


2. Resposta, pronta,  do editor Luís Graça, no mesmo dia 27 de setembro:

Obrigado, Zé, passas então a ter o lugar (c)ativo n.º 778, à sombra do nosso poilão... Entras com um atraso de 4 anos... O lapso foi nosso. Mas tudo se recupera... Fico feliz por ti e por todos nós. Por estes dias estou no Norte, vou fazer a nossa vindima, na Quinta de Candoz (...).

Não temos "turismo rural" ou "alojamento local" mas podíamos ter... Sei que estás a montar um, no Casal Santos, Lourinhã. Os meus sócios vivem no Porto, eu em Lisboa, a 400 km... Às 4ªs feiras e sábados, há sempre "trabalhos agrícolas"... Eu venho menos... Gosto de cá vir... Temos agora as vindimas, neste fim de semana e no próximo (...).

Fico com o teu telefone, para uso pessoal. Depois ligo-te. Entretanto, vou-te apresentar à Tabanca Grande. Passas a estar na lista alfabética dos membros da Tabanca Grande, 778 contigo, dos quais 68 infelizmente já falecidos. (Ver lista na coluna do lado esquerdo do blogue.)

Um alfabravo. Cumprimentos à tua esposa.

PS - As regras editoriais do nosso blogue já as conheces: aqui estão.
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 22 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19036: Blogues da nossa blogosfera (105): Panhard, Esquadrão de Bula, Guiné 1963-1974, criado e editado por José Ramos, ex-1º cabo cav, EREC 3432 (1972/74)

Acrescente-se que o José Ramos, de acordo com a sua página pessoal: (i) é coordenador da ação social da Liga dos Combatentes-Núcleo de Torres Vedras; (ii) estudou Ciências Sociais Aplicadas em Universidade Aberta - UAb; e (iii) estudou Serviço Social na mesma universidade. (...)


(**) Último poste da série >

2 de agosto de 2018 > Guiné 61/74 - P18891: Tabanca Grande (466): Manuel Gonçalves, ex-alf mil manutenção, CCS / BCAÇ 3852, Aldeia Formosa, 1971/73; ex-aluno dos Pupilos do Exército, transmontano, vive em Carcavelos, Cascais. Senta-se à sombra

19 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19026: In Memoriam (322): Manuel Maria Veira Carneiro (27 jan 1952 - 11 set 2018), natural do Marco de Canaveses, ex-sold paraquedista, CCP 121 /BCP 12 (Bissalanca, 1972/74)... Nosso grã-tabanqueiro, a título póstumo, nº 777

Guiné 61/74 - P19069: Parabéns a você (1505): Artur Conceição, ex-soldado trms, CART 730 (Guiné, 1965/67) e Inácio Silva, ex-1.º cabo apont AP, CART 2732 (Guiné, 1970/72)


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Nota do editor

Último poste da s érie de 3 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19066: Parabéns a você (1504): Cor Ref Carlos Alberto Prata, ex-Capitão, CMDT da CCAÇ 4544/73 e CCAÇ 13 (Guiné, 1973/74) e Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Guiné, 1970/72)

quarta-feira, 3 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19068: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XLV: Quando as nossas viaturas blindadas Daimler tinham nomes de mulheres, Vera, Luisa...


Foto nº 10


Foto nº 9


Foto nº 8


Foto nº 2


Foto nº 2A


Foto nº 5


Foto nº 5A


Foto nº 1


Foto nº 3


Foto nº 6


Foto nº 4


Foto nº 7

Guiné > CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e Dão Domingos, 1967/69) >  Viaturas blindadas Daimler

Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 



1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já cerca de 90 referências no nosso blogue.


  Guiné 1967/69 - Álbum de Temas:

T102 – OS BLINDADOS DAIMLER

PELOTÕES DE AUTO METRALHADORAS LIGEIRAS Nº 1129 e nº 1143
– NOVA LAMEGO, CACHEU E SÃO DOMINGOS


I - Anotações e Introdução ao tema:

Este tema pretende mostrar as fotos e protagonistas, das chamadas AML, que também eram conhecidas por Carros Blindados Ligeiros, as quais fui observando ao longo da minha estadia, primeiro em Nova Lamego, onde existiam 2 Pelotões, e que também as vi no Quartel do Cacheu, e em São Domingos, onde apenas existia uma unidade.

Em Nova Lamego, era um Blindado que não passava despercebido, pois em cada coluna que saia da Sede do Batalhão, iam sempre acompanhadas por pelo menos 2 unidades, em especial nas colunas para o Cheche e Madina do Boé.

Muitas se ficaram pelos caminhos, na sequência de rebentamentos de minas, e emboscadas a colunas, elas ficavam em parte nas estradas, e algumas iam encher o ‘cemitério de viaturas’ na sede em Nova Lamego.

Tive grande cumplicidade com todos os elementos destes pelotões, conhecia os camaradas todos, mas só me lembro de um condutor, o Fiúza, que aparece a segurar um cadáver de um terrorista morto, na sequência da morte do alferes Gamboa, numa emboscada entre Nova Lamego L e Piche, por onde passei algumas vezes.

Sinto a tal nostalgia destes pequenos blindados, pois lembra-me sempre as colunas para Madina, e as lembranças do passado trágico.

Existia no início, em Setembro de 67 e talvez até Dezembro de 1967, o Pelotão [Pel Rec Daimler] 1129, julgo que são aqueles que aparecem nas primeiras fotos em Nova Lamego. Duas são festas de confraternização, e podem ter tido como motivo, a sua despedida do sector, mas não tenho certeza nenhuma.

Depois julgo que teriam saído da zona ou do Sector, e aparece o Pelotão  [Pel Rec Daimler] 1143. Eu julgo que deverá ter chegado a quando da nossa saída de Nova Lamego em Fevereiro de 68, e o Alferes que comandava este Pelotão deve chamar-se Nobre.

Esse camarada, que eu o conheci em Nova Lamego, por pouco tempo, acabei por encontrá-lo em Vila do Conde, nos anos 70 ou 80, não sei. Conheci-o perfeitamente, e um dia, passados muitos anos, talvez há uns 10 anos atrás, cheguei à conversa com ele, disse que o conhecia de Nova Lamego, das Daimler, e que foi ainda comandado algum tempo pelo BCAÇ1 933, como consta na HU, mas ele, não sei por que razão, insistiu que esteve em Nova Lamego, na mesma época do que eu, não me conhecia, e insistiu que pertenceu ao outro Batalhão que nos foi render. Face a tantas evidências, não sei porquê, ficamos cada um com a sua opinião. Não sei se está complexado por pertencer à Igreja cá do Local, e ser um daqueles – não sei o nome - que também dão a hóstia no fim da missa, é ajudante do prior, mas a mim não, só fui umas vezes, ele só disse que se chamava Alferes Nobre, mais nada.

Alguns blindados têm nomes escritos, não sei se são de origem, ou foram baptizados pelos seus condutores e a tripulação. Uma tem o nome de Vera e outra de Luísa.

Este último está no cemitério de viaturas, pois foi danificado por minas A/C.

Algumas destas fotos podem já ter sido publicadas, no âmbito de outro tema, mas não encontro nada a este respeito, pelo que peço desculpa pela sua repetição infundada.

Todas estas fotos foram cedidas para a publicação de um livro sobre ‘Os Grandes Veículos Militares Nacionais’, editado em Abril deste ano, e já esgotado e com nova edição a sair até ao final do ano. Foi um orgulho para mim ter fornecido essas e outras fotos para o livro, de um total de cerca de 40 foram editadas 7 das minhas, a maior participação individual no livro.

II – As Legendas das fotos:

F01 – Festa de confraternização entre os elementos do Pelotão Daimler.

Encontro-me eu, de camisa branca, sentado em cima de uma Daimler, o alferes, comandante do Pelotão, cujo nome não sei, o 3º de óculos da esquerda para a direita, o soldado condutor Fiúza, em pé no extremo direito de braços abertos, entre outros militares. Foto captada em Nova Lamego, em Novembro de 67.

F02 – Junto de uma Daimler – a Luisa – que tinha sido atingida por uma mina A/C. Foto captada em Nova Lamego, em Novembro de 67.

F03 – Outro aspecto da confraternização referida na foto F01, com a malta das Daimler. Além dos já referidos, está de novo um casal, é o sargento do Pelotão e a esposa dele. Foto captada em Nova Lamego, em Novembro de 67.

F04 – Junto a uma Daimler de nome Vera, nas oficinas mecânicas do Batalhão. Nova Lamego, 1967.

F05 – Cemitério de viaturas, entre as quais algumas Daimler. Nova Lamego, 1967.

F06 – Um blindado Daimler, fazendo a segurança na pista de Nova Lamego, a um avião Dakota e à sua tripulação. Foto captada em Nova Lamego, no 4º trimestre de 1967.

F07 – O soldado Fiúza, condutor de Daimler, junto ao cadáver de um guerrilheiro morto, segurando a cabeça com a ajuda de outro militar. Penso que foi este soldado que esteve na operação que deu origem a esta morte do IN. Foi na sequência da emboscada onde o IN numa emboscada causou a morte ao nosso camarada ex-alferes Gamboa. Foto captada em Nova Lamego, em 14 de Dezembro de 1967.

F08 – Junto a um blindado Daimler no Quartel do Cacheu, no 1º semestre de 68.

F09 – Junto a um blindado Daimler no Quartel do Cacheu, no 2º semestre de 68.

F10 – Junto a um blindado Daimler e Posto Administrativo da cidade de Cacheu. Foto captada no Cacheu, no 1º semestre de 1969.

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano do SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».

Nota final do autor:

As legendas das fotos em cada um dos Temas dos meus álbuns, não são factos cientificamente históricos, por isso podem conter inexactidões, omissões e erros, até grosseiros. Podem ocorrer datas não coincidentes com cada foto, motivos descritos não exactos, locais indicados diferentes do real, acontecimentos e factos não totalmente certos, e outros lapsos não premeditados. Os relatos estão a ser feitos 50 anos depois dos acontecimentos, com material esquecido no baú das memórias passadas, e o autor baseia-se essencialmente na sua ainda razoável capacidade de memória, em especial a memória visual, mas também com recurso a outras ajudas como a História da Unidade do seu Batalhão, e demais documentos escritos em seu poder. Estas fotos são legendadas de acordo com aquilo que sei, ou julgo que sei, daquilo que presenciei com os meus olhos, e as minhas opiniões, longe de serem ‘juízos de valor’ são o meu olhar sobre os acontecimentos, e a forma peculiar de me exprimir.

Guiné 61/74 - P19067: Historiografia da presença portuguesa em África (133): Um administrador de Fulacunda reticente às ordens do Governador Carvalho Viegas, 1935 (Mário Beja Santos)

Monumento comemorativo das operações de pacificação em Canhambaque, 1935-1936.
Fotografia de Francisco Nogueira, retirada do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016, com a devida vénia.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril de 2018:

Queridos amigos,

Se uma andorinha não faz a primavera, um relatório preparado à pressa por um chefe da 4.ª Secção explicando ao Senhor Governador Carvalho Viegas porque não fora bem sucedido no cumprimento da terminação de trazer 150 Beafadas para a campanha de pacificação do Canhambaque, e em que o funcionário denuncia processos de obstrução do administrador da circunscrição de Fulacunda não traz por si qualquer fotografia de um quadro de hostilidade entre o governador e os seus diretos colaboradores, os administradores da circunscrição.

O funcionário António Pereira Cardoso tinha que justificar por que é que trazia tão poucos Beafadas para a campanha, e o relatório desvela que o administrador pretendia gerir vários equilíbrios entre os régulos Beafadas do território. A mensagem principal, no entanto, parece clara: a Administração da Guiné ainda estava muito tenrinha, com muitas pontas soltas, com contestações algo surdas e veladas.

Um abraço do
Mário


Um administrador de Fulacunda reticente às ordens do Governador Carvalho Viegas, 1935

Beja Santos

Nos Reservados da Sociedade de Geografia encontrei o relatório de António Pereira Cardoso relativo ao trabalho de que foi incumbido em 1935, no sentido de mobilizar auxiliares indígenas para serem incorporados no contingente militar enviado à ilha de Canhambaque “para chamar à nossa soberania os naturais insubmissos havia anos”. António Pereira Crespo era o chefe da 4.ª Secção da Repartição Central dos Serviços da Administração Civil, em Bolama, data o seu relatório de 13 de novembro. Poderá ser para os historiadores peça extremamente útil para aquilatar a fragilidade das relações entre o governador e administradores de circunscrição, com o recurso a tricas e rivalidades entre régulos.

Escreve-se assim:

“Em 11 do corrente segui para Fulacunda, acompanhado pelo chefe dos Mandingas de Bolama, Mamadu Canté, para trazer para Bolama 150 indígenas Beafadas com destino a Canhambaque.
As instruções do Capitão Sinel de Cordes eram para preferirem indígenas voluntários de acordo com o chefe dos auxiliares, régulo Mamadu Canté. Ficou combinado que só viria um régulo que Mamadu Canté escolheu, o da região de Quínara, Buli D’Jassi. Considerei de boa política, dadas as rivalidades existentes entre os régulos Beafadas da Circunscrição Civil de Fulacunda, que não fosse só aquele régulo a fornecer homens, pelo que se convidou os régulos de Fulacunda e de Gam-Pará, Sene D’Jassi e Malam Mané.

O administrador de Fulacunda informou-me que era impossível conseguir os 150 homens de um dia para o outro, este serviço não se faria em menos de 5 dias. Ripostei com os comprometimentos do régulo Buli D’Jassi e dos régulos de Fulacunda e Gam-Pará, pelo que dissemos ao administrador que não sairíamos dali sem cumprir a determinação de Sua Ex.ª o Governador.

Telefonei para S. João para que o chofer trouxesse arroz para ali, visto que os indígenas se iriam concentrar às primeiras horas da manhã, e que lhe comunicasse para Fulacunda o número de homens que chegassem com o régulo Buli.

O régulo Buli não chegou ao longo do dia 12, a resposta foi negativa, facto este que se repetiu durante o dia. Entretanto, particularmente, era informado por Mamadu Canté que o régulo Buli lhe dissera que o Senhor Administrador de Fulacunda estivera lá na véspera, dia 10, e este senhor lhe dissera que não deixasse sair ninguém nem fornecesse gente alguma, e que isto já lhe havia sido confirmado a ele, Mamadu Canté, durante aquele dia 12, razão por que Buli, com receio de ser castigado pelo Senhor Administrador, desobedeceu ao que por Sua Ex.ª o Governador lhe fora mandado cumprir.

No dia 12, em Fulacunda, e cumprindo as ordens de Sua Ex.ª o Governador, chamei para junto de mim Mamadu Canté, na varanda da Administração, e com o seu auxílio principiei a relacionar e identificar por cada regulado e povoação os indígenas que se apresentavam por intermédio dos régulos, tendo a dada altura o Senhor Administrador arrancado o gorro de lã que o régulo Buli trazia na cabeça, atitude esta contra o que o primeiro pretendeu reagir, alegando não se encontrar dentro da Administração e já ter cumprimentado aquela autoridade.

Aconselhado o chefe citado a cumprir a ordem do Senhor Administrador, o signatário conseguiu sanar o incidente, pretendendo no entanto aquele senhor que os régulos acompanhassem a sua gente, ao que retorqui, dizendo que as ordens de Sua Ex.ª o Governador e do senhor Capitão Sinel de Cordes eram terminantes: o chefe dos Beafadas, na campanha, seria Mamadu Canté e o subchefe Buli D’Jassi, régulo de Quínara. Mediante este esclarecimento, o Senhor Administrador de Fulacunda fez incluir no número dos indígenas recrutados um enviado de cada um dos régulos de Gam-Pará e Fulacunda, enviados esses a quem deveriam obedecer os recrutados referidos.
Perante, porém, a minha insistência, sobre as ordens que recebera, aquele senhor transigiu, condicionando que a acção de tais enviados terminaria no momento em que fossem entregues em S. João.

Pouco depois das 12 horas do já citado dia 12, como a única camioneta que se encontrava em serviço do transporte de indígenas não fosse suficiente para poder, a tempo e horas, dar cumprimento ao que me fora determinado, isto é, estarem todos os indígenas em S. João às 19 horas, mandei perguntar para o depósito de STT se não haveria mais alguma disponível, sabendo então, por intermédio do Secretário da Circunscrição, Sr. Eduardo de Lencastre Laboreiro Fiúza que o senhor Capitão Cordes se encontrava ali e a quem, veladamente, dei a entender o que se estava passando. Depois de eu ter largado o telefone, voltou o senhor Fiúza a entabular conversa com o senhor Capitão Cordes, enquanto que a lápis ia anotando o telefonema que deste senhor estava recebendo e em que o último pedia, em nome de Sua Ex.ª o Governador a cedência da camioneta da Administração para facilitar o serviço.

De posse do recado, dirigiu-se o Sr. Secretário à Administração, de onde e daí a pouco e quando o relatante aguardava a chegada dos indígenas, chegou até si o diálogo, um pouco violento, trocado entre o Senhor Administrador e o Secretário, em que o primeiro daqueles dizia em voz alta e bem timbrada: ‘Meta-se no seu serviço que já não faz pouco!... Quem manda aqui sou eu!... Deixei o resto comigo!...’.

Forçado a intervir no assunto, o caso ficou arrumado sem que a minha intervenção nele houvesse influído.

Pouco depois surgia em Fulacunda o senhor Capitão Cordes, que tomou conhecimento do número de indígenas que ali se encontravam, regressando novamente a S. João.

Pouco depois das 16 horas, tomava eu o caminho de Bolama, acompanhando os últimos indígenas – de Gam-Pará e Fulacunda –, ficando na povoação do régulo Buli, a fim de inquirir os motivos da sua desobediência e falta de palavra.

Disse-lhe algumas palavras amargas; fui até duro para com ele, e atingi-lhe o ponto vulnerável dos Beafadas, chamando-lhes preguiçosos, eternos desgraçados, acriançados, desobedientes.
Então, a reserva e o mutismo a que Buli se havia remetido quebraram-se e ele falou que a sua gente estivera toda reunida e estava ainda, quando recebeu um recado de Fulacunda dizendo que ele não seguiria. Que, em face disto, os seus homens dispersaram procurando as suas povoações, era este o motivo por que eu ali não achara ninguém e ele estava agora a sofrer de tal vergonha.
Como a camionete havia seguido para S. João, levando os últimos recrutados, pusemos os dois os pés a caminho e procurámos remediar este contratempo.

Concluindo:

Às 23 horas, pouco mais ou menos, chegávamos a S. João com 27 homens da jurisdição de Buli D’Jassi (que fiz transportar, juntamente comigo, em duas canoas gentílicas) desembarcando em Bolama cerca da uma da manhã, completamente encharcados, fazendo-os recolher à povoação de Mamadu Canté. E, sem ter jantado, sem dormir desde as duas da manhã do dia 11, após ter mudado de fato, acompanhado de Buli D’Jassi, uma hora depois, às duas da manhã, atravessámos para S. João indo percorrer o Quínara em busca de voluntários, onde conseguimos mais 23 que, também em canoas, fizemos transportar para Bolama, hoje às 8 da manhã.”

Não vale a pena fazer conjeturas sobre o procedimento do Administrador de Fulacunda quanto às instruções firmes do Governador Carvalho Viegas. Continuavam a ser muito melindrosas as relações entre os régulos Beafadas, não há qualquer elemento, só da leitura deste relatório, que permita supor que o Administrador geria airosamente o relacionamento entre régulos, procurava contrariar orientações de Bolama que agravassem as suscetibilidades entre régulos.

Acresce a hostilidade permanente entre os Beafadas e os Bijagós, estes últimos tudo fizeram para subjugar Beafadas, foram escorraçados, depois de muitas e ásperas lutas. E há documentos, como os relatórios dos gerentes do BNU da Guiné, assegurando que as vitórias de Carvalho Viegas nos Bijagós eram bem precárias. Mas em 1936, Canhambaque preferiu a capitulação, em todo o arquipélago passou a pagar-se tributo, a Guiné era oficialmente dada como colónia pacificada.




Primeira e última página do relatório do Tenente José Ribeiro Barbosa, à frente do Comando Militar do Oio, com data de 1 de janeiro de 1915, respondendo aos quesitos do Governador, publicados num Boletim Oficial de 1914.
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Nota do editor

Último poste da série de 26 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19049: Historiografia da presença portuguesa em África (131): Relatório de um alto funcionário maltratado na Revolução Triunfante, 1931 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19066: Parabéns a você (1504): Cor Ref Carlos Alberto Prata, ex-Capitão, CMDT da CCAÇ 4544/73 e CCAÇ 13 (Guiné, 1973/74) e Hélder Sousa, ex-Fur Mil TRMS TSF (Guiné, 1970/72)


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Nota do editor

Último poste da série de 29 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19053: Parabéns a você (1503): António Bastos, ex-1.º Cabo At Inf do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66)

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19065: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (57): Charles Aznavour (1924-2018), em Luanda

Antº Rosinha, II Encontro Nacional
da Tabanca Grande,Pombal, 2007.
Foto: LG
1. Mensagem do nosso "mais velho" Antº Rosinha, 

Date: terça, 2/10/2018 à(s) 19:15
Subject: Charles Aznavour em Luanda

Em plena guerra fria e em plena "guerra do Ultramar", este enorme artista francês, quando em sua plenitude como cantor, esgotou dois cine-Restauração, na cidade de Luanda.

Esta visita a Luanda não teve nada de "inocente", de parte a parte. Levantou o moral da gente,  embora nós, o povão, não tivéssemos "chegado a tempo", às bilheteiras do Restauração.



Luanda > 1956 > O  cinema Restauração > "Construído no tempo colonial português, na cidade alta de Luanda, foi projectado pelos irmãos arquitectos João Garcia de Castilho e Luís Garcia de Castilho e passou a funcionar como Palácio dos Congressos e sede do parlamento angolano com a proclamação da independência, a 11 de Novembro de 1975 [até 2015]"... .Cortesia de Diário Imobiliário.


Penso que também actuou em Nova Lisboa no Ruacaná, como já tinha feito  a Amália Rodrigues.

Tentou-se o mesmo sucesso "colonial" com outro enorme francês, Gilbert Becaud. Mas foi surpreendido pelo 25 de Abril, e imagine-se este grande artista, em junho de 1974 a actuar com o seu piano em Malange com uma sala vazia, apenas vinte  ou trinta espectadores, porque o público já não queria ouvir mais "cantigas" .

Eu fui a esse espectáculo, o homem interpretou 2 canções, quase a chorar...mas apresentou-se.

Aconteceu o mesmo com o Tony de Matos em Serpa Pinto, ele que esgotava salas, mas após o 25 de Abril, estes artistas já não contavam.

Também o vi desesperado, com 20 ou 30 espectadores, cantou dois ou três números.

Esta também foi a minha guerra.

Cumprimentos
Antº Rosinha


(i) beirão, tem mais de 110 referência no nosso blogue;

(ii) é um dos nossos 'mais velhos' e continua ativo, com maior ou menor regularidade, a participar no nosso blogue, como autor e comentador;

(iii) andou por Angola, nas décadas de 50/60/70, do século passado;

(iv) fez o serviço militar em Angola, sendo fur mil, em 1961/62;

(v) diz que foi 'colon' até 1974 e continua a considerar-se um impenitente 'reacionário' (sic);

(vi) 'retornado', andou por aí (, com passagem pelo Brasil, já sem ouro, nem pedras preciosas...), até ir conhecer a 'pátria de Cabral', a Guiné-Bissau, onde foi 'cooperante', tendo trabalhado largos anos (1987/93) como topógrafo da TECNIL, a empresa que abriu todas ou quase todas as estradas que conhecemos na Guiné, antes e depois da 'independência';

(vii) o seu patrão, o dono da TECNIL, era o velho africanista Ramiro Sobral;

(viii) é colunista do nosso blogue com a série 'Caderno de notas de um mais velho'';

(ix) pelo seu bom senso, sabedoria, sensibilidade, perspicácia, cultura e memória africanistas, é merecedor do apreço e elogio de muitos camaradas nossos, é profundamente estimado e respeitado na nossa Tabanca Grande, fazendo gala de ser 'politicamente incorreto' e de 'chamar os bois pelos cornos';

(x) ao Antº Rosinha poderá aplicar-se o provérbio africano, há tempos aqui citado pelo Cherno Baldé, o "menino e moço de Fajonquito": "Aquilo que uma criança consegue ver de longe, empoleirado em cima de um poilão, o velho já o sabia, sentado em baixo da árvore a fumar o seu cachimbo". ]
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Nota do editor:

Último poste da série > 11 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18834: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (56): Entre 1394 e 1974, a História de Portugal deve ser reescrita e ir para o Museu?

Guiné 61/74 - P19064: In Memoriam (327): António Manuel Sucena Rodrigues (1951-2018): até sempre, camarada ! (António Duarte, Jorge Araújo, Luís Graça)


Leiria > Monte Real > Palace Hotel de Monte Real > XII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 29 de abril de 2017 > Dois camaradas da 3.ª geração de graduados, metropolitanos, da CCAÇ 12, o António Duarte e António Manuel Sucena Rodrigues (1950-2018). Foi a última vez que eu vi o Sucena Rodrigues, meu "neto": sou da 1.ª geração, a dos pais-fundadores da CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969-71).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2017). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



Vagos > 13 de janeiro de 2018 > Tomada de posse dos corpos sociais  da Confraria dos Rojões da Bairrada com Grelo e Batata a Racha (biénio de 2018-2019). O António Manuel Sucena Rodrigues, já doente, é o segundo a contar da direita... Sabemos pouco sobre a sua vida pessoal, a não ser que era professor reformado, tendo-se formado em engenharia; e era um apaixonado pela gastronomia da sua região natal, a Bairrada, pertencendo nomeadamente  esta confraria bairradina e à sua direção, exercendo o cargo de vice-presidente mordomo.

"A Missão da Confraria dos Rojões da Bairrada com Grelo e Batata à Racha é preservar, promover e divulgar os rojões da Bairrada, assim como outras iguarias, genuinamente locais e tradicionais, que sejam produtos diferenciadores das demais regiões, podendo constituir uma alavanca para o desenvolvimento socioeconómico local."

 (Fonte: página do Facebook da  Confraria dos Rojões da Bairrada com Grelo e Batata à Racha.  Com a devida vénia, a foto aqui reproduzida foi editada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné).


1. Em Samba Silate, Xime, Setor L1, no pós 25 de abril, fazendo a paz depois da guerra

por A. M. Sucena Rodrigues

[ex-fur mil inf, CCAÇ 12 (Bambadinca e Xime, 1972-1974]

Cumpri a minha comissão de serviço na Guiné de 23 de junho de 72 a 30 de julho de 74. Apanhei lá o 25 de Abril, como se pode concluir, e por isso tive oportunidade de viver a transição da guerra para a paz. Guardo disso algumas recordações (...).

Estive na CCaç 12 (, pertenci à 3.ª geração de militares europeus da companhia), inicialmente em Bambadinca e posteriormente no Xime [, a partir de março de 73]. A vida neste local era certamente igual à que se vivia no resto do teatro de operações da Guiné (salvo alguns casos pontuais, quiçá mais complicados): actividade operacional quanta baste, incluindo as habituais flagelações ao quartel, normalmente de curta duração, que ocorriam aproximadamente de duas em duas semanas e que de resto nunca deixaram mossa grave, com excepção de duas delas, sendo que uma dessas foi a última, e aconteceu poucas semanas depois do 25 de Abril.

Foi um ataque ao cair da noite como normalmente acontecia, com características algo diferentes daquilo que era habitual. Durou mais tempo, com disparos da artilharia inimiga (ou RPG),  mais espaçados. Curiosamente uma dessas granadas atingiu uma árvore de grande porte por cima da tabanca,  tendo os estilhaços ferido alguma população. Foram de imediato tratadas na enfermaria (às escuras). Lembro-me, pelo menos,  de duas mulheres, uma delas grávida já quase no fim do tempo, e de algumas crianças. É de realçar que nem as mulheres nem as crianças disseram um 'ai' que fosse, antes, durante ou depois dos tratamentos. Isto mostra um conformismo com o sofrimento e uma capacidade impressionante de suportar a dor, certamente adquirida pelo 'calo' da guerra. Imaginem se fosse cá. (...)


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) >  Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > "Para a posteridade aqui ficou uma foto tirada em Samba Silate, a única vez que lá fui,  em que me apresento com as barbas que mantenho há 40 anos. Apenas mudaram de cor"... Ao centro, um guerrilheiro do PAIGC e à esquerda, na ponta, um soldado.


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) >  Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Visita do guerrilheiro à tabanca de Samba Silate, sua terra natal. De pé, pode ver-se o guerrilheiro (segundo a contar da esquerda), o Jamil (de braços cruzados) e o capitão Simão (de camisola branca e com a mão no cinturão).


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) >   Samba Silate > Pós 25 de abril de 1974 > Continuação da visita à tabanca de Samba Silate. É curioso observar, pela imagem, que a população não era certamente de etnia Fula nem Mandinga, muçulmana, mas sim Balanta, devida à prática da suinicultura...


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) >  Subsetor do Xime > CCAÇ 12 (Xime, 1973/74) > Samba Silate >  Pós 25 de abril de 1974 > Ruinas da casa onde nasceu o guerrilheiro acima referido (vd. o poste P14055).... Ao fundo, à direita, devidamente sinalizada a vermelho, pode ver-se a cruz que, segundo o guerrilheiro, foi erigida antes da guerra,  nos anos 50, pelo  missionário católico italiano que lá viveu e que ele chamava padre António Grillo. (Nasceu em 1925, em Acerenza, Itália, foi preso pela PIDE em 23/2/1963; faleceu em 18/6/2014, com 89 anos
de idade, na sua terra natal, depois de ter voltado à Guiné-Bissau e aos seus "balantas de Samba  Silate", a seguir à independência.)

Fotos, legendas e texto : © António Manuel Sucena Rodrigues (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Não foi por acaso que se tratou de um ataque diferente dos habituais. Enquanto estávamos debaixo de fogo, verificámos que havia disparos de RPG tracejantes nas nossas costas e algo distantes, o que nunca tinha acontecido. É que ao mesmo tempo foi atacada a tabanca de Samba Silate (...)

Esta tabanca recebia população refugiada, vinda das chamadas zonas libertadas. Era colocada ali porque, dada a sua localização, tornava-se muito difícil sofrer um ataque de retaliação por parte da guerrilha. De um lado,  tinha a estrada [, alcatroadA,] Bambadinca-Xime e, do outro,  a bolanha e o rio Geba. Pode-se dizer que executaram uma operação bem planeada. Impediram-nos de sair do quartel, atacando-nos durante o tempo necessário, enquanto outro grupo destruía parte da tabanca de Samba Silate.

Mas a história não acaba aqui. Não nos podemos esquecer que já tinha acontecido o 25 de Abril. Porém a paz oficialmente ainda não tinha sido acordada entre as novas autoridades portuguesas e a direcção do PAIGC. Ainda não tinham começado as primeiras conversações em Londres, com Mário Soares do lado de Portugal e Pedro Pires do lado do PAIGC. Passaram mais umas duas ou três semanas e apareceu na tabanca do Xime, pela primeira vez, um guerrilheiro fardado e desarmado. (...)

Foi ter à tabanca de um africano, homem magro e alto, salvo erro de etnia balanta, que se chamava Jamil (talvez algum camarada me possa confirmar o nome),  mas que era pouco falador e bem conhecido entre nós porque sempre suspeitámos que se tratava de um informador do PAIGC (...).  Foi ele que levou o guerrilheiro à presença do nosso capitão Simão.

Houve naturalmente cumprimentos cordiais de parte a parte e lembro-me que esse guerrilheiro ofereceu um galhardete com a bandeira do PAIGC ao capitão (...). Por sua vez, este ofereceu-lhe uma garrafa de whisky (ou brandy, valha a verdade). Esta garrafa trouxe consequências, como veremos mais adiante.

No dia seguinte, a pedido do guerrilheiro, fomos visitar a tabanca de Samba Silate, pouco antes atacada (...). Aproveitei para ir na comitiva e tirar as fotos que agora recordo. Foi a primeira vez e única que lá fui, e estava ali tão perto...

Esse guerrilheiro contou-nos um pouco da sua história: era de lá, e mostrou-nos, com alguma emoção, as ruinas da tabanca onde tinha nascido e vivido enquanto jovem. Falou-nos também numa cruz em cimento,  ainda intacta, a qual, segundo ele, havia sido construída, por um tal padre António [Grillo], missionário que lá viveu antes da guerra (...).  Também mostrou as ruinas da tabanca onde viveu esse missionário (...). Cumprimentou várias pessoas da tabanca, sem grande euforia, mas sempre com respeito. (...). 

Foi uma visita simples mas significativa que durou toda a manhã. Foi a oportunidade de reencontrar um passado que a guerra quase fez esquecer mas que na verdade estava bem presente. A vontade de acabar com a guerra não era exclusiva de uma das partes em conflito. Foi uma manhã emocionante. Todos os que, no mato, pegaram em armas, quer de um lado da barricada quer do outro, eram pessoas de corpo e alma, com sentimentos. Só os mandantes supremos é que não sabiam isso. Isto ficou demonstrado neste episódio simples mas significativo. (...)

Após a visita regressámos ao Xime e o guerrilheiro, não me lembro se nesse dia ou num dos seguintes, regressou ao mato tal como de lá veio, sem que dessemos por isso. Nos encontros amigáveis e de reconciliação que posteriormente realizámos no mato, em Madina Colhido, ele não esteve presente por razões que nos foram explicadas pelo comandante máximo do PAIGC na zona. É que a tal garrafa de uísque que o capitão Simão lhe entregou, era para oferecer ao dito comandante que, com os seus homens,  deveriam festejar a paz. Acontece que, no auge das emoções, ele bebeu-a só, logo 'enfrascou-se', e por isso foi castigado com prisão. Quem havia de dizer?! (...)

[Seleção, revisão e fixação de texto: LG]


2. Reações de alguns camaradas após a notícia da sua morte (**)

(i) António Duarte:

(...) Já depois de regressar da Guiné, fez em Coimbra o curso de Engenharia Electrotécnica, tendo sido professor do ensino secundário até à reforma, que ocorreu em 2016.

Casado com a Rosa Pato, professora do ensino básico, sua namorada dos tempos da Guiné, tem dois filhos e 3 netos.

Vivia em Oliveira do Bairro, tendo sido operado em Coimbra no início do ano, aquando da deteção da doença.

Era habitual estar presente nos almoços da nossa Tabanca Grande, em Monte Real. Este ano já não foi por não estar bem.

Que permaneça vivo nas nossas memórias, já que se trata de um bom Homem, com participação em causas para ajuda dos mais desfavorecidos, estando sempre pronto a ajudar o próximo de forma desinteressada. Era voluntário do Banco Alimentar e de mais algumas organizações locais de ajuda a terceiros.

À família e amigos mais chegados, presto os meus sentidos pêsames, com a certeza que sempre recordarei os momentos vividos com ele na CCAÇ 12 e, mais recentemente,  em encontros em Oliveira do Bairro e Lisboa, em conjunto com as nossas Companheiras de uma vida. (...)



(ii) Jorge Araújo:

(...) Camarada António Duarte, foi, de facto, uma má notícia aquela que acabas de me/nos dar - a morte do camarada António Rodrigues. Com ele partilhei missões conjuntas nas matas do Fiofioli, durante os anos de 1972/1973, eu, na CART 3494,  ele (e tu) na CCAÇ 12.

O que se pode fazer agora? Nada! É que a natureza do tempo aliada à natureza humana comportam-se, lamentavelmente, de forma impiedosa. (...)


(iii) Tabanca Grande Luís Graça:

António: que tão má e tão triste notícia nos trouxeste, ontem, ao fim da tarde, vinha eu em viagem do Norte. E só hoje, de manhã, a li. Obrigado, mensageiro, alguém tem que nos dar a notícia da morte dos nossos camaradas que não resistem à usura do tempo... E às vezes até parece que os camaradas da Guiné são os mais vulneráveis... Já tivemos 8 mortes, comhecidas, este ano... A nossa Tabanca Grande está cada vez mais pobre!

Eu sabia que o camarada Sucena Rodrigues estava doente, não tendo já vindo ao nosso último encontro, em Monte Real. Vem agora o desfecho, inelutável. Um duro golpe para todos nós, família (esposa, filhos, netos), amigos e camaradas...

Faço aqui um primeiro comentário, já que se tratava de um camarada da minha CCAÇ 12, da 3ª geração, um "neto", como eu gostava de lhe dizer, a brincar, a ele e ao António Duarte...

Já pedi ao António Duarte que transmita à família as condolências dos camaradas da Guiné, reunidos sob o poilão da Tabanca Grande.

O Sucena Rodrigues tem 12 referências no nosso blogue, com informações notáveis sobre o Xime e Samba Silate, do tempo em que a CCAÇ 12 passou a unidade de quadrícula, com sede no Xime, por volta do 1º trimestre de 1973 (...)

Até sempre, camarada Sucena Rodrigues! (...) (***)
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