Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 5 de agosto de 2011
Guiné 63/74 - P8642: Notas de leitura (262): Marcello e Spínola: A Missão do Fim (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Tive que ler duas vezes até me convencer que comprei gato por lebre. É espantoso como um professor catedrático vem incensar uma tese de mestrado, fala em inegável marca de qualidade, quebra com a rotina historiográfica e ineditismo de abordagem. Não é que o jovem mestre não tenha sido cuidadoso na investigação, o resultado é água chilra, tudo quanto se diz sobre o salazarismo, o marcelismo e o spinolismo não traz novidade nenhuma.
Bem dizia a minha avó que só é novo o que foi esquecido, neste caso é um acto de prosápia da mais descarada vir dizer que este trabalhinho é uma renovação dos estudos históricos. Andamos a falar nas manigâncias das agências de rating e deixamos no seu impune sucesso estes trapaceiros da investigação histórica.
Um abraço do
Mário
Marcello e Spínola: entre o déjà vu e o óbvio
Beja Santos
O livro chama-se “Marcello e Spínola: A Missão do Fim” (por Márcio Barbosa, Edições Almedina, 2011). No prefácio, o Professor Doutor Rui Cunha Martins exalta o ineditismo da abordagem e classifica este contributo como um marco referencial para a renovação dos estudos históricos sobre o Portugal contemporâneo, uma leitura incontornável.
Lê-se o estudo e fica-se com a convicção profunda que o dito professor está a gozar connosco, está a apadrinhar um estudo banal, dispensável (mesmo que consciencioso) que nada acrescenta ao que já sabíamos. Vamos aos factos. Marcello Caetano e Spínola estão efectivamente associados ao fim da era colonial, todo esse dramatismo está suficientemente detalhado, a bibliografia está identificada, não há ainda provas sobre o tempo e os termos da rota de colisão entre o presidente do Conselho e o Governador da Guiné, muito menos é possível associar Amílcar Cabral como peça charneira desse drama. Matéria, aliás, de pouca monta. Vamos por partes.
Primeiro, não se percebe uma longa cronologia sobre as primícias da ditadura em Portugal, está tudo documentado quanto ao modo como Salazar criou um regime chamado “Situação”, como Caetano nele colaborou dedicadamente, mas com ampla margem de manobra face ao ditador que veio de Coimbra. Não há ninguém que não saiba que Salazar e salazarismo são a mesma coisa, que Caetano era um colaborador crítico e por vezes incómodo, sobretudo quando dizia abertamente que o regime corporativo nunca saíra do papel. Como está amplamente documentado que para além de uma grande admiração que o ditador nutria por Caetano nunca lhe conferiu o estatuto de delfim. Meio livro é dedicado a dizer coisas consabidas sobre Salazar, a evolução do regime ditatorial e o início da guerra colonial. O estudo lê-se bem, é um bom resumo sobre a ligação entre Salazar e Caetano, fazendo avultar as dissemelhanças e não ocultando o carácter conservador e permanentemente legalista de Caetano.
A chegada de Caetano a S. Bento é também uma crónica com poucas surpresas: ele vai ficar refém de Tomás, da evolução da própria guerra e da sua incapacidade em pôr em prática o que designava por “autonomia progressiva para o Ultramar. A ligação de Caetano com as colónias, em 1944, também está profundamente estudada como é igualmente conhecida a sua posição federalista, que ele transmitiu ao Conselho Ultramarino. Aqui também não há surpresas, Caetano procura lançar Angola e Moçambique numa senda desenvolvimentista e por outros meios procura fazer o mesmo no Portugal europeu. Tudo correu sem prenúncios de borrasca apocalíptica até 1973.
Quando chega ao poder, em Setembro de 1968, Spínola já partira para a Guiné com ideias muito próprias do que ia fazer na guerra e na captação das populações. Irão entender-se bem, nesses primeiros anos, Spínola não esconde a ninguém que nunca se ganha militarmente uma guerra subversiva. Isto é muito bom de dizer quando não há o risco de a perder, Spínola falhou a paz no chão manjaco, falhou a invasão de Conacri, não conseguiu inverter o curso da guerra ou desalojar o PAIGC das suas posições. Certo é que consolidou os apoios que os portugueses tinham como certos, sobretudo junto dos fulas e mandigas, lançou a Guiné no progresso e recebeu apoio caloroso para a sua política da “Guiné Melhor”. Mas foram trunfos insuficientes.
Enquanto isto ocorre no mais belicoso dos teatros de operações, Caetano não convence com a” renovação da continuidade”. Na revisão constitucional, Caetano é forçado ao jogo do equívoco, teme o descontentamento dos ultras ou a perde de confiança do Almirante Tomás. É nesse ano de 1972 que parece surgir uma oportunidade de conversações de paz na Guiné. Dizer-se que Amílcar Cabral estava disposto a conferenciar com Spínola e não dispor de um documento a favor dessa tese, havendo até testemunhos contrários de Aristides Pereira e Luís Cabral é conjectura irrelevante. O que se negociou, e bem, foi um encontro entre Senghor e Spínola, logo que soube dos resultados (uma proposta de autonomia a prazo, que seria coroada pela independência), Caetano proíbe novas conversações. Caetano não vislumbrou saída política, insidiosamente tudo se encaminhou para um impasse, só que subitamente o teatro de operações da Guiné entrou em tumulto: após o assassinato de Amílcar Cabral, as ofensivas do PAIGC e a chegada de armamento tecnologicamente superior inverteram o curso da guerra.
Porque é na Guiné que deixa de haver impasse militar, os relatórios da delegação da PIDE/DGS na Guiné bem avisam Lisboa de que o PAIGC e sobretudo Cabral terá possibilidades de fazer a independência e acelerar a toada ofensiva nos teatros de operações. Caetano é intransigente, não abre mão para negociações com o PAIGC, elas só terão lugar quando o regime tiver entrado no ocaso, em Março de 1974. O que Spínola propõe em “Portugal e o Futuro” já não é concretizável, após a morte de Cabral só resta a independência.
Se todo este relato decorre de uma atmosfera de seriedade da investigação, sem qualquer elemento inovador, a conclusão não fica atrás: que nos anos 60 o Estado Novo já não era realizável, já não havia condições para regimes autoritários com o tipo de alianças políticas sem as quais Portugal não podia viver; que o projecto político de Caetano era um compromisso inviável com a renovação, ele que era tão radicalmente anti-revolucionário, tão dentro da legalidade; que rejeitou a negociação com o PAIGC de Amílcar Cabral (argumento absurdo, não há provas de que Cabral tenha apoiado as teses de Senghor, a posteriori); que os spinolistas lamentaram esta perda de oportunidade e também por isso apoiaram Spínola, se bem que sem medir as consequências de que se caminhava alegremente para o fim do Império.
Resta questionar como é que é possível um professor catedrático vir elogiar esta digressão de investigação bem elaborada sem mais nada, sem mais futuro. Dá que pensar como as universidades se entretêm em circunlóquios autistas e depois pretendem embasbacar o público. Este livro é gato por lebre, é mais um comprovativo de que a melhor investigação já não passa pelos títulos universitários.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 2 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8629: Notas de leitura (261): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (4) (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P8641: Blogpoesia (156): O Sonho e a Realidade ou a angústia de uma sentinela (Juvenal Amado)
Caros camaradas
Quem não se lembra das noites passadas nos postos de vigilância em que o cansaço e o sono nos faziam ver um inimigo em cada sombra, onde os sons se tornavam quase fantasmagóricos.
Quando a luz parda do pré-amanhecer despontava, desfazia as nossas dúvidas sobre as sombras, e os sons eram substituídos pelos afazeres dos homens e mulheres.
Era com um inegável prazer que víamos e ouvíamos o Mundo despertar.
Juvenal Amado
O SONHO E A REALIDADE
Escrevo e alinho as ideias
Elas jorram desordenadas
Sem rimas
Outros disseram que era poesia
Condenso palavras vagas
Assim a vida é poesia
As palavras explodem
Urgentes como a luz da aurora
Sonolento, encosto-me aos bidões
Noites longas para quem espera
Aguço o ouvido
Só a natureza fala que é a voz de Deus
Dos geradores fica o silêncio
Timidamente através da floresta
A luz parda da manhã eleva-se no horizonte
Os últimos pássaros nocturnos
Lançam o seu desafio no ar
Também eles se despedem da noite
Não tardará e Sol elevar-se-á majestoso
Milagre repetido todos os dias
Rapidamente tornar-se-á agressivo e impiedoso
Vergará homens e mulheres
Recomeça a vida haverá alegrias e tristezas
O som ritmado do pilão espalha-se no ar
Parece música
Este pequeno canto do Mundo acorda
Cumprirá a sua tarefa.
Com a boca pastosa dos cigarros
Saboreio lentamente café e pão
O abrigo na penumbra do amanhecer
Reserva-me protecção e frescura
Vou-a saborear nem que seja por breves momentos
Despojado de tudo nos lençóis brancos
Prazer que vivo por antecipação
Fecho o mosquiteiro
Fecho os olhos e ainda acordado
Sonho com outro lugar
Paragens tão belas de névoas rasteiras
Que transbordam de perfeição
Mas porque ela não existe para além do sonho
O que será de mim sem sonhos?
E se condensar é poesia
Então em sonho, eu faço alguma poesia
Juvenal Amado
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 18 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8566: Blogpoesia (152): Uma parte de nós ficou para sempre lá (Juvenal Amado)
Vd. último poste da série de 2 de Agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8630: Blogpoesia (155): Pôr-do-sol alentejano (Felismina Costa)
Guiné 63/74 - P8640: História do BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74): Ilustrações (Parte I) (Jorge Canhão)
quinta-feira, 4 de agosto de 2011
Guiné 63/71 - P8639: Em busca de... (173): Contacto de camaradas da CCS/BCAÇ 2834, Buba, 1968 (Manuel Traquina)
Camarada Vinhal:
Agradeço se possível algum contacto com elementos da CCS do BCAÇ 2834 que esteve em Buba no ano de 1968.
Não me recordo do número da Companhia com a qual estivemos cerca de um ano.
Um abraço
Traquina
Sobre o BCAÇ 2834:
Unidade Mobilizadora: RI 15 - Tomar
Comandante: TCor Inf Carlos Barroso Hipólito
2.º CMDT: Maj Inf Rui Barbosa Mexia Leitão
Of Inf Op/Adj: Maj Inf Albino Simões Teixeira Lino
CMDTs CCS:
Cap SGE António Freitas Novais
Cap Mil Art António Dias Lopes
Cap Inf Eugénio Batista Neves
CMDT CCAÇ 2312: Cap Mil Inf Júlio Máximo Teixeira Trigo
CMDT CCAÇ 2313: Cap Inf Carlos Alberto Oliveira Penim
CMDT CCAÇ 2314: Cap Inf Joaquim de Jesus das Neves
Divisa: "Juntos Venceremos" - "Para Vencer, Convencer"
Partida: 10JAN68
Regresso: 23NOV69
Síntese da Actividade Operacional
Em JAN68, rendendo o BART 1904, assumiu a responsabilidade do sector de Bissau, com a sede em Bissau e abrangendo os subsectores de Brá, Nhacra e Quinhamel, comandando e coordenando a actividade das subunidades ali estacionadas, por forma a garantir a segurança e defesa das instalações e populações da área; as suas subunidades foram então atribuídas a outros sectores.
Em 24JUN69, foi substituído no sector de Bissau pelo BCAÇ 1911 e assumiu em 25JUN68 a responsabilidade do Sector S2, com sede em Buba e abrangendo os subsectores de Sangonhá, que viria a ser extinto em 29JUL68, Gadamael, Cameconde, que desde 20DEZ68, passou a subsector de Cacine, Guileje, Gandembel e Buba, onde rendeu o BART 1896.
De 20AGO68 a 07DEZ68, a sua ZA foi reduzida dos subsectores de Guileje e Gandembel, que foram atribuídos temporariamente ao COP 2.
Em 15JAN69, a sua sede foi transferida para Aldeia Formosa, onde substituiu COP 1 e sendo então o subsector de Aldeia Formosa, incluído na sua ZA. Em 29JAN69, o subsector de Gandembel foi extinto e em 19JAN69, o subsector de Buba foi atribuído ao COP 4, então criado. Em 10JUL69, por transferência da sede do COP 4 para Aldeia Formosa, o Batalhão deslocou a sua sede para Gadamael, abrangendo nesta altura os subsectores de Guileje, Cacine e Gadamael.
Desenvolveu intensa actividade operacional de patrulhamento, reconhecimentos, emboscadas e segurança e controlo dos itinerários, bem como operações e acções sobre as linhas de infiltração e bases inimigas, orientada para a desarticulação dos grupos inimigos que procuravam fixar-se na sua ZA e ainda para a segurança e protecção dos trabalhos da estrada Buba-Aldeia Formosa.
Dentre o material capturado mais significativo, salienta-se: 2 pistolas-metralhadoras, 1 espingarda, 115 granadas de armas pesadas, 20 cunhetes de munições de armas ligeiras e 92 minas anticarro e antipessoal, destas, parte detectada e levantada nos itinerários.
Em 30SET60, recolheu a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso, sendo a sua ZA integrada no Sector S3, então sob responsabilidade do BART 2865.
Notas do Editor:
- Elementos recolhidos na Resenha Historico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 7.º Volume, Fichas das Unidades, Tomo II, Guiné.
- Emblema da colecção do nosso camarada Carlos Coutinho
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 25 de Julho de 2011 > Guiné 63/71 - P8600: Em busca de... (172): Adalberto Santos, ex-Pára-quedista do BCP 12, Guiné, 1967/72, procura camaradas
Guiné 63/74 - P8638: Facebook...ando (12): Voz dos Combatentes... (Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519)
1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a seguinte mensagem:
Camaradas,
Gostaria de vos dirigir um apelo para que adiram a uma conta no Facebook, que pretende ser um sítio de utilidade máxima para todos os Combatentes da Guerra do Ultramar e cujo endereço é: VOZ DOS COMBATENTES.
Nesta nova página virtual propõe-se a união de todos os Combatentes da Guerra do Ultramar, sem excepção de qualquer tipo, para dar voz a todos que ali se queiram pronunciar objectivamente sobre esta matéria, nomeadamente contra o ostracismo e o desprezo em que nos encontramos votados, salvo casos muito pontuais sem grandes efeitos práticos desde o 25 de Abril de 1974, por parte do poder político nacional, e a realizar uma Assembleia Nacional de Combatentes, para, entre outras decisões de interesse para a nossa classe, definirmos e formalizarmos um adequado e justo caderno reivindicativo, com a maior unanimidade possível.
Uma vez finalizado e aprovado, o caderno reivindicativo será entregue, por uma comissão a designar para o efeito, ao 1º Ministro do governo vigente.
Os membros autores desta página têm diversas tarefas pela frente (quase todas elas parte do referido caderno), nas quais pretendem empenhar o seu melhor e máximo de esforço para tomadas de resoluções firmes, claras e objectivas, em prol da nossa dignidade, direitos e bem-estar, em tempo útil, ou seja enquanto estamos vivos.
Entre as ditas tarefas, destaco as mais relevantes:
1 - A retirada das ruas e acolhimento em instalações condignas de todos os Combatentes afectados pelo distúrbio de Stress Pós Traumático da Guerra e que sobrevivem miseravelmente nas ruas e becos das grandes cidades do nosso país.
2 - A reivindicação de alimentação, alojamento, vestuário, higiene pessoal e despesas fúnebres, completamente grátis para todos os Combatentes "sem abrigo".
3 - A reivindicação de apoio médico urgente para todos os Camaradas traumatizados física e psicologicamente.
4 - A reivindicação de assistência médica, do foro psicológico, para os familiares que mais directamente convivem com os nossos Camaradas doentes e que, por sua vez, se sentem também atingidos nas suas saúdes.
5 – A reivindicação de revisão do valor das reformas e subsídios que garantem a subsistência e sobrevivência dos Combatentes deficientes.
6 – A reivindicação de um subsídio no valor de 60,00 Euros/mensais, a todos os Combatentes reformados em substituição do subsídio anual de "Complemento de
reforma".
7 - A reivindicação de desconto de 50% nas taxas moderadoras para o acesso aos Hospitais, Centros de Saúde e Unidades de Saúde Familiares.
8 - A reivindicação de desconto de 50% no preço dos medicamentos necessários para o combate às doenças que afectam os Combatentes, em consequência da guerra.
9 – A reivindicação da revisão das Tabelas de Invalidez, em função do aumento da idade de todos os Combatentes com deficiências físicas e psicológicas da guerra.
10 – A exigência junto do Governo para que, em colaboração com os Governos de Angola, Moçambique e Guiné, se recolham e tragam para Portugal todos os restos mortais dos Combatentes portugueses falecidos naqueles 3 teatros de operações, aproveitando a louvável e generosa disponibilidade da TAP para fazer o seu transporte aéreo.
Precisamos da força e apoio de todos… só com a nossa união conseguiremos reunir poder reivindicativo credível e convincente junto da opinião pública e política… adiram hoje a este novo projecto que pode ter pernas para “andar” assim nós o queiramos… adiram… mas adiram já… amanhã será tarde demais… pois, a cada ano que passa, estamos rápida, irreversível e irremediavelmente a desaparecer.
Para chegar à página escrevam no gooogle > Facebook > Entrem no Facebook > em Pesquisa escrevam: VOZ DOS COMBATENTES.
Com um grande abraço para todos vós,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
21 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8583: Facebook...ando (11): Partidas e chegadas... (Durval Faria, ex-Fur Mil, CCAÇ 274, Fulacunda, 1962/64)
Guiné 63/74 - P8637: Efemérides (74): O malfadado mês de Agosto de 1964 (António Bastos)
Camaradas da Tabanca Grande,
Um grande abraço para todos, sou o António Paulo S. Bastos, ex-1.º Cabo do Pel Caç 953.
Na minha comissão de serviço na Guiné nos anos de 1964 e 1965, o mês de Agosto não me traz boas recordações como vou contar-lhes. Tenho tudo publicado no meu diário na página do Carlos Silva.
No dia 8 de Agosto 1964, saímos às 6.00 horas, de barco, para patrulhar a tabanca de Coboiana e falar com o seu régulo que na altura era o João.
Já nós íamos no meio do Rio Cacheu, quando fomos apanhados por um tornado que por sorte nos empurrou para a margem. Foi a primeira escapadela à morte.
Depois de esperar cerca de duas horas pois o barco ficara em seco, lá seguimos viagem. Mas a coisa não ficou por aqui!.. O Furriel, autoritário que era, tirou os comandos do motor e leme do barco das mãos do militar da Engenharia, que era o responsável, e levou-o ele, até entrarmos no rio Coboy. Asneira do Furriel, já era a segunda, pois a primeira foi quando o avisaram que vinha aí um tornado, e ele deu como resposta: - "Sois uns maricas".
Como em vez de entrar no rio de Coboiana entrou num antes que era o Rio Coboy, que ia ter à Tabanca de Ponta da Costa, nós avisamos que íamos enganados, mas ele não aceitou. Só quando viu o erro deu novamente o comando do barco ao militar da Engenharia.
Terceira asneira: Mandou-o acelerar o barco contra a margem para subir a lama e ficar em seco, como faziam os Fuzileiros. No entanto, logo que o hélice ficou em seco, o barco não conseguiu subir a margem e deslizou novamente para a água. Foi tudo para o malagueiro. Dos 15 homens que iam a bordo quem sabia nadar era eu e, salvo erro, mais dois camaradas. Foi tudo ao fundo...
Consegui agarrar o barco evitando que ele fosse levado pela corrente, mas os remos, o depósito de gasolina e outras coisas foram-se por água abaixo. Comecei a mergulhar com outro camarada e tiramos algumas armas que ficaram dentro do barco.
Entretanto, como nós não aparecíamos, o Tenente mandou um rádio para o Batalhão a informar que estávamos desaparecidos. Entretanto já andava o "Pecixe", no rio à nossa procura, tendo encontrado o depósito do barco e os remos. Já eram 20.00 horas quando o Tenente nos descobriu.
No dia 16 de Agosto de 1964 morreu, dentro da caserna, o nosso colega Jesuino Bilro Simões, soldado N.º 342/64. Está sepultado em Bissau na campa N.º 1132 .
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 1 de Novembro de 2010 Guiné 63/74 - P7205: Efemérides (54): O fatídico dia 1 de Novembro de 1965 (António Bastos)
Vd. último poste da série de 27 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8610: Efemérides (52): 27 de Julho de 1970: Amélia teve um menino (José Marcelino Martins)
Guiné 63/74 - P8636: In Memoriam (88): Na morte de um Cavaleiro do Gabu (2)
1. O nosso Camarada António Rodrigues, ex-Soldado Condutor Auto do BCAV 8323, Copá, 1973/74, enviou-nos a seguinte mensagem.
Carta ao meu Prezado Amigo
Joaquim Vicente Silva
Lembras-te Joaquim, de quando nos conhecemos (superficialmente) pela primeira vez?
Era o início do mês de Setembro de 1973, quando eu cheguei ao Regimento de Cavalaria 3, em Estremoz, onde tu já te encontravas para formar-mos o nosso Batalhão de Cavalaria 8323, pois estávamos mobilizados com destino ao sector de Pirada no Leste da Guiné.
Pouco a pouco, fomos fixando os rostos uns dos outros e ouvindo chamar pelos respectivos nomes e assim nos fomos habituando a conhecer aqueles que seriam como nossa família, pelo menos enquanto o Batalhão estivesse a cumprir a missão que lhe estava confiada.
Partimos juntos no Niassa a 22 do mesmo mês e chegamos a Bissau a 29.
Durante a viagem de uma semana, todos juntos dentro de um espaço relativamente pequeno para as nove companhias que viajavam no Niassa, fomo-nos conhecendo ainda melhor uns aos outros, porque nos cruzávamos a todo o instante dentro do navio e os rostos de cada um ficavam cada vez mais gravados na minha memória: o teu era um deles, apesar de pertenceres a outra companhia.
Entramos em Pirada a 3 de Novembro de 1973, onde tu ficaste com a tua 3ª companhia e eu segui com a 1ª para Bajocunda. 15 dias depois acompanhei um Pelotão para Copá de onde passado mês e meio, em Pirada, começaste a ouvir e a sofrer com os bombardeamentos que nos assolavam quase diariamente.
Voltei a encontrar-te 3 meses depois quando regressei a Pirada e por lá estive cerca de 15 dias na tua companhia e dos demais companheiros .
Regressei a Bajocunda e rotineiramente passei a fazer colunas a Pirada, onde normalmente te encontrava e, assim, se foi cimentando a nossa amizade: da minha parte nunca tive dúvidas, tinhas todo o meu respeito e consideração, porque sempre entendi que o merecias.
Regressamos depois da nossa missão cumprida e só passados 16 anos nos voltamos a encontrar no nosso primeiro almoço convívio no Porto que eu ajudei a impulsionar em 1990.
Recordo-me que me disseste nesse dia: “A partir de agora sempre que hajam estes convívios largo tudo para estar presente e rever todos estes amigos!” De facto durante muitos anos cumpriste a tua palavra e apareceste para conviver nesses nossos dias de festa.
Em Junho de 2008, apresentaste-me o teu Amigo António Graça de Abreu, cujo nome eu já conhecia pois já tinha lido um dos seus livros. Ele veio a tornar-se meu Amigo também. Esta amizade devo-a a ti e muito me honra.
Em Agosto de 2009, aconselhaste o jornalista Joaquim Furtado a levar-me a um dos programas da série (A Guerra) para falar sobre Copa. A gravação foi em Setembro de 2009 mas ainda não passou na RTP. Infelizmente já não poderás vê-lo.
Quando no passado dia 6 de Junho de 2010 apareceste no nosso convívio em Coimbra pela última vez, nada fazia prever que a tua saúde corria tanto perigo. Pelo menos aparentemente.
Três meses e meio depois, em Setembro, telefonaste-me a pedir uma cópia das minhas memórias da Guiné porque se tinham extraviado as que tu possuías. Logo te preocupaste, honesto como sempre foste, com a forma de me pagares as despesas envolvidas. Respondi-te então que não te preocupasses, pois no nosso próximo encontro anual resolvíamos isso.
Enviei-te a cópia pelo correio no dia seguinte.
A tua saúde segundo me disseste continuava bem.
Um mês e meio depois, no final de Outubro, telefonaste-me de novo e recebi um choque: primeiro porque me disseste que estavas gravemente doente e segundo porque me transmitiste que não querias morrer sem pagar o que me devias. Aí correram-me as lágrimas pela cara e respondi-te que esquecesses tal insignificância, pois o importante era que tratasses o melhor que pudesses da tua saúde.
Combinamos que te telefonaria de vez em quando a saber das tuas melhoras e fi-lo algumas vezes, não tanto como gostaria, com receio de te estar a incomodar no meio do teu sofrimento.
Nos últimos dias do passado mês de Abril (encontrava-me em Braga pois tinha perdido o meu Pai à poucos dias) recebi mais uma chamada tua, onde me dizias que vinhas ao Porto, num dos primeiros dias de Maio, e que gostarias de te encontrar comigo. Regressei ao Porto e conforme combinamos cá nos encontramos, dei-te um abraço mas achei-te um pouco debilitado fisicamente. Fomos os dois almoçar na companhia da tua simpática Família que em parte já conhecia e no fim dei-te mais um abraço (infelizmente foi o último) e desejei-te boas e rápidas melhoras, e muitas felicidades, com a promessa de que te telefonaria de vez em quando para saber do teu estado de saúde. Desta promessa me penitencio porque não o fiz muitas vezes.
Ainda antes de partires nesse dia, disseste-me que este ano não te sentias com forças para viajar e participar no nosso convívio que se realizaria em Braga três semanas depois.
Uns dias antes de partires, pensando mais uma vez em ti, tive talvez um pressentimento de que não estarias bem e como não sabia como nem onde te encontravas, tive receio de te incomodar ligando para o teu telemóvel. Decidi então ligar para o telefone de tua casa e fi-lo algumas vezes, a diferentes horas, mas não obtive resposta. Agora compreendo, estavas infelizmente a viver os teus últimos dias.
Resolvi mesmo assim no dia anterior à tua “partida” enviar uma mensagem para o teu telemóvel na esperança de que algum dos teus familiares me informasse do teu estado de saúde. A resposta chegou no dia seguinte 23 de Julho, quando um dos teus filhos me enviou uma mensagem com a má notícia: tinhas “partido” na noite anterior.
Olha meu estimado Amigo Joaquim, não tenho palavras para te agradecer a sincera amizade que me dedicaste, só te posso garantir é que, enquanto eu viver, nunca te esquecerei, que Deus te guarde junto dele para sempre, porque sei que eras crente e acreditavas nele.
Depois de todos os sacrifícios porque passaste e pelo bem que com certeza fizeste durante a tua vida que Ele te recompense.
“Quem Crê Em Mim Não Morrerá.” Prometeu-nos Deus.
À tua Esposa e Filhos, apresento os meus mais sentidos Pêsames e que tenham muita força e coragem para suportar a dor da tua perda.
Até sempre meu Grande Amigo...
António Rodrigues
Vd. também sobre o Joaquim Vicente Silva, postagens em:
27 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8608: In Memoriam (85): No dia 23 de Julho de 2011 faleceu Joaquim Vicente Silva, 1º Cabo At, 3ª CCCAÇ / BCAV 8323, Pirada, 1973/74, natural de Mafra (António Graça Abreu / Eduardo Magalhães Ribeiro)
30 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8620: In Memoriam (86): Na morte de um Cavaleiro do Gabu
Vd. último poste desta série em:
Guiné 63/74 - P8635: Fotos à procura de... uma legenda (5): Cais do Xime, escoltando rachas de cibe para o reordenamento de Nhabijões (Humberto Reis)
Já não me lembro quantas rachas de cibe levava uma casa... Só a estrutura do telhado, com cobertura de folha de zinco, deveria levar pelo menos umas 20... O total de casas em construção era de 350... Lembro-me que na altura se falava que cada racha de cibe ficava ao exército em 7$50 (sete pesos e meio)... Pelo menos mais de cinquenta contos em rachas cibe deve ter sido o valor do material transportado do Xime para Nhabijões... Fora as chapas de zinco, as portas e janelas, as ferragens, o cimento... Tudo em nome de uma "Guiné Melhor"... Ao que consta, o sucessor de Spínola não terá tido a mesma abundância de dinheiro para continuar a fazer a "psico"... (LG)
1. Continuação do nosso "passatempo de verão"... Mais uma foto, do álbum do Humberto Reis, inédita (julgo nunca ter sido publicada no nosso blogue), à espera de uma boa legenda... Fica aqui o desafio aos nossos benevolentes leitores, em mês de férias (para alguns mais felizardos) em que a produção bloguística sofre um natural abrandamento. (LG)
Guiné 63/74 - P8634: Parabéns a você (296): José Nunes, ex-1.º Cabo Mec Elect do BENG 447 e Rui Alexandrino Ferreira, Coronel Reformado
Notas de CV:
- José Nunes foi 1.º Cabo Mecânico Electricista de Centrais no BENG 447 (Brá, 1968/70)
- Rui Alexandrino Ferreira foi Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72. Actualmente é Coronel Reformado
Vd. último poste da série de 31 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8621: Parabéns a você (295): Manuel Reis, ex-Alf Mil da CCAV 8350 (Guileje 1972/73)
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Guiné 63/74 - P8633: Tabanca Grande (295): Domingos Gonçalves, ex-Alf Mil da CCAÇ 1546/BCAÇ 1887 (Nova Lamego, Fá Mandinga e Binta, 1966/68)
Bom dia
Dando seguimento à comunicação da semana passada, refiro:
Chamo-me Domingos Gonçalves, fui Alferes Miliciano, do Batalhão de Caçadores 1887, Companhia 1546.
Permaneci na Zona do Gabu, nos primeiros meses de 1966, como já referi, e depois, ainda em 1966, andei por terras de Bambadinca, Fá, Xime, Xitol, Saltinho, Enxalé, e Porto Gole, etc.
Em 1967 permaneci na zona de Farim, especialmente em Binta e Guidage.
Terminei a comissão no início de 1968.
Regressado à vida civil, licenciei-me em Filosofia, na Universidade Católica, desenvolvi a actividade profissional especialmente na Segurança Social, onde integrei a carreira técnica superior, e fui quadro dirigente.
Encontro-me aposentado há vários anos.
Escrevi três pequenos livros, - edições de autor -, facultados aos colegas da Companhia 1546, por altura dos encontros anuais, que vamos fazendo.
Aproveito a oportunidade de enviar o texto de um desses livros, que tenho no computador, que poderá ser disponibilizado, caso a gestão do já enorme volume de informação, de várias origens, o entenda conveniente.
Um abraço para todos os ex-combatentes.
D.Gonçalves
2. No mesmo dia foi enviada esta mensagem ao nosso novo camarada
Caro camarada Domingos Gonçalves
Incumbiu-me Luís Graça de te contactar no sentido de te convidar a aderires à nossa tertúlia. Passei os olhos pelo teu texto que vamos publicar na íntegra com muito gosto.
Tratando dos assuntos por ordem, se quiseres fazer parte do nosso grupo de trabalho que tem como meta o registo/publicação de depoimentos contados na primeira pessoa, manda uma foto actual e outra do teu tempo de alferes, em formato JPEG, tipo passe se possível, ou em tamanho que permita trabalhá-la. De ti já sabemos o essencial para te apresentarmos à malta.
Quanto ao teu trabalho a publicar, se tiveres por aí algumas fotos que possam ilustrar o texto, podes mandá-las em separado com as respectivas legendas, bastando que nos digas em que parte do texto as queres inserir. Acredita que ficas com um trabalho impecável.
Sobre o teu Batalhão e Companhia há muito pouco no nosso Blogue pelo que terás oportunidade de aumentar o seu espólio.
Consulta esta ligação, se ainda não o fizeste, para te inteirares:
http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/search/label/BCA%C3%A7%201887
Ficamos a aguardar o teu contacto para avançarmos com a tua apresentação formal à tertúlia.
Deixo-te desde já um abraço em nome dos editores.
O camarada e amigo
Carlos Vinhal
3. Mensagens de Domingos Gonçalves de 30 de Junho e 3 de Agosto de 2011:
Caro camarada Carlos Vinhal:
Bom dia
Agradeço em primeiro lugar, a oportunidade de disponibilizar a um universo enorme de ex-combatentes, e não só, as impressões que fui passando para o papel, já lá vão mais de quarenta anos.
Contudo, durante todo o mês de Julho vou ficar ausente de casa, pelo que só em Agosto disponibilizarei um conjunto bastante grande de informações, umas já publicadas, e do conhecimento dos colegas da Companhia 1546, e outras ainda inéditas.
Com amizade,
Domingos Gonçalves
3/08/2011
Junto envio uma fotografia antiga, tirada no dia 14 de Junho de 1966, aquartelamento de Nova Lamego, junto do pipo que fazia de caixa do correio, após o regresso de uma escolta a Beli.
Envio, também, uma recente.
Brevemente procederei ao envio de mais fotos.
Cumprimentos para todos os camaradas.
D.Gonçalves
4. Nota de CV:
Caro camarada Domingos,
Bem-vindo à caserna virtual de ex-combatentes da Guiné e pessoas de algum modo ligadas à problemática da guerra colonial, naturais e amigos da Guiné-Bissau.
Neste blogue cabe principalmente aos ex-combatentes naquele ex-território nacional, a incumbência de deixar as suas narrativas e vivências em textos e fotos. Quem sabe, servirão um dia de base para se reescrever a história da guerra colonial.
Tentamos ser o mais honestos intelectualmente falando, descontando algumas imprecisões que o tempo e a falha da memória, já algo cansada, pode originar. Cada um conta com a preciosa ajuda dos restantes camaradas para que a verdade seja uma realidade. Há muitos documentos nas nossas mãos, autênticas preciosidades. Este blogue tem por missão publicar o que está disperso.
Pelo que nos contas, tens em livro, edição de autor, as tuas memórias, pelo que as poderás disponibilizar ao nosso, e teu, blogue para publicação, se assim o desejares. O ideal seria ilustrá-las com fotos que tu ou os teus camaradas possam ter guardadas.
Brevemente vamos começar a publicar o teu "Regresso dos Herois" pelo que se houver algumas fotos que possas disponibilizar por favor envia no mais curto espaço de tempo possível.
Recebe um abraço de boas vindas da tertúlia e dos editores.
O camarada e amigo
Carlos
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 7 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8522: Tabanca Grande (294): José Carvalho Barbosa Silva, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista do BENG 447 (Brá, 1965/67)
Guiné 63/74 - P8632: (In)citações (32): Como nasce, vive e morre o homem africano (Artur Augusto Silva, Bissau, 1963)
Nascimento
Nasceu a criança: torna-se necessário afastar do seu caminho os espíritos maus e evitar que eles a venham buscar, agarrando-a pelos cabelos. A primeira cerimónia que se realiza é a do corte dos cabelos. Os maometanos costumam rapar quase toda a cabeça, deixando uma mecha pequena pela qual Alá possa agarrar o recém-nascido e levá-lo para o céu, na hipótese de uma doença fatal.
Amamentação
Até aos dois anos e meio, três anos, as crianças são amamentadas pelas mães, pois a dificuldade de encontrar alimentação adequada obriga a prolongar o período de lactação. Até esse período a criança vive quase todo o tempo escarranchada nas costas maternas segura por um pano amarrado na frente. Aí dorme e aí é amamentada, pois as mães, repuxando os seios, passam-nos por baixo das axilas, de forma a atingir a boca da criança. Só à noite, quando a mãe vai dormir, é que a tira da posição em que estava, para a deitar a seu lado.
Outros alimentos
Com a criança escarranchada, a mãe cozinha, lava a roupa, tece, lavra os campos, colhe os frutos, dança, caminha longas jornadas, come e conversa.
Cerca dos dois anos, já a crianças começa comendo do que os adultos comem: arroz ou milho, inhame, batata-doce, frutos silvestres, amendoim torrado ou pilado, folhas de certas árvores, peixe verde ou seco, carne e leite azedo, acompanhado de óleo de palma ou outro qualquer molho.
Mezinhas
A comida é mal preparada e demasiadamente indigesta para estômagos fracos: a criança adoece e, então, experimentam-se as mezinhas dadas pelo curandeiro ou as que a prática aconselha. Se piora, intervém o feiticeiro com os seus sortilégios.
A mortalidade infantil é enorme, mas a nossa criança escapou. Passou o primeiro grau de selecção e já oferece certas garantias de vitalidade. Cedo a criança começa a embrenhar-se no mato com os seus companheiros, a subir às árvores e a ajudar os pais na lavoura ou na guarda do gado.
Até à circuncisão [, fanado,] é considerado "menino"; não conversa com os homens nem pode casar-se ou ter relações sexuais. Depois dessa cerimónia já se integra no grupo das pessoas sérias. Se é balanta, por exemplo, deixa de furtar.
Debaixo do poilão
À tarde, nas horas de maior calor, costumam reunir as pessoas de respeito à sombra de uma grande árvore, a maior árvore da povoação ou suas imediações [, em geral, um poilão]; aí conversam sobre todos os assuntos: colheitas, chuvas, gados, casamentos, notícias palpitantes, contribuições, serviços nas estradas, etc., etc…
Casamento
Só depois do nosso homem ter ido à circuncisão pode tomar parte nessas conversas. Está na idade de procuar ganhar dinheiro suficiente para se casar. Ou a família o ajuda, se tem posses e o pai vê que pode dispensar aquele trabalhador, ou ele terá de ir ganhar a vida em qualquer ofício.
Casado, constrói uma casa [, morança], sendo agora raro que vá viver para casa do pai. Realizado o casamento, temos o nosso homem armado em chefe de família, não completamente independente porque tem para com o pai obrigações que se prolongam até à morte deste.
Economia familiar
Cultiva o campo para sua subsistência e para vender os produtos. Compra gado, primeiro caprino e suíno, depois vacum. Cria galinhas ou patos para comer mas, mais frequentemente, para vender.
Homem grande
Vai envelhecendo e, com o avançar da idade, recebe maiores provas de respeito e consideração por parte de todos. Envelheceu, é um "homem grande", de autoridade e conselho, ouvido com respeito em todos os assuntos que se prendem com a tribo ou com a sua tabanca. Rodeado de filhos e mulheres. Tem agora muito gado e algum dinheiro metido numa lata ou garrafão, para evitar a destruição pelos bichos.
A morte e o morrer: o choro
Porém um dia adoece o nosso homem: são convocados os feiticeiros e os curandeiros (normalmente estas duas profissões liberais andam associadas) e estes decretam: está velho, vai morrer.
São chamados os parentes, os filhos que vivem longe e, rodeado por todos, morre como qualquer mortal. Inicia-se a cerimónia do choro que se prolonga por muitos dias, numa orgia infernal. Abatem-se dezenas e às vezes centenas de cabeças de gado das manadas do defunto.
Os não maometanos bebem quantidades enormes de vinho [de palma] ou aguardente [de cana]; o celeiro do defunto, onde está arrecadado o arroz ou o milho, é esvaziado para alimentar centenas de bocas. Dança-se e canta-se e ninguém descansa um minuto sequer enquanto o choro decorre.
O nosso homem baixou à terra; puseram-lhe pedras ou paus em cima. Cobriram-no de terra, enquanto o seu espírito se libertou do corpo, aquele espírito que eles vêm em sonhos e os aconselha ou repreende, os protege ou persegue.
Viveu!! (...)
Nota do editor:
Último poste da série > 16 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8283: (In)citações (33): Humberto, é hora de sofreres, uma vez mais, mas é hora também de olhares em frente e pensares que a tua Teresa há-de gostar, no além, se existe, que não esmoreças (Paulo Salgado)
terça-feira, 2 de agosto de 2011
Guiné 63/74 - P8631: Convívios (365): I Encontro da CCAÇ 3414, Coimbra, dia 30 de Julho de 2011 (Joaquim Carlos Peixoto)
SARE BACAR, BAFATÁ
Sendo um frequentador assíduo da Tabanca Pequena de Matosinhos e companheiro inseparável dos encontros da Tabanca Grande, onde num e noutro lado, revivo com muita emoção e franca camaradagem a vida passada nesse mundo quase irreal que é a Guiné. Revivendo momentos maus e menos maus que lá passámos, ficava pensativo e com certa mágoa ao recordar os meus camaradas e amigos da CCAÇ 3414 e não nos encontrarmos nem sabermos nada uns dos outros.
Tinha conhecimento que esta e aquela Companhias tinham convívios.
E a C CAÇ 3414?
Nada !!!
Compreendia, que sendo esta Companhia formada na maioria por soldados açorianos (apenas os graduados e os soldados especialistas eram do Continente), havia mais dificuldade em organizar um encontro, mas isso não me satisfazia, nem servia de justificação.
Algo tinha que ser feito. Através do nosso Blogue, mails, sms, net e alguns telefonemas, consegui o contacto do Silva nos Estados Unidos e do Caldeira nos Açores. Com muito empenho, trabalho e alguma sorte conseguimos muitos contactos e marcamos o nosso primeiro encontro para Coimbra no dia 30 de Julho.
Conseguimos contactar com todos os camaradas que residiam no Continente. Apenas quatro não puderam comparecer por motivo de trabalho ou saúde.
No dia marcado parti com o Brito para Coimbra. Como iria ser o nosso primeiro encontro passados trinta e oito anos?
Chegados ao local do encontro (antes da hora marcada) já lá se encontravam alguns camaradas mais apressados e ansiosos. Mas, quem seriam eles? Não reconheci nenhum, apenas o Capitão (hoje Coronel) Ribeiro de Faria. Aos outros, o Chaves, o Silva da secretaria e o Macedo, não os reconheci.
Era impressionante, um a um iam chegando e a chegada de cada um trazia mais emoção e mais alegria. Era uma “granada” de sentimentos, de emoção, era um reviver de situações que nos confundia, que nos animava. Não há palavras para exprimir semelhantes sentimentos.
Aos poucos foram aparecendo o Zé Maria, Caldeira, Pires, Gomes, Alcides Rocha, Vieira, Neves, Pinto, Coutinho, o Silva Enfermeiro, Abreu, Tavares e Bacalhau. Certamente que não foi bem por esta ordem, mas não recordo exactamente os que chegaram primeiro.
Após os primeiros abraços e as primeiras impressões:
- Já não te conhecia.
-Estás mais gordo.
- Onde está o teu cabelo?
-Tás velho pá.
-Eras metade!
E tantos, tantos comentários.
Dir-se-ia, à primeira vista que nada mudara mas não era bem assim.Explicações que dávamos da vida e situação actual, cruzavam-se com as recordações de outrora.
Depois deste primeiro contacto e acabados os aperitivos, passamos à sala onde iria ser servido o almoço.
Após cada um ter tomado o seu lugar, o nosso “Capitão” (Coronel) Ribeiro de Faria proferiu algumas palavras. Palavras essas de amizade e de reconhecimento. Porém, a emoção traiu-o aquando da lembrança dos camaradas que não regressaram: o Ribeiro e o Parreira. A voz falhou-lhe e a emoção tomou conta dele, e no rosto de cada um, era notória a tristeza e a desilusão dessas perdas.
A refeição decorreu animada e cada um ia relembrando o passado. Em cada rosto estava estampada a alegria.
A sobremesa foi coroada com um bolo onde se destacava a CCAÇ 3414 – OS FALCÕES – LEALDADE E JUSTIÇA.
Sem ninguém se aperceber o Lopes tinha uma surpresa para todos: fomos presenteados com “ Fados de Coimbra”, que fizeram a delícia de cada um de nós.
Também o Alcides Rocha, nos surpreendeu ao oferecer-nos umas garrafas do seu vinho “Aravos”.
Não posso deixar de referir a forma curiosa como o Silva (da secretaria) ia reconhecendo alguns camaradas que iam chegando: Pela maneira de andar, por alguns tiques e por algumas atitudes que tomavam.
Antes da despedida, formou-se uma comissão que irá organizar o próximo convívio em Setembro de 2012 na Ilha Terceira, onde a Companhia foi formada.
O encontro foi registado com várias fotos, e no regresso a casa todos levávamos a alma mais leve, pois partilhamos uns com os outros, as vivências de uma guerra que não era nossa. Recordamos, revivemos e abraçamo-nos com a esperança que outros encontros surgirão.
Foi feito um convite a todos, que ao passarem pelo Norte se juntem na Tabanca Pequena de Matosinhos (às Quartas-feiras).
Obrigado a todos pela vossa presença e pelo bem que fizemos uns aos outros neste convívio
Até sempre.
Joaquim Carlos Peixoto
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 26 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8607: Convívios (358): 2º Almoço-Confraternização do BCAÇ 4610/73, 3 de Setembro de 2011 em Pombal (José Romão)
Guiné 63/74 - P8630: Blogpoesia (155): Pôr-do-sol alentejano (Felismina Costa)
1. Mensagem da nossa amiga e tertuliana Felismina Costa *, com data de 31 de Julho de 2011:
Caro Editor e Amigo Carlos Vinhal
Mato muitas vezes as saudades do meu Alentejo, falando dele.
Sinto a terra como parte integrante de mim, encontrando nela a segurança e o equilíbrio que nos oferece as coisas que amamos e com as quais fomos criados.
Ofereço a todos os tertulianos e amigos deste nosso imenso Blogue, o pequeno texto que se segue, incluindo a si Carlos e à Dina, meus Amigos do Norte.
Um abraço fraterno para todos.
Felismina Costa
Aspiro o teu cheiro… meu Alentejo!
Quem, ao cair de uma tarde de verão, se aventurar a apreciar a grandeza da planície alentejana, (e quando digo, aventurar-se, refiro-me ao tempo, que convém ter disponível, para apreciar a imensidão), depara-se com um espectáculo maravilhoso:
O sol a cair sobre o imenso e longínquo horizonte, qual bola cor de fogo, cerca-se de uma imensa auréola de um tom mais diluído e pinta, com laivos dessa cor, os restolhos quentes, que ele dourou.
A paz não é traduzível!
Uma, ou outra ave, de porte razoável e de recorte magnífico, torna o espaço inusitado, pela dimensão da sua beleza, alegria e tranquilidade!
Perplexos, olhamos o nada, cheio de tudo!
Respiramos fundo, e um cheiro a terra e a pão, vem até nós, trazendo-nos a certeza de estarmos perante um milagre, chamado… Mãe!
Sim! Terra Mãe!
Porque do seu ventre colorido, num degrade de tons terra, rosa, negra ou vermelha, irrompem todas as espécies necessárias à alimentação humana, que, conforme a sua evolução, vão pintando e alterando os tons, transformando o espaço permanentemente.
Laboriosamente, o homem ajuda-a, e decora a paisagem, conferindo movimento ao espaço.
O crepúsculo enche-se de uma luz incomum, oferecida pelo azul-cobalto da cobertura celestial!
A noite, acorda, ao som único das canções das cigarras, dos grilos e dos ralos.
Balidos, mais ou menos próximos, conferem harmonia ao todo. Um pastor assobia para reunir o rebanho, e recorda-nos… que não estamos sós.
Bandos de insectos, passam voando, quase imperceptíveis, num zumbido rápido, a uma velocidade incrível.
A temperatura, fabulosa, convida a olhar a noite e a vivê-la, na sua paz, nos seus aromas, que a brandura faz libertar.
Lentamente, a lua eleva-se, e o canto das cigarras aumenta deliciosamente!
Pejado de estrelas, o céu é um luzeiro e as constelações despertam a nossa atenção, pelo seu desenho geométrico, pelo seu brilho.
Daqui, aspiro o aroma a feno, a rosmaninho, a alecrim, a Lúcia lima, a cidreira, a orégãos, a marcela, a poejo, a milho verde, a trigo, a pão acabado de cozer.
Convido-vos a aspirar também, estes aromas inconfundíveis, a observar o espaço imenso e a usufruir da sua paz, que nos é oferecida com toda a singeleza das coisas grandiosas.
Saudosa, aspiro-te inteiro, meu maravilhoso Alentejo!..
Pôr-do-Sol Alentejano
Punha-se o Sol na planície!
Plana, a terra,
Prolongava os horizontes…
O sol, descia lento,
Devagar,
Deixando-me apreciar
Aquela hora única.
O astro rei brilhava
Qual metal pesado e polido
E em volta, o alaranjado das chamas soltas,
Dava uma nota, colorida, viva!
A terra brilhava!
Da cor do ouro.
Da cor do restolho, que deu o pão.
Dispersos, azinheiras e sobreiros
Davam a nota que faltava,
Na paisagem
Primitiva e franca,
Do meu Alentejo,
que encantava!...
Felismina Costa
26/8/08
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Notas de CV:
(*) Vd. último poste de 18 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8567: Estórias avulsas (114): O tio Quim Quim (Felismina Costa)
Vd. último poste da série de 25 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8598: Blogpoesia (154): Se permaneces em silêncio e não falas/, as gerações futuras nada terão que contar (Han Shan / António Graça de Abreu)
Guiné 63/74 - P8629: Notas de leitura (261): "Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano", por Julião Soares Sousa (4) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Desculpem insistir na importância primordial deste livro, não estou preparado para dizer que é a mais importante biografia política de Amílcar Cabral, não hesito em dizer que se trata de um estudo muito acima das conjunturas e das conjecturas, estabelece com rigor o arco histórico entre a evolução dos movimentos independentistas e dá-nos o percurso ímpar de um pensador que não teve rival ao nível das colónias portuguesas.
Por favor, travem conhecimento com esta biografia de Amílcar Cabral
Um abraço do
Mário
"Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano"
Amílcar Cabral: o revolucionário e o mito
Beja Santos
“Amílcar Cabral, vida e morte de um revolucionário africano”, por Julião Soares Sousa (Nova Vega, 2011), não nos cansamos de opinar, é um livro incontornável para quem se interessa por aprofundar os seus conhecimentos acerca da Guiné em guerra, queira conhecer a personalidade política do mais talentoso dos líderes revolucionários das colónias portuguesas ou quem esteja a investigar, em toda a amplitude, a história da Guiné-Bissau. Amílcar Cabral, por razões sobejamente conhecidas, confunde-se e entranha-se na vida do PAIGC, desde a sua fundação e até mesmo depois da sua morte, arquitectou uma estratégia diplomática para tornar a Guiné-Bissau independente e gizou um plano militar ofensivo que foi desencadeado a partir de Maio de 1973, quando já tinha entrado na lenda.
Julião Soares Sousa analisa exaustivamente a transição para a fase revolucionária à luz das manobras diplomáticas desenvolvidas sobretudo até 1963; aprecia e detalha os preparativos para o início da guerra chamando a atenção, como nenhum autor até hoje, para o conjunto de diligências que efectuou para tentar uma convergência com outros movimentos rebeldes; mostra como a luta armada foi previamente precedida de uma organização ideológica, e que, a despeito de inúmeras dificuldades de armamento, em escassos meses a região Sul desarticulou-se e o sistema económico-colonial entrou no plano inclinado, de onde nunca mais saiu. A par dessas diligências e da organização militar, Cabral continua tenazmente à procura de uma solução pacífica para a independência. Descobre, enfim, que tem apoios políticos em África mas este continente não lhe dá ajuda financeira nem se compromete a uma intervenção militar conjunta. China, URSS e Cuba vão ser os principais doadores. Os óbices, reticências, desconfianças também são enormes, tanto no Senegal como na Guiné Conacri. Cabral não desfalece, supera os escolhos internacionais, prestigia-se em areópagos em vários continentes, redige documentos teóricos ainda hoje dignos de leitura.
Emergem, com o crescimento da guerrilha, os focos de contestação interna, Cabral, longe dos teatros de operações, apercebe-se bastante tarde que a luta armada fez surgir caciques, alguns deles sanguinários, verdadeiros terroristas. Também aqui o autor descreve os antecedentes e as consequências do congresso de Cassacá, que mudaram o curso da história do PAIGC. A conquista da população torna-se um imperativo tanto para o PAIGC como para as tropas portuguesas. A historiografia de ambos os lados é praticamente omissa sob a forma como decorreu a sublevação das populações entre 1962 e os anos subsequentes, como se intimidaram as populações, como estas foram obrigadas a tomar partido e a entrar no chamado “jogo duplo”, a que nenhuma etnia escapou. Exerceram-se muitas formas de repressão brutal, corremos o risco de ficar sem o relato desses acontecimentos. Tanto Vasco Rodrigues como Arnaldo Schulz, os governadores que precederam Spínola, têm sido criticados por favorecer a opção militar em prejuízo das medidas de carácter social. É de facto com Spínola que Cabral e a direcção do PAIGC bem como os comandos militares da guerrilha vão conhecer um confronto sério: Spínola aprofundou a aliança histórica com os chefes islamizados e o seu plano de obras públicas expressa-se em números gordos: entre 1969 e 1973 foram construídas 8313 casas, 61 tabancas conheceram melhoramentos significativos e largos milhares de pessoas foram reagrupadas; em idêntico período foram alcatroados 520 km de estradas comparativamente aos 35 km construídos entre 1960 e 1968; a governação de Spínola também se fez sentir na saúde, na educação, na agricultura e no plano político – administrativo, sobretudo graças a uma instituição que granjeou imensa popularidade, os congressos do povo. Também acerca do número de pessoas controladas, o autor manifesta a sua isenção, chamando a atenção para vários exageros da propaganda, quer para a população fora do controlo das autoridades coloniais quer para os refugiados na Guiné-Conacri e no Senegal. Não obstante, com o evoluir da guerra alguns espaços de controlo passaram inequivocamente para a alçada do PAIGC.
Por exemplo, com o abandono de Béli e Madina do Boé, o PAIGC estendeu a sua influência em direcção à região do Gabu e conseguiu o maior domínio da margem direita do rio Corubal até ao Xitole.
As questões de formação eram primordiais no pensamento de Cabral, ele sempre estabeleceu uma conexão entre as duas componentes de guerra (as acções militares e políticas ou ideológicas) tal como disse em 1969: “Podemos derrotar os tugas em Buba ou em Bula, podemos entrar e tomar Bissau, mas se a nossa população não estiver politicamente bem formada, agarrada à luta como deve ser, perdemos a guerra”.
Noutra vertente, assume em grande peso as lutas internas, as dissidências e a constante tensão entre cabo-verdianos e guineenses, ainda hoje a historiografia guineense é estranhamente omissa sobre as crises de liderança, as tentativas de assassinato, as contestações surdas ou abertas, o que denota o pouco à vontade no tratamento das dificuldades que sempre ocorreram na vida do PAIGC, em todos os sectores.
Julião Soares Sousa deixa-nos também um quadro bastante claro sobre o entendimento que Cabral tinha do socialismo, ele pensava num estado descentralizado, pela manutenção de uma posição de não alinhamento na Guerra Fria, havendo que privilegiar a experiência das zonas libertadas e rejeitar a prevalência do aparelho administrativo colonial. Há muitas dúvidas sobre a solidez do seu pensamento marxista, mas é inegável que ele acreditava convictamente no partido único, seria o PAIGC a vanguarda da libertação nacional, isto sem prejuízo de uma estratégia para a prevenção do neocolonialismo, que também era uma das suas preocupações. Todo o ano de 1972, tempo em que o prestígio de Cabral está no zénite, é da procura do reconhecimento internacional, de eleições internas para se obter um consenso quanto à independência, mesmo que esta fosse declarada unilateralmente, tal como Cabral admitia desde Maio de 1968. A visita de uma missão da ONU aos chamados territórios libertados foi o teste de confiança decisivo para a ofensiva diplomática de Cabral.
E chegamos ao seu assassinato. Julião Soares Sousa sopesa as diferentes teses, aponta os autores materiais, equaciona os diferentes relatos, dá-nos um quadro vigoroso de quem e como actuou naquela noite. Sendo certo que o governo português equacionara a sua eliminação física no passado, naquele momento o seu desaparecimento provocou danos irreversíveis às estratégias de Spínola. Não é de negar a hipótese de que o seu assassinato iria atrasar a data da independência mas ninguém de boa fé pode advogar que as autoridades de Lisboa ou de Bissau iriam encontrar um interlocutor mais capaz, o PAIGC é já uma força incontestavelmente motivada e tem uma vida política com garantias de autonomia mesmo com o desaparecimento do seu líder carismático. E o autor escreve: “A análise dos acontecimentos do dia 20 de Janeiro parece não deixar margens para dúvidas que o assassinato de Cabral foi obra de dissidentes do PAIGC”. Tratou-se de um complot em grande escala e que ultrapassa as fronteiras da Guiné-Conacri, como ele enumera: as muitas contradições do discurso oficial; a história fantasiosa que esse mesmo discurso criou e recriou para, em nossa opinião, continuar a encobrir a verdade e o facto de, até hoje, não se conhecer nenhum relatório das três comissões de inquérito entretanto criadas. Não há nenhum documento que incrimine, directa ou indirectamente a PIDE, há hesitações e nuances em torno de Sekou Turé ou até mesmo de Osvaldo Vieira. E há provas de que a ala guineense do PAIGC projectava não se envolver na questão da independência de Cabo Verde, ficando a luta na Guiné a cargo dos guinéus. É de admitir que nunca se consigam juntar provas que tragam luz sobre quem instigou toda esta trama que levou os descontentes guineenses do PAIGC a liquidarem Cabral.
E muito provavelmente Marcel Niedergang, colunista do jornal Le Monde, teria razão num artigo que li publicou três dias após o assassinato de Cabral: com o seu assassinato era também a esperança de uma colaboração ainda possível entre Portugal e o seu território africano que se afastava abruptamente.
Por todas estas razões, o estudo monumental de Julião Soares Sousa é uma leitura imperdível.
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Notas de CV:
Vd. postes anteriores de:
5 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8508: Notas de leitura (253): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (1) (Mário Beja Santos)
13 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8549: Notas de leitura (256): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (2) (Mário Beja Santos)
e
19 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8570: Notas de leitura (257): Amílcar Cabral – Vida e morte de um revolucionário africano, por Julião Soares Sousa (3) (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 29 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8616: Notas de leitura (260): Costa Gomes, o último Marechal, por Maria Manuela Cruzeiro (Mário Beja Santos)
Guiné 63/74 - P8628: O Nosso Livro de Visitas (115): Arlinda Mártires, antiga leitora de português em Bissau (1993-98), poetisa, autora de Guynea
Caro Beja Santos,
Sou alentejana e vivi 5 intensos anos na Guiné. Posso considerar-me luso-guineense por amor às gentes.
Um grande BEM HAJA! Tão contente por ter apreciado a minha escrita!
Arlinda
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Notas do editor:
(*) Último poste desta série > 23 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8593: O Nosso Livro de Visitas (114): José Rodrigues, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857 (Região do Oio, 1965/67).
(**) Arlinda Mártires Nunes é professora e escritora. Lecciona Língua Portuguesa na Escola Básica e Secundária Dr. Isidoro de Sousa, em Viana do Alentejo. Fez formação de professores na Guiné-Bissau (93-98), na Namíbia, fronteira com o sul de Angola (2006-2008) e, entre 2008 e 2010, ensinou Português em Timor-Leste.
Tem 3 obras publicadas Além-Rio (poesia), Guynea (poesia) e 7 Histórias de Gatos (contos – em co-autoria com a prof. Dora Gago).
Estudou Línguas e Literaturas em FCSH - UNL Sabe Língua portuguesa, Língua inglesa, Língua francesa, Língua castelhana, criolo Guiné-Bissau