Caros amigos
Junto mais uma pequena reportagem de um óptimo convívio vivido na Tabanca Pequena, que muito me sensibilizou.
Abraço com a gratidão e amizade do
JFSilva
Cart 1689
Memórias boas da minha guerra
Uma breve apresentação do III volume
Este não foi somente mais um convívio semanal dos Combatentes, na Tabanca de Matosinhos. Não! Desta vez, um grupo de resistentes à chuva, ao vento, ao frio e às maleitas que sobrecarregam a “peste grisalha”, esta “peste” apareceu cheia de vitalidade, disposta a proporcionar um convívio (ainda) mais espectacular.
O livro, este livro, foi o mote e o pretexto. Como habitual motivo de “críticas” e elogios, desta vez, deu aso a várias intervenções brilhantes, todas elas merecedoras do aplauso e da simpatia da tertúlia.
O “Restaurante Milho Rei” foi forçado a mudar de nome. Agora é o “Restaurante Espigueiro”. De resto, tudo continua na mesma. A boa comida, o bom serviço e a “nossa” sala privada, continuam lá ao nosso dispor. E que bem, se está ali!
Logo que o Manel começou a recolher os pratos, terminando, assim, a sua função de portadores de belas sardinhas, lulas grelhadas ou bacalhau à Narcisa, o Régulo da Tabanca Pequena, Eduardo Moutinho Santos, sacrificou algum do seu hipotecado tempo para mais uma intervenção causídica. Manifestou a sua satisfação pela continuidade da Tabanca Pequena e por mais este evento, de cariz cultural. Lembrou que o autor é da casa e que, além disso, a sua obra é merecedora do apreço de todos os camaradas ex-combatentes.
Para não sacrificar mais as figuras habituais neste tipo de evento, foi o próprio autor a explanar um pouco do conteúdo e a razão de ser de mais este III volume. E foi assim que destacou, de forma cronológica, algumas das suas histórias:
- Pág 33 – “A santidade do Santos”: um noivo que, em situações de grande perigo em Angola, prometeu casar com uma prostituta e que, afinal, veio a ser muito feliz;
- Pág 49 – “O rapaz do sorriso parvo”: que, tendo saído dos agrestes arrabaldes de Vieira do Minho, confessava estar a viver, na Guiné, os melhores tempos da sua vida;
- Pág 117 a 145 – “Os 4 Mohamed”: Quatro retratos vividos entre os gilas da Guiné, os comerciantes da Mauritânia, os migrantes de Marrocos e os corticeiros de Stª Maria da Feira;
- Pág 155 – “Zé Manel dos Cabritos”, que além das referências “invejosas” e pouco abonatórias dos seus “amigos”, retrata também a simpatia do saudoso amigo Sô’p’ssor Peixoto, culminada com a oferta do melhor cabrito pelo pai do seu pior aluno, na festa do Cordeirinho;
- Pág 171 – “O Arturinho do Bonjardim”, que passou a vida ligado, desde criança, ao ambiente do “negócio das carnes” e aos seus amigos de cariz genuinamente tripeiro;
- Pág 191 – O “Poeta da Régua”, um grande camarada que nos enche de orgulho e que aproveitamos para homenagear.
- Pág 207 – O “Clube Cabuca”, que também é uma homenagem a um grupo de militares que, apesar das agruras da guerra, desenvolveu louváveis acções de cariz social;
- Pág 221 – “O Herói do Maiombe”, que satiriza a evolução do “Herói” Joãozinho, um dos primeiros a zarpar para Angola e que culmina na festa da sua chegada, com a incompetente matança de um porco;
- Pág 229 – “Madrinha de guerra e amor”, que é uma lindíssima história de amor, onde a Cinderela faz sapatos;
- Pág 243 – “Religiosos de primeira e crentes de 2ª” - são testemunhos autobiográficos de uma infância carente;
- Pág 301 a 321 – São reflexos actuais do nosso passado de ex-combatentes
- “Gostaria de lhe chamar pai”, a história de Maria do Carmo Ferreira, filha de um camarada marinheiro que ela nunca descobriu;
- “Nosso fim está próximo”, alerta para a inevitável e acelerada “involução” da nossa existência;
- “Amor à Pátria”, a situação real dos ex-combatentes, que vivem esquecidos e abandonados pelos poderes instalados após o 25/A.
O Arménio Dias aproveitou para realçar a homenagem ao Poeta da Régua, ali presente a seu lado, e apelou para mais convívios deste género.
O conhecidíssimo tabanqueiro José Teixeira, Homem Grande nesta ONG, muito dedicado à solidariedade, em especial aos irmãos Guineenses, sentiu a oportunidade de dizer um dos seus bons poemas dedicados à Guerra do Ultramar.
Promessas de paz
Prometem-me a paz das armas
Que calam armas, matando pessoas,
E eu quero encontrar apenas a paz do pão,
Para matar a fome a quem estende a mão.
E construir em cada momento
A paz da solidariedade - Da fraternidade
E do perdão
Prometem-me a paz das armas
Que calam armas, espalhando a dor,
E eu quero encontrar apenas a paz do amor.
Para espalhar no mundo a esperança
Que o enche de afectos - De abraços,
E de bonança.
Prometem-me a paz das armas
E as armas trazem mais armas
Enchendo o mundo de sofrimento.
E eu quero encontrar apenas a paz do entendimento,
Construída no diálogo e compreensão - Estas são as armas
Que transformam as balas em pão
O Francisco Baptista, de quem se espera sempre excelentes textos, confessou que se sentiu na obrigação de colaborar neste evento, muito pela amizade que o liga ao autor. Sacou de uma folha A4 e pediu que a lessem por estar a sentir algumas dificuldades visuais. E foi com grande eloquência e excelente dicção que vimos, ouvimos e sentimos mais uma bela peça literária do Francisco Baptista.
Amigos e Camaradas
As nossas vidas são tempos de paz e de guerra. Tolstoi, o grande escritor russo escreveu “Guerra e Paz”, um romance imortal. O José Ferreira continua a escrever e este ano editou o 3.º Volume das Memórias Boas da Minha Guerra. Na vida civil como na vida militar por cá ou na Guiné viveu tempos de paz e de guerra como todos nós e sabe narrá-los com a arte de um escritor e de um bom contador de estórias.
Analisa e descreve com pormenor as características físicas e psicológicas das suas personagens.
Os vários Mohameds e há tantos no norte de África e na Arábia, mais do que Silvas em Portugal e no Brasil, retratam bem a hospitalidade, a cortesia, o respeito pela palavra dada e pelas normas da religião islâmica. O Mohamed de Vila da Feira com menos qualidades que os demais, parece ter-se convertido ao Islão, por interesse carnal, para poder casar com várias mulheres. O herói de Maiombe, esse Morcãozinho, faz-me lembrar um camarada com quem estive em Buba, muito medroso, melhor dito, um cagão, sempre na cauda do pelotão, que hoje fala de grandes feitos guerreiros e quando se reúne a companhia, com uma voz tonitruante põe em sentido todos os velhos camaradas para recordar os nossos mortos, com um minuto de silêncio.
Sobre as estórias do Zé Manuel dos Cabritos, gerou-se uma grande controvérsia, entre os Bandalhos e outros camaradas sobre a sua veracidade. Pessoalmente nunca achei o Zé Manuel com cara de ladrão e quanto a mim a mula transexual é pura invenção do escritor, pois é de todo inverosímil que uma aldeia transmontana, erigisse uma estátua ao seu animal doméstico mais bravio e traiçoeiro, ainda por cima machorro (infértil)
Na página 22, ao falar da relação do alferes e da Jeni escreve: “é certo que ele já andava esfomeado, porém quando se apercebeu de todas as curvas firmes daquele corpo seco e fresco, quando sentiu as suas carícias, a sua pela macia ficou irremediavelmente preso à Bajuda”.
Esta descrição tem uma carga erótica delicada e agradável.
Quando fala das putas usa o calão adequado que era usado entre os seus clientes, militares ou civis.
Para ilustrar a beleza feminina, (pág. 109) a Joan Collins surge, com todo o esplendor da sua juventude, numa nudez quase total que realça as curvas suaves e salientes do seu corpo perfeito, numa pose erótica que entusiasmou milhões de homens, num ano em que foi capa da revista Playboy e visitou os soldados americanos no Vietname, para lhes levantar o moral.
Estas são algumas das estórias reais, fictícias, verosímeis, inventadas, com humor, ironia, erotismo, sentimento, humanidade, guerra e paz. As outras, que não refiro são melhores. São as Memórias Boas da Guerra do José Ferreira.
Camarada continua a escrever, escrever é viver e ajudar a viver os outros.
Francisco Baptista
E quando tudo fazia crer que se tinha atingido um bom final das intervenções, o ilustre camarada Leite Rodrigues resolveu acrescentar algumas palavras. Para além dos elogios em apreço à obra do autor, referiu momentos de realce vividos por si, no famigerado teatro de guerra, onde foi ferido, e outros de onde destacou a perda filha de 14 anos que tanto o marcou, Foi com bastante comoção que encerrou a sua intervenção esforçando-se por dizer o poema camoniano, levado até ao fim, em coro pelos camaradas presentes
“Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou".
Seguidamente foi gratificante ver a actuação do conjunto musical Os Periquitos da Tabanca de Matosinhos, que nos brindou com um vasto repertório de canções do nosso tempo e de outras chamadas de intervenção.
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Último poste da série de 10 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20331: Convívios (909): XXXI Encontro de Confraternização Anual da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Alenquer, no passado dia 9 de Novembro de 2019... Ou a usura do tempo... (José Colaço)