terça-feira, 12 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20337: Convívios (910): "Memórias boas da minha guerra", uma breve apresentação do III volume na Tabanca de Matosinhos (José Ferreira da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), datada de 11 de Novembro de 2019 dando notícia da breve apresentação do III volume das "Memórias Boas da Minha Guerra" na Tabanca de Matosinhos, no passado dia 30 de Outubro:

Caros amigos
Junto mais uma pequena reportagem de um óptimo convívio vivido na Tabanca Pequena, que muito me sensibilizou.

Abraço com a gratidão e amizade do
JFSilva
Cart 1689


Memórias boas da minha guerra



Uma breve apresentação do III volume

Este não foi somente mais um convívio semanal dos Combatentes, na Tabanca de Matosinhos. Não! Desta vez, um grupo de resistentes à chuva, ao vento, ao frio e às maleitas que sobrecarregam a “peste grisalha”, esta “peste” apareceu cheia de vitalidade, disposta a proporcionar um convívio (ainda) mais espectacular.
O livro, este livro, foi o mote e o pretexto. Como habitual motivo de “críticas” e elogios, desta vez, deu aso a várias intervenções brilhantes, todas elas merecedoras do aplauso e da simpatia da tertúlia.

O “Restaurante Milho Rei” foi forçado a mudar de nome. Agora é o “Restaurante Espigueiro”. De resto, tudo continua na mesma. A boa comida, o bom serviço e a “nossa” sala privada, continuam lá ao nosso dispor. E que bem, se está ali!


Logo que o Manel começou a recolher os pratos, terminando, assim, a sua função de portadores de belas sardinhas, lulas grelhadas ou bacalhau à Narcisa, o Régulo da Tabanca Pequena, Eduardo Moutinho Santos, sacrificou algum do seu hipotecado tempo para mais uma intervenção causídica. Manifestou a sua satisfação pela continuidade da Tabanca Pequena e por mais este evento, de cariz cultural. Lembrou que o autor é da casa e que, além disso, a sua obra é merecedora do apreço de todos os camaradas ex-combatentes.


Para não sacrificar mais as figuras habituais neste tipo de evento, foi o próprio autor a explanar um pouco do conteúdo e a razão de ser de mais este III volume. E foi assim que destacou, de forma cronológica, algumas das suas histórias:

- Pág 33 – “A santidade do Santos”: um noivo que, em situações de grande perigo em Angola, prometeu casar com uma prostituta e que, afinal, veio a ser muito feliz;
- Pág 49 – “O rapaz do sorriso parvo”: que, tendo saído dos agrestes arrabaldes de Vieira do Minho, confessava estar a viver, na Guiné, os melhores tempos da sua vida;
- Pág 117 a 145 – “Os 4 Mohamed”: Quatro retratos vividos entre os gilas da Guiné, os comerciantes da Mauritânia, os migrantes de Marrocos e os corticeiros de Stª Maria da Feira;
- Pág 155 – “Zé Manel dos Cabritos”, que além das referências “invejosas” e pouco abonatórias dos seus “amigos”, retrata também a simpatia do saudoso amigo Sô’p’ssor Peixoto, culminada com a oferta do melhor cabrito pelo pai do seu pior aluno, na festa do Cordeirinho;
- Pág 171 – “O Arturinho do Bonjardim”, que passou a vida ligado, desde criança, ao ambiente do “negócio das carnes” e aos seus amigos de cariz genuinamente tripeiro;
- Pág 191 – O “Poeta da Régua”, um grande camarada que nos enche de orgulho e que aproveitamos para homenagear.
- Pág 207 – O “Clube Cabuca”, que também é uma homenagem a um grupo de militares que, apesar das agruras da guerra, desenvolveu louváveis acções de cariz social;
- Pág 221 – “O Herói do Maiombe”, que satiriza a evolução do “Herói” Joãozinho, um dos primeiros a zarpar para Angola e que culmina na festa da sua chegada, com a incompetente matança de um porco;
- Pág 229 – “Madrinha de guerra e amor”, que é uma lindíssima história de amor, onde a Cinderela faz sapatos;
- Pág 243 – “Religiosos de primeira e crentes de 2ª” - são testemunhos autobiográficos de uma infância carente;
- Pág 301 a 321 – São reflexos actuais do nosso passado de ex-combatentes
- “Gostaria de lhe chamar pai”, a história de Maria do Carmo Ferreira, filha de um camarada marinheiro que ela nunca descobriu;
- “Nosso fim está próximo”, alerta para a inevitável e acelerada “involução” da nossa existência;
- “Amor à Pátria”, a situação real dos ex-combatentes, que vivem esquecidos e abandonados pelos poderes instalados após o 25/A.

O Arménio Dias aproveitou para realçar a homenagem ao Poeta da Régua, ali presente a seu lado, e apelou para mais convívios deste género.



O conhecidíssimo tabanqueiro José Teixeira, Homem Grande nesta ONG, muito dedicado à solidariedade, em especial aos irmãos Guineenses, sentiu a oportunidade de dizer um dos seus bons poemas dedicados à Guerra do Ultramar.

Promessas de paz

Prometem-me a paz das armas
Que calam armas, matando pessoas,
E eu quero encontrar apenas a paz do pão,
Para matar a fome a quem estende a mão.
E construir em cada momento
A paz da solidariedade - Da fraternidade
E do perdão
Prometem-me a paz das armas
Que calam armas, espalhando a dor,
E eu quero encontrar apenas a paz do amor.
Para espalhar no mundo a esperança
Que o enche de afectos - De abraços,
E de bonança.
Prometem-me a paz das armas
E as armas trazem mais armas
Enchendo o mundo de sofrimento.
E eu quero encontrar apenas a paz do entendimento,
Construída no diálogo e compreensão - Estas são as armas
Que transformam as balas em pão

O Francisco Baptista, de quem se espera sempre excelentes textos, confessou que se sentiu na obrigação de colaborar neste evento, muito pela amizade que o liga ao autor. Sacou de uma folha A4 e pediu que a lessem por estar a sentir algumas dificuldades visuais. E foi com grande eloquência e excelente dicção que vimos, ouvimos e sentimos mais uma bela peça literária do Francisco Baptista.


Amigos e Camaradas

As nossas vidas são tempos de paz e de guerra. Tolstoi, o grande escritor russo escreveu “Guerra e Paz”, um romance imortal. O José Ferreira continua a escrever e este ano editou o 3.º Volume das Memórias Boas da Minha Guerra. Na vida civil como na vida militar por cá ou na Guiné viveu tempos de paz e de guerra como todos nós e sabe narrá-los com a arte de um escritor e de um bom contador de estórias.
Analisa e descreve com pormenor as características físicas e psicológicas das suas personagens.
Os vários Mohameds e há tantos no norte de África e na Arábia, mais do que Silvas em Portugal e no Brasil, retratam bem a hospitalidade, a cortesia, o respeito pela palavra dada e pelas normas da religião islâmica. O Mohamed de Vila da Feira com menos qualidades que os demais, parece ter-se convertido ao Islão, por interesse carnal, para poder casar com várias mulheres. O herói de Maiombe, esse Morcãozinho, faz-me lembrar um camarada com quem estive em Buba, muito medroso, melhor dito, um cagão, sempre na cauda do pelotão, que hoje fala de grandes feitos guerreiros e quando se reúne a companhia, com uma voz tonitruante põe em sentido todos os velhos camaradas para recordar os nossos mortos, com um minuto de silêncio.
Sobre as estórias do Zé Manuel dos Cabritos, gerou-se uma grande controvérsia, entre os Bandalhos e outros camaradas sobre a sua veracidade. Pessoalmente nunca achei o Zé Manuel com cara de ladrão e quanto a mim a mula transexual é pura invenção do escritor, pois é de todo inverosímil que uma aldeia transmontana, erigisse uma estátua ao seu animal doméstico mais bravio e traiçoeiro, ainda por cima machorro (infértil)
Na página 22, ao falar da relação do alferes e da Jeni escreve: “é certo que ele já andava esfomeado, porém quando se apercebeu de todas as curvas firmes daquele corpo seco e fresco, quando sentiu as suas carícias, a sua pela macia ficou irremediavelmente preso à Bajuda”.
Esta descrição tem uma carga erótica delicada e agradável.
Quando fala das putas usa o calão adequado que era usado entre os seus clientes, militares ou civis.
Para ilustrar a beleza feminina, (pág. 109) a Joan Collins surge, com todo o esplendor da sua juventude, numa nudez quase total que realça as curvas suaves e salientes do seu corpo perfeito, numa pose erótica que entusiasmou milhões de homens, num ano em que foi capa da revista Playboy e visitou os soldados americanos no Vietname, para lhes levantar o moral.

Estas são algumas das estórias reais, fictícias, verosímeis, inventadas, com humor, ironia, erotismo, sentimento, humanidade, guerra e paz. As outras, que não refiro são melhores. São as Memórias Boas da Guerra do José Ferreira. 
Camarada continua a escrever, escrever é viver e ajudar a viver os outros.

Francisco Baptista

E quando tudo fazia crer que se tinha atingido um bom final das intervenções, o ilustre camarada Leite Rodrigues resolveu acrescentar algumas palavras. Para além dos elogios em apreço à obra do autor, referiu momentos de realce vividos por si, no famigerado teatro de guerra, onde foi ferido, e outros de onde destacou a perda filha de 14 anos que tanto o marcou, Foi com bastante comoção que encerrou a sua intervenção esforçando-se por dizer o poema camoniano, levado até ao fim, em coro pelos camaradas presentes


“Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou".


Seguidamente foi gratificante ver a actuação do conjunto musical Os Periquitos da Tabanca de Matosinhos, que nos brindou com um vasto repertório de canções do nosso tempo e de outras chamadas de intervenção.


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20331: Convívios (909): XXXI Encontro de Confraternização Anual da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Alenquer, no passado dia 9 de Novembro de 2019... Ou a usura do tempo... (José Colaço)

Guiné 61/74 - P20336: Blogoterapia (293): Neuro II - Quarto 7 - Cama 14, ou as camas por que passamos ao longo da nossa vida (Juvenal Amado)

1. Mensagem do nosso camarada Juvenal Amado (ex-1.º Cabo CAR da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1971/74), autor do livro "A Tropa Vai Fazer de ti um Homem", com data de 5 de Novembro de 2019:


NEURO II - QUARTO 7 - CAMA 14

O passado visita-nos, toma-se consciência do que fizemos e do que não fizemos. De  algumas coisas nos arrependemos, de outras temos pena de não ter feito de outra forma ou de ir mais além. No presente vivemos como se não tivéssemos muito tempo. Correr já não é opção, assim caminhamos para o futuro incerto, desejando ter ainda acesso ao que de bom a vida nos dá.

E que de bom tem mesmo, quando o simples é vedado a muitos camaradas quando a saúde os abandonou? Quando necessitam do carinho da família e vigilância, quando são remetidos para instituições, tantas vezes cansadas de ver degradação física e psíquica, e reagem como um cilindro, que vai calcando, ignorando os apelos de quem precisa de ir à casa de banho, ou tão simplesmente limpar os óculos? Os zeladores também têm preocupações familiares, como o dinheiro, com as condições de trabalho, por vezes são vilipendiados pelos utentes, mas não seria de mais vestirem o fato branco, pôr o seu melhor sorriso e com palavras de conforto, animarem um bocadinho a vida dos que estão a seu cargo ainda que por breves horas no seu turno.

Esta introdução um bocado sombria, deve-se ao apelo desesperado e de raiva, de um nosso camarada que sofre (ELA[1]) de abandono ao ponto de pedir que Deus o leve. Como dizer a um camarada neste sofrimento, que espere os impossíveis dias melhores, uma vez que só pode piorar?

O físico Stephen William Hawking, talvez o mais famoso doente com "ELA", que apesar da sua enfermidade viveu até aos 76 anos.

O que me leva a escrever hoje é uma coisa tão comum e tão banal que é uma cama. Todos nascemos numa, dormimos em várias ao longo da vida e a grande maioria em tempo de paz, também morrerá numa. Quando era criança, a minha cama como normal para a época era cheia de camisas de milho, por vezes com restos de tarolos à mistura, um dia de festa quando a minha mãe abrindo portas e janelas remexia a palha, que triplicava de altura e como garoto era uma brincadeira ficar enterrado no monte, que hoje traria alergias e renites alérgicas à maioria de garotos, que nem os ares condicionados aguentam. No nosso tempo passaria por vulgar constipação, com ameaças de que andássemos à chuva levávamos o tratamento profiláctico à base de uns tabefes.
Mas o meu pai homem atento às coisas modernas e simplificadas, logo trocou a palha por sumaúma e assim acabaram-se as comichões. Mais tarde passamos ao máximo da modernidade ao alcance dos nossos bolsos com os de esponja e por aí ficámos por muitos anos.

Quando fui para o CICA4, voltei a privar com a sumaúma que continha várias gerações de percevejos, que milagrosamente não me atacaram, já o meu amigo Sapateiro, ali da Calvaria de Porto Mós, fez com eles um contrato de exclusividade a fim de o só chatearem a ele, que dormia mesmo encostado a mim. Após muitas queixas selectivas, porque eles não atacavam todos, veio um belo dia que, tudo foi desmanchado e substituído por beliches acabados de pintar de verde, com limpíssimos também verdes colchões, que iriam levar algum tempo a ganhar inquilinos incómodos e malcheirosos. No tempo em que lá estive, não deu para constatar nada disto, e no RI6 do Porto, foi mais do mesmo, por ter por ali passado a modernidade da época.

Quando cheguei a Abrantes - RI2, aconteceu-me o impensável. Não tinha cama e passei a dormir à vez, na cama dos camaradas que estavam de serviço. Quando ele chegava eu procurava outra e ali ficava com sorte até de manhã. Como o frio apertava mandaram-me para Santa Margarida e aí por mais roupa de cama que requisitasse, o frio era tal que me fardava e deitava-me vestido.

Entretanto fui mobilizado e assim travei conhecimento com os beliches do Angra do Heroísmo, com os do Cumeré, e por fim cheguei a Galomaro onde a sobrelotação do quartel me obrigou a dormir numa grande tenda de campanha com um pano de tenda por baixo e o saco a servir de cabeceira. Nada que não tenha acontecido a milhares de camaradas. Por fim encontrei alojamento permanente, num abrigo habitado por uma mescla de camaradas das mais variadas especialidades, entre um dos morteiros 81 mm e da MG 42.

Galomaro - Dentro do abrigo, a partir da esquerda: Aljustrel, Ermesinde, Juvenal e Caramba

Finalmente, regressado em Abril de 74, em 79 passei da minha cama de solteiro para a de casado onde tenho sido constante e feliz.

Por desacatos do destino, pois não penso ter pecados dignos de castigo, fui parar ao hospital com uma doença rara, auto-imune, chamada Miastenia Gravis (que veio para ficar como a Toyota), onde pela primeira vez travei conhecimento com uma cama articulada. Estive onze dias hospitalizado, entrei junto com uma senhora com AVC, onde estava já um individuo com 61 anos com AVC isquémico, que saiu primeiro que eu e deu lugar a um jovem com 36 anos também acometido do mesmo, juntando-se assim aos vários casos espalhados pelo piso. Contei a história deveras apaixonante e corajosa do José Saúde, falei-lhe da associação de doentes dessa maleita e constatei, com os números de um AVC por cada quatro indivíduos.

Os alarme e sinais dos três F's

FACE, FORÇA e FALA, bem como a máxima importância de pedir ajuda dentro das primeiras duas horas em que começaram os sintomas e anomalias.

Por ultimo a forma como fui tratado e vi tratar. A excelência dos cuidados prestados por médicos, enfermeiras, auxiliares, de um sistema hospitalar cheio de deficiências e carências tão propaladas por bem intencionados e por muitos mais pelos mal intencionados, onde os profissionais fazem milagres com o que têm. O seu sorriso, carinho e palavra amiga, são parte das melhores recordações que guardarei para sempre.

Lembrei-me das campanhas muitas vezes mesquinhas e ignorantes, que contra o Serviço Nacional de Saúde fazem e querem acabar com ele. Meus camaradas e amigos é preciso defendê-lo por nós e pelas nossas famílias. A saúde e a liberdade só lhe damos valor quando as perdemos.

Já estou na minha cama felizmente.

Nota: - [1] - ELA - http://www.saude.gov.br/saude-de-a-z/ela-esclerose-lateral-amiotrofica

Um abraço
Juvenal Amado
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Nota pessoal do editor CV:

Ao nosso camarada enfermo desejo a melhor qualidade de vida possível, dentro dos condicionalismos que esta terrível doença impõe.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20039: Blogoterapia (292): Os Impérios (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Guiné 61/74 - P20335: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (113): Nha Maria Barba, ou avó Barba, a grande cantadeira de mornas da ilha da Boa Vista, foi minha vizinha, em Bissau: morávamos na antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro, a dos serviços metereológicos e da messe de sargentos da FAP... (Nelson Herbert, Mindelo, Cabo Verde)


Guiné > Bissau > s/d>  Nha Maria Barba, com um dos seus netos... Morava na Rua Eng Sá Carneiro, frente à messe de sargentos da FAP. Viveu na Guiné desde os anos 40.

Foto (e legenda): © Nelson Herbert  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné-Bissau > Bissau > c. 1975 > Roteiro da cidade pós-independência > Rua Eduardo Mondlane (Antiga Rua Engenheiro Sá Carneiro), que parte do Chão de Papel (Av do Brasil), atravessa a Av Amílcar Cabral, a artéria central  (. a antiga Av República, ) e vai até ao Hospital Simão Mendes, ao cemitério municipal  e à antiga zona industrial...

Era a rua dos Serviços Meteorológicos e da messe de sargentos da FAP... O nosso amigo Nelson Herbert lembra-nos que "Nha Maria Barba viveu na Guiné, na então Rua Engenheiro Sá Carneiro, a rua dos Serviços Meteorológicos, numa casa... de três moradias (nasci e cresci numa das moradias adstritas) , mesmo defronte à Messe dos Sargentos da Força Aérea .(Com a independência, foi a primeira chancelaria da embaixada da China.) "


1. Mensagem de anteomtem, dia 10, enviada ao  Nelson Herbert Lopes  [, jornalista, nascido em Bissau, filho da antiga glória do futebol cabo-verdiano e guineense, Armando Duarte Lopes, o "Búfalo Bill; viveu nos EUA, onde trabalhou na VOA - Voice of America; vive hije no Mindelo; tem ceca  de 60 referências no nosso blogue; toto à esquerda]

Meu caro amigo.. e "mano":

O que é que tu sabes (, a gente trata-se por tu, em homenagem aos nossos "velhos" que estiveram como expedicionários, no Mindelo, no RI 21, em 1943) sobre a "história" desta mítica morna, a "Maria Barba", e da sua intérprete original, que seria da Boa Vista, e que terá inclusive morrido na Guiné-Bissau, em 1974 ?...

A morna era ainda muito popular no tempo dos nossos "velhos"... Vê o que podes saber mais... Mantenhas. Luís (*)

2. Resposta imediata do Nelson Herbert,antigo jornalista da Voz da América, agora a viver no Mindelo:

Conheci de facto Nha Maria Barba... ou avó Barba vizinha de toda uma vida e como diria o mindelense “ d’mema solera d’porta”... cresci praticamente com ela por perto... seus netos figuram entre os amigos de berco da Rua Engenheiro Sa Carneiro (, a rua da messe dos sargentos da FAP) (**)...

Mas aqui ficam mais  alguns apontamentos (e um texto, de um investigador da Universidade de Cabo Verde, o António Germano Lima, a publicar posteriormente, na íntegra ou como nota de leitura.) (***)


Morna,  Património Imaterial da Humanidade / UNESCO, por Nelson Herbert


A homenagem de António Germano Lima a uma das mais influentes cantadeiras de mornas... Nha Maria Barba, minha vizinha de uma mesma “solera de porta” na antiga Guiné Portuguesa...

Nha Maria Barba viveu e faleceu na Guiné, estando os seus restos mortais sepultados no Cemitério Municipal de Bissau.

Retenho ainda hoje a imagem desta boavistense, negra e alta, de uma voz singular na interpretação de mornas e acompanhada ao violão por um outro boavistense, também ele emigrado para a Guiné, de então, -refiro-me pois a “Zezinho Caxote”...

Que viva a Morna, Candidata a Patrimóio Imaterial da Humanidade.


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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 9 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"

(**) Vd. 11 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13718: Recuerdos de uma infância: a Nha Maria Barba, a avó Barba, cantadeira de mornas, da Boavista, minha viziinha de Bissau (Nelson Herbert, VOA - Voice of America)

(...) Nha Maria Barba viveu na Guiné, na então Rua Engenheiro Sá Carneiro, a rua dos Serviços Meteorológicos, numa casa... de três moradias (nasci e cresci numa das moradias adstritas) , mesmo defronte a Messe dos Sargentos da Força Aérea .(Com a independência, foi a primeira chancelaria da embaixada da China) .

Sobre esta senhora postei há uns anos, na minha página do Facebook,. um pequeno texto de homenagem..que aqui partilho...

 (...) Nha Maria Barba ou avó Barba, minha vizinha de soleira de porta geminada, na Guine dé minha infância e adolescência...

Os restos mortais desta senhora, natural da ilha da Boavista, Cabo Verde, repousam hoje no cemitério municipal de Bissau !

Uma das relíquias da música de Cabo Verde é da autoria de Nha Maria Barba, aqui na voz do rei na Morna, Bana ! (...)

 Até à independência da Guiné Bissau, a então Emissora Oficial da Guiné Portuguesa conservava registos da voz desta senhora na interpretação de algumas das mais antigas mornas de Cabo Verde.(...)

Para quem frequentava a Messe dos Sargentos da Força Aérea, esporadicamente era natural, nos serões da noite da nossa/minha rua de infância, ver Nha Maria Barba, com Zezinho "Caxote" ao violão (este um cabo-verdiano amante das serenatas que emigrou para a Guiné) interpretar algumas das lindas mornas de Cabo Verde...

Em jeito de rodapé, recordo-me entretanto, e perfeitamente, apesar da magistral interpretacão da morna em questão pela voz do Bana, de Nha Maria Barba queixar-se da 'adulteração" de algumas estrofes da composição original de sua autoria...

"Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto
Nha mae é fraca e nha pai é malandre'
S'un ca bai um' ta bà prese' pa porto"

Negava, por exemplo, que no original da composicão, tenha se referido ao pai, nos termos em que a versão interpretada pelo Bana o faz: "Nha Pai e Malandre" ( Meu pai e um malandro)-

Apenas tenho vivas recordaçõees de uma mulher...da avó Barbara, figura que marcou a minha infância e adolescência em Bissau. (...)

(ª***) Último poste da série > 15 de outubro de 019 > Guiné 61/74 - P20243: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (111): Notícias do Fernando Jorge Gonçalves, o "Spinolazinho", mascote da CCAÇ 3373 (Empada, maio de 1971/ maio de 1972), filho da professora da escola primária local, e amigo do alf mil Quintas, infelizmente já falecido

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20334: (Ex)citações (362): Excertos do meu Diário de Pequim, ainda inédito, a propósito de Camões, Engels, de todos nós, do racismo e do colonialismo (António Graça de Abreu)

Camões
Engels
 1. Mensagem enviada pelo António Graça de Abreu, com data de 6 do corrente:


Data - Quarta, 6/11/2019 à(s) 13:15

Assunto - Do meu Diário de Pequim, ainda inédito, a propósito de Camões [, foto à esquerda], Engels (, foto à direita,],  de todos nós, do racismo e do colonialismo (*)



Excertos do meu "Diário de Pequim":

Pequim, 12 de Setembro de 1980 (**)

 (...) Entender Camões é, quatrocentos anos depois da sua morte, conhecermo-nos melhor, como cidadãos à deriva, ou de pés bem assentes na terra, no embate, no extravagante diluir pelo mundo. Vamos ver porquê.

Luís de Camões, fidalgo pobre, valdevinos, desregrado e brigão, apanhado pela engrenagem complexa da sociedade do seu tempo, participou activamente, até à exaustão, na grande aventura dos Descobrimentos Portugueses. Antes de quaisquer outros povos, os homens do Douro e do Tejo chegariam por mar, às costas de África, América, Índia e também China.

António Graça de Abreu
Aqui em Pequim encontrei alguns amigos que eram de opinião que Camões teria sido um precursor do colonialismo português. É verdade que durante o longo governo dos reaccionários Salazar e Caetano, derrubado em 1974, o poeta foi transformado numa espécie de arauto do expansionismo português. 

De facto, em Os Lusíadas, o grande poema épico da nossa língua, Camões cantou o ilustre peito lusitano e os que entre gente remota edificaram/Novo Reino que tanto sublimaram." Mas Camões também reconhece, nas últimas estrofes dos mesmos Lusíadas, que o Portugal que cantava estava metido "no gosto da cobiça e da rudeza/ duma austera, apagada e vil tristeza. Camões, profundamente humano, nunca rejeitou, antes assumiu plenamente, a contradição das palavras e da vida.

Camões é o português de corpo inteiro, aventureiro, apaixonado e triste, cavaleiro andante errando pelas mais estranhas paragens do mundo, contraditório, lapidarmente humano. É o poeta que traduz, em versos maravilha, o que de bom e de mau se conjugam no génio português. Homem do Renascimento, Camões buscou uma sociedade mais justa. Um campeão dos humildes, "um socialista antes do tempo", como lhe chamou, talvez com um certo exagero, o camonista brasileiro Afrânio Peixoto. Teve perfeito conhecimento dos males do mundo, porque os viveu, estudou e sofreu e diz:

Não me falta na vida honesto estudo
Com longa experiência misturado…


Como afirmou o prof. Rodrigues Lapa, "Camões inseriu corajosamente em Os Lusíadas alguns versos que nos asseguram uma posição político-social de cidadão vigilante:

Vejamos no canto VII de Os Lusíadas:

Também não cuideis que cante
Quem, com hábito honesto e grave, veio,
Por contentar o Rei no ofício novo
A despir e roubar o próprio povo!
Nem quem acha que é justo e que é direito
Guardar-se a lei do rei, severamente,
E não acha que é justo e bom respeito
Que se pague o suor da servil gente.


Camões, um colonialista? Se participou na grande expansão portuguesa pelo mundo, que de resto abriu caminhos ao desenvolvimento da Humanidade, isso deveu-se à dinâmica do período histórico em que viveu. Se é verdade que os Portugueses oprimiram outros povos na sequência dos Descobrimentos, Camões assumiu uma atitude crítica e não foi um elemento passivo capaz de assistir, impávido e sereno, às muitas injustiças cometidas. Se tal não tivesse acontecido, o poeta não teria morrido pobre e miserável, vivendo, praticamente, nos últimos anos da sua atribulada existência, de esmolas, de caridade, de amigos.

Como homem do Renascimento, Camões foi o poeta de um mundo novo e diferente, mais amplo, mais vasto, que então começava e se abria a todos os homens.

Na sua obra lírica, foi também o grande poeta do Amor, e da negação do Amor. Ninguém como ele, na língua portuguesa, cantou o Amor, a complexidade de quem ama e é amado, as desilusões, o sofrimento, as "memórias da alegria", essa pura paixão tão portuguesa de amar e não amar.

O jovem Friedrich Engels, companheiro de Marx, numa carta escrita a 30 de Abril de 1839 ao seu amigo Wilhelm Graeber, diz que está a estudar a língua portuguesa que "é como ondas do mar sobre flores e prados" e depois confessa-lhe que, de manhã cedo, gosta de "se sentar num jardim com  o sol batendo-lhe nas costas lendo Os Lusíadas." O que levaria Engels a gostar de Camões e de Os Lusíadas?

Um grande historiador português deste século, Jaime Cortesão, dá uma das muitas respostas possíveis:

"O português de Camões foi moldado  pelas águas e pelos ventos, foi enriquecido pelas verdades de outras gentes e alumiado pelas estrelas de todos os céus. É o português-tritão que se misturou a todas as ondas e ao amargo sargaço dos oceanos; é o português suave que se diria respirar como as velas, ao sopro perene dos alisados; é o português amoroso que lançou os fundamentos do Império no sangue de outras raças; é o português para quem o perigo é o sal da vida e todos os homens são camaradas; e a Pátria, na própria frase do poeta, é toda a Terra.".

Em Pequim, Junho de 1980, quatrocentos anos depois da morte de Luís de Camões, portugueses e chineses recordaram o grande poeta que soube moldar o génio de todo um povo nessa língua que, como escreveu Engels, "é como as ondas do mar sobre flores e prados." (...)

[Seleção e realce a amarelo e a negrito, da responsabilidade do editor LG] (***)

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Notas do editor:

(*) Vd.poste de 6 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20318: Historiografia da presença portuguesa em África (182): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (1) 
(**) vd. poste de 19 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19698: Os nossos seres, saberes e lazeres (317): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte II: 12 de setembro de 1980: o 4º centenário da morte de Luís de Camões

(***) Último poste da série > 29 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20285: (Ex)citações (361): Do meu amigo Zé Saúde, com quem estive estes anos todos sem falar da guerra, até ao segredo dos 'Asas Brancas' de Contuboel (Manuel Oliveira Pereira, ex-fur mil, CCAÇ 3547, 1972-74)

Guiné 61/74 - P20333: Notas de leitura (1235): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (1): “Astronomia”; Publicações Dom Quixote, 2015 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Novembro de 2019:

Meu caro Mário Cláudio,

Saúde e um abraço de parabéns pelos cinquenta anos da sua vida literária.
"Astronomia" é um livro assombroso, junto esta pérola a outras suas, você escreve maravilhosamente. Vai seguir-se o "Tiago Veiga", quando estava a ler "Astronomia" pressenti que iria aproveitar aquele folheto sobre as doenças da Guiné algures, ou já tinha aproveitado. Lendo "Tiago Veiga", percebi que já tinha aproveitado. É sobre esse assunto que vem a recensão que se segue.

Gostava agora de saber, se me permite a franqueza, se há outras obras, outros belos parágrafos, que possam ser dados à estampa para um blogue que também lhe pertence, e onde eu escrevo regularmente: Luís Graça e Camaradas da Guiné. Este blogue é o maior acervo fotográfico de toda a guerra, supera, e de longe, o que existe no Arquivo Histórico-Militar ou em poder de qualquer instituição. Se entender que lá deve colaborar, por exemplo, publicando as fotografias da sua comissão, seria um grande orgulho para nós.

Renovando as minhas felicitações e pedindo-lhe a amabilidade de cuidar do meu pedido, receba um abraço muito fraterno do
Mário Beja Santos


Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária: 
Um notável escritor que é nosso camarada da Guiné (1)


Beja Santos


Mário Cláudio
Há uns bons meses atrás, descobri por puro acaso que o escritor Mário Cláudio fez a sua comissão na Guiné. Já estava formado em Direito pela Universidade de Coimbra, as suas competências foram aproveitadas como jurista em Bissau. Através do seu editor, chegámos à fala. Gentilmente, indicou-me títulos das suas obras onde há referências à Guiné. Comecemos por “Astronomia”, Publicações Dom Quixote, 2015, um belíssimo romance, galardoado com o Grande Prémio de Literatura 2017 e Prémio D. Diniz 2017.

É marcadamente autobiográfico e em dado passo (página 244 em diante) marcha para o destino e escreve:

“Na madrugada do aeroporto da capital do império, cumprindo um ritual que vem da Ilíada, e que se ilustra nas letras, nas artes plásticas, e na música, o rapaz abraça a noiva numa longa e lenta despedida. Não aperta ao coração o companheiro distante, a quem apenas telefonicamente diz doloroso adeus, e embarca no avião que o transporta para a guerra insólita, ignorada pelo mundo, e continuada na obstinação do instinto suicida. Escala numa outra ilha, e esta tropical, onde não chove, há décadas e décadas, povoada por cabras que se alimentam a papel de jornal, e que lhe oferece como lenitivo para a sede uma laranjada tão quente como uma canja de galinha. Sobrevoa depois o território bélico, esponja verde e saturada de águas verdes, enumeráveis que se revelam os pântanos em que boiam punhados de terra de luxuriante vegetação. E à chegada apanha o murro que excita os europeus de sempre, fantasiosamente rendidos àquilo a que chamam ‘o feitiço de África’, e que consiste em odores, o da poeira vermelha, o dos frutos que se decompõem, o do suor que abrilhanta os negros rostos, e o das explosões de morteiros, intervalados por fulgurantes derrames de napalm sobre a copa dos palmares. Previnem-no contra as atrocidades de espécies entomológicas variegadas, e contra as mais diversas castas de ofídios, e aprende assim a munir-se de chanatas de borracha durante os contínuos duches, defendendo-se de que um animalesco sinuoso, veio colado pelas linfas, se entranhe na planta do pé, e o corroa até não restar mais do que uma geringonça de olhos esburgados. Coalha-se-lhe o novo céu de helicópteros imparáveis na evacuação dos feridos em combate, ouve-se o estrondo dos rebentamentos na margem oposta do rio grosso, a correr em lamas, e esbarrondam-se-lhe à volta os exaustos camaradas, broncos na permanente borracheira, e aptos a abalar para o mato em colunas que fatalmente pisam a mina que os fazem fanicos. Sentado à mesa metálica da sua burocrática função, analisa processos e processos que se ocupam de desastres em serviço, violações de nativas, furtos de viaturas, orgias homossexuais, e actos de insubordinação, e que propõem para as mais altas condecorações da Pátria heróis que esmagam a cabeça dos meninos no capô do Unimog, ou que espetam a faca de mato na barriga das grávidas”.

E, mais adiante:

“Na Secção de Justiça, onde serve, alojada num quartel-general que fervilha de entradas e saídas de militares na sua lida de guerra, reina um misto de circunspecção e estouvamento. Mercê daquilo que se considera produto do clima dos trópicos, voam amiúde esferográficas de secretária para secretária. Propulsiona-as um ímpeto infantil de libertação, a interromper a aturada análise dos processos-crime, ou meramente disciplinares, pontuados pelas convencionais expressões tabeliónicas, ‘Chamei à minha presença’, ‘E ao ser interrogado’, ‘Em cumprimento de’. Ao longo da semana inteira, compreendendo sábados e domingos, e apenas com o breve intervalo para almoço e sesta, o rapaz labuta, partilhando com o escasso punhado de milicianos-juristas a responsabilidade da proposta de soluções para os desmandos praticados pela desorientação da soldadesca”.

Por último:

“E os aviões rasgam o pardo céu que cobre o território empapado, descolando em todas as direcções da rosa-dos-ventos, e produzindo a paisagem de aldeias carbonizadas, de mães que expiram, cingidas às crias que amamentam até à eternidade, e de velhos que expõem às varejas a chaga do incessante bombardeamento. Pelo início da sesta a lavadeira indígena, única ninfa consoladora da angústia, e do medo, do tédio, e do rancor, espreita para as trevas da casamata. Abre as firmes coxas a um alferes estremunhado e acolhe-o no lento sorriso dos lábios azuis, e na distraída queda das pálpebras acetinadas. Tombam na incandescência do horizonte os que perdem pernas e braços e genitais, e que navegam depois numa cadeira de rodas, ou naufragam na cama da mulher que não têm tempo de conhecer. E o rapaz espera, apega-se a si mesmo, e não desiste do trato epistolar com a noiva, isto como se constituísse o milagre uma banalidade, até que se apercebe ela do cadáver do futuro. Rugem os canhões das margens palustres que circundam a cidade-reduto, permanentemente transpirada, ressonando o odor da polpa dos frutos que apodrecem, e sobrevoada pelos jagudis atentos ao quadrúpede esventrado que fervilha de larvas. O rapaz interrompe a análise num processo mais, o que cuida do furto-de-uso do camião que transporta metralhadoras, e da bebedeira do soldado que o enfia pelo mato adentro, soltando o berro dos que enfrentam o descarnado rosto da morte (…). 

Traz em si uma ferida de guerra, a subir como um animal omnívoro, do abismo das entranhas, e manifestando-se nos dedos de unhas roídas. Assalta-o um tremor na presença de estranhos, e sobretudo no acto de com eles partilhar as refeições, o que ameaça produzir o derrame do vinho de um copo, ou da sopa de uma colher, quando não, a sumária queda de garfo e faca com que se escala o peixe, se corta a carne, ou se descasca a fruta. E o medo de incorrer assim numa falta irreparável impele-o progressivamente se afastar dos lugares de convívio, circunscrevendo-o à casa, e ao trato com os mais chegados, a fim de se sentir livre da tensão que se desencadeia em contextos amplamente sociais. Uma deriva sub-reptícia para o álcool assegura-lhe a temporária estabilidade das mãos, expulsando por instantes o terror que se lhe abriga no coração. E desagua a torrente de emoções em lágrimas de choro convulso, povoado por um soldado que a morte escolhe, em consequência de um acaso por que ele próprio, o rapaz, se considera responsável, e vislumbra na insónia que o toma viúva e órfãos que lhe pedem contas, e a mãe velhinha que reza às almas do Purgatório à beira do lume apagado, implorando a Deus, Nosso Senhor, que a leve também”.

(continua)

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2 - Notas do editor:

1 - Mário Cláudio, pseudónimo literário de Rui Barbot (ex-Alf Mil na Secção de Justiça/QG/CTIG), foi trazido até nós pelo ex-Cap Mil Carlos Nery[1].

2 - Breve nota biobliográfica de Mário Cláudio, pseudónimo de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, baseada em elementos fornecidos pelo próprio e/ou recolhidos pelo editor L.G, na Internet ou nos livros do escritor.

[ P - Neste momento, estou a falar com o Mário Cláudio ou com o Rui Barbot Costa? 
R - Está a falar com os dois ao mesmo tempo, embora a segunda entidade a que se referiu tenda a desaparecer cada vez mais, porque, entretanto, se avolumou o autor.

Excerto de uma entrevista, em 2/2/2009, ao JN- Jornal de Notícias ]

(i) Nasceu no Porto [, em 1941]. ["Não sou um escritor do Porto. Sou um escritor no Porto, que é uma coisa diferente".]

(ii) ["Mário Cláudio é o pseudónimo literário de Rui Manuel Pinto Barbot Costa, nascido a 6 de Novembro de 1941, no seio de uma família da média-alta burguesia industrial portuense de raízes irlandesas, castelhanas e francesas, e fortemente ligada à História da cidade nos últimos três séculos"].

(iii) [Fez o liceu no Porto; em seguida, matriculou-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, tendo depois se transferido para a Universidade de Coimbra]; 
(iv) Licenciou-se, em 1966, em Direito, pela Universidade de Coimbra;

(v) É igualmente diplomado com o Curso de Bibliotecário-Arquivista, pela mesma Universidade, Master of Arts em Biblioteconomia e Ciências Documentais, pela Universidade de Londres [, em 1976];

(vi)  ["Pelo meio, a Guerra Colonial e uma mobilização para a Guiné, na secção de Justiça do Quartel General de Bissau. Antes de partir, em 1968, entrega ao pai, pronto para publicação, o seu primeiro livro de poemas, 'Ciclo de Cypris', publicado no ano seguinte".]

(vii) Ficcionista, poeta, dramaturgo, ensaísta e tradutor, é autor, entre outros, dos volumes de poesia Estâncias e Terra Sigillata, dos romances Amadeo, Guilhermina, Rosa, A Quinta das Virtudes, Tocata para Dois Clarins, As Batalhas do Caia, O Pórtico da Glória, Peregrinação de Barnabé das Índias, Ursamaior, Oríon, Gémeos, Camilo Broca e Boa Noite, Senhor Soares, e das peças de teatro Noites de Anto, O Estranho Caso do Trapezista Azul e Medeia

(viii) Tem numerosíssima colaboração dispersa por jornais e revistas, portugueses e estrangeiros. 

(ix) Está traduzido em inglês, francês, castelhano, italiano, húngaro, checo e serbo-croata. 

(x) Recebeu os seguintes galardões: 

Grande Prémio de Romance e Novela (1984), da Associação Portuguesa de Escritores;
Prémio de Ficção, da Antena 1;
Prémio Lopes de Oliveira;
Prémio de Ficção, do PEN Clube Português;
Prémio Eça de Queiroz, da Câmara Municipal de Lisboa;
Grande Prémio da Crónica, da Associação Portuguesa de Escritores;
Prémio Pessoa (2004);
Prémio Vergílio Ferreira (2008);
Prémio Fernando Namora (2009).

(xi) Foi galardoado pelo Presidente da República com a Ordem de Santiago da Espada [, em 2004,] e pelo Governo Francês com o grau de Chevalier des Arts et des Lettres.

3 - Carlos Nery, Rui Barbot e João Barge, levaram à cena a peça "A Cantora Careca", de Eugene Ionesco, estreada em Bissau no dia 5 de Abril de 1970[2].
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Notas do editor:

[1] - Vid. poste de 23 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6630: Tabanca Grande (227): Rui Barbot / Mário Cláudio, ex-Alf Mil, Secção de Justiça do QG, Bissau (1968/70)

[2] - Vid. poste de 4 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6935: A Cantora Careca, estreado em Bissau no dia 5 de Abril de 1970 (Carlos Nery)

Último poste da série de 8 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20324: Notas de leitura (1234): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (31) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20332: Historiografia da Presença Portuguesa em África (185): O modelo (Maria Barba) e o fotógrafo (José Bacelar Bebiano)... A propósito de uma morna "imortal"...Resta saber quem era o "senhor tenente Serra"...evocado na letra "Mária Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más...


Cabo Verde > José Bacelar Bebiano > c. 1926/32 > Retrato de duas mulheres... Nanie Lima, que vive nos EUA, com antepassados na ilha da Boa Vista, Cabo Verde, diz que a Maria Barba seria a primeira das duas mulheres, a da esquerda... O Nelson Herbert, nosso amigo da Tabanca Grande, teve-a em Bissau como vizinha e amiga da família, conforme relato que publicaremos em próximo poste... Confirma-se portanto que a cantadeira, autora da "imortal morna", emigrou nos anos 40 para a Guiné, onde morreu com cerca de 64 anos... Na mesma altura, no Mindelo, o "meu pai, meu velho, meu camarada" (*) ouvia, pela primeira vez, a música nostálgica e letra pungente desta morna, sem saber que a sua autora já tinha emigrado (ou estava em vias de emigrar) para a Guiné para fugir da fome e da miséria...


Cabo Verde > José Bacler Bebiano > 1926/32 > Euipa da missão... Bacelar Bebiano é 2º, um dos outros pode ser o tenente Serra....O talvez não: estão todos à civil... O tenente Serra podia não fazer parte da missão, estando destacado, na altura,  na ilha da Boa Vista por razões de serviço militar...

Cortesia de Instituto de Investigação Cientifica Tropical (IICT),

1. O seu a seu dono... A foto de "duas mulheres, Boavista, 1926" (*), tem uma marca de água... que me levou ao portal do Instituto de Investigação Cientifica Tropical (IICT), Lisboa, Portugal. Essa foto tem autoria: José Bacelar Bebiano, e foi obtida no âmbito da Missão Geográfica de Cabo Verde (1926-1932).

O que diz o sítio do IICT nem que localizei a foto de cima, a das duas mulheres:

Missão Geográfica de Cabo Verde 1926-1932 [Negativos originais]

Negativos correspondentes ao álbum MGG/Alb14, com o mesmo título. No interior da caixa com os negativos contem um papel datilografado com a seguinte inscrição "Centro de Documentação Científica - Uma caixa contendo 14 caixinhas com negativos de Cabo Verde e Angola, enviados pelo Exmº Senhor Bacelar Bebiano. Lisboa, 27 de Outubro de 1962. recebido por Enrique Cortesão." Existe um mapa online com a distribuição dos Marcos Geodésicos pela Ilha. Disponível no ACTD em: http://actd.iict.pt/maps/cvsa; Author: José Bacelar Bebiano; Local: Cabo Verde; Data: 1926-1932

Ficha técnia da foto "Retrato de Duas Mulheres"
Data da captura / Date photo taken 1926-1932
Tema / Topic Missão Geográfica de Cabo Verde 1926-1932 [Negativos originais]
Localidade / Local Cabo Verde
Fotógrafo / Photographer José Bacelar Bebiano
Copyright Instituto de Investigacao Cientifica Tropical, Lisboa Portugal
Tipologia / Source Fotografado a partir do negativo em vidro original 6x9cm, cota MGG/VC 42
Número ID / ID Number 25419
Data da digitalização / Date scanned 2013-04-11
Instituição / Institution Instituto de Investigação Científica Tropical
Proveniência / Provenance IICT/Cartografia; Centro de Documentação e Informação; Centro de História
Entidade Detentora / Custodian Instituto de Investigação Científica e Tropical


2. Para se perceber o contexto da letra  (pungente) da morna "Maria Barba"

(i) "Manga" devia ser no norte da ilha da Boa Vista, ciclicamente atingida por pragas de gafanhotos;

(ii) por outro lado, é bom não esquecer a mortalidade devida a seca e fome: a crise de 1941-1943, terá matado em todas as ilhas mais de 24 mil pessoas. [Vd. CARREIRA, António. Cabo Verde: aspectos sociais. Secas e tomes do século xx. Lisboa: Ulmeio, 1984. p. 17-19[

(iii) se a cantadeira Maria Barba emigrou, nessa altura, em que parte da Guiné terá vivido ? E onde é que morreu? Se morreu em 1974, alguns de nós podê-la-ão ter conhecido...Foram estas questões que eu pus ao nosso amigo Nelson Herbert. no pressuposto de que a terá conhecido na Guiné.

(iv) O Nelson Herbert acabou de me confirmar, ontem,  às 16h11: "Conheci de facto Nha Maria Barba... ou avó Barba,  vizinha de toda uma vida e,  como diria o mindelense, “ d’mema solera d’porta”... Cresci praticamente com ela por perto... seus netos figuram entre os amigos de berço da Rua Engenheiro Sá Carneiro (a rua da messe dos sargentos da FA), em Bissau"...

Mandou-me mais alguns apontamentos e postes, a propósito... De facto, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!

3. A modificação da letra original parece-nos ter sido muito "infeliz"... Não sei  quem terá sido o responsável: refiro-me à versão "popularizada" pelo grande Bana, de quem eu tenho, de resto,  grande apreço como  cantor...

No contexto (desgraçado) daquela ilha (Boa Vista ) e daquele arquipélago (Cabo Verde) nos duros anos de 1920/30/40, quem é que se podia dar ao luxo de ter "um pai malandro"?... Uma filha nunca o diria, lamentaria, isso, a sua ausência, a sua morte...

"Malandro" talvez no Mindelo / São Vicente, terra do Bana e da Cesária, mas na Boa Vista, terra da Maria Barba, por favor!...

Há concessões de mau gosto, e esta parece ser uma delas: a morna, tal como o fado (e o tango), tem um origem (mítica) na prostituição e na malandragem dos portos atlântico...

4. Na letra original da "Maria Barba" o senhor engenheiro é... o fotógrafo José Bacelar Bebiano, que chegará a "ministro das colónias" no 5º governo da Ditadura Militar, que esteve em vigor entre 10 de novembro de 1928 e 8 de julho de 1929, liderado por José Vicente de Freitas, e sendo o ministro das Finanças o Prof Oliveira Salazar.

Encontrei, além disso,  mais a seguinte referência ao José Bacelar Bebiano, de resto autor de diversas obras, em especial de geologia de minas, em Angola.

Geólogo (1894-1967): Foi um dos pioneiros no estudo científico do ultramar português. A partir de 1919 dedicou-se aos estudos geológicos e mineiros em Angola, Moçambique e Cabo Verde, os quais se tornaram de extrema importância. A sua formação iniciou-se em Lisboa, na Escola Politécnica, mas depois prosseguiu os estudos em Londres, na Royal School of Mines, onde se formou em Engenharia de Minas e Geologia. Presidiu a Junta das Missões Geográficas e de Investigação Coloniais e foi ainda ministro do Comércio e das Colónias.

Resta-nos saber quem seria esse tenente Serra que devia integrar a missão, chefiada pelo engº José Bacelar Bebiano... (**)

Na letra original, atribuída à cantadeira Maria Barba [ou Bárbara] (Boavista, 1910-Bissau, 1974), a última parte reza assim:

(...) Maria Barba não me esquecerei de vocês
Principalmente de ti, Maria Barba,
Maria Barba,
Não me esquecerei das cantadeiras
Nem das lavadeiras, nem de ti Maria Barba.

- Saúde, Sr. Tenente, saúde Sr. Inginher,
Saúde e vivas, pâ Vossas Excelências 

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domingo, 10 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20331: Convívios (909): XXXI Encontro de Confraternização Anual da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Alenquer, no passado dia 9 de Novembro de 2019... Ou a usura do tempo... (José Colaço)



Foto nº 1 - Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 557 > 1964... "Esquálidos, esgrouviados..."


Foto n.º 2 > 2019 > Alenquer > 55 anos depois (em relação à foto n.º 1)...  31.º Convívio anual da CCAÇ 557... 20 presentes na "foto de família"... (Na  primeira fila, a contar da esquerda, o José Colaço é o 3.º, sentado... o  poeta da companhia, o Francisco Santos, é o quinto, de pé.)


Foto n.º 3 > 2018 > 30.º Convívio anual  da CCAÇ 557, em Sarilhos Grandes, Montijo... Vinte e dois os presentes na "foto de família".


Foto n.º 4 >  2017 > 29.º Convívio anual da CCAÇ 557, Sobral de Monte Agraço, 23 os presentes na "foto de família"...  À porta, do lado esquerdo, de camisola cinzenta, vemos o nosso saudoso camarada Jorge Rosales (1939-2019), que se associou ao evento.

Fotos (e legendas): © José Colaço (2019). Todos os direitos reservados. [Edição elegendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem enviada pelo José Colaço, ex-sold trms, CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fidelíssimo membro da nossa Tabanca Grande desde junho de 2008:

Data - 10/11/2019
Assunto - Almoço anual de confraternização da  CCAÇ 557: o tempo e a sua verdade.

No dia 09/11/2019 teve lugar o evento de confraternização do almoço anual de convívio da companhia de CCAÇ 557, cognominada com vários “epitáfios”.:

(i) a começar, foi batizada pelos nativos da Guiné como a "companhia do Como"

(ii)  a seguir também lhe chamaram "os audazes do Cachil", "os invencíveis do Cachil";

(iii) a CCAÇ 728, que nos rendeu no Cachil,  batizou-nos como "esgrouviados e esquálidos". 

Passados cinquenta e cinco (55) anos (!!!),  o tempo desmistifica tudo: se hoje perguntassemos a um qualquer guineense qual era a companhia do Como a resposta seria não sei, ou um encolher de ombros. 

Audazes ou invencíveis hoje mais parecem o antónimo dessas palavras. Por fim esgrouviados e esquálidos comparem as fotos que anexo, uma do tempo de 1964, e a última tirada ontem, em 9 do corrente..

Dá para rir.

José Colaço

PS1- Segue, por outro mail, os versinhos que o nosso bardo, Francisco Santos, nunca se esquece de fazer, antes, durante e depois [, e que serão publicados amanhã, noutro poste]

PS2 - Este ano foi no Carregado, Alenquer, Quinta do Canavial,  restaurante Dom Nuno. Aconselho, estava muito bem servido e confecionado: entradas, prato de peixe e carne, com lanche 30 € tudo sem restrições. E temos um camarada, de nome João Casímiro Coelho, que traz sempre um garrafão de vinho do Porto, bolos, figos para aqueles que chegam mais cedo, além disso traz também um saco de castanhas para o restaurante assar para acompanhar com o lanche e este ano trouxe para todos os camaradas uma garrafa de tinto reserva da quinta da Veiga, ou seja da quinta dele, e para mim, que sou aquele amigo extra.
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Nota do editor:

Último poste da série >  9 de setembro de 2019   > Guiné 61/74 - P20158: Convívios (908): Os "meninos da Linha": estão bem e recomendam-se... Parabéns ao José Miguel Louro e ao João Pereira da Costa, a quem se cantou hoje os parabéns (Luís Graça)

Vd. também poste de:

22 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19221: Convívios (882): Almoço anual da CCAÇ 557, levado a efeito no passado dia 10 de Novembro, em Sarilhos Grandes (José Colaço, ex-Soldado TRMS)

6 de novembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17941: Convívios (830): Os "últimos moicanos", o pessoal da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), fizeram prova de vida em 4 do corrente, em Sapataria, Sobral de Monte Agraço (José Colaço / Francisco Santos)

Guiné 61/74 - P20330: Blogpoesia (645): "Afinar as cordas", "Cavalos selvagens" e "Suavemente...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


Afinar as cordas

Com as cordas afinadas a orquestra toca bem, como o autor pensou.
A harmonia reina e no ar brilha a emoção e a paz.
A alma vibra, se regala e sonha.

Afinar as cordas faz parte do equilíbrio universal.
Os astros, qualquer que seja sua grandeza, seguem à risca as suas órbitas.
Impensável haver uma falha neste domínio.
A sociedade, só afinada, é justa, progressiva e solidária.

Ouvindo - Celedonio Romero: Concierto de Malaga played by Pepe Romero part 2 (Allegro, Allegro molto)
Berlim, 4 de Novembro de 2019
11h20m
Jlmg

********************

Cavalos selvagens

Fogosos cavalos selvagens, de crinas luzindo ao vento,
Cavalgando encostas, trepando as serras, rumando às nuvens.
Cavalos de força, fazendo inveja,
Abanando as caudas.
Rapando pastagens, de noite e de dia.
Liberdade total.
Só vos faltam as asas.
Que seria do mundo...?

Alheios a tudo.
Apenas correr e pastar.
Exemplos de paz.

Cavaleiros dos montes, encostas pendentes.
Nada vos prende.
Subindo e descendo.
Primeiro, ginetes.
Depois, gigantes ladinos.

Que pensarão as formigas, rasteiras ao chão, quando, morrendo de inveja, vos vêem correr...?

Berlim, 6 de Novembro de 2019
9h34m
Jlmg

********************

Suavemente…

Estáticas. Indiferentes. As árvores gigantes ostentam ao alto, seus toucados raiados de folhas.
Nem uma pitadinha de vento.
Uma a uma, se desprendem, serenas.
Baloiçam tontas no ar
e, rendidas, se prostram no chão.

Avultam, de negros, o emaranhado de ramos e troncos.
Regados por dentro de seiva,
Esperam a neve de Inverno.

Cansadas do fulgor das alturas,
Procuram o silêncio e a sombra da terra até que a Primavera renasça…

Berlim, 8 de Novembro de 2019
14h52m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20316: Blogpoesia (644): "Fogos de guerra", por Rosa Maria Figueiredo Quadros (ROMI), que esteve em Mansabá com o marido

Guiné 61/74 - P20329: Parabéns a você (1705): António Garcia de Matos, ex-Alf Mil Inf MA da CCAÇ 2790 (Guiné, 1970/72) e Jorge Araújo, ex-Fur Mil Op Especiais da CART 3494 (Guiné, 1971/74)


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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20326: Parabéns a você (1103): António da Costa Maria, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71); António João Sampaio, ex-Allf Mil da CCAÇ 15 e ex-Cap Mil, CMDT da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74); Ernesto Ribeiro, ex-1.º Cabo At Art da CART 2339 (Guiné, 1968/69) e João Alves Martins, ex-Alf Mil Art do BAC 1 (Guiné, 1967/70)

sábado, 9 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"



Com a devida vénia, da página do Facebook do Instituto do Património Cultural da República de Cabo Verde.


1. Lê-se na ONU News, com data de anteontem, dia 7

"A morna de Cabo Verde deu mais um passo no processo de inscrição para o Patrimônio Imaterial da Humanidade da Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, Unesco. Nesta quinta-feira, o Comitê de Avaliação do Patrimônio Cultural aceitou a inscrição do gênero musical, mas a decisão final será ratificada, em dezembro, pela Unesco, durante reunião na Colômbia."

O dia foi de grande júbilo  para todos os cabo-verdianos, dentro e fora da Pátria, e naturalmente para os amigos de Cabo-Verde e da sua música, em geral, e da morna, em particular,

Falando à ONU News, da cidade da Praia, Sandra Mascarenhas, diretora do Instituto do Património Cultural, "explicou o impacto da decisão para o povo em Cabo Verde e nas diásporas cabo-verdianas pelo mundo":

“A inscrição da morna na lista representativa da Unesco representa para os cabo-verdianos o reconhecimento daquela que consideram ser a sua música maior, um reconhecimento identitário por excelência. À semelhança do que aconteceu com o fado, eleva a morna a uma categoria que transcende o próprio país. Para a diáspora, que sempre se vê e se revê na morna, será um reconhecimento daquilo que os identifica como cabo-verdianos. É a autoestima de toda uma nação que é elevada.”

E acrescenta o ONU News: "Tradicionalmente, a morna é tocada com instrumentos acústicos, sobretudo violão, e canta temas como amor à terra, partida para o estrangeiro e saudade".


2. O "meu pai, meu velho, meu camarada", Luís Henriques (1920-2012), estaria hoje feliz, se fosse vivo e estivesse lúcido, com esta notícia... Ele que tanto amava Cabo Verde (onde foi expedicionário, em 1941-43) e que me passou o gosto pelas mornas e pela morabeza cabo-verdiana... 

Cantarolava, em crioulo,  algumas mornas do seu tempo, que acabaram por  me ficar na memória como a célebre "Maria Bárbara, canta mais uma morna",  celebrizada já no meu tempo pelo grande Bana (que eu descobri no pós-25 de Abril, por volta de 1979/80,   no seu restaurante "Monte Cara", na Rua do Sol ao Rato; com outro nome, o sítio já era popular tornou-se popular, em finais de 1976, graças sobretudo à música do grupo Voz de Cabo-Verde, a mítica banda de Luís Morais & Companhia)

Há tempos deu-me curiosidade em saber quem era essa "Maria Barba"e o que dizia a letra da morna... Encontrei o seguinte no Blogue ArrozCaTum > terça-feira, 11 de agosto de 2015 >

 [8362] - A SAGA DE MARIA BARBA...  [Excertos, com a devida vénia...]

(...) O amigo Artur Mendes é senhor de uma curiosidade científica acima da média e essa característica não é raro colocá-lo na senda de autênticas pérolas da História e das Gentes de Cabo Verde... Neste caso, colocou-se em contacto com a Nanie Lima, que se apelida a si própria de "The Creola Genealogist" - e de quem há dias publicámos umas fotos antiquíssimas - no sentido de tentar desvendar o segredo de Maria Barba de quem, afinal, apenas se conhecia o nome da Morna com o mesmo nome e que o Bana popularizou... Pois bem...Nanie Lima não se deu por achada e respondeu à curiosidade do Artur com o trabalho que passamos a reproduzir, depois de traduzido do original, em inglês dos EUA...

Foto: Dias Mulheres da Boa Vista, 1926. Nanie Lima (2015),
 com a devida vénia
"Há algum tempo postei no Face Book uma foto com o título "Retrato de Duas Mulheres", que ilustrava as figuras de duas jovens e que concitou grande curiosidade...(Duas mulheres da Boavista - 1926).

Muita gente me perguntou quem eram elas mas, ao tempo, eu não fazia a mais pálida ideia... Por isso, foquei toda a minha atenção naquilo a que eu chamo "os narizes Lima" e constatei que elas tinham o mesmo nariz da minha avó Joana Fortes Lima Gomes e de outro membro da família, o Padre Manuel Antonio de Brito Lima (...).
Maria Barba, Boavista, s/d.
Foto de Nanie Lima (2015)

A foto das duas mulheres foi reeditada por vários amigos e, por fim, obtive de Joana Lima Ramos, da Boavista, a informação de que se tratava de Maria Bárbara e Nha Luci... À minha insistência para confirmação, garantiu que, na realidade, se tratava de MARIA BARBA, a célebre cantadeira de mornas que, no auge da sua carreira, chegou a cantar na I Exposição Colonial de Lisboa  [, ou melhor do Porto, no Palácio Cristal], em 1934...

A única foto que dela consegui não é de grande qualidade e não faz decerto jus à sua figura,  ela que era ainda muito jovem quando casou, tendo tido o primeiro filho em 1930...A foto é de 1926.

Maria Barba (Bárbara) nasceu na Boavista, em 1910 e ali faleceu, em 1974. Ficou célebre através da morna "Maria Barba" que me habituei a ouvir, vezes sem conta, durante a minha infância... Sinto-me, pois, honrada por poder dar este testemunho de uma mulher da ilha dos meus antepassados Limas! (...)



3. "Maria Barba", cantada por Bana, letra recolhida e fixada pelo autor do blogue "ArrozCaTum, Zito Azevedo


Maria Barba, canta mais uma Morna
Para despedida do Sr. Tenente Serra ) (2 vezes)

S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más 
‘m ti ta bai nhâ camin pâ Manga
Pâ matança di gafanhôt
Oh, Sr. Tenente, oli cóbe d’plícia e cheo
Djál bem bscóme
Ai, s’um ca bai, el tâ mandam’
Prese pâ Porte, oi, oi,...


Quem é o chefe desta povoação ?
Porque Maria Barba tu não vais ainda (2 vezes)

Nôs cóbe-chef ê Nhô Tôc d’Chuc Canóche
Amim’ ti ta bai nhâ camin pâ Manga
Nhâ mãe ê fráca, nhâ pai ê môrte
Amim’‘m câ tem q’êm raspondê pa mim,oi,oi 
Maria Barba, canta mais uma Morna

Porque eu falarei com o vosso cabo chefe, 
Maria Barba, canta mais uma Morna
Se tu fores presa, responderei por ti.

Saúde, Sr. Tenente, saúde Sr. Inginher
Um muito obrigada de Maria Barba
Oh S’nhôr Ten. Serra ora bocê bai pâ Lisboa
Ai câ bocê squêcê di nôs, oi, oi, ...

Maria Barba não me esquecerei de vocês. 


4. Tradução das partes em crioulo para português, da responsabilidade do editor LG,  a partir de versão francesa (cortesia de "Cape Vert, Mindelo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" )

(...)

- Senhor tenente,
eu não posso cantar mais,,
Tenho de ir ar à Manga
Para caçar gafanhotos.
Oh, senhor tenente, tem ali o cabo chefe
que me vem buscar,
se eu não for, ele vai-me mandar
para a prisão do porto.
(...)

- O nosso cabo chefe chama-se
Nho Toc d'Chuc Canoche,
Vou a caminho da Manga,
A minha mãe está doente, o  meu pai já morreu,
Ai, não tenho ninguém que cuide de mim.

(...)
Saúde, senhor tenente,
Saúde, senhor engenheiro,
Um muito obrigado da Maria Bárbara,
Oh, senhor tenente Serra,
Quando regressar a Lisboa,
Não se esqueça de mim. (...)


5. Nota do editor do blogue ArrozCaTum:
O amigo Adriano [Miranda Lima, membro da nossa Tabanca Grande, colaborador permanente do blogue Praia do Bote}, que teve conhecimento deste trabalho, ainda andou a indagar por informações do "tenente Serra" e chegou à conclusão de que não era oficial do exército...Houve, depois, informação obtida por Rui Machado, de que teria sido um oficial da Armada que terá estado destacado na Boavista em serviços de hidrografia e se terá encantado pelas mornas de Maria Barba-
6. Notas,  em francês,  do sítio  "Cape Vert, Min(delo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" , taduzidas para português pelo nosso editor LG (e que este  não pôde  validar pelo confronto com outras fontes, para além da Nanie Lima)

A jovem Maria Barba [, nascida na Boavista, em 1910,]  tinha dois filhos. [O primeiro nasceu em 1930, tuinha ela 20 anos, segundo Nanie Lima.]

Em junho de 1934, integrou a delegação cabo-verdiana enviada à Exposição Colonial Portuguesa no Porto [, e não em Lisboa, como escreveu, por lapso, a Nanie Lima]...

Mais tarde,  já no início da década de 1940, quando a seca e a fome atingiram o arquipélago [, 1941/43,], ela deixou a ilha de Boa Vista e partiu para o continente africano.

Desembarcou na Gâmbia e estabeleceu-se na Guiné-Bissau onde morreu em 1974. [Nanie Lima diz que ela nasceu e morreu na Boa Vista.]

Por sua vez, a equipa que o tenente Serra acompanhou, percorreu o arquipélago de julho de 1926 a dezembro de 1931 [, no ambito de uma missão geográfica.] 

Em Boa Vista, este militar terá tido duas filhas com D. Vitória Santos Brito. Em Lisboa, ele interpretará esta morna perante vários amigos e terá escrito a Dona Vitoria para apresentar cumprimentos à Maria Barba..

Quanto à praga de gafanhotos, a que se refere a letra da morna... Eram frequentes nessa época, e ainda hoje.  E cada família era obrigada a enviar um dos seus elementos para combatê-los, protegendo as culturas da ilha. Na véspera do encontro com o tenente Serra, a Maria Barba estava escalada para esse efeito, e não tinha quem a pudesse substituir [, tendo o pai morrido e a mãe estando doente: "Nhâ mãe ê fráca, nhâ pai ê môrte". ]

Ao que parece, muitos  anos mais tarde, Bana gravou a morna, modificando a letra  (ou alguém por ele...), ao falar de um "pai malandro" ["Nha mae é fraca e nha pai é malandre"], uma versão que terá chocado a criadora deste tema, que continuou a interpretá-lo sem nunca, todavia,  ter conseguido  obter o reconhecimento (legal) da sua autoria. É considerada um a"morna tradicional".

[Mas estas notas foram  publicadas em 2015, no sítio "Cape Vert, Mindelo Infos > Musique capverdienne : Maria Barba" , baseando-se  nos "trabalhos sucessivos de Noel Fortes, Rui Machado e Otilia Leitão. Fizemos uma adaptação livre das notas.]
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Nota do editor:

Último poste da série > 19 de julho de 2017 > Guiné 61/74 - P17602: Meu pai, meu velho, meu camarada (58): Ilha de São Vicente, Lazareto - Parte I [álbum fotográfico de Luís Henriques (1920-2012), natural da Lourinhã, ex-1º cabo inf, nº 188/41 da 3ª Companhia do 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5 [, Caldas da Rainha], que esteve em Cabo Verde, Ilha de São Vicente, entre julho de 1941 e setembro de 1943]