segunda-feira, 15 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4528: Um velho filme de 8 mm que agora nos surpreende e delicia (George Freire, ex-cap inf, CCAÇ 153, 3ª CCAÇ e 4ª CCAÇ, Bissau, Gabu e Bedanda, 1961/63; e desde então a viver nos EUA)




Jorge Freire, ex-cap inf, que esteve na Guiné, em 1961/63, e desde então a viver nos EUA (aqui com a sua esposa), e onde é conhecido por George Freire, engenheiro e empresário.

Foto: © George Freire (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. A propósito do seu velho filme de 8 mm que publicámos ontem no nosso blogue, sob a forma de 3 vídeos (*), o George Freire mandou hoje uma mensagem aos seus amigos americanos, com conhecimento aos editores do blogue. 

A mensagem é em inglês e eu pedi ao Miguel Pessoa, o nosso tradutor de serviço, para lhe dar um jeitinho, uma vez que eu, de manhã, não tinha qualquer disponibilidade... Mal sabia eu que o Miguel também não estava em boa forma... Mas, tropa é tropa, e ele lá fez das tripas coração, mandando-me o texto traduzido, na volta do correio, e com isso aumentando ainda mais a consideração que eu tenho por ele... Aqui vai a nossa troca de mimos... 

(i) Miguel: Se tiveres tempo e pachorra, faz aqui uma tradução do texto do nosso camarada Jorge Freire, antigo capitão do QP... Estou sem tempo, hoje. Também podes comentar o filme (a parte respeitante à FAP, Bissalanca...). Abraço. Luís 

 (ii) Luís: Ando um pouco em baixo e tenho uma série de exames e consultas esta semana, mas farei o que puder. Miguel 

(iii)  Luís: Lá consegui arranjar alguma paciência e traduzi o texto. Agora os comentários ao filme, só os poderei fazer depois de ler algo sobre a Força Aérea na Guiné, no início do conflito. Abraço. Miguel 

 2. Mensagem original do George Freire, em inglês (**), com data de ontem: 

  Subject - Portuguese Blog "Camaradas da Guine" 

 Some of you know that before Edith and I came to the States in October 1963, I served in the Portuguese Army in Africa (Portuguese Guine, now called Guine-Bissau), for two years. There is a very interesting Blog (in Portuguese), called "Camaradas da Guine", where thousands of Portuguese soldiers who fought there, write war stories, memories etc. 

Late last year I came across that Blog by accident, and as you can guess, I was very interested in reading all the stuff that was and still is being published in that Blog. So far they have had almost 1,100,000 hits to that Blog. I had a diary that covered the period between October 1962 and May 1963 which I sent them and was published. I also had an old 8mm movie made during the time I was there and decided to make an updated version with sound etc. with Windows Movie Maker. I sent them the DVD and guess what, they have posted it today in the Blog and also on U Tube. 

 The film is quite interesting, (Edith is there in a few passages), and I ask you all, if you have a chance and time, to go to the Blog and watch it. It is broken down in three parts because of the time limit for each section, mandated by U Tube. 

  The link to the Blog is: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/ If you click on the above address you'll go to the Blog. Because they have already posted other stuff today, after they posted my films, you'll have to go down two or three pages to see the films. 


 George and Edith when we were young. Edith was there for three or four months before the fighting started, then she had to return to Portugal in a hurry. I hope you'll enjoy it. Thanks, George Freire 

3. Tradução do inglês para português, pelo nosso camarada Miguel Pessoa: 

 Assunto - Blogue português "Camaradas da Guiné" 

 Alguns de vocês sabem que, antes de a Edith e eu termos vindo para os Estados Unidos em Outubro de 1963, eu servi no Exército Português em África, na Guiné Portuguesa, (agora chamada Guiné-Bissau), por um período de dois anos. 

 Existe um blogue muito interessante, em português, chamado "Luís Graça & Camaradas da Guiné", onde milhares de soldados portugueses que ali combateram, escrevem histórias de guerra, memórias, etc. No final do ano passado deparei casualmente com este blogue e, como podem adivinhar, interessei-me bastante em ler todo o material que foi e ainda continua a ser publicado neste Blogue, onde, até agora, já foram registadas quase 1.100.000 visitas. 

 Na época eu tinha escrito um diário cobrindo o período compreendido entre Outubro de 1962 e Maio de 1963, que entretanto lhes enviei... e que já foi publicado. Tinha também um velho filme de 8 milímetros feito naquele período em que lá estive e decidi fazer uma versão atualizada, com som e legendas, com a ajuda do Windows Movie Maker. Resolvi enviar-lhes o DVD e... adivinhem!, publicaram-no hoje no Blog, e também no You Tube. 

 O filme é bastante interessante (a Edith aparece em várias passagens), e peço-vos a todos, se tiverem uma oportunidade e tempo disponível, que visitem o blogue e vejam o filme. Ele foi subdividido em três partes, devido ao tempo limite para cada secção, de acordo com as normas do You Tube. 

 O link para o blogue é: http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/ Se clicarem no endereço acima, entram logo para o Blogue. Porque diariamente são publicados novos Postes (já houve várias entradas depois de o meu filme ter sido publicado), vocês terão que descer duas ou três páginas para ver os filmes. 


George e Edith, quando éramos jovens. A Edith manteve-se por lá por três ou quatro meses, antes de os combates começarem, tendo depois regressado rapidamente a Portugal. Espero que gostem do filme. Obrigado, George Freire 

  4. Comentário do editor L.G.: 

 Para melhor contextualizar o surpreendente filme que o George Freire nos mandou e que o Virgínio Briote pôs no You Tube (*), vamos recuperar alguns dados biográficos (***) do nosso camarada, hoje cidadão americano, se não me engano: 

  (...) "A [CCaç 153] de que originalmente fiz parte quando partimos para a Guiné, no dia 26 de Maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes, onde eu ainda tenente, segundo comandante e o capitão Curto, comandante, (do curso um ano mais velho do que o meu), passámos semanas a organizar a companhia. 

"De Vila Real todo o pessoal viajou para Lisboa de comboio e passados talvez uma ou duas semanas, partimos de avião, (dois aviões de transportes da FA), do aeroporto de Lisboa para Bissau, onde chegámos no mesmo dia ao anoitecer. (...) 

"De Bissau, onde passámos a noite, seguimos logo para Fulacunda, onde permaneci à volta de dois meses, após os quais chegou a minha promoção a capitão. 

"De Fulacunda fui transferido para Bissau para comandar uma companhia de nativos e render o capitão Helder Reis. Passei 4 ou 5 meses em Bissau, daí para o Gabu (outros 6 meses) e daí para Bedanda onde passei o resto da minha comissão" (...). 

  (...) " Durante o Natal de 1961 a minha mulher [, Edite,] veio passar um mês a Bissau onde eu estava na altura a comandar uma companhia de nativos. 

 "Em Julho de 1962 a minha mulher voltou para a Guiné e passou quase 3 meses no Gabu (Nova Lamego), onde eu comandei uma companhia mista. [Vd. vídeo nº 2, ou parte 2/3] 

"Do Gabu fui transferido [, em Novembro de 1962,] para Bedanda [, no sul, Região de Tombali,] onde ela ainda passou quase um mês, mas nos fins de Dezembro tive que a mandar de volta a Portugal pois as coisas começaram a aquecer demais". [Vd. vídeo nº 2, ou parte 2/73] 

Notas do seu diário (***): 

  1/3/63: Hoje pela 09:30 e mais tarde pelas 14:30, pessoal do pelotão do Cabedú sofreu emboscadas respectivamente entre Cafal e Cafine e no cruzamento de Cabante. Na segunda emboscada sofremos [ a 4ª CCAç ] um morto e um ferido. Uma viatura Chaimite  foi destruída na primeira emboscada. Seguiram dois pelotões reforçados para os locais das emboscadas. Em Impungueda uma patrulha da CCaç 859 travou contacto com os terroristas e feriu alguns e os outros conseguiram fugir. 

 2/3/63: Durante parte do dia de ontem e durante todo o dia de hoje as nossas forças percorreram todo o terreno nas zonas das emboscadas. Encontraram vestígios dos atacantes, fizeram um prisioneiro que tinha tomado parte numa das emboscadas, mas nada mais. O soldado ferido seguiu de avião para Bissau e o morto foi enterrado no cemitério de Bedanda.O prisioneiro foi interrogado mas poucas informações conseguimos. Foi enviado para o Batalhão [BCAÇ 356] para ser interrogado. 6/3/63: Fizemos um reconhecimento à zona de Emberem [Iemberém]. O alferes Gonçalves encarregou-se de falar aos chefes Fulas de Emberem [Iemberém] e discutir a possível mudança das suas tabancas para Bedanda. Há toda a vantagem dessas mudanças para incrementar a protecção da população Fula. Poderemos também formar aqui e em Bedanda um pelotão de uns 40 Fulas, o que nos poderá ajudar substancialmente na segurança da área e aliviar as nossas forças. Os chefes Fulas aceitaram a nossa oferta de braços abertos. 

 7/3/63: Começámos o transporte da população Fula de Emberem [Iemberém]. Usámos 10 viaturas neste movimento. Calculamos que serão necessárias 3 mais viagens semelhantes. [ Vd. vídeo 2, ou parte 2/3]. Chega por fim o dia do regresso a Lisboa (vd. vídeo nº 3, ou parte 3/3, musicado com um belíssimo fado interpretado pelo Carmos do Carmo (Uma flor do verde pinho, letra de Manuel Alegre, música de José Niza) (****): 

  (...) "No dia 18 de Maio, o capitão Nelson (meu colega de curso) veio render-me. Durante os 4 dias seguintes fiz a entrega da 4ª CCaç ao Nelson e no dia 21 de Maio segui de avião para Bissau. Aí estive à espera de transporte e finalmente no dia 27 de Maio parti de volta a Portugal no navio da CUF Ana Mafalda. (...) 

"Nos fins de Agosto [de 1963] pedi a minha demissão e parti com a minha família - mulher e duas filhas de 3 e 2 anos [ uma delas, a Isabelinha, que aparece no filme, hoje com 49 anos - ] para os EUA onde me encontro faz este ano 45 anos. Desde então tirei um curso de engenharia mecânica, trabalhei para outras duas companhias e, em 1989, formei a minha própria companhia de consultaria de projectos relacionados com energia de gás, co-geração, etc." (...) 

___________ 

 Notas de L.G.: 



 Com 76 anos, está reformado, foi empresário na área da engenharia. Vive em Chapin, South Carolina, Estados Unidos... Vem frequentemente a Portugal. Gosta de conviver e de viajar, do golfe, da pesca e da vela. Tem um blogue relacionado com a informática e aelectrónica: http://whatisyourquestionblog.blogspot.com/ 

 Título do blogue: "COMPUTER AND ELECTRONICS WORLD SHARING AND LOTS OF OTHER GOOD STUFF NOT RELATED TO COMPUTERS"... 

 É um homem do seu tempo que se descreve-se a si próprio como "a retired engineer deeply interested and involved in the solving of problems and frustrations of the computer and electronics world that surround us all"... 

 (***) Vd. postes de: 




 (****) Vd. Uma flor de verde pinho (Música: José Niza) (Letra: Manuel Alegre) 

Eu podia chamar-te pátria minha,
dar-te o mais lindo nome português,
podia dar-te um nome de rainha
que este amor é de Pedro por Inês.

Mas não há forma não há verso não há leito
para este fogo amor para este rio.
Como dizer um coração fora do peito?
Meu amor transbordou. E eu sem navio.

Gostar de ti é um poema que não digo,
que não há taça amor para este vinho,
não há guitarra nem cantar de amigo,
não há flor, não há flor de verde pinho.

Não há barco nem trigo, não há trevo,
não há palavras para dizer esta canção.
Gostar de ti é um poema que não escrevo.
Que há um rio sem leito. E eu sem coração.

Guiné 63/74 - P4527: Convívios (147): BCAV 490, Bissau, Como e Farim (1963/65), em Viseu (Valentim Oliveira)



1. Do nosso Camarada Valentim Oliveira, que foi Soldado Condutor Auto 784/63 da CCAV 489, do BCAV 490, recebemos a seguinte mensagem, dando-nos conta da confraternização anual do seu batalhão:

Camaradas,

Envio este curto texto sobre os acontecimentos do Almoço/Convívio do BCAV 490, que se realizou no dia 30 de Maio, em Viseu.

Este ano a organização tocou-me a mim e ao nosso camarada-de-armas, Luís Coimbra.

Pouco faltou para atingir a casa de duas centenas de “tropas”, entre os meus Camaradas presentes, seus queridos Familiares e estimados Amigos.

Foi um almoço em grande forma e nós, já “velhotes” ainda conseguimos ser “bons garfos” no faustoso repasto, a que não faltou o bolo comemorativo, bem regado com um não menos melhor espumoso.

O convívio ficou marcado por “Manga de Ronco”, com baile à mistura e tudo o mais a que achamos que temos direito.

As fotos anexas são o melhor testemunho das minhas palavras.

Fotos: © Valentim Oliveira (2009). Direitos reservados.

No próximo dia 20, lá estarei convosco na Ortigosa.

Um Alfa Bravo para todos os Camaradas “Tabanqueiros”,

Valentim Oliveira
______________

Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

domingo, 14 de junho de 2009

Guiné 63/74 - P4526: Os Nossos Camaradas Guineenses (10): Bodo Jau, mais uma história de miséria, que nos revolta (Carlos Silva)

1. Mensagem de Carlos Silva, ex-Fur Mil da CCAÇ 2584/BCAÇ 2879, Presidente da Assembleia Geral da Associação Ajuda Amiga, com data de 12 de Junho de 2009:

Amigos,

Estou na Madeira há dias, gozando umas férias deliciosas.

Contudo, não consigo desligar-me do que se passa no nosso Blogue.

Assim, é com satisfação que vejo as notícias sobre o 10 de Junho e a confraternização dos camaradas, bem como, a alegria dos convivas, estampada nas fotos.

No entanto, registo uma pequena frase do Bodo Jau para com o Miguel Pessoa, que com ironia do destino, para mim diz muito, quando diz a que ele "estava mais magro quando foi recuperado".

É verdade, mas vocês no meio dessa alegria toda sabiam que o Bodo Jau, pertenceu aos "Roncos de Farim" comandados pelo Alferes Ribeiro?

E sabiam que o Bodo Jau sobrevive com dificuldades?

E sabiam que é a Liga dos Combatentes que está a dar uma ajuda?

E sabiam que é a Junta de Freguesia da Damaia ou da Amadora que lhe está a dar de comer?

E sabiam que a Conservatória dos Registos Centrais lhe recusou a nacionalidade?

Enfim, a alegria que vocês sentiam, por ironia do destino, corre na alma do Bodo Jau uma grande tristeza.
É preciso ajudá-lo.



Vejam o meu SITE.

Quando chegar a Lisboa irei fazer um artigo ou contactar alguns amigos.

Pois o Blogue também tem de ter uma par Humana e Social ou então vou pensando nesta mensagem para depois falarmos na Ortigosa.

Até lá um grande abraço,
Carlos Silva
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4525: Um filme de George Freire (CCaç 153 e 4ª CCaç, 1962/63): Gabu, Bedanda, Cumbijã, Bissau, Lisboa... (V. Briote)

Parte 1/3 > Vídeo (9 ' 58'')



Parte 2/3 > Vídeo (9' 54'')



Parte 3/3 > Vídeo (9' 58'')

Filmagens feitas pelo então tenente e depois capitão Jorge Freire, da CCAÇ 153 e da 4ª CCaç, entre os anos de 62 e 63, com imagens do Gabu, Bissau, Cacine, Bedanda, Cumbijã, Bissau, Lisboa... Um conjunto de três vídeos (O nosso camarada George vive há mais de 40 anos nos EUA; na conta do Virgínio Briote, no You Tube, já estão disponíveis estes três vídeos).


Vídeos: Alojados no You Tube> bra6567>© George Freire (2009). Direitos reservados.


Recordando o que foi escrito em artigo anterior (*), Jorge Freire, entre Setembro de 1962 e finais de Maio de 1963, fez um filme da sua passagem pela Guiné, [em super 8 mm]. Embora algo deteriorado pelo tempo, podemos ver como era a Guiné naqueles anos.

O Gabu, Nova Lamego, a avenida principal, um domingo à tarde com as famílias, os esquilos amestrados, a mulher do Jorge com a filha do 1º sargento da companhia, mulheres à pesca de camarão, a operação de lavagem das roupas, ou como bater bem com as peças de roupa nas pedras, as bajudas e os meninos a brincar na água, a piscina, a fonte de água, o grande régulo Fula do Gabu, a mulher mais nova e a mais velha, aparentemente amigáveis uma com a outra, os netos, os trajes de cerimónia, o alfaiate da terra, o campo de aviação do Gabu e imagens do ar, na viagem para Bissau no Dornier.

Em Bissau, o render da guarda ao Palácio com a população a assistir e o regresso ao Gabu. A visita do Jorge aos pelotões destacados, no marco da fronteira com a Guiné-Conacri, na zona leste, em Buruntuma, a passagem em Mule (ponte) Blassi e o regresso a Bissau num barco comercial, com imagens do piloto da embarcação.

E depois, Bedanda, o aquartelamento [ainda em construção], as pirogas no Rio Cumbijã, a construção de instalações, os alferes da companhia (4ª CCaç, um dos quais viria a morrer em combate, dias depois), imagens filmadas antes da saída de uma patrulha, um prisioneiro amarrado que terá, durante uma emboscada, morto um dos soldados da companhia.

Patrulhas no Cumbijã, os tarrafos ao lado, os tarrafos dos nossos descontentamentos, soldados com Mausers, uma secção destacada em Chugué, a transferência da população Fula de Imberém, no Cantanhez, para Bedanda, as festas que se seguiram, bajudas com as belezas à mostra… O início da guerra...

Comissão terminada, o regresso a Bissau e depois “eu vou chamar-te Pátria minha”, na voz do Carlos do Carmo, enquanto os olhos se espraiam lá do alto pelos rios e ribeiros, as margens, as florestas, as lalas.

Imagens que era costume, alguns de nós, registarem, quem sabe com o receio de nunca mais nos lembrarmos… Em Bissalanca, um MG branco ou creme rodeado de especialistas da FAP, a torre de controlo, a visita à Guiné de dois adidos norte-americanos, o adido comercial e o adido militar, o coronel Jeffries, e as últimas vistas de Bissau no último fim de semana, antes do regresso à pátria, no Ana Mafalda.

A fortaleza da Amura, o porto de Bissau, o desembarque no cais e o desfile de um pelotão (Caçadores?) de nativos, o capitão Simões, tão falado pelo Amadu Bailo Djaló nos seus escritos e, no dia do embarque, no Ana Mafalda, em 26 de Maio de 1963, o movimento em dias de movimento de navios, o cais de embarque nº 2, o navio em manobras, a afastar-se, com a Amura e Bissau a recortarem-se, cada vez mais pequenos.

Depois, o Atlântico, as Canárias no horizonte, até, finalmente, começarem a ver a costa, com Lisboa cada vez maior, no Tejo de tantas entradas e saídas, a volta ao Bugio, o jovem capitão Jorge Matias Freire, à civil, de fato à anos 60 e Lisboa ali tão perto que já se via gente à espera deles, de lenços no ar, a Torre de Belém, o Monumento aos Descobrimentos, e, como um agradecimento, as últimas imagens são do capitão, do imediato e do médico do Ana Mafalda.

A guerra na Guiné ainda estava muito, mesmo muito, no princípio. Mas para os quatro soldados, um sargento e um alferes da companhia do capitão Jorge Freire, em Bedanda, a guerra tinha acabado. É, com a lembrança deles, que o Jorge Freire termina este pequeno filme.

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Notas de vb:

1.Artigos do Jorge Freire em 11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

29 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

2. A Companhia de Caçadores 153 foi mobilizada pelo RI 13 de Vila Real e comandada pelo Capitão de Infantaria José dos Santos Carreto Curto. Embarcou para Bissau em 27Mai61 (via aérea) e regressou em 24Jul63.

A 26Jul61 foi colocada em Fulacunda destacando forças para Empada, Cufar, Catió e Bolama, por periodos variáveis. A 7Fev62 foi rendida pela CCAÇ 274 e foi colocada em Bissau. A 11Fev62 rendeu a CCAÇ 74 em Bissau. A 21Jul63 foi substituida pela CCAÇ 510, ficando a aguardar embarque.

Informação de José Martins.

Guiné 63/74 - P4524: Fauna & flora (24): Companhia indesejável no meu bura… ko morreu, sem apelo nem agravo, no Cachil (José Colaço)

1. Mensagem de José Colaço (*), ex-Sold de Trms da CCAÇ 557, Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65, com data de 13 de Junho de 2009:

Camaradas,

Muitos dos factos acontecidos na guerra na Guiné, são comuns, em situações idênticas, a todos os ex-Combatentes que por lá passaram.

Coisas que aconteceram a um de nós, vem-se a verificar que algo semelhante aconteceu a outros camaradas. Aquela passada na “latrina” não comento, porque ainda hoje me cheira "mal"… eheheheheheheh…

Mas a passagem que se me proporcionou, em dado momento, com uma cobra, da qual envio foto em anexo, foi no buraco do Cachil.

A data precisa não sei, por não ter tomado nota, mas pelo tempo que vivi no buraco, foi entre Fevereiro e Abril de 64.

Depois de mais um dia de prevenção e trabalho esforçado no abate da mata, dirigimo-nos já noite para o nosso habitual buraco e não nos apercebemos da presença de tal companheira enorme, silenciosa e indesejável.

Toca a deitar e… dormir!

Por imposição das explorações rádio eu e meu colega, 1º Cabo, ao romper da manhã tínhamos que responder à chamada de Catió e dizer ok, correcto e terminado. Esta acção obrigava a sermos os dois a tratar dela, porque a energia fornecida ao posto de rádio, provinha de um gerador manual, que funcionava por manivelas. Um girava as manivelas e o outro falava no rádio.

Os habitantes daquela agradável “suite”, que passo a citar por ordem hierárquica: Capitão Ares, Tenente-Médico Miliciano Dr. Rogério Leitão, Furriel Ferreira das Transmissões, Furriel Enfermeiro Arlindo, 1º Cabo Enfermeiro Salvador, 1º Cabo Rádio-Telegrafista Joaquim da Lousa e eu.

Então não é que ao levantarmo-nos e ao olharmos para os restantes camaradas, deparou-se-nos, do lado direito do buraco, toda enrolada a dita cobra.

Não era nenhuma jibóia mas podem constatar pela foto que, a mesma, metia respeito e não só.

A sentença, sem qualquer tipo de julgamento,” por invasão de propriedade privada sem autorização superior”, foi logo dada, tal como ela se nos havia imposto: silenciosamente, sem declarações a favor, ou contra, unanimemente, ali mesmo e com efeitos imediatos: morte sumária à catanada.

A “sentença” foi pronta, ordeira e devidamente executada!

Foto: © José Colaço (2009). Direitos reservados

As personagens da foto são (da esquerda para direita): Eu de quico a sair do buraco, o Tenente-Médico Miliciano Rogério Leitão de calções, atrás está o 1º Cabo Enfermeiro Salvador, servindo de divisória a respectiva cobra pendurada na árvore, a seguir o 1º Cabo Rádio-Telegrafista Joaquim da Lousa e por último o 1º Cabo Enfermeiro “o Leiria”.

Um alfa bravo,
José Colaço
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Nota de M.R.:

Vd. último poste da série em:

Guiné 63/74 - P4523: O Nosso IV Encontro Nacional, Ortigosa, Monte Real, 20 de Junho de 2009 (7): Os três magníficos, Carlos, Joaquim e Miguel

Página de entrada do sítio Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria... É aqui que, pela segunda vez, se vai realizar o nosso Encontro Nacional, no próximo sábado, dia 20 de Junho de 2009. Mais de cem amigos e camaradas do nosso blogue já estã inscritos para este evento... (LG)

1. Ontem, na véspera do fecho (oficial) das inscrições para mais um, histórico, Encontro Nacional da nossa Tabanca Grande, eu mandei um derradeiro apelo ao pessoal da Tabanca Grande, através do correio interno (*):



Amigos e camaradas:

“A vida é curta, a arte é longa, a ocasião fugidia, a experiência enganadora, o julgamento difícil" ...

Não fui eu que disse isso, mas o Hipócrates, o pai fundador da medicina ocidental, cinco séculos antes de Jesus Cristo... Isto aplica-se não apenas à medicina (que é uma arte e uma ciência) mas também ao nosso blogue, que é a parte mais visível, na blogosfera, da nossa Tabanca Grande, uma rede social com mais de 340 membros... Aplica-se à blogoterapia, que praticamos há mais de 4 anos... e de que já temos uma pontinha de orgulho... (O termo é nosso, paga direitos de autor)...

No próximo dia 20 de Junho, vamos ter o nosso IV Encontro Nacional, em Ortigosa, Monte Real, Leiria, num ponto mais ou menos equidistante entre o Norte e o Sul, o Leste e o Oeste... O almoço com o lanche custa 30 balas...

Temos [tínhamos àquela hora] 97 inscritos, o prazo termina na segunda-feira, dia 15, e o Joaquim Mexia Alves vai perder a aposta que fez, de conseguir uma centena de inscritos (formais)... Há, pelo menos, uns quinze camaradas que não podem comparecer, este ano... o que, tudo somado, totalizaria 112.. [Como eu fui mauzinho, Joaquim, ao falar de ti, que és um homem de fé, esperança e caridade... Afinal, enganei-me... Ao abrir hoje, de manhã, o blogue, já havia 105 inscrições, pelo que quem ganha a aposta és tu, e não eu, homem descrente, velho do Restelo].

Tenho esperança, Joaquim, de que vamos ultrapassar a barreira (psicológica) dos 100... A esperança é sempre a última coisa a morrer... Há camaradas que já me manifestaram a vontade de ainda se inscreverem a tempo... Outros prometem aparecer, mais para o fim, só para dar um abraço... Outros, mesmo de férias, vão comparecer (o caso do Álvaro Basto e da Filomena, que estão no Algarve, desde hoje: o Álvaro, como sabem, é o régulo da Tabanca de Matosinhos)...

Eu sei que os tempos estão difíceis, que a crise bate à nossa porta e aos nossos bolsos, que há, nesta época, muitos encontros de veteranos da Guiné, mas mesmo assim NÓS MERECEMOS uma oportunidade... De estarmos juntos, de nos conhecermo-nos pessoalmente, de darmos uns aos outros uma Alfa Bravo do tamanho do rio que quisermos (desde o rio da nossa aldeia ao Cumbijã)...

O nosso blogue fez 4 anos em Abril de 2009... ainda queremos fazer mais coisas, coisas bonitas, que nos surpreendam, a nós próprios e aos outros...

Camarada, amigo... aparece, se puderes... Vamos ficar felizes, por ti, por todos nós...

Obrigado ao Carlos Vinha, ao Joaquim Mexia Alves (que anda a renovar as termas, fundadas pelo seu pai) e ao Miguel Pessoa (que muitos não sabem, foi comandante da base aérea de Monte Real)...

Obrigado a este trio-maravilha a quem compete zelar pela nossa segurança, conforto, bem-estar ... e dieta. Eles são os três magníficos que estão a organizar o nosso IV Encontro...

Um especial obrigado, também, aos organizadores das anteriores edições, Paulo Raposo e Carlos Marques dos Santos (Montemor-O -Novo, 2006), Vitor Junqueira (Pombal, 2007), Joaquim Mexia Alves e Carlos Vinhal (Monte Real, 2008)...

Luís Graça

2. Também escreveu o Carlos Marques dos Santos, um dos nossos sócios-fundadores, membro desta Tabanca Grande, desde os primórdios da criação do nosso blogue:

CAMARIGOS, COMPANHEIROS, CAMARADAS, COMBATENTES, VETERANOS, ~

APELO QUASE FINAL !!!


100 é o miínino de 1.000.000 de visitas.

ESQUEÇAM TUDO e RUMEM A ORTIGOSA - Quinta do Paúl.

O Mexia, o o Blogue merecem e ..... nós precisamos de "conversar".

Até lá e VAMOS TODOS.

CMSantos (Cart 2339, Mansambo, 1968/69)

3. Mensagem do J. Mexia Alves:

Bom dia, Luís, camarigos editores e adjuntos da Operação Ortigosa.

Já lá vão os 100 e ainda hão-de vir mais! Realmente o mérito pertence por inteiro ao Carlos Vinhal e ao Miguel Pessoa que têm trabalhado tudo e feito tudo. Eu tenho-me limitado a acertar pequenas coisas com o restaurante e pensão Santa Rita.


Já só falta uma semana e o tempo passa depressa. Estamos juntos!

Abraço muito amigo do Joaquim Mexia Alves

4. De diversos mails que recebemos de amigos e camaradas que manifestaram o seu pesar por não poderem participar, este ano, no nosso encontro, destaca-se a da jovem Cátia Félix, amiga da viúva do António Ferreira, 1.º Cabo TRMS da CCAÇ 3490, falecido em combate no dia 17 de Abril de 1972, durante uma emboscada no Quirafo.


Olá, amigo Luís e restantes camaradas

Quero que desculpem pela minha ausência, mas não me esqueci de vocês (como se isso fosse possível)...

Õ que se passa é que me encontro em exames da faculdade, que só terminarão em meados Julho. Como já tem vindo a ser habitual, desligo-me um bocado de tudo e de todos e, por isso peço desculpa.

Espero que o vosso encontro seja fantástico e, apesar de não puder estar presente, sei que me levam com vocês num lugar bem especial.

Oportunidades não faltaram para que possa conhecer muitos de vós.

Beijinhos grandes

Cátia


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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 8 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4482: O Nosso IV Encontro Nacional, Ortigosa, Monte Real, 20 de Junho de 2009 (6): As inscrições terminam a 15 de Junho (A Organização)

Guiné 63/74 - P4522: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (15): Binar - Sanatório do sono

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 13 de Junho de 2009:

Assunto: Viagem...

Amigo Vinhal

Mais um capítulo de “Viagem à volta das minhas memórias”, iniciador narrativo de uma nova etapa da CCaç 2791 (FORÇA), que publicarás se julgares.
Aproveito para mandar um abraço e desejar a todos um óptimo dia de convívio na Quinta do Paul, onde não tenho possibilidade de comparecer, com pena.

Um abraço
Luís Faria


Binar – Sanatório do Sono

Com a entrada do mês de Março de 71 , processam-se de novo alterações na CCaç 2791 e aos primeiros dias do mês, a Força é novamente desmembrada, sendo o 3.º GComb sob o comando do Alf Mil Gomes, Furs Mil Almeida e Ferreira, deslocado para Bissum, em reforço da CCaç 2781 (?), por onde ficou até aos primeiros dias de Novembro, altura em que retornou a Bula. Da actividade deste GComb nesse lapso de tempo, pouco sei para além das deficientes condições (comparativamente) de instalação, de patrulhamentos e emboscadas e de umas flagelações ao aquartelamento, sem que felizmente tivessem ocasionado quaisquer problemas graves.

Assim, ficam em Bula o 1.º e 2.º GComb (o 4.º já estava em Teixeira Pinto) entretidos com os afazeres habituais a par de umas incursões em que felizmente não houve ossos para chuchar.

Com a ida do 3.º GComb para Bissum, comecei a sentir a falta do meu amigo e companheiro de suite Fur Mil Almeida, assim como dos seus dotes de músico, dedilhando (?!?) na minha viola, com um só dedo e numa só corda (mi fino) melodias infindáveis e espantosas na procura do tom certo, sem nunca conseguir tirar um som minimamente límpido agradável ao ouvido ! Um verdadeiro atentado à nossa estabilidade emocional !!

Mesmo assim era extraordinariamente melhor, comparando com as horas seguidas de tentativa de execução de melodias, na sanfona de sua propriedade! Com esta, achava que dando ao fole e carregando nuns botões, fazia maravilhas!! E fazia! Fazia com que o pessoal da suite não conseguisse descansar ou dormir e a par de uns impropérios mais ou menos redundantes mas sem efeitos práticos, zarpasse rapidamente de molde a não ficar com o sistema nervoso em franja, quiçá podendo levar alguém ao assassinato ou ao suicídio!!!

E quando queria acompanhar-me, estando eu à viola?? Aí era o fim… quanto mais desafinado… mais amplitude dava ao fole e mais aquilo gemia !! Era exasperante, maquiavélico!! Se os S.I. soubessem, com certeza teria sido usado como tortura para a obtenção de informações IN ?!!

O pior é que ninguém conseguia demovê-lo da busca diária e sistemática da perfeição - na sua auto-aprendizagem sem fim e sem melhorias - da execução melódica, especialmente na sanfona, até que um mau dia… bem, isso é outra estória !!


Dispersão da CCaç 2791 nos primeiros meses de 1971

Mapa: © Luís Graça & Camaradas da Guiné (2009). Direitos reservados


Voltando à 2791, pelos meados do mês, a Companhia a 2 GComb desloca-se para Binar, (à excepção da componente administrativa) onde vai ficar até finais de Maio, aquartelada nas antigas instalações do “Sanatório da Doença do Sono”, perto da CCaç 17. Poucos dias depois foi de novo desmembrada, sendo destacado o 1.º GComb para Pache em trabalho de reordenamentos. Não recordo porque, o Fur Mil Castro (2.º GComb) também foi, ficando ao que lembro somente o Alf Mil Barros e eu com o meu 2.º GComb.

Registado, em termos operacionais, ficou-me uma flagelação a um princípio de noite, com morteiros e RPG, sem consequências, desencadeada da pista de aterragem. Também interviemos em segurança afastada na operação “Rapazes Destemidos” nas matas do Choquemone, onde o pessoal de outros agrupamentos teve contactos vários com o IN.

Durante esta Operação, o pessoal directamente envolvido recebeu a visita surpresa(?) do Gen Spínola. Recordo-me de ver o heli, escoltado pelo canhão, a descer para aterrar e passados uns minutos começar a ouvir rebentamentos e ver o heli a levantar e sair da zona rapidamente. Posteriormente confirmaram-me que o General tinha aterrado e as morteiradas e roquetadas começaram a estoirar, obrigando-o a pôr-se em segurança. Segundo os meus canhenhos aconteceu a 2 de Abril de 1971. Talvez algum camarada saiba algo mais desta Operação que teve direito a visita maior! Porque teria sido?

Binar era uma povoação pequena situada a uma dúzia de quilómetros de Bula, - na estrada (picada) para Bissorã – onde não havia praticamente nada. Foi um mês e meio de descanso operacional em que os dias se sucediam com uns patrulhamento defensivos, de proximidade, serviços ao aquartelamento e umas idas a Bula buscar abastecimentos.

O Almeida e os gemidos da sua sanfona violentada, estavam realmente a fazer falta!! Ao menos daria para passar tempo a chatear à mistura com mais ou menos ameaças de morte da dita, aliadas ao respectivo coro de dixotes enviesados das respostas. Para estas trocas de galhardetes é que serviam também os amigos. Pois… os amigos também têm obrigação de se aturarem, certo?

Mas, como diz o Povo, “não há mal que sempre dure…” e ao fim de uns dias a adaptação à nova realidade acabou por acontecer, pondo os dias e noites de novo a rolar.

A todos um abraço
Luís Faria
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4413: Estórias avulsas (33): Buracos da vida, ou os dias mal vividos (Luís Faria)

Vd. último poste da série de 16 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4361: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (14): Um mês complicado (3) O osso

Guiné 63/74 - P4521: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (1): No RAP 2, V.N. Gaia, onde fez mais de 60 funerais

, A Zona Histórica do Porto e a Ponte de D. Luís, vistas pela objectiva e pelos olhos do Portojo, um dos melhores poetas-fotógrafos do Porto (o nosso camarada Jorge Teixeira, mais conhecido por Portojo) > "Depois da Invernia, subi ao adro do Mosteiro da Serra do Pilar, para ver as cores da minha cidade" (Portojo)... Foi aqui, no antigo mosteiro da Serra do Pilar, em Vila Nova de Gaia, no mítico RAP 2, que começou a aventura africana do Alferes Mil Capelão Arsénio Puim, em Novembro de 1969... (LG)


Foto: © Portojo (2009). Direitos reservados


1. Mensagens de Arsénio Puim, ex-Alf Mil Capelão, CCS/ BART 2917, e que esteve em Bambadinca entre Maio de 1970 e Maio de 1971 (A sua comissão terminou mais cedo, um ano depois de ter chegado a Bambadinca, por decisão do Com-Chefe, ao que se sabe). Vive actualmente em Vila Franca do Campo, Ilha de São Miguel, Região Autónoma dos Açores (RAA). Está reformado como enfermeiro do Serviço Regional de Saúde da RAA (*).


12 de Junho de 2009

Luís Graça

Como te havia dito no email anterior, começo a minha participação no Blogue, em forma de pequenos registos com alguma ordem cronológica e temática, se achares que tem interesse.

Um abraço amigo - Arsénio Puim



1 de Junho de 2009

Luis Graça

Chegado já há alguns dias a Vila Franca do Campo, devo dizer que o prazer que tive de encontrar velhos companheiros da Guiné em Viana e em Lisboa compensou, só por si, a minha deslocação a terras do continente português. E quero agradecer-te todas as atenções e referências que me dedicaste durante a minha estadia em Lisboa.

Como havia dito, tenho em mente participar no documental blogue de Luis Graça, talvez com o registo de alguns factos, à maneira de pequenas crónicas, que eu possa relembrar e que constituam mais uma achega para a nossa história comum na Guiné. Fá-lo-ei, porém, lentamente - sou mesmo muito lento naquilo que faço - e numa fase um pouco mais tardia, em que espero ter maior disponibilidade de tempo.
Recomenda-me com a tua esposa. Um abraço amigo - Arsénio Puim


2. RECORDANDO... I - NO RAP 2, EM VILA NOVA DE GAIA

por Arsénio Puim

Este é o primeiro duma série de pequenos relatos, para este histórico blogue de Luís Graça, respeitantes à minha vivência como alferes capelão do Batalhão 2917, que acompanhei desde a Serra do Pilar até Bambadinca, no centro da Guiné, entre Dezembro de 1969 e Maio de 1970.

É meu propósito essencial rememorar e partilhar com os antigos companheiros do Batalhão, por quem tenho muito apreço, alguns factos e acontecimentos que nos são comuns, sem nunca pretender atacar quem quer que seja.

Depois duma curta preparação na Academia Militar, em Lisboa, - tema a que gostaria de voltar mais tarde – vim parar, em finais de Novembro de 1969, ao RAP 2, na Serra do Pilar, em Gaia, para me juntar ao Batalhão [de Artilharia] 2917, que ali estava a ser mobilizado, com destino à Guiné, e me tinha sido atribuído por sorteio, realizado no final do referido curso de capelães militares.

À distância de 40 anos, e recolhido aqui em terras dos Açores, guardo ainda hoje algumas recordações desta estadia, durante três meses, naquele Regimento de Artilharia Pesada.


Guiné > Região de Tombali > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971 > Um das famosas imagens da guerra da Guiné, a saída do obus 14, de noite, tirada com a máquina rente ao chão, pelo então Alf Mil Médico Amaral Bernardo (hoje médico do Hospital de Santo António, Porto, e membro da nossa Tabanca Grande)... A padroeira dos arilheiros era(é) a Santa Bárbara... O dia da Arma de Artilharia festeja-se a 4 de Dezembro (LG)

Foto: © Amaral Bernardo (2007). Direitos reservados.


A minha primeira participação em eventos mais assinaláveis desta comunidade militar do Norte foi a Festa de Santa Bárbara, padroeira das Unidades Militares de Artilharia, realizada no dia 4 de Dezembro com considerável aparato. Uma coisa que me intrigou na altura, e que ainda hoje não sei decifrar, foi esta relação de Santa Bárbara com a Artilharia: será por esta santa, algo mítica, ser invocada como protectora nas trovoadas, e o ribombar dos trovões ter alguma semelhança com o estrondo causado pelas armas pesadas?

Depois veio o Natal. Todo o mundo partira, nessa noite, para as suas terras, e o Quartel, ali sobranceiro ao Douro adormecido e olhando para o Porto entregue aos seus convívios familiares, ficara quase deserto. O pequeno grupo que restava – oficial e sargento do dia, capelão e uns poucos soldados – celebrou também a sua consoada, no bar dos oficiais, onde não faltava apetitosa comida, bom vinho e muita saudade.

Botei a palavra. Neste contexto natalício e de ausência familiar, para mais com a perspectiva da partida próxima para a Guiné e já alguns eflúvios vínicos a actuar (os quais são sempre propícios a gerar inocentes climas de comoção), vivemos alguns momentos de grande sentimentalidade, com algumas lágrimazinhas mesmo a aparecerem ao canto do olho. Lembro com simpatia esta noite, embora não recorde já os convivas.

Foi no final de Fevereiro de 1970 que teve lugar a Comunhão Pascal da Guarnição, presidida pelo «bispo brigadeiro» de Portugal, responsável pelo Vicariato Castrense e a assistência religiosa aos militares do País.

Os Comandantes do Regimento e eu esperámo-lo junto do Mosteiro do Pilar. Saindo dum carro grande do Estado, conduzido por um soldado, D. António percorreu, admirou, reclamou mais dinheiro para aquelas velharias do Mosteiro. Um pouco atrás seguia eu, quando se chegou junto do meu ouvido o capitão-capelão-chefe do Porto, que me segredou:
- Arranje uma batina (sotaina) e apareça com ela amanhã. O D. António ficou danado(Eu tinha estado, no dia anterior, na Comunhão Pascal da Reclusão do Porto, vestido, apenas, com o fato e o cabeção eclesiásticos).

Certamente uma questão bem fútil no contexto da problemática, já então acesa, dos capelães militares e da guerra colonial.

Era o RAP 2, em Gaia, que recebia os soldados de toda a região norte mortos no Ultramar. Várias dezenas de caixões empilhavam-se uns sobre os outros numa grande sacristia, mal iluminada, da igreja do Pilar, que eu atravessava – um pouco de corrida, confesso – quando ia celebrar missa. Não raro, alguns caixões abriam espontaneamente um pequeno orifício por onde vertia um líquido fétido de cor esverdeada, até que os soldadores fossem chamados para obturar a brecha.

Cabia ao capelão do Regimento fazer os funerais, de acordo com uma escala elaborada pelos serviços competentes, acompanhando a urna até à terra natal de cada soldado, que o pároco e a população em peso aguardavam, com grande consternação e incontido choro geral, num sítio próximo da igreja.

Foram mais de 60 funerais que fiz nestes três meses - 2 ou 3 deles apenas as caixas dos ossos - nas mais diversas e recônditas aldeias do norte de Portugal. Um sacrifício dramático da nossa juventude, merecedor de muito respeito e dignidade, mas que não podia deixar de fazer pensar qualquer pessoa.

Arsénio Puim

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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores, rekacionados com o Arsénio Puim:

3 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 – P4455: Estórias cabralianas (50): Alfero, de Lisboa p'ra mim um Fato de Abade (Jorge Cabral)

26 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4416: Memória dos lugares (26): Bambadinca, CCS/BART 2917, 1970/72 (Arsénio Puim, ex-capelão)

25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4412: Dando a mão à palmatória (20): O Arsénio Puim, capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), só foi expulso em Maio de 1971

25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4410: Cancioneiro de Bambadinca (4): Romance do Padre Puim (Carlos Rebelo † )

23 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4404: CCS do BART 2917: a emoção do reencontro, 38 anos depois (Arsénio Puim)

19 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4378: Arsénio Puim, o regresso do 'Nosso Capelão' (Benjamim Durães, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72)

18 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4372: Convívios (131): CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), com o Arsénio Puim e os filhos do Carlos Rebelo (Benjamim Durães)

17 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1763: Quando a PIDE/DGS levou o Padre Puim, por causa da homília da paz (Bambadinca, 1 de Janeiro de 1971) (Abílio Machado)

Guiné 63/74 - P4519: Destas não reza a História (Manuel Maia) (3): Desertei depois de ter vindo da Guiné

1. Mensagem de Manuel Maia (*), ex-Fur Mil da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4610, Bissum Naga, Cafal Balanta e Cafine, 1972/74, com data de 11 de Junho de 2009:

Caro Vinhal,
Junto envio este texto para enquadrares onde entenderes.


MAU GRADO OS 39 MESES DE TROPA, FUI CONSIDERADO DESERTOR...

Encarei o serviço militar como uma inevitabilidade a que não me devia eximir já que não tendo própriamente apetência para herói, também não me via na miseranda pele de refractário, ou, pior ainda, na asquerosa figura de desertor como alguns figurões deste Portugal, a quem alguém chamou amordaçado, mas que eu rotulo de enxovalhado, a carecer duma expurgação de todos esses vampiros, chacais e abutres que lhe sugaram o sangue e esventraram entranhas...

Seria na perspectiva de quem não gosta de fardas, que interiorizei a passagem pelo serviço militar como um acidente de percurso.

Quando assentei praça no RI5 da bela cidade de Bordalo, sabia por amigos que por lá tinham passado, que ou virava chico devorando toda aquela prosápia do conhecimento livresco da arte bélica com as mais estapafúrdicas tácticas, para debitar depois a informação balística e mostrar conhecimento armamentista - de cor e salteado - tendo por objectivo conseguir uma nota de curso muito alta que me pusesse a salvo de uma mobilização individual, ou então, a mais óbvia, e que se enquadrava mais comigo, aceitando, sem violentar em demasia a minha sólida aversão a fardas, que continuaria a ser um civil com aquela obrigatoriedade, por isso, quanto mais cedo, melhor...

O expectável, na altura era ainda de 18 meses (para passar depois a 21, tendo este vosso camarada permanecido exactamente um quarteirão deles...)

Vingou portanto a segunda tese. Assim, como primeira medida para nunca ter a tentação de consultar uma que fosse das obras de cariz bélico que me forneceram logo à chegada, amarrei-as bem com corda e coloquei (aquele, para mim, indesejável conhecimento armamentistista, táctico, balístico...) bem fechadinho dentro do armário, não fosse perder-se alguma...

Devo dizer-vos, sem pejo nenhum, que já passava muito mais de mês da minha presença em terras de Malhoa, quando pressionado por camaradas temerosos por qualquer porrada que pudesse apanhar, acabei por fim defazer a primeira continência.
Até aí conseguira sempre esquivar-me a esse acto de que não gostava.

Veio Tavira - C.I.S.M.I. - num quartel (antigo convento) em obras, implicando que uma boa parte dos instruendos pudesse ter autorização de pernoitar fora.

Alugámos um quarto (mais propriamente a sala de jantar de uma casa modesta onde os proprietários plantaram quatro camas, encavalitadas duas a duas,(oriundas, da tropa, mas com uma operação de maquillage numa repintura branco hospitalar...) tendo ainda direito a tratamento da roupa (estávamos impossibilitados de ir a casa de fim de semana, que ali acontecia só ao sábado de manhã.

Paralelamente, e como éramos quatro, as hipóteses de casamento para a neta perdida iam ganhando algum alento, sendo que a moça quando pressentia algum de nós no quarto, arranjava sempre uma justificação qualquer para ter alguma coisa que fazer ali, trazendo roupa engomada... desculpe que vinha fazer a cama... fazendo alarde de uns decotes generosos...

Nenhum de nós casou na parada, mas era comum acontecer e o Comandante da Unidade no discurso de boas-vindas alertava para o facto...

O Algarve dessa altura já tinha muito turismo, com os reduzidos biquinis das inglesas e holandesas, a fazerem arregalar a vista ao militar...

De lá rumei a terras de Viriato largando a diagonal vermelha dos ombros por troca com as também vermelhas de Cabo Miliciano (mais uma invenção portuguesa como o nónio do Pedro Nunes ou a quilha das caravelas p´ra vencer o Atlântico em substituição da chata do mais calmo Mediterrâneo até aí conhecida) NENHUM EXÉRCITO DO MUNDO tinha ou teve Cabos Milicianos...

No RI 14 tive um episódio digno de figurar no anedotário nacional ou como sketch de um filme cómico...

Era usual o Sargento da Guarda (profissional) desenfiar-se para ir dormir a casa com a família (nada de mais justo, afinal a guerra daqui era de brincar...). No seu lugar ficava depois da formatura de recolher um dos Cabos Milicianos de serviço com Sargento de Dia à Unidade.

Um dia estava este vosso camarada a dormir ferrado, já de madrugada num catre igual aos da cadeia, ali ao lado, quando disparou o alarme numa barulheira infernal...

Foi um espectáculo verdadeiramente circense com tudo quanto era gente a correr para os locais de defesa, como se porventura o inimigo estivesse ali, para tomar as terras de Viriato...

Sem saber exactamente o que fazer, deambulei por ali a ver no que davam as modas, até que após um bom pedaço de tempo, de telefonemas para a Casa da Guarda a que eu ou um dos Cabos RD que ali estavam, íamos pondo água na fervura sobre a invasão...

Não se via inimigo nenhum, há muito que os espanhóis haviam perdido a ideia expansionista, os ciganos de então não se atreviam (já não diria o mesmo agora, quer sejam ciganos ou outros quaisquer... não, não é xenofobia...) portanto a guerra não era concerteza nem mesmo que a do Solnado se tratasse...)

Entretanto clareou, e os ânimos serenaram...

Ensaio não fôra, portanto o Comandante, um homem carregado de dragonas nos braços do casacão preto cheio de bordados que víamos às vezes quando requeria um grupo de recrutas para lhe varejarem e colherem a azeitona da sua propriedade na zona, usando naturalmente a mão de obra gratuita os carros e combustível da tropa (isto não é para aqui chamado...) o Comandante chamou aqui esta vosso camarada ao seu gabinete e disparou:

- Que estás aqui a fazer? Chamei o Sargento da Guarda!

Enchendo-me de brios do alto das minhas vermelhas divisas, numa posição de sentido que faria invejar qualquer profissional, especialmente os que faziam gala na cagança (era este nome que davam àquela sequência toda de bater com os calcanhares um no outro para gerar uma sonora pancada, fechar os punhos lateralmente, atirar com o peito para fora, qual galo de Barcelos no acto da cantoria...) e numa voz tronituante respondi:

- Saiba Vossa Excelência, meu Comandante que quem se encontra de serviço como Sargento da Guarda desde o toque de recolher até à alvorada sou eu próprio, Cabo Miliciano 08865271, hoje também Sargento de Dia à Unidade da 2.ª Companhia de Instrução.

- Mas... para quem não gostava de fardas, desenrascaste-te bem - dirão os mais afoitos...

O homem gostou.
Pôs-me à vontade, expliquei-lhe que não havia sido o autor do aviso de guerra e o electricista do quartel haveria de explicar-lhe que se tratara de um curto circuito...

Vai daí, o comandante acabou com todo aquele mise-en-scène, e acabaria por dar uma porrada ao Sargento...

De Viseu haveria de rumar para a cálida planície alentejana (como vêm fiz uma autêntica volta a Portugal nesse meu mourejar interno antes do embarque para a Guiné).

Ao invés de ir de combóio, como acontecera aquando da viagem para Viseu que demorara desde Pedras-Rubras, 14horas (sim leram bem catorze horas, tive de fazer dois transbordos e esperar umas horas em cada um deles, para cobrir cento e poucos quilómetros na linha da Beira Baixa), aproveitei e fui no carro do Barbosa de Ermesinde que acabaria por ir para o Biambe, e com o Maia de Coimbra, que iria para Encheia, onde permaneceria pouco mais de sete meses até à evacuação para Lisboa motivada pelo tiro que apanhou de ricochete na cabeça).
(Envio-vos daqui um abraço pois estou certo que seguis esta nossa tabanca)

Pois essa Yeborah mourisca, de que tanto gosto, recebeu-nos no RI16, outro antigo convento (para quem não professa nenhuma religião parece uma espécie de perseguição...) e dali haveríamos, Batalhão formado, de rumar à nossa Guiné.

Aqui, passadas as passas (não do Algarve pois as de Tavira, como vos disse, até nem foram nada más, antes pelo contrário, mas... as africanas, como todos vós mais ou menos passastes, com períodos em Bissum/Naga, Cafal Balanta (naquele belo edificio que tive oportunidade de vos mostrar no poste 4481), Cafine, ali ao perto, escassos 2 km, mas vivendo em tendas (como se na praia nos encontrássemos, dando assim à comissão uma vivência de férias...), para finalmente me quedar por Fatim, destacamento do Dugal, perto de N´Hacra.

Regressado, ao fim de uns dias (aqui vem finalmente a razão do título do escrito...) dei entrada no Hospital Militar do Porto com problemas estomacais sérios.
Fui visto pelo Dr. Barbosa Leão (já vos explico porque fixei este nome...) que me haveria de internar.

-Tenha paciência doutor, mas internar, nem pensar. Farto de tropa estou eu. Moro aqui perto, Pedras-Rubras, posso deslocar-me facilmente.

-Sendo assim, terá de preencher um formulário de pedido de pernoita fora. Por mim não ponho obstáculos.

Entretanto após diagnóstico haveria de me receitar dois medicamentos que não poderiam ser tomados isoladamente (presumo que um deles, porventura deveria ser uma espécie de protector para o estômago...).
Desloquei-me à farmácia, mas só havia um que trouxe, ficando depois de ir ligando para saber quando chegaria.

Óbviamente, desandei, e de quando em vez lá ligava, mas a resposta era sempre a mesma, terá de aguardar...

A consulta desse médico era às quartas. Ainda fui a uma outra para tentar tomar uma beberragem que permitisse a detecção da extensão do problema via Raio-X (ou outro qualquer...), mas não consegui porque vomitava de imediato.
A solução passava por ir aguentando até à chegada do medicamento.

O tempo rolou, e uma bela quinta-feira, estando a 100 kms de distância em casa de familiares, recebo um telefonema muito preocupado da minha mãe a dizer-me que haviam ligado do hospital considerando-me desertor.

-Apresenta-te hoje ou amanhã, dissera, aflita...

-Não se preocupe! Eles não me prendem!

Segunda-feira, este vosso camarada, por volta das dez da madrugada, deu entrada no HMR 1 do Porto.

Dirigi-me à enfermaria, perguntei ao Sargento de serviço o que se passava comigo para me ameaçarem daquela forma...
Quando se apercebeu que era eu, o sargento disse-me:

- Estás f..... pá!

- F.... porquê meu primeiro?

- Por onde tens andado? Já por várias vezes todo o mundo pergunta por ti e ninguém te conhece. Se calhar vais de cana...

-Isso é que era bom! Não se preocupe Primeiro, porque eles p´ra guerra não me mandam mais, pois faço-lhes um manguito...

-Vê lá se atrranjas um pijama.

-Um quê?

-Um pijama, pá. Estás internado tens de andar de pijama e apresentar-te assim...

-Não me lixe, meu Primeiro, não me lixe... Nem que a vaca tussa, eu não vou falar com o Comandante de pijama.

Arranjei umas calças, por sinal curtas e apertadas, uma camisa, uma boina, e... já ia.
Diz-me o sargento:

- E as divisas? - Eu dava tanta importância àquilo que até me esquecia do seu uso...

Arranjei umas de um Furriel internado, coloquei-as, e de novo o Sargento me chamou a atenção:

- Olha lá, olha lá pá, o Furriel agora tem as divisas ao contrário. São com o bico para cima.

- Ou me aceitam de bico p´ra baixo, ou nada feito.

E assim foi. Bati à porta do gabinete do Comandante e acto contínuo acompanhando um simples dá licença, entrei... boina na mão para não ter de fazer saudação militar, pudera eu sentia-me civil...

- Quem és tu?

Lá me apresentei e disse:

- Andam para aí a chamar-me desertor...

- E és. Já estás desenfiado há mais de quinze dias.

- Isso é que era bom! Eu falei com o Dr. Barbosa Leão e ele disse que podia dormir em casa.

- Não assinei nenhum pedido.

- Na altura quando quis fazer o pedido, não havia ninguém na secretaria e como tinha mais que fazer...

- Onde estiveste?

- Vim da Guiné.

- Pronto, pronto, vai à tua vida e trata lá disso.

Eu que não suporto desertores fui-o considerado um dia!

Um abraço a toda a tabanca
Manuel Maia
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4481: Os bu...rakos em que vivemos (12): Cafal Balanta contribui para o desenvolvimento nacional (Manuel Maia)

Vd. último poste da série de 25 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4414: Destas não reza a História (Manuel Maia) (2): Quem matou Inesa?