Capa e contracapa do livro "Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena: a outra face do Homem". Organização de Iva Cabral, Márcia Souto e Filinto Elísio. Praia, Cabo Verde: Rosa de Porcelana, 2015. (Cortesia da página do Facebook de Filinto Silva, cofundador da editora Rosa de Porcelana).
1. Mensagem de Antonio Graça de Abreu, escritor, poeta, sinólogo, nosso camarada, ex-alf mil, CAOP 1 [Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74], membro sénior da nossa Tabanca Grande, e ativo colaborador do nosso blogue com cerca de 170 referências:
Data: 21 de janeiro de 2016 às 11:43
Assunto: Cartas de Amor de Amílcar Cabral
Notas do editor:
O que conta é o retrato humano que ela nos oferece do namorado, marido e lutador pela independência. O que ela aqui menciona vem já reproduzido noutros textos, na sua tese de doutoramento Julião Soares de Sousa refere abundantemente o seu depoimento.
Assunto: Cartas de Amor de Amílcar Cabral
Meu caro Luís
O Jornal "ponto final", Macau, quinta feira, 21 jan 2016, de hoje portanto, traz este artigo de Márcia Souto (será mineira, brasileira?), que creio vale a pena publicar no blogue.
A editora Rosa de Porcelana creio que é de Cabo Verde. [Fundada em 2013 por Márcia Souto e Filinto Elísio]
Abraço,
António Graça de Abreu
2. O Amador e a Coisa Amada: considerações acerca da edição do livro "Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena: a outra face do Homem"
por Márcia Souto
"Ponto Final", Macau, 21 de janeiro de 2016 (reproduzido com a devida vénia)
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude de muito o imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Luís Vaz de Camões
Há alguns meses, senti algo estremecer e este estremecimento, compartilhado com meu companheiro de vida e de lida, tornou-se enternecimento.
Confiadas pela historiadora Iva Cabral, tivemos, eu e Filinto Elísio, a grande honra de poder trabalhar, enquanto Editores, as cartas inéditas de Amílcar Cabral à sua primeira esposa, Maria Helena Vilhena Rodrigues. As missivas datam de 1946 a 1960.
Pelo facto, compreende-se o estremecimento e a emoção, bem como a responsabilidade que nos coube em editar tão valiosos textos. Desde o dia da generosa prenda, legada pela primogénita do casal Amílcar Cabral e Maria Helena, dormimos e acordámos envolvidos numa atmosfera de encanto. Já disse Guimarães Rosa que as pessoas não morrem, ficam é encantadas; assim, ressuscitados, senão mesmo transformados pelas cartas escritas por um Amílcar Cabral, colega, amigo, namorado e marido de Maria Helena, estas passaram a habitar muito do nosso trabalho, da nossa casa, do nosso corpo, do nosso pensamento.
Do encantamento ao labor. Tratava-se de um livro de 53 missivas de/com amor, em que fomos vendo o desfiar de um belo romance nascendo, tomando corpo e caminhando firme, não só no tempo, mas no espaço, posto que por terras portuguesas, cabo-verdianas, bissau-guineenses e angolanas.
São cartas em que se vão descortinando aos poucos o Homem por trás do Mito, assim como a
Mulher, companheira e camarada, que, por meio do afeto e da confiança, permite-se estar na História. O amor a mover o mundo... O amor entre duas pessoas a metonimizar o amor pela Humanidade.
Superados os estremecimentos, arraigado o enternecimento, surgiu-nos um pudor estranho ("Mineira é Fogo!"): como tornar públicas letras tão íntimas? Ato contínuo, percebemos que a importância de se compreender Amílcar Cabral, uma das grandes figuras da nossa contemporaneidade e um dos arautos da luta anticolonial e anti-imperialista no século XX, superaria quaisquer sensações de invasão da privacidade. É que muito da intimidade de Amílcar, pelo teor germinal, explica o tanto do "homem do mundo" em que se tornara Cabral. Embora "amilcariano", como o próprio intitula seu estilo epistolar, não se pode fechar os olhos ao "cabralismo", já patente, então, no jovem estudante de engenharia agronómica ou consolidado, mais tarde, no competente engenheiro, que se compromete, por inteiro e com coerência, à luta pelo direito à autodeterminação e à independência dos povos africanos.
Ao invés dos frios e longínquos anexos, tomámos, na edição do nosso labor, a decisão de destacar
os textos fac-similados (razão de ser do livro), acompanhando cada transcrição com o seu respetivo
original, de modo a propiciar aos leitores não só o acompanhamento, no calor da leitura, do texto manuscrito (o papel, a letra e os estados de alma, elementos que possam vir a revelar mais acerca do autor no momento da feitura da carta), mas também para facilitar alguma atenção especial que
os mesmos possam ter em relação a alguma passagem e facilitar o contato mais próximo com o texto autógrafo.
Nesta edição da Rosa de Porcelana, amadora transformada, consoante a semântica camoniana, creio que operámos a tão barroca e moderna transubstanciação: vivemos, com alegria e consciência, como editores, parceiros, companheiros e amantes, um pouco da vida de Amílcar e Lena, com a certeza de que o mesmo pode acontecer aos muitos leitores que desejamos para esta obra.
Márcia Souto
Da direita para a esquerda: Amílcar Cabral, Maria Helena e Clara Schwarz, na estrada de regresso de Dakar para Bissau em 1954.
As presentes fotos do arquivo pessoal de Clara Schwarz, a decana da Tabanca Grande, que vai fazer completar este mês de fevereiro, no dia 14, 101 anos!... O seu marido, o escritor e jurista Artur Augusto Silva, é que conviveu mais com Amílcar Cabral. Clara, que foi professora no Liceu de Bissau, traduziu textos de Cabral para francês. O nosso querido e saudoso amigo Pepito, o filho mais novo, nasceu em Bissau, em 1949 e morreu em Lisboa, em 2014. [LG]
Fotos (e legendas): © Clara Schwarz / Pepito (2013). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]
3. Comentário do editor LG:
Obrigado, António, pela tua atenção, sentido de oportunidade e gentileza (*). A Rosa de Porcelana é, de facto, uma editora luso-caboverdiana, com sede na Praia. O livro "Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena: a outra face do Homem" tem já sessões de lançamento para: (i) 12 de fevereiro, na cidade da Praia; (ii) 26 de fevereiro, na cidade de Luanda; e (iii) 18 de março, em Lisboa. A informação é do Filinto Elísio [ou Filinto Silva], na sua página no Facebook.
Esta edição tem apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Amílcar Cabral, com sede na Praia.
Maria Helena [de Ataíde] Vilhena Rodrigues, engenheira agrónoma, transmontana de Chaves, casou em 1951 com Amílcar Cabral, de quem teve duas filhas, Iva e Ana (**). Iva Maria nasceu em 1953, é hoje historiadora e vive na Praia, Cabo Verde. (Eu conhecia-a pessoalmente em Bissau, em 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje). Ana Luísa nasceu em 1962 e, segundo li, licenciou-se em medicina e vive discretamente em Braga.
O Jornal "ponto final", Macau, quinta feira, 21 jan 2016, de hoje portanto, traz este artigo de Márcia Souto (será mineira, brasileira?), que creio vale a pena publicar no blogue.
A editora Rosa de Porcelana creio que é de Cabo Verde. [Fundada em 2013 por Márcia Souto e Filinto Elísio]
Abraço,
António Graça de Abreu
2. O Amador e a Coisa Amada: considerações acerca da edição do livro "Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena: a outra face do Homem"
por Márcia Souto
"Ponto Final", Macau, 21 de janeiro de 2016 (reproduzido com a devida vénia)
Transforma-se o amador na cousa amada,
Por virtude de muito o imaginar;
Não tenho logo mais que desejar,
Pois em mim tenho a parte desejada.
Luís Vaz de Camões
Há alguns meses, senti algo estremecer e este estremecimento, compartilhado com meu companheiro de vida e de lida, tornou-se enternecimento.
Confiadas pela historiadora Iva Cabral, tivemos, eu e Filinto Elísio, a grande honra de poder trabalhar, enquanto Editores, as cartas inéditas de Amílcar Cabral à sua primeira esposa, Maria Helena Vilhena Rodrigues. As missivas datam de 1946 a 1960.
Pelo facto, compreende-se o estremecimento e a emoção, bem como a responsabilidade que nos coube em editar tão valiosos textos. Desde o dia da generosa prenda, legada pela primogénita do casal Amílcar Cabral e Maria Helena, dormimos e acordámos envolvidos numa atmosfera de encanto. Já disse Guimarães Rosa que as pessoas não morrem, ficam é encantadas; assim, ressuscitados, senão mesmo transformados pelas cartas escritas por um Amílcar Cabral, colega, amigo, namorado e marido de Maria Helena, estas passaram a habitar muito do nosso trabalho, da nossa casa, do nosso corpo, do nosso pensamento.
Do encantamento ao labor. Tratava-se de um livro de 53 missivas de/com amor, em que fomos vendo o desfiar de um belo romance nascendo, tomando corpo e caminhando firme, não só no tempo, mas no espaço, posto que por terras portuguesas, cabo-verdianas, bissau-guineenses e angolanas.
São cartas em que se vão descortinando aos poucos o Homem por trás do Mito, assim como a
Mulher, companheira e camarada, que, por meio do afeto e da confiança, permite-se estar na História. O amor a mover o mundo... O amor entre duas pessoas a metonimizar o amor pela Humanidade.
Superados os estremecimentos, arraigado o enternecimento, surgiu-nos um pudor estranho ("Mineira é Fogo!"): como tornar públicas letras tão íntimas? Ato contínuo, percebemos que a importância de se compreender Amílcar Cabral, uma das grandes figuras da nossa contemporaneidade e um dos arautos da luta anticolonial e anti-imperialista no século XX, superaria quaisquer sensações de invasão da privacidade. É que muito da intimidade de Amílcar, pelo teor germinal, explica o tanto do "homem do mundo" em que se tornara Cabral. Embora "amilcariano", como o próprio intitula seu estilo epistolar, não se pode fechar os olhos ao "cabralismo", já patente, então, no jovem estudante de engenharia agronómica ou consolidado, mais tarde, no competente engenheiro, que se compromete, por inteiro e com coerência, à luta pelo direito à autodeterminação e à independência dos povos africanos.
Ao invés dos frios e longínquos anexos, tomámos, na edição do nosso labor, a decisão de destacar
os textos fac-similados (razão de ser do livro), acompanhando cada transcrição com o seu respetivo
original, de modo a propiciar aos leitores não só o acompanhamento, no calor da leitura, do texto manuscrito (o papel, a letra e os estados de alma, elementos que possam vir a revelar mais acerca do autor no momento da feitura da carta), mas também para facilitar alguma atenção especial que
os mesmos possam ter em relação a alguma passagem e facilitar o contato mais próximo com o texto autógrafo.
Nesta edição da Rosa de Porcelana, amadora transformada, consoante a semântica camoniana, creio que operámos a tão barroca e moderna transubstanciação: vivemos, com alegria e consciência, como editores, parceiros, companheiros e amantes, um pouco da vida de Amílcar e Lena, com a certeza de que o mesmo pode acontecer aos muitos leitores que desejamos para esta obra.
Márcia Souto
Amílcar e Maria Helena recentemente chegados a Bissau, em 1952
Da direita para a esquerda: Amílcar Cabral, Maria Helena e Clara Schwarz, na estrada de regresso de Dakar para Bissau em 1954.
As presentes fotos do arquivo pessoal de Clara Schwarz, a decana da Tabanca Grande, que vai fazer completar este mês de fevereiro, no dia 14, 101 anos!... O seu marido, o escritor e jurista Artur Augusto Silva, é que conviveu mais com Amílcar Cabral. Clara, que foi professora no Liceu de Bissau, traduziu textos de Cabral para francês. O nosso querido e saudoso amigo Pepito, o filho mais novo, nasceu em Bissau, em 1949 e morreu em Lisboa, em 2014. [LG]
3. Comentário do editor LG:
Obrigado, António, pela tua atenção, sentido de oportunidade e gentileza (*). A Rosa de Porcelana é, de facto, uma editora luso-caboverdiana, com sede na Praia. O livro "Cartas de Amílcar Cabral a Maria Helena: a outra face do Homem" tem já sessões de lançamento para: (i) 12 de fevereiro, na cidade da Praia; (ii) 26 de fevereiro, na cidade de Luanda; e (iii) 18 de março, em Lisboa. A informação é do Filinto Elísio [ou Filinto Silva], na sua página no Facebook.
Esta edição tem apoio da Fundação Calouste Gulbenkian e da Fundação Amílcar Cabral, com sede na Praia.
Maria Helena [de Ataíde] Vilhena Rodrigues, engenheira agrónoma, transmontana de Chaves, casou em 1951 com Amílcar Cabral, de quem teve duas filhas, Iva e Ana (**). Iva Maria nasceu em 1953, é hoje historiadora e vive na Praia, Cabo Verde. (Eu conhecia-a pessoalmente em Bissau, em 2008, por ocasião do Simpósio Internacional de Guiledje). Ana Luísa nasceu em 1962 e, segundo li, licenciou-se em medicina e vive discretamente em Braga.
Maria Helena e Amílcar separaram-se definitivamente em meados da década de 60. Cabral irá casar, em segundas núpcias, com Ana Maria Foss Sá, mais conhecida como Ana Maria Cabral, em maio de 1966. É assassinado em 20 de janeiro de 1973, na presença da segunda mulher.
Sobre o resto da história de vida de Maria Helena,não sabemos grande coisa, nem se está viva. Casou, em segundas núpcias, com Henrique Cerqueira, já falecido, um exilado político, português, em Rabat, Marrocos, que deu o alarme do desaparecimento do general Humberto Delgado, assassinado pelo agente da PIDE Casimiro Monteiro, perto de Badajoz, em 13 de Fevereiro de 1965. (Recorde-se que os cadáveres do general e da secretária apenas serão descobertos no dia 24 de Abril 1965.) Henrique Cerqueiro é autor de um livro panfletário, "Acuso", em dois volumes (Aveiro, Editorial Intervenção, 1976), que terá diversas edições em Portugal.
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Notas do editor:
(*) Último poste da série > 31 de janeiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15691: Notas de leitura (802): "Genocídio Contra Portugal", edição SNI, Lisboa, 1961 (Manuel Luís R. Sousa)
(**) Vd. poste de 13 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9477: Notas de leitura (333): Maria Helena Vilhena Rodrigues, mulher de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)
(...) Na revista História de novembro de 1983 vem um artigo assinado por António Duarte “Amílcar Cabral visto pela viúva”, título de mau gosto, Maria Helena Vilhena Rodrigues foi a primeira mulher do líder do PAIGC, a viúva chama-se Ana Maria Cabral.
(**) Vd. poste de 13 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9477: Notas de leitura (333): Maria Helena Vilhena Rodrigues, mulher de Amílcar Cabral (Mário Beja Santos)
(...) Na revista História de novembro de 1983 vem um artigo assinado por António Duarte “Amílcar Cabral visto pela viúva”, título de mau gosto, Maria Helena Vilhena Rodrigues foi a primeira mulher do líder do PAIGC, a viúva chama-se Ana Maria Cabral.
(...) Partem para a Guiné-Bissau [, em 1952], é aqui que vai nascer a primeira filha do casal, Iva. Vão permanecer três anos na Guiné-Bissau, Amílcar vai ficar a conhecer a Guiné de lés a lés, tudo graças ao recenseamento agrícola. Ambos adoecem e regressam a Lisboa. Ele trabalha temporariamente na brigada fitossanitária, em Santos, Maria Helena entrega finalmente a tese. Os professores de Agronomia arranjam trabalho para Amílcar e ele vai para Angola. Ela acompanha-o em 1957, fica como professora em Luanda e no Lobito. Nesse ano têm já casa na Avenida Infante Santo, em Lisboa. Data dessa época a vigilância da PIDE (...).
Seguem-se as opções de fundo, ambos vivem muito longe um do outro, Cabral achava que Maria Helena não devia fazer parte do PAIGC, depois do nascimento da filha, ele achou que ela não devia regressar a Conacri. A distância pesou no que virá a ser a separação do casal em 1966. Ela é omissa nesta entrevista, vários historiadores adiantam que tinham sérias divergências ideológicas. Cabral irá casar com Ana Maria, Maria Helena, em Rabat, casa com Henrique Cerqueira, ajudante de campo do general Humberto Delgado no exílio. Cerqueira irá ser muito badalado em Portugal, depois do 25 de Abril por ter escrito o polémico livro “Acuso!”, sobre o caso Delgado.
E ela termina dizendo: “O PAIGC ainda fez um esforço para salvar o nosso casamento. Convidaram-nos para passar umas férias na União Soviética, mas o Amílcar não quis ir… Foi assim”. (...)