segunda-feira, 26 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2887: Em busca de...(27): José Alberto Machado, Alf Mil Médico (Carlos Marques Santos)

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia > Da esquerda para a direita: a Maria Alice, esposa do nosso editor, Luís Graça; e a Teresa, esposa do Carlos Marques Lopes.

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

À esquerda:

Foto actual do Carlos Marques Santos, que vive em Coimbra. Foi Fur Mil da CART 2339
Fá Mandinga e Mansambo
1968/69


1. Hoje mesmo recebemos uma mensagem do nosso tertuliano Carlos Marques Santos que, em seu nome e de sua esposa Teresa, solicita a ajuda da nossa tertúlia e dos leitores do nosso Blogue em geral, no sentido de se encontrarem pistas que reconstruam o percurso na Guiné de um cunhado e irmão, respectivamente.

Qual a sua Unidade? Onde esteve? Alguém pode dar uma ajuda.

Mais uma vez apelamos à memória de quem nos lê. Fica desde já o nosso agradecimento.
CV


2. Mensagem do Carlos Marques dos Santos:

Luís e co-editores, Amigos, Companheiros:

A minha mulher Teresa, que me tem acompanhado nos Encontros da minha Companhia, a CART 2339, e nos da Tertúlia, teve um irmão (digo teve porque faleceu aos 34 anos e teria hoje cerca de 70) que era médico.

Sabemos que fez o serviço militar na Guiné-Bissau como Alferes Médico e, onde esteve, terá estado a mulher e um seu filho mais velho, meu sobrinho, talvez com 6/7 meses.

As pesquisas levam-nos a Nova Lamego, talvez ao BCAV 705 (1).

Já perguntei, por mail ao Carlos Ribeiro, única referência no Blogue, mas não conhece.

José Alberto Machado – Alferes Mil Médico.

Será que alguém o conheceu?

Será que alguém nos pode ajudar a reconstituir o seu percurso na Guiné?

Gratos

Teresa e Carlos Marques Santos

___________

Nota do co-editor CV:

(1) Vd. poste de 18 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1292: Madina do Boé: contributos para a sua história (José Martins) (Parte I)


(...) "Batalhão de Cavalaria n.º 705

"Mobilizada no Regimento de Cavalaria nº 7 em Lisboa, desembarca na Guiné em 24 de Julho de 1964.Rendendo o BCAÇ 512 no sector de Nova Lamego assume, em 1 de Junho de 1965, o respectivo comando de sector que abrangia os subsectores de Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Buruntuma, Piche, Madina do Boé e Nova Lamego.Foi rendido pelo BCav 1856 em 1 de Maio de 1966 regressando à metrópole em 14 de Maio de 1966" (...).

Guiné 63/74 - P2886: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (10): Homenagem ao António Batista (Joaquim Mexia Alves)

1. Mensagem do Jaoquim Mexia Alves:

Caro Luis

Envio uma coisa que escrevi e me foi inspirada pela história do António Baptista.

O assunto é sensivel por isso deixo ao teu cuidado o que quiseres fazer ao texto, que é uma coisa simples e despretenciosa.

Abraço amigo do
Joaquim Mexia Alves

Ah, e prometo deixar de escrever tanto!!!!


2. Na hora da minha morte... ou uma homenagem ao António Batista, o único morto-vivo que conheço
por Joaquim Mexia Alves


Tinha acabado de chegar.
Um ajuntamento de pessoas chamou-lhe a atenção.
Não lhe bastava o bater do coração descompassado de tanta saudade,
para agora ainda por cima estar a viver aquela sensação insistente,
que lhe segredava ao ouvido:
-É contigo, é contigo, vai ver o que se passa!
Com algum temor e timidez aproximou-se daquela gente,
que afinal era a sua gente.
Distinguiu algumas caras suas velhas conhecidas,
mas achou estranho porque olhavam para ele,
como se ele ali não estivesse.
Num impulso estava para tocar no ombro do velho Francisco,
que lembrava-se bem era o dono da tasca,
mas algo dentro de si lhe disse para estar quieto,
para não fazer nada, para ficar só a ver.
Misturou-se naquela gente,
que estava triste,
pois uns choravam e outros iam repetindo coisas como:
- Era tão novo…não merecia isto…como é que isto foi acontecer.
Percebeu que devia ser um funeral,
e pensou:
-Raios partam, logo no dia em que regresso
é que havia de haver um funeral aqui na terra!
Ao longe viu os seus pais, e outros da sua família, amigos, conhecidos,
enfim toda aquela gente que ele tinha deixado quando partira.
Mas algo continuava a dizer-lhe para se manter calado,
para não dar nas vistas,
para ir apenas vendo o que se passava.
Foi-se aproximando
e já conseguia distinguir o caixão do desgraçado que tinha morrido.
Algumas caras olhavam agora para ele com uma expressão incrédula,
mas ele não lhes ligou nenhuma.
Queria saber quem era o morto,
era uma curiosidade que o estava a atormentar.
Mais perto já conseguia ouvir o Padre
que agora encomendava a alma do…
-Porra, era o seu nome!
Gaita o que é que se passava?!
Percebeu então que estava a ser enterrado num caixão,
apesar de estar ali, vivinho da silva.
Serenamente, (apesar de tudo a gozar a expectativa),
disse a um daqueles que estava ao seu lado
e de quem não se lembrava da cara:
-Sabes quem é que está ali a ser enterrado?
O outro respondeu um pouco desconfiado:
-É um desgraçado que morreu na Guiné.
Olhou-o nos olhos e disse-lhe a rir:
-Pois é! Mas fica sabendo que o gajo, sou eu!!!
O outro deu um grito, as cabeças voltaram-se para ele
e foi um pandemónio.
Houve desmaios, cheliques, gritinhos, berros, fugas a correr, apertões, apalpões, enfim de tudo um pouco,
mas a verdade é que à noite a festa foi rija na aldeia.
Foi a mais triste e ao mesmo tempo mais alegre,
foi a mais falada e comentada chegada à sua terra,
de um soldado da Guiné.
Apesar de tudo teria sido bom
que assim tivesse acontecido,
mas infelizmente não foi!
Muitas pessoas sofreram e ainda hoje sofrem,
e este país que foi tão lesto a enterrar quem não tinha morrido,
é muito lento a desenterrar quem afinal está vivo!
Homenagem ao António Baptista, o único morto-vivo que conheço! (1)

Monte Real, 26 de Maio de 2008
__________________

Nota dos editores:

(1) Vd. poste de 26 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2885: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (9): António Batista, ex-prisioneiro de guerra

Guiné 63/74 - P2885: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (9): António Batista, ex-prisioneiro de guerra

Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > 17 de Maio de 2008 > III Encontro Nacional da Nossa Tertúlia >O António Batisto falando do seu cativeiro (Conacri e Madina do Boé, 1972-1974) (1), para o Luís Graça (que fez o vídeo), o Paulo Santiago, o Jorge Cabral e a Maria Alice. No final, vê-se ainda o Álvaro Basto e a esposa, antes da despedida.

Vídeo (5' 42''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojado em: You Tube >Nhabijoes


Em boa hora o Álvaro Basto tomou a iniciativa de trazer com ele o António Batista (2), o morto-vivo do Quirafo (3), cujo drama a todos nos sensibilizou e comoveu. Este nosso camarada e amigo, que vive hoje na Maia (depois de ter sido enterrado, em 1972, no cemitério da sua freguesia natal, Moreira), faz parte da nossa Tabanca Grande e aguarda, com legítima ansiedade e expectativa, o fim deste terrível pesadelo que tem já 36 anos: de facto, ainda não foi reconhecida, de jure, a sua situação de prisioneiro de guerra, com eventual direito à respectiva pensão, ao abrigo do Decreto-Lei nº 161/2001, de 22 de Maio, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 170/2004, de 16 de Julho.

De acordo com o preâmbulo do ciatado diploma legal, a concessão da referida pensão está condicionada por dois requisitos: (i) a prova de que o interessado esteve efectivamente prisioneiro nas ex-colónias; (ii) a demonstração de que se encontra em situação de carência económica.

Não sei se o segundo requisito se aplica ao António Batista que trabalhou no aeroporto Sá Carneiro e presumo que já esteja reformado. Penso que o problema maior do nosso camarada é ainda vencer a burocracia militar e demonstrar que esteve efectivamente prisioneiro do PAIGC, primeiro em Conacri (desde a sua captura em 17 de Abril de 1972) e depois na região do Boé, presumivelmente já depois da declaração da independência (ou seja, a partir de 24 de Setembro de 1973).

No vídeo que agora se aprensenta ele contou-nos as condições em que viveu no cativeiro. Falou-nos também de um outro companheiro de infortúnio, pertencente ao mesmo batalhão (BCAÇ 3872, que estava sediado em Galomaro, 1972/74), mas de outras companhia (que estava em Cancolim). Ele acabou por se lembrar do nome do seu camarada de infortúno (o António Manuel Rodrigues), que conseguiu fugir do cárcere em Março de 1974 e, seguindo ao longo do Rio Corubal, chegar ao Saltinho ou próximo do Saltinho, onde foi resgatado pelas NT.

Esse camarada é natural da Régua, é conhecido do nosso José Manuel Lopes, ex-Fur Mil Inf Op Esp, que estava na CART 6250, em Mampatá (1972/74) quando o resgate se deu... Esse ex-prisioneiro, que era maltrado pelos seus carcereiros devido alegadamente ao seu comportamento agressivo, foi levado do Saltinho para Aldeia Formosa e dali para Bissau, por via aérea.

O António Manuel Rodrigues, o Chega-me Isso, alcunha de família por que é conhecido na Régua, vive miseravelmente, tem todos os sintomas do stresse pós-traumático de guerra, não procura nem aceita ajuda dos seus antigos camaradasda Guiné, tem conflitos com as autoridades locais, em suma, é mais um caso chocante de uma camarada nosso que não morreu na Guiné mas a quem a Guiné destruiu a vida. O José Manuel prometeu-me dar a sua identificação completa. A nossa Tabanca Grande vai tentar ajudá-lo.

Aqui fica entretanto o depoimento do António Batista. Recorde-se que ele só libertado em 14 de Setembro de 1974. Fazia parte de um grupo de 7 prisioneiros em poder do PAIGC, no Boé, que foram trocados, no aquartelamento de Aldeia Formosa, por 35 prisioneiros em poder das NT. Pelo lado das novas autoridades da Guiné-Bissau, assistiram à cerimónia Manuel dos Santos (Sub-Secretário Informação e Turismo), Carmen Pereira (membro do Conselho de Estado) e Iafai Camará (Cmdt Aquartelamento de Aldeia Formosa).

_______________

Notas dos editores:

(1) Vd. último poste desta série: 23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2877: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (8): Até 2009, camaradas ! (Mário Fitas)

(2) Vd. o já vasto dossiê sobre António Batista:

25 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2680: O caso do nosso camarada António Batista (Carlos Vinhal / Álvaro Basto / Paulo Santiago e Pereira da Costa)


1 de Fevereiro de 2008 Guiné 63/74 - P2497: O dossiê António da Silva Batista: um caso de indignidade humana (Torcato Mendonça)


31 de Janeiro de 2008 Guiné 63/74 - P2494: Sr. Ministro da Defesa, parece que não há Simplex que valha ao António da Silva Batista! (Paulo Santiago)


8 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2422: Quem terá sido o Camarada que ficou na campa do António Baptista? (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)


25 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2381: Diana Andringa, com o teu apoio, podemos ajudar o António Batista, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto)


21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2371: O Sold António Baptista não constava das listas de PG (Prisioneiros de Guerra) (Virgínio Briote)


28 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2140: Tabanca Grande (35): Notícias do Tony Tavares (CCAÇ 2701) e do António Batista (CCAÇ 3490) (Ayala Botto)


9 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2040: No almoço da tertúlia de Matosinhos com o António Batista, o nosso morto-vivo do Quirafo (Paulo Santiago)


30 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P2011: Vamos ajudar o António Batista, ex-Soldado da CCAÇ 3490/BART 3872 (Júlio César / Paulo Santiago / Álvaro Basto / Carlos Vinhal)


26 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1999: Vamos arranjar uma caderneta militar nova para o António Batista (Rui Ferreira / Paulo Santiago)


24 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1991: O Simplex, o Kafka e o Batista ou a Estória do Vivo que a Burocracia Quer como Morto (João Tunes)


24 de Jullho de 2007 > Guiné 63/74 - P1990: Carta aberta ao Cor Ayala Botto: O caso Batista: O que fazer para salvar a sua honra militar ? (Paulo Santiago)


23 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1986: António da Silva Batista, o morto-vivo do Quirafo: um processo kafkiano que envergonha o Exército Português (Luís Graça)


22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1985: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (2) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)


22 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1983: Prisioneiro do PAIGC: António da Silva Batista, ex-Sold At Inf, CCAÇ 3490 / BCAÇ 3872 (1) (Álvaro Basto / João e Paulo Santiago)


21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)


17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1959: Em busca de... (2): António da Silva Batista, de Crestins-Maia, o morto-vivo do Quirafo (Álvaro Basto / Paulo Santiago)



(3) Sobre a tragédia do Quirafo, Vd. posts de:

21 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1980: Blogoterapia (26): Os nossos fantasmas, os nossos Quirafos (Virgínio Briote / Torcato Mendonça/Luís Graça)


17 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1962: Blogoterapia (25): Os Quirafos do nosso Passado (Torcato Mendonça / Virgínio Briote)


12 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1947: O Coronel Paulo Malu, ex-comandante do PAIGC, fala-nos da terrível emboscada do Quirafo (Pepito / Paulo Santiago)


15 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1077: A tragédia do Quirafo (Parte V): eles comem tudo! (Paulo Santiago)


28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1000: A tragédia do Quirafo (Parte IV): Spínola no Saltinho (Paulo Santiago)


26 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P990: A tragédia do Quirafo (parte III): a fatídica segunda-feira, 17 de Abril de 1972 (Paulo Santiago)


25 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P986: A tragédia do Quirafo (Parte II): a ida premonitória à foz do Rio Cantoro (Paulo Santiago)


23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

domingo, 25 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2884: Poemário do José Manuel (15): Dois anos e alguns meses

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > Um guerrilheiro do PAIGC e o Fur Mil Op Esp José Manuel Lopes, dando o abraço da paz e da reconciliação "Antes um inimigo, que só podia ser visto pela mira da nossa arma, depois um abraço, um sorriso e porque não um amigo".

Foto e legenda: © José Manuel (2008). Direitos reservados.

1. Mais um poema do dia, do Josema, escrito já em Bissau no final da comissão... Era o tempo de todos os sonhos e esperanças... De parte a parte.


Ao povo da Guiné e em particular ao de Mampatá

Dois anos e alguns meses
setecentos e oitenta e oito dias
houve heróis, vilões e malteses
tristezas e alegrias
dois anos e alguns meses
tempo que vivi?
tempo que perdi?
nem sei como avaliar
mas não foi a vida toda
a sofrer e a penar
e tu Amilcar? e tu Seidi?
que na guerra nasceram
e nela sempre viveram
que viram o que eu nunca vi
o que é que eu vos diria?
como é que eu me sentiria
se carregasse tal cruz ?
ninguém merece uma guerra
seja qual for a razão
e sempre na vossa terra
um abraço
e até um dia ...irmão.

Bissau 1974

josema

___________

Nota de L.G.:

(1) Vd. último poste desta série > 17 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2852: Poemário do José Manuel (14): É tempo de regressar às minhas parras coloridas...

Guiné 63/74 - P2883: A guerra estava militarmente perdida ? (8): Polémica: Colapso militar ou colapso político? (Beja Santos)

Guiné > PAIGC > s/d > Guerrilheiros > Imagem retirada da Exposição sobre Amílcar Cabral, comemorativa do 30º aniversário da sua morte, organizada pela Fundação Mário Soares. Título da exposição "Sou um africano". Painel nº 30: Exército.

Foto: © FUNDAÇÃO MÁRIO SOARES (com a devida vénia...)

1. Mensagem do Beja Santos, com data de 23 de Maio último (1):

Meu caro Luís, meu caro Graça Abreu (2), meus caros tertulianos:

Entro na polémica sem hesitar. Contudo, exprimo previamente algumas ressalvas e condicionalismos.

A primeira tem a ver com a quantidade de trabalho que tenho presentemente em mãos e que me impede de longos desenvolvimentos semanais, há livros para reler, as citações não se fazem ao acaso, tem de haver alguma disponibilidade para comentários laterais de quem entenda dever interferir. Isto para dizer que não posso polemizar a toda a hora e a ritmo acelerado. Vou devagar, mas procurarei ir até ao fim.

A segunda tem a ver com aquilo que eu designo por patamares mínimos da elevação no debate. Por exemplo, recuso-me a entrar no terreno do denegrimento no tocante aos quadros do PAIGC que não viviam permanentemente em território português. Além do mais, é deslustroso num blogue como o nosso onde intervêm guineenses que tem uma pátria cimentada pela luta desses guerrilheiros.

A terceira tem a ver com o facto de eu não vir buscar adesões, não pertenço a nenhuma maioria ou minoria, não procuro claques nem cliques. No que estou errado, o Graça Abreu torna a verdade inequívoca. E eu dar-lhe-ei razão, ainda estou em muito boa idade de rever conceitos.

A quarta prende-se com uma comunicação fraterna que é devida entre nós: não embarco em demagogias de querer associar o que penso ter sido o colapso militar da Guiné e a luta dos soldados portugueses, que nunca minimizei e em tal terreno não aceitarei insinuações, seja de quem for. Postas estas ressalvas, avanço para o primeiro apontamento.

Se, como garante Graça Abreu, não estávamos nem de longe nem de perto na contingência de um colapso militar, a que se deve a iniciativa do governo de Marcello Caetano propor conversações para o cessar-fogo e independência da Guiné? O diplomata José Manuel Villas-Boas já contou tudo em Cadernos de Memórias, Temas e Debates, 2003, vem na página 101:

"Era necessário falar com governo da Guiné Portuguesa no exílio, o chamado governo de Madina do Boé e oferecer-lhe nada mais nada menos que a independência política plena, sem todavia estabelecer um calendário. (...). Todavia, sublinhou o Dr. Rui Patrício, o estado de coisas da Guiné era muito diferente e impunham-se conversações imediatas. Eu iria a Londres como seu emissário pessoal e devia tornar claro aos guineenses que representava o próprio Ministro dos Negócios Estrangeiros. Resumindo: eu seria portador de uma oferta de independência à Guiné-Bissau, a troco de um cessar-fogo."

A delegação do PAIGC era encabeçada por Victor Saúde Maria (3), futuro Primeiro Ministro. As conversações foram obviamente inconclusivas, ficou agendada nova reunião para 5 de Maio. Se não havia colapso militar por que é que logo a seguir ao 25 de Abril, logo a 28 Carlos Fabião e Nunes Barata, enviados de Spínola, se encontram com Senghor em Paris, continuando a parte portuguesa a reclamar cessar-fogo. Se tínhamos aqueles meios aéreos, navais e terrestres, se a guerra não estava militarmente perdida, se tínhamos a tropa moralizada, se estávamos superiores ao PAIGC, então porquê o cessar-fogo, coisa que não se pediu aos guerrilheiros de Angola e Moçambique? Espero que a resposta venha na volta do correio. E, já agora, seria útil sabermos se estes militares não tínham em conta a situação crítica no plano militar, sem vislumbre de saída.

Se dispúnhamos de superioridade, se não perdíamos posições, se resistíamos e dissuadíamos o PAIGC, então porque razão se desfez em escassas semanas a operacionalidade na Guiné? Como escreve o historiador António José Telo no segundo volume da sua História Contemporânea de Portugal, página 155 (Editorial Presença, 2008), "poucos dias depois da Revolução dos Cravos nasce nas unidades militares da Guiné o MPP (Movimento Para a Paz), com uma forte presença de oficiais milicianos. Se Lisboa não assinar de imediato um cessar-fogo com o PAIGC, iniciar-se-iam negociações directas para entregar o poder".

A situação revelou-se caótica, uma catadupa de unidades aprovou moções de recusa da luta armada contra o PAIGC, logo no inicio do Maio de 1974. A cadeia de comando desmoronou-se, a Emissora Nacional da Guiné fazia oficialmente apelos a favor do PAIGC e os serviços oficias do exército distribuíam fotografias de Amílcar Cabral. Será fácil contestar, dizendo que o MFA foi o mau da fita. Não foi, a firmeza em combater estava totalmente desvanecida, a hipótese de colapso militar que Spínola insinuara numa carta a Silva Cunha em Maio de 1973 era sentida não na superioridade militar mas na chegada e uso de armamento que não tinha contrapartida por parte das nossas forças armadas. Os diplomatas portugueses, como veremos adiante, desde a segunda metade de 1973, tudo fizeram para adquirir o armamento compatível. Foi recusado, sem sofismas, a diplomacia ocidental afastara-se definitivamente do colonialismo português.

Devo um esclarecimento a Graça Abreu quanto à expressão "uma guerra está militarmente perdida quando o adversário tem armamento tecnologicamente superior". A expressão só tem sentido por causa do armamento para o qual não tínhamos respostas: os mísseis terra-ar, os foguetões e os morteiros de longo alcance. Psicologicamente, esta tecnologia calou fundo nas nossas tropas. Carlos Fabião escreveu: "Com a chegada dos Strella, a guerra acabou". Como se sabe, Carlos Fabião conhecia a Guiné como ninguém e não se lhe conhece leviandade. Para a semana continuo.

Um abraço para todos, Mário Beja Santos

_____________

Notas de L.G.:

(1) No dia 21 de Maio o Beja Santos já tinha dado uma primeira respost ao António Graça de Abreu, nosso querido amigo e camarada que esteve connosco no III Encontro Nacional, em Monte Real, no dia 17 e Maio:

Assunto - Uma boa polémcia ques e avizinha

Prezado António Graça de Abreu,

Venho agradecer-te o conhecimento que deste do texto enviado ao Luís Graça. Espero pela publicação e depois passarei a responder-te aos bochechos,abordas diferentes pontos e omites muitos outros,disse-te que tenho vários dossiês profissionais em mãos e urge acabar o 2º livro, muito mais trabalhoso que o primeiro.

Como te falei em estudo, procurarei pôr em cima da mesa a opinião daqueles que lidaram com as decisões políticas e militares no período crucial que leva,em minha opinião,ao reconhecimento do colapso da frente da Guiné...

Como te disse, desconheço o teor das conversações de Londres, em Março de 1974,terei que referir o que o Rui Patrício insinua acerca do eventual cessar-fogo proposto pelo Governo de Marcello Caetano. Luis Cabral também não se espraia, o diplomata português envolvido, que eu saiba, preferiu guardar sigilo, não se percebe porquê.Só que a iniciativa do pedido do cessar-fogo foi das autoridades portuguesas,não devemos iludir o significado desta iniciativa.

Haverá pontos que me recusarei a tratar,caso dos dirigentes do PAIGC que não viviam com os seus guerrilheiros, acho a questáão de tão mau gosto e politicamente tão degradante num blogue como o nosso que não haverá da minha parte quaisquer comentários,temos de definir limites mínimos de elevação na discussão pública quando na nossa luta, por causa dela e a despeito dela, se forjou um Estado independente.

E vamos agora arregaçar as mangas! Saudações tertulianas, Mário Beja Santos


(2) Vd. poste de 22 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2872: A guerra estava militarmente perdida ? (5): Uma boa polémica: Beja Santos e Graça de Abreu

(3) Victor Saúde Maria (1939-1999), militante, fundador e dirigente do PAIGC. Foi o primerio Ministro dos Negócios Estrangeiros da jovem república da Guiné-Bissau (1974-1982), sob a presidência de Luís Cabral. Foi também 1º Ministro, depois do golpe de Estado de João 'Nino' Vieira, num período relativamente curto, de 14 de Maio de 1982 a 10 de Março de 1984. Esteve preso por alegada conspiração contra o vencedor do golpe de Estado de 1980. Regressou à pátria já na década de 1990, tendo fundado em 1992 o Partido Unido Social Democrata (PUSD). Ainda concorreu às eleições presidenciais em 1994. Morreu, aparentemente de doença, em 25 de Outubro de 1999.

Guiné 63/74 - P2882: Estórias de Juvenal Amado (9): Há dias de sorte

Foto 1> Galomaro, vista a partir do campo de futebol


Foto 2> Galomaro> Morteiro 81 e traseira da Messe de Oficiais e Sargentos


Foto 3> Galomaro> Cantina> Ivo, Confraria de costas, Juvenal, Sarg Silva, Aljustrel e de barbas o que veio a falecer pouco de depois do regresso.


Foto 4> Galomaro> Abrigo da MG depois do ataque

Fotos e legendas: Juvenal Amado (2008). Direitos reservados


Juvenal Amado
Ex-1.º Cabo Condutor,
CCS/BCAÇ 3872
Galomaro,
1972/74

1. Estamos a publicar mais uma estória do Juvenal Amado, esta enviada em 22 de Março de 2008.





Há dias de sorte

Galomaro, Zona Leste da Guiné, 1 de Dezembro de 1972 .

O radiotelegrafista José Confraria, à minha frente, acabava de reprovar, franzindo o sobrolho por trás dos óculos, uma jogada minha, naquela partida de sueca que nos opunha ao Glória e ao Costa, dois Sapadores da nossa Companhia.

Faltam talvez 15 minutos para as 22 horas, hora do fecho da cantina.

A cantina não é mais que um telheiro em chapa de zinco, com duas paredes, uma onde está o balcão com as arcas frigorificas a petróleo e a outra em frente, que tapa a vista para as palhotas do povoado de Galomaro. É pois um sítio, que tem uma abertura tipo esplanada, que dá para o arame farpado do lado do campo de futebol e, do outro lado para o Restaurante da Morte Lenta (1).

A partida era, como sempre, muito animada com muitos ralhos da parte dos nossos opositores, que era bem de ver estavam a perder e a caminho de terem que pagar as cervejas, correspondentes aos dez traços marcados a lápis, num bocado de papel.

Escusado será dizer que pagar as cervejas era mesmo assim muito menos doloroso que ouvir as piadas de quem ganhou. Quem ganhava eram sempre uns leiteirosos. As desforras ficavam logo ali prometidas.

O som dos geradores que forneciam a sempre precária iluminação, ouviam-se sem descanso. Os holofotes iluminavam o Quartel em redor, uns cinquenta metros para além do arame farpado.

O Destacamento que servia de casa aos cento e tal homens, que compunham a CCS, era um rectângulo que tinha a nascente o campo de futebol, a Norte a pista de terra batida onde podiam aterrar avionetas ou helis e, a Sul e a Poente éramos rodeados pela povoação.

Foi pois nessa luz pouco precisa, que o Gasolinas (2) viu um estranho movimento de um rebanho de ovelhas e carneiros que, de forma muito ordeira, se estendiam numa linha paralela ao campo de futebol, partindo do lado direito, onde estava o posto de sentinela à frente da oficina da ferrugem, para a esquerda na direcção da bem visível sala da cantina.

O Lourenço periquito (3) que estava de serviço ao mesmo posto, embora fora da sua hora de sentinela, começou a dizer ao atarantado Gasolinas que eram turras, e que fizesse fogo.

Mas o medo do que o Comandante podia fazer a quem desse tiros sem razão, era ainda maior e o nosso camarada recusou.

O Lourenço vai ao nosso abrigo, agarra na G3 e corre para o posto, onde tinha presenciado os tais movimentos suspeitos.

Acabo de bater uma carta e nisto, uma rajada de metralhadora soa agressiva. Fiquei tenso, com o coração aos pulos, podia ser engano e alguém ter disparado sem querer. Mas outra rajada e já estou a correr na direcção do meu abrigo, entro e está o Caramba com os seus quase dois metros, sentado no beliche a rir e a contar entre as gargalhadas, que tinha sido o periquito a dar os tiros e que agora estava lixado com o Comandante (4):
- Logo lhe ia passar a vontade de rir.

Não me convence, estou a pôr as cartucheiras e a pegar na minha G3, pois a minha experiência de andanças pelas companhias operacionais, diz-me que ali há coisa da grossa.

Ouve-se a terceira rajada. Os guerrilheiros após a terceira rajada, sentem que foram mesmo descobertos e é nesse momento, que iniciam o ataque. Neste lapso de tempo ainda se começa a ouvir o tenente Raposo (5) a gritar:
- Quem foi a besta que deu os tir….

Já não acaba a frase, pois as explosões e o matraquear das automáticas abafam a sua voz.

O barulho é ensurdecedor, olho pela fresta do abrigo que está virada para a pista de aviação, meto a espingarda e disparo uma rajada, no acto continuo uma bola de fogo vem na minha direcção, o Caramba puxa-me para baixo, o RPG explode a poucos centímetros de onde eu tinha feito os disparos, já não ouço nada, estou meio cego pelos clarões, olho para a porta e o que vejo são autênticas cortinas de tracejantes, mas é necessário sair para a vala e responder ao fogo do inimigo, não sabemos se já há reacção da nossa parte ou não, aqui está a funcionar o nosso instinto de sobrevivência.

O Dias (6) está à minha frente e quando ele salta para fora, eu salto de seguida e mergulho de cabeça na trincheira, corremos agachados e espezinho o Borges cozinheiro, que está só em cuecas no fundo da vala.

O cheiro dos explosivos sufoca-nos, disparamos sem cessar mas sem vermos nenhum alvo, a não ser os clarões dos disparos. Dentro da minha cabeça, parece que alguém bate sem parar tampas de panelas.

Os RPG explodem contra os telhados, abrigos e à falta de encontrarem onde bater, explodem no ar, mandando uma chuva de estilhaços para baixo.

Os apontadores do morteiro 81 mm que está entre o meu abrigo e a messe dos oficiais, fazem finalmente o primeiro disparo, na atrapalhação penso que não tiraram a cavilha do projéctil, mas tiraram dos outros, a provar isso foi o efeito devastador nas árvores que foram atingidas.

Do outro lado do quartel o maqueiro Russo tinha entrado no abrigo do morteiro 60 mm, disparou a primeira granada. Quando constatou que a mesma tinha ultrapassado o quartel e rebentado na orla da mata, disparou sem parar e talvez tenha sido a reacção dele, que tenha posto em fuga o inimigo.

A nossa posição tinha sido atingida pelo o menos, com cinco impactos directos de RPG, o abrigo da metralhadora MG estava destruído, eles vinham bem informados das nossas defesas e posições.

O som das explosões tinha abrandado, só se ouviam as nossa rajadas, as saídas de morteiro e o som cavo do rebentamento no chão das suas granadas.

Nisto um Jeep com os faróis acesos na direcção da mata, avança pela pista de aviação com o Comandante aos gritos para que parássemos com os tiros, pois o inimigo já tinha retirado. Felizmente não se tinha enganado.

No silêncio e na escuridão olhei para os meus camaradas que estavam na vala, o Caramba, Dias, Piriquito, Ermesinde, todos pensávamos nos mortos que de certo tínhamos a lamentar.

O que se tinha passado tinha sido de uma tal violência, que não podíamos esperar outra coisa. O Pel Rec tinha saído em patrulha nocturna. Como normalmente um pelotão era largado ainda de dia, numa zona a seis ou sete quilómetros do Quartel e depois progredia até um ponto pré determinado onde se emboscava.

Fazia parte da segurança, mas no caso envolveu riscos, pois os guerrilheiros meteram-se entre o quartel e o Pelotão no mato e o batimento de zona, podia atingir esses nossos camaradas.

Só pensava no que lhes teria acontecido. Na minha confusa cabeça, fervilhava toda a espécie de cenários de catástrofe. O que teria acontecido aos meus colegas de jogo? Passado o combate não consigo deixar de tremer.

A pouco e pouco, tudo volta ao normal na anormalidade que é a nossa situação. Passaram horas e alguém vem informar, que o Pelotão de patrulha está perto do aquartelamento e que, é preciso não os confundir com o inimigo e disparar sobre eles. Temos o nervos em franja e tudo pode acontecer.

Com o passar das horas, também fico a saber que afinal não tinha morrido ninguém e nem feridos havia, para além de escoriações motivadas pelas aterragens no chão, havendo contudo alguns camaradas atingidos com pequenos estilhaços.

Quando finalmente amanheceu, o cenário era de alguma destruição a nível dos telhados. Havia grandes pedaços de metralha espalhados por todo o lado. O meu abrigo tinha vários buracos de granada mas só uma tinha entrado ao nível do tecto, cortando como se cartão fosse, as barras de ferro que o sustinham.

Mortes, só as galinhas do periquito, pois a capoeira desapareceu por completo.

Hoje, quando nos encontramos nos almoços ou noutras ocasiões, vêm sempre à baila estes ou aqueles episódios sobre a nossa permanência em terras da Guiné, mas nunca me esqueço do puxão que o Caramba me deu, nem da coragem do Lourenço periquito, que evitou com o seu acto naquele 1.º de Dezembro, que os nomes de muitos de nós figurassem hoje na listagem de mortos de guerra. Os guerrilheiros quando se acabassem de posicionar, fariam um autêntico tiro ao alvo com os camaradas, que se encontravam na dita cantina.

Anotações do autor:

(1) - Refeitório dos praças.
(2) - Gasolinas, alcunha dada ao nosso camarada que era responsável pelos combustíveis. Infelizmente veio a falecer já depois do nosso regresso em acidente de viação.
(3) - Periquito, alcunha dada aos soldados maçaricos, da qual o Lourenço nunca se livrou, embora ele só tivesse chegado à nossa companhia, após quatro meses depois de nós.
(4) - O Tenente-Coronel José Maria Castro e Lemos era o Comandante de Batalhão.
No dia da nossa chegada a Lisboa após alguma espera, tomou a atitude largamente ovacionada por nós, de nos mandar desembarcar do Niassa, uma vez que por parte das autoridades do regime, nenhuma comissão de boas vindas ao Batalhão se apresentou como era da praxe.
(5) - Tenente Raposo comandante de companhia.
(6) - Dias, Soldado do Pel Rec, Pelotão de Reconhecimento e Informação. que veio a falecer, segundo me disseram, debaixo de um tractor na sua terra natal.

Juvenal Amado
____________________

Vd. último poste da série de 19 de Abril de 2008> Guiné 63/74 - P2779: Estórias do Juvenal Amado (8): O último Natal em Galomaro (Juvenal Amado)

sábado, 24 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2881: Estórias de Jorge Picado (2): Cutia, I Parte (Jorge Picado)







Foto 1> Destacamento de Cutia visto por Jorge Picado


Foto 2> Destacamento de Cutia visto por César Dias


Foto 3> Aglomerado populacional de Cutia. Pelo meio passa a estrada Mansoa-Mansabá



Foto 4> O Capitão Jorge Picado cercado por mulheres que lhe tentam sacar uns pesos para vinho. Ele diz-lhes que elas já estão cheias até cima


Fotos a cores: © César Dias (2008). Direitos reservados.

Fotos a preto e branco: © Jorge Picado (2008). Direitos reservados.


Jorge Picado,
ex-Cap Mil,
CCAÇ 2589 e CART 2732,
Guiné 1970/72


1. Em 15 de Maio de 2008, recebemos de Jorge Picado a seguinte mensagem


Caro Carlos:

Envio-te um texto sobre o Destacamento de Cutia que se julgares ter interesse para o blogue publica. Intitulei-o como Parte I, já que tinha a intenção de mandar uma Parte II com a descrição do sucedido na coluna que se seguiu ao Natal e na qual deparámos com as marcas do que nos teria sucedido se a coluna se tivesse realizado no dia anterior. Esta ideia germinou, depois do César Dias me ter enviado 2 Fotos de Cutia.



2. Destacamento de Cutia (Parte I)

Depois de contar ao Carlos Vinhal algumas das recordações que mantenho da minha passagem pela CART 2732, para que ele se convencesse que também me teve de aturar por Cmdt, comecei a congeminar a ideia de dizer algo sobre a estadia neste pequeno Destacamento a NE de Mansoa, até porque possuo 2 fotos (a preto e branco e em não muito bom estado) desse período.

Entretanto como o César Dias teve a gentileza de me mandar também 2 fotos, mas coloridas e em muito melhor estado, uma muito semelhante a uma das minhas, mas tirada de outra posição e com um camarada que não sei quem é, decidi mesmo escrevinhar sobre Cutia.

Cutia era o nome duma povoação de tipo indígena dispersa com 10 a 50 casas, segundo a Carta da Guiné publicada pela extinta Junta de Investigação do Ultramar (levantamento efectuado em 1954), a cerca de 1km a Oeste da estrada Mansoa-Mansabá.

Praticamente junto da estrada, existia, no antigamente, uma Serração.

A Cutia do nosso tempo, onde foi colocado um Destacamento, foi edificada mesmo na dita estrada, no local mais elevado desta, junto dum vértice geodésico de 2.ª com a altitude de 37m (Maru), de coordenadas aproximadas, Long 15º 14´ Oeste e Lat 12º 10´ Norte, a cerca de 14,5 km de Mansoa e 15,5km de Mansabá, distando cerca de 1km da antiga Serração e cerca de 4,5 km do limite Norte do concelho.

A imagem que guardo, quanto ao digamos aglomerado populacional é de que era muito pequeno e as habitações eram mais semelhantes às nativas – como aliás é visível numa das fotos colorida do César – sendo também destinadas às tropas e respectivas famílias africanas.

Encontrava-se no meio ou melhor dizendo entalada entre 2 das mais importantes zonas IN, o OIO/MORÉS a Oeste e o SARA/CANJAMBARI a Este, zonas estas que naquela época eram ZI (Zonas de Intervenção do ComChefe), havendo um importante corredor de comunicação entre elas algures entre 2,5 a 5km a Norte (de Mandingará perto do Rolom, a Este e Tambato, Talicó e Santambato a Oeste, já na floresta densa do OIO/MORÉS). Presumo que também houvesse comunicações entre estas zonas mais a Sul, aí a meio caminho entre Mansoa e Cutia (via Gã Farã a Oeste e Olom a Este), mas não tenho elementos que me garantam esta ideia.

Este Destacamento era atravessado pela estrada alcatroada Mansoa-Mansabá, como se pode observar na foto já mencionada do César, havendo mesmo postos de sentinela nos 2 extremos da estrada.

As instalações militares encontravam-se do lado Oeste da estrada, constituídas por abrigo enterrado encimado por uma torre, tendo ao lado as instalações sanitárias, quase a céu aberto e tudo isto rodeado por bidões cheios de terra e talvez também cimento, uns à superfície outros meio enterrados, formando uma pseudo muralha e mais à distância o tradicional arame farpado semeado de latas e garrafas vazias – para servir de aparelhagem sonora – a que se seguia a zona minada ou armadilhada. Junto das grandes e frondosas árvores que ladeavam em parte a estrada ficava a respectiva cozinha e mesas da messe geral.

Do lado Este ficavam as moranças da população, que como já disse não era muito numerosa, e dos soldados africanos acompanhados da respectiva família, também com cerca de arame farpado e respectiva segurança de armadilhas. As 2 fotos do César mostram um aspecto de algumas destas moranças.

Numa das minhas fotos (preto e branco), tirada da estrada para o fortim, que me apanhou pouco depois de ter de lá saído pode-se observar:

a) uma cortina de arvoredo continuo, em último plano, que era a bordadura da densa floresta do Morés;

b) a zona desmatada que vinha até às construções, semeada com umas árvores mais ou menos dispersas e, alguns tufos de bananeiras já nas proximidades e dentro da zona do arame farpado que delimitava todo o Dest e aldeamento;

c) pode-se mesmo observar alguns postes que suportam o arame farpado onde, como disse, tinham sido penduradas latas e garrafas vazias de cerveja e refrigerantes e tudo o mais que pudesse fazer barulho quando agitado, para chamar a atenção e aumentar os meios de segurança;

d) vêem-se depois as filas de bidões, uns à esquerda mais próximos das construções e outros à direita mais afastados e menos visíveis, dado o desnível do terreno;

e) das construções, praticamente enterradas assemelhando-se a bunkers, sobressai a torre, no cimo da qual, internamente, havia um patamar onde durante a noite, julgo que duas sentinelas faziam os respectivos quartos, observando pelas frestas a toda a volta a área envolvente. Dada a sua posição elevada, dominavam uma área maior e mais longínqua do que as restantes sentinelas que ocupavam posições ao nível do solo. Junto à torre é visível a antena das transmissões. Á direita desta torre pode-se ver uma das entradas, coberta por uma placa inclinada, para os alojamentos do pessoal, com a altura pouco superior ao dum adulto e também com frestas para o lado Oeste, que do lado de fora não chegavam a ficar a 50cm do nível do solo. A cobertura era uma placa de cimento aí com os seus 20 ou mais cm assente em paredes feitas de blocos de cimento;

f) o espaço interior, acanhado, estava subdividido em três áreas, já que sensivelmente a meio, em correspondência com a torre, havia uma pequena divisória formada por duas meias paredes, sem porta, onde estava colocada uma cama de ferro individual para o Alferes e o respectivo posto de transmissões, ocupando os Furriéis e os restantes elementos as duas outras áreas. Com a minha chegada, ocupei o pseudo quarto do comando, tendo os Alferes de se deslocar para junto dos restantes elementos, que ficaram todos muito mais apertados, com as camas de ferro transformadas em beliches e quase juntas;

g) à minha esquerda, porque o único militar que se vê sou eu, e junto duns pés de bananeiras, estão as instalações sanitárias, o quarto de banho com a respectiva latrina mais ao lado. Esta era do tipo de guerra, isto é, uma vala no terreno com duas tábuas em cima, em que o pessoal, de cócoras, ia fazendo as suas necessidades e depois iam-se deitando umas pazadas de terra – porque julgo não havia cal – para tapar. Um balde com um ralo, para servir de chuveiro e um espelho pendurado, num dos cibes que suportavam as folhas de zinco que constituíam a cobertura, para ver a cara e fazer a barba.

Na foto colorida do César são igualmente visíveis algumas das características que aponto.

A segurança do destacamento era mantida de duas maneiras: a afastada e a próxima.

No que se refere à segurança afastada, realizavam-se patrulhamentos nas cercanias, em todas as direcções, bem como se montavam emboscadas nos locais mais propícios de ataques, além daquelas que se montavam mais a Norte na zona de passagem, carreiro como lhe chamávamos. Mas todas estas acções sem uma periodicidade definida, para não criar rotinas, eram decididas duma forma aleatória e sempre na hora de execução, ao critério do Cmdt, talvez as do carreiro mais por ordem do BCAÇ 2885. Todo este procedimento tinha por objectivo fornecer o mínimo de elementos ao IN, para não ser ele a surpreender-nos.

Na segurança próxima contava-se, claro, os tradicionais postos de sentinelas e autodefesa, bem como os campos de minas e armadilhas. Havia também uma rede de trincheiras, não na totalidade do perímetro creio eu.

Na minha outra foto, tirada na tarde do dia de Natal de 1970, encontro-me encostado ao tronco duma das árvores da berma da estrada junto duma viatura com bidões de água, perto da cozinha, cercado por 4 mulheres de soldados africanos que, juntamente com o Alf Simeão – Cmdt do Pel Caç Nat 61 – tentam sacar-me mais uns pesos para adquirirem mais vinho para as suas celebrações. O seu estado já era um tanto eufórico, posso garantir pois com o gesto da mão direita queria transmitir-lhes que já estavam atestadas até à garganta, mas queriam ainda mais cana. Já tinha contribuído logo pela manhã para o almoço deles e, agora, evitava fazê-lo novamente com receio de aumentar o grau de embriaguez e daí resultar qualquer desordem. É bom lembrar que esta era uma data propícia para ataques ou simples flagelações aos aquartelamentos, daí a necessidade de haver mais cautelas com o estado do pessoal.

Numa próxima etapa descreverei o que se passou nos 2 dias seguintes.
Jorge Picado


Fixação do texto: CV

__________________

Vd. poste da série de 3 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2807: Estórias de Jorge Picado (1): A emboscada do Infandre vivida pelo CMDT da CCAÇ 2589 (Jorge Picado)

Guiné 63/74 - P2880: Memória dos Lugares (7): Missirá, Cuor, região de Bafatá, 2006 (Jales Moreira / Beja Santos)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Cuor > Missirá > A povoção de Missirá em 2006.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Cuor > Missirá > Pel Caç Nat 52 (1968/69) > A mesquita de Missirá, no tempo em que o Alf Mil Beja Santos esteve a comandar este destacamento e esta povoação (1)...

Foto: © Beja Santos (2006). Direitos reservados.


1. Mensagem de do Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):

"Em 2006, o tenente-coronel Henrique Jales Moreira, 2º comandante do BArt 3873 (penúltima unidade militar em Bambadinca, até ao início de 1974), com a sua mulher, Maria Teresa, visitaram o Cuor e foram até Missirá.

"Vemos aqui Maria Teresa na companhia das viúvas de Quebá Soncó, primogénito do régulo Malã Soncó.

"Ao fundo, com tecto em chapa, a mesquita, que vem do meu tempo. Houve um grande desbaste neste perímetro, mas esta era a parada do aquartelamento/povoação, este chão pode falar pelo sangue derramado, casas incendiadas, de 1966 em diante, muito sofrimento, nem sempre contido. Para que conste" (BS).


Foto: © Jales Moreira / Beja Santos (2008). Direitos reservados.


2. Comentário de L.G.:

O tenente-coronel de artilharia na situação de reforma Jales Moreira (que é do mesmo curso do Cor Art Ref Coutinho e Lima) teve a gentileza de me convidar, na qualidade de fundador e editor do blogue, e antigo residente em Bambadinca (CCAÇ 12, 1969/71), para estar presente no próximo convívio do seu BART 3873, o que infelizmente não me vai ser possível por total indisponibilidade na data em causa.

Aqui ficam no entanto o anúncio do encontro, que nos chegou através do nosso camarada Jorge Santos, com votos de uma boa jornada de convívio e confraternização para todos os nossos camaradas:

BART 3873
Guiné, Bambadinca, 1971/1973


Dia 31 de Maio realiza-se o 20º Convívio na Quinta da Mariazinha – PAMPILHOSA DO BOTÃO (Mealhada), com concentração pelas 11H30 no local.

Contactos:

Edgar Soares > 232 437 542 – 965 062 520
Henrique Moreira > 218 403 343 – 914 345 148


_________

Nota de L.G.:

(1) Vd. poste anterior desta série:

27 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2486: Memória dos lugares (5): Bambadinca, 2006 (Rui Fernandes / Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P2879: Blogoterapia (53): Falar da Guiné (e... de Matosinhos) e verter lágrimas, faz bem (Jorge Félix / Carlos Vinhal)

1. No dia 21 de Maio de 2008, recebemos do nosso camarada Jorge Félix, pertencente à nossa Tabanca de Matosinhos, a seguinte mensagem:


Caro Luis:

Obrigado pelo esclarecimento do voo nocturno/evacuações nocturnas. Estamos em 2008 a contar estas coisas....

Junto duas fotos do encontro do Norte (1) do pessoal que combateu na Guiné-Bissau.
Apareceram três Tertúlianos novos que merecem destaque fotográfico; Pinto dos Santos, Salviano Guimarães e Almeida (Custoias).

Falou-se da Guiné, como seria de esperar, verteram-se lágrimas (faz bem?) e disseram-se coisas... que davam para construir Um Livro.

Sabemos que para se editar um livro é preciso muito mais que coragem, por isso tem valor o nosso Blog. Vai-se escrevendo. Muitas das dúvidas que vão aparecendo no nosso Camaradas da Guiné, fez-me recordar uma simples história que não sendo da Guerra, se enquadra com a Guerra.

Matosinhos? Não conheço

O Nuno, meu cunhado, estava de férias no Alentejo profundo, convivendo num tasco com os Ti Maneis.

- Então vossemecê de onde é?
- Sou do Norte.
- Do Norte, d'onde?
- De Matosinhos.
- De onde?...
- De Matosinhos.
- Olha-me este, do Norte. Monte Sinho ainda podia ser... essa terra não conheço.

E saíu, murmurando à porta:
- Do Norte!!

Não acrescento mais aerogramas, nem livros, nem vinho que é coisa que não havia na Guiné.

Para que não confundam Monte Sinhos com Matosinhos mantenham o Blogue vivo.

Até sempre
Jorge Félix

PS - Dois instantâneos da mini-tertúlia de Matosinhos, que às quartas-feiras se reúne e almoça na Casa Teresa.







2. Apontamentos sobre Matosinhos:
Por Carlos Vinhal

Origem do nome de Matosinhos




Conta uma lenda que um jovem fidalgo das terras da Maia entrou com o seu cavalo mar adentro, para demonstrar a sua valentia à sua noiva Claudia Loba, oriunda de Gaia.

O cavaleiro foi-se afastando da praia em direcção a uma nau que transportava o corpo do Apóstolo Santiago para a Galiza. O jovem cavalgou submerso durante algum tempo, até alcançar a embarcação, onde terá sido convertido ao cristianismo e batizado. Quando lá chegou, o seu corpo estava coberto de conchas.

Do mesmo modo regressou à praia, surpreendendo todos quantos assistiram ao feito.

Carpo Caio, assim se chamava o fidalgo, regressado matizado de conchas, terá dado origem a que aquele local passasse a ser conhecido como Matizadinhos, nome que com o tempo derivou para Matosinhos.

Sobre o Concelho de Matosinhos

Em 1258, nas inquirições efectuadas a mando de D. Afonso III, já aparece Matusiny como fazendo parte do Julgado de Bouças.

Em 1833, o Concelho de Bouças substitui o então Julgado de Bouças, de acordo com a Reforma Administrativa de Mouzinho da Silveira, de 1832.

D. Maria II eleva Matosinhos e Leça da Palmeira à categoria de Vila por Decreto de 10 de Novembro de 1832 e Alvará de 20 de Maio de 1853, para nela estabelecer a nova Sede de Concelho.

Em 6 de Maio de 1909 o Concelho de Bouças passou a designar-se definivamente e até aos nossos dias, Concelho de Matosinhos.

A Freguesia de Matosinhos e a freguesia de Leça da Palmeira, foram elevadas à categoria de cidade em Junho de 1984.

O Concelho de Matosinhos, com cerca de 62 Km2 e 170 000 habitantes, é composto por 10 freguesias: Custóias (Vila), Guifões, Lavra (Vila), Leça do Balio (Vila), Leça da Palmeira (Cidade de Matosinhos), Matosinhos (Cidade de Matosinhos), Perafita, Santa Cruz do Bispo, Senhora da Hora (Vila) e S. Mamede Infesta (Cidade).
____________________

Nota dos editores:

(1) - Vd poste de 5 de Dezembro de 2007> Guiné 63/74 - P2329: O Hino de Gandembel cantado ao vivo na já famosa Casa Teresa, em Matosinhos, sede da delegação Norte da Tabanca Grande

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Guiné 63/74 - P2878: Convívios (59): Encontro anual do BCAÇ 2885, realizado no dia 8 de Março em Pombal (César Dias)

O nosso camarada César Dias (1), já em Março passado tinha dado conta do Convívio anual do seu Batalhão.

Hoje e com mais umas fotografias, entretanto por ele enviadas, vamos finalmente falar desse acontecimento.

O Almoço/Convívio do BCAÇ 2885 teve lugar no dia 8 de Março de 2008, no Restaurante "O Eucalípto" em Redinha - Pombal.



Brasão do BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) que tinha como divisa NÓS SOMOS CAPAZES


Estiveram presentes, entre ex-combatentes e seus familiares, cerca de 200 pessoas, tendo sido a primeira participação do César Dias, graças à sua adesão à nossa Tabanca Grande. É para nós um orgulho ter contribuído, de algum modo, para mais uma presença neste Encontro do BCAÇ 2885.


Foto 1> Bolo comemorativo do Encontro


Foto 2> Ventura, no uso da palavra, em nome dos organizadores


Foto 3> Grupo de ex-combatentes da CCS/BCAÇ 2885


Foto 4> Grupo de ex-combatentes da CCAÇ 2587/BCAÇ 2885


Foto 5> Grupo de ex-combatentes da CCAÇ 2588/BCAÇ 2885


Foto 6> Grupo de ex-combatentes da CCAÇ 2589/BCAÇ 2885


Foto 7> Panorâmica da sala, durante o almoço

Fotos: © César Dias (2008). Direitos reservados.

Fixação do texto: CV
__________________________

Nota de CV:

(1) Vd. poste de 1 de Março de 2007 >
Guiné 63/74 - P1557: No regresso éramos menos 32 (César Dias, CCS do BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71)

Guiné 63/74 - P2877: O Nosso III Encontro Nacional, Monte Real, 17 de Maio de 2008 (8): Até 2009, camaradas ! (Mário Fitas)



O Mário Fitas com o António Batista e o Luís Graça no IIIº Encontro em Monte Real.
Foto: © Helder de Sousa (2008). Direitos reservados

Mensagem do Mário Fitas (ex-Furr Mil da CCaç 763, Cufar, 1965/66)


A memória rejuvenesce, avivando-se.Tão longe e, contudo lá mesmo lá. As nuvens aglomeradas sopradas por vento tornado. O tarrafo e a lama das bolanhas.
A dor antiga presente. Mas com que alegria se revive o pesadelo!

É só quem está presente sente o envolvimento do colectivo abraço fraterno.

Vale a pena relembrar António Aleixo:

Com orgulho, um militar
regressa à pátria, mostrando
a cruz que ganhou matando
irmãos que o queriam matar
.

Se nos pudessem falar,
os que tombaram por terra
tinham que nos perguntar:
que ganhamos com a guerra?


Até 2009!

Para toda a tabanca, o abraço de sempre do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas
__________
Fixação do texto: vb

Guiné 63/74 - P2876: Tabanca Grande (71): Júlio Abreu, ex-1.º Cabo da Companhia de Comandos do CTIG (1964/66)

Júlio da Costa Abreu, ex-1.º Cabo Rádiomontador do BCAÇ 506 (Bafatá) e Chefe da 2.ª Equipa do Grupo de Comandos "Os Centuriões".


1. Mensagem de Júlio da Costa Abreu, de 20 de Maio:


Grupo de Comandos Centuriões (Guiné)

Caros amigos, 

Estando hoje no meu computador, deu-me a ideia de através do Google procurar saber se haveria alguma coisa sobre o meu antigo Grupo de Comandos Centuriões.

Qual não foi a minha surpresa ao encontrar bastantes artigos sobre o meu grupo assim como muitas notícias dos meus tempos de Guiné!


Quando fui para lá, fiquei no Batalhão 506 em Bafatá, como Radiomontador. Meti os papéis para frequentar o curso de Sarg Radiomontador em Paço de Arcos e, quando abrisse o curso, seria automaticamente promovido a Fur Graduado, pois na altura era 1.º Cabo.
Pouco tempo depois fui transferido para as oficinas de rádio do Batalhão de Transmissões no Quartel-General em Bissau. Ao fim de poucos meses, como iam ser criados os Comandos na Guiné, ofereci-me como voluntário para os Comandos.

Depois das provas fui incorporado no Curso em que foi criado o meu Grupo de Comandos Centuriões do Alf Mil Rainha. A partir da criação do grupo fui chefe de equipa.


O GrCmds "Centuriões", em Setembro de 1965, na guarda de honra ao Palácio do Governo.


Numa esplanada em Bissau (Hotel Portugal?), Abreu, Briote e o Toni Ramalho (médico no Porto, depois do regresso). Finais de 1965.


Saída para uma operação da equipa que o Júlio Abreu chefiava.

No regresso, o descanso e a calma na companhia do cigarro...

Em Bissau, Júlio Abreu, Carlos A. Silva, João Parreira e Mário Dias. Finais de 1965?

Capitão Nuno Rubim, 1º Cabo Júlio Abreu e o Alf Mil Vítor Caldeira (adjunto do Cmdt da CCmds para os assuntos administrativos e mais tarde, por impedimento do Alf A. Vilaça, Cmdt do GrCmds "Vampiros").

Em Brá, na entrega dos crachás, em Set. 1965. Podem ver-se, entre outros, o Alf Rainha, o 1º Cabo Abreu e o 1º Cabo Marcelino da Mata (de costas).

Brá, Setembro 1965. Entrega dos crachás. Distinguem-se, entre outros Camaradas, na 1ª fila o Alf Rainha e o 1º Cabo Júlio Abreu atrás do 1º Cabo Marcelino da Mata.


No final da comissão, o abraço do Capitão Rubim ao 1º Cabo Júlio Abreu. Na imagem reconheço o Soldado António Kássimo, o 1º da esquerda.

Cerimónia da despedida em Brá dos que, terminda a comissão, regressam à Metrópole. O Cap Nuno Rubim, o Alf Mil Vítor Caldeira ao fundo e o grupo em que se reconhecem o Soldado António Kássimo (que continuou nos "Centuriões" e mais tarde nos "Diabólicos") e o 1ª Cabo Júlio Abreu (o 3º da esq. para a dirª).


No restaurante do Geraldes, em Bissau. Da esqª para a dirª: sentados, o Júlio Abreu e um camarada que não reconheço. De pé, os Furr Matos, Carlos Alberto Silva, Sargento Mário Dias e o Furriel Valente de Sousa.

Quando voltei para a Metrópole e depois de ter estado empregado no representante da marca JVC em Portugal, resolvi vir para a Holanda onde estou há 36 anos, tendo trabalhado sempre na Companhia de Aviação KLM como técnico de Rádio.

Presentemente já estou reformado, mas gostaria de entrar em contacto com antigos Camaradas da Guiné. Ocasionalmente, encontrei-me há dois 2 anos com o Furriel Marques de Matos (dos Diabólicos) na Lourinhã, tendo ele dito que, por vezes, havia encontros dos ex-Comandos.
Seria com bastante prazer que eu gostaria de saber, com antecedência, quando houvesse um desses encontros pois gostaria de me encontrar com alguns camaradas não só do meu grupo como também de outros conhecidos. Por sinal, há bastantes anos, estive no quartel dos Comandos na Amadora onde tive o prazer de falar com o Sarg Mário Dias.

Junto o meu endereço electrónico (costaabr@gmail.com) para, se esta carta for lida, algum camarada me possa contactar.
Junto também algumas fotos do meu tempo da Guiné, (tenho muito mais fotos que mais tarde poderei mandar) e assim dessa maneira será mais fácil reconhecerem-me.

Sem mais de momento e esperando um bom acolhimento a esta mensagem, despeço-me por hoje.
Júlio A. A. da Costa Abreu

__________

2. Mensagem de vb:

Caro Júlio,
Foi uma agradável surpresa a que tive hoje ao ver a tua mensagem. O nosso pessoal desapareceu... e de ti nunca mais tivemos notícias. Alguns de nós vamo-nos vendo e falando, pessoalmente e por telefone. Encontrámo-nos regularmente com o Mário Dias, o ex-Furriel Miranda (lembras-te?), o Caetano Azevedo (Diabólicos), o Rainha, o Parreira e alguns outros.

Temos também enterrado um ou outro, como é natural, que o tempo é um grande vindimador. O Fur Carlos Alberto Silva que aparece numa das tuas fotos já foi há uns anos, bem como o Saraiva, o Godinho, o Moita, o Vilaça, o Cordeiro, o Caleiro, o Albino da MG-42... o ano passado foi o velho Tudela, aquele cabo-avô dos Vampiros, lembras-te?

Tenho muito gosto em apresentar-te à Tabanca Grande. Ainda te lembras da data da tua chegada à Guiné? Foste em rendição individual ou com alguma unidade? Desde quando estiveste nos "Comandos" e quando regressaste? Se não te lembrares das datas exactas, dá-me pelo menos uma ideia aproximada.
(…)

Um abraço
vb

__________

3. Resposta do Júlio Abreu

Amigo Briote,
Para começar e em resposta ao teu e-mail:


Mário Dias: Há já bastantes anos e estando eu na altura na Amadora, fui ao quartel dos Comandos na Amadora, (um dos meus filhos queria ver o quartel (tenho 3 filhos, o mais velho do meu primeiro casamento tem agora 41 anos, e do segundo casamento tenho 2, um rapaz de 32 anos e uma rapariga de 30 anos) e encontrei lá o Mário Dias (tens o e-mail dele?). 
Foi um tempo bem passado e pudemos recordar algumas coisas dos nossos tempos. O Rainha já me deu a morada dele mas não o e-mail.


Miranda: se bem me lembro, era um Furriel bastante alto, era esse não é verdade?
 

Azevedo: está nesta foto que te mando hoje, estando tu sentado na cama dele. O que é feito do Valente que está na mesma foto?


O Rainha já entrou em contacto comigo ontem, assim que recebeu o teu e-mail respondeu-me logo, e foi com bastante alegria do meu lado que entrámos em contacto.


Parreira: o Rainha já me deu o e-mail dele e vou-lhe escrever.
(…)


Cheguei à Guine em 17 Janeiro 1964, em rendição individual e fui colocado como Rádio-montador no Batalhão 506 em Bafatá. Meses depois e como tinha pedido para frequentar o curso de sargento-radiomontador, fui transferido para o Comando de Transmissões no Quartel-general em Bissau.
Entretanto ofereci-me como voluntário para os Comandos, tendo passado nas provas depois de ter levado uma carga de porrada na prova de boxe com o Marcelino que era um calmeirão comparado comigo, seguidamente fui nomeado chefe de equipa do Grupo Centuriões do Rainha. 
Regressei a Portugal em 27 de Janeiro de 1966.

Espero que tenha respondido às tuas perguntas. Penso ir a Portugal por volta de 27 de Junho, e espero podermo-nos encontrar para recordar os bons tempos. Desculpa alguns erros ortográficos, mas depois de 36 anos na Holanda, nem sempre consigo escrever bem Português.

Por agora nada mais, despede-se o amigo,
Júlio Abreu.