segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19236: Em bom português nos entendemos (17): os vocábulos "sinceno" e "sincelo" no nosso blogue e no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa


Do sítio brunhoso.net (com a devida vénia...)

1. Caros/as leitores/as: o nosso blogue, a caminho dos 15 anos de idade, dos  20 mil postes publicados  e dos 11 milhões de visualizações de páginas, é uma fonte de informação e conhecimento sobre a Guiné-Bissau e a guerra colonial de 1961 a 1974... 

É um blogue coletivo de partilha de memórias (e de afetos), entre combatentes (de um lado... e do outro, se bem que mais de um lado do que do outro...). E edita-se em português. Tanto quanto possível, "em bom português"... E é visitado por gente de todo o mundo, e em especial do mundo lusófono, dos EUA à Austrália, de Portugal à China...De facto, é em português que nos entendemos, de Lisboa a Bissau, de Brasília a Luanda, da Praia a Maputo...

Não deixa de ser curioso assinalar que os nossos dicionários "on line" (ou em linha), como é o caso do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa também vêm "pescar nas nossas águas"... O nosso blogue (Luís Graça & Camaradas da Guiné ou blogueforanadaevaotres.blogspot.com) é, com alguma frequência, citado pelo Priberam...

É o caso, por exemplo, do regionalismo "sinceno", usado num texto do nosso camarada Francisco Baptista sobre o Natal na sua terra, Brunhoso, concelho de Mogadouro, Trás-os-Montes (*).  Aqui fica o registo do vocábulo e o seu significado,,,, Outros exemplos se seguirão em futuros postes desta série. (**)



2.  Francisco Baptista > O Natal em Brunhoso  > ... as oliveiras cobertas de sinceno...

(...) No dia 24, dia de Consoada, segundo as leis da Santa Madre Igreja, que a terra acatava,  era dia de jejum e abstinência.

Por ser o tempo da apanha da azeitona, levantávamo-nos bem cedo, logo ao alvorecer e andávamos 3 ou 4 quilómetros até às arribas do Sabor onde se situavam os olivais, plantados em socalcos como as vinhas do Douro.

Dias frios, desagradáveis por vezes, pela humidade, pelo nevoeiro com as oliveiras cobertas de sinceno. Aguentávamos, que remédio, a colheita da azeitona tinha que ser feita,  fizesse calor ou frio. Não havia almoço ou merenda, era dia de jejum e abstinência. (...) (*)

3. Comentário dos nossos leitores (e camaradas da Guiné):

(i) Alberto (Abrunhosa) Branquinho: 

(...) Achei engraçada a referência ao "sinceno". É que na minha terra (Foz Côa) chamamos-lhe "sincelo". Consultando o Dicionário Porto Editora, constato que ambas as palavras designam o mesmo: " Pedaços de gelo suspensos das árvores e dos beirais dos telhados...". Só que não são "pedaços de gelo", são gotas e gotas congeladas, como que paradas no tempo e no espaço, à espera de caírem. Quem conheça o Alto Douro (agora Douro Superior...) só na Primavera e Verão, não imagina que isso acontece por aquelas terras. (...) (*)

(ii) Carvalho de Mampatá:

(...) Eu, apesar de ter já experimentado, durante uma semana, o trabalho de varejador de azeitona, em Souto da Velha, não conhecia o vocábulo "sinceno", mas tendo consultado o dicionário, fiquei a saber que não é coisa boa e que tive a sorte de o não apanhar, por lá. (...) (*)

4. O que diz o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa:

sinceno | s. m.

sin·ce·no |ê|

substantivo masculino

[Portugal: Trás-os-Montes] Pedaços de gelo suspensos dos beirais dos telhados, das árvores ou das plantas, resultantes da congelação da chuva ou do orvalho, geralmente em situações de nevoeiro. = SINCELO

"sinceno", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sinceno [consultado em 26-11-2018].

Esta palavra em blogues... Ver mais

... as oliveiras cobertas de sinceno .. Em blogueforanadaevaotres.blogspot.com

"sinceno", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sinceno [consultado em 26-11-2018].

sincelo | s. m.

sin·ce·lo |ê|
(origem obscura)

substantivo masculino

Pedaço de gelo suspenso dos beirais dos telhados, das árvores ou das plantas, resultante da congelação da chuva ou do orvalho, geralmente em situações de nevoeiro (ex.: a vegetação amanheceu toda coberta de sincelo). = CARAMBINA, SINCENHO, SINCENO

"sincelo", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sincelo [consultado em 26-11-2018].

___________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de dezembro de 2013 >  Guiné 63/74 - P12500: Conto de Natal (17): O Natal em Brunhoso, Mogadouro

(**) Último poste de 22 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18666: Em bom português nos entendemos (16): senhores dicionaristas, grafem lá o vocábulo "grã-tabanqueiro" ou simplesmente "tabanqueiro"... O nosso pequeno contributo para a celebração do dia 5 de Maio, Dia da Língua Portuguesa e da Cultura da CPLP...

Guiné 61/74 - P19235: Tabanca Grande (470): Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), cor art ref, DFA, cmtd da CART 2715 (Xime, 1970/72), senta-se, a título póstumo, à sombra do nosso poilão, no lugar nº 781, no dia em que se comemoram os 48 anos da Op Abencerrragem Candente, em que as NT tiveram 6 mortos e 9 feridos graves na antiga picada da Ponta do Inglês


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Xime > c. 1969/70 > Vista aérea (parcial) da tabanca do Xime, onde estava sediada uma unidade de quadrícula... Entre maio de 1970 e março de 1972, era a CART 2715 / BART 2917, comandada até ao fim do ano de 1970 pelo cap art Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014), que entra agora, a título póstumo, para a Tabanca Grande, sob o nº 781. Infelizmente não temos nenhuma foto dele.

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Por lamentável lapso, o nosso camarada Vítor Manuel Amaro dos Santos não entrou, na devida altura, em 2014, para  a Tabanca Grande, como era sua expressa vontade, em vida,  e nossa intenção publicamente manifestada após a sua morte, aos 69 anos. (*)

Recorde-se que o falecido cor art ref, DAF, Vítor Manuel Amaro dos Santos (Lousã, 22/11/1944- Coimbra, 28/2/2014), ex-cmdt da CART 2715 (Xime, 1970/72),  tem 7 referências no nosso blogue. (**). 

Em 2012 falámos ao telefone diversas vezes (a primeira vez, em 13/1/2012) e ele mandou-me diversas mensagens de telemóvel que já transcrevi, em grande parte, no nosso blogue, em que ele me falava do pesadelo do "inferno do Xime" que ainda vivia e procurava defender não apenas o seu bom nome e honra, como militar, mas também a memória dos mortos e feridos da sua companhia (***).

Na altura escrevi em comentário ao poste P9335 (***):

(...) "O Amaro dos Santos como comandante operacional é um camarada nosso, e como tal acima de qualquer crítica (neste blogue)... Tem direito ao seu bom nome: razão porque não faz sentido o seu nome completo figurar, entre parênteses retos, no poste P6368... Foi já retirado, não vinha aliás no documento original (onde é referido apenas como o comandante da CART 2715)...

"Por outro lado, convidei-o para integrar a nossa Tabanca Grande; ficou surpreendido por ele lhe dizer... que "'eu também estava lá', na Op Abencerragem Candente... E que fui um dos homens da CCAÇ 12 que foi à frente da coluna - éramos mais de 250 homens em pleno mato, dois agrupamentos - resgatar os corpos dos nossos infelizes camaradas, o Cunha e mais cinco; um dos nossos homens que trouxe o cadáver do Cunha  às costas, o nosso "bom gigante" Abibo Jau, será fuzilado pelo PAIGC, logo a seguir à independência - creio que em 11 de Março de 1975, se não erro -, juntamente com o comandante da CCAÇ 21, o tenente 'comando' graduado Jamanca... (Correu o boato, entre os homens da CART 2715, que os 'pretos' da CCAÇ 12 se recusaram a socorrer os 'tugas' da CART 2715, o que é falso; eu fui um dos 'pretos' que estive na testa da coluna, logo que acabou o fogo, a socorrer os feridos e a transportar os mortos).

"Um abraço para o Cor Amaro dos Santos... que nunca mais vi desde esse fatídico dia 26/11/1970!" (...)


Em 26 de novembro de 2016, no dia em que se completavam 46 anos da trágica Op Abencerragem Candente (Xime, 25 e 26 de novembro de 1970),  eu escrevi o seguinte, a seu respeito:

(...) "Do Amaro dos Santos, só posso dizer que em combate teve um comportamento heróico. Em contrapartida, como camarada que 'da lei da morte já se libertou', só posso desejar lhe que descanse finalmente em paz. Creio que ele era crente e encontrou na fé algum conforto em vida. Por fim, a sua memória é honrada, por todos nós, aos olhos de todos nós, incluindo a sua família, filhos e netos, e os seus antigos camaradas da CART 2715 e do BART 2917, com a sua integração, a título póstumo, na lista dos membros da Tabanca Grande. (*)

Há tempos deu-me conta que o seu nome não contava, como eu pensava,  da lista alfabética dos membros da Tabanca Grande, publicada na coluna do lado esquerdo do blogue.  Hoje, quando passam 48 anos sobre os trágicos acontecimentos do Xime, e 4 anos e meio sobre a morte do cmdt da CART 2715, eu venho reparar essa lamentável anomalia. Para este camarada não fique na vala comum do esquievimento.

O Vítor Manuel Amaro dos Santos, que esteve na Academia Militar, com outros camaradas nossos, grã-tabanqueiros, como o António J. Pereira da Costa, também da arma de artilharia, passa a figurar na nossa lista, infelizmente a título póstumo, com o nº 781 (****).

Não temos, lamentavelmente, até agora, nenhuma foto de jeito da sua pessoa, quer como civil quer como militar, a não ser uma de grupo. 

Fazemos aqui um apelo, aos camaradas do BART 2917, em geral, e aos da CART 2715, em especial, para que nos façam chegar uma foto, individual, ou em grupo, do nosso Vitor Manuel Amaro ds Santos, que tinha família na Lousã (onde nasceu) e em Coimbra (onde viveu e morreu).  (LG).

____________

Notas do editor:




(**) Mais postes com referência ao nosso camarada Vitor Manuel Amaro dos Santos e à Op Abencerragem Candente:

28 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16768: (De)Caras (62): O Amaro dos Santos [1944-2014] que eu conheci (António J. Pereira da Costa, cor art ref)


11 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13871: In Memoriam (205): José Fernando de Andrade Rodrigues (Ribeira das Taínhas, Vila Franca do Campo, 1947- Rio de Mouro, Sintra, 2014)... O único açoriano do BART 2917, além do 2º srgt Saúl Ernesto Jesus Silva, e de mim próprio (Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/72)




(****) Último poste da série >  11 de novembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19183: Tabanca Grande (469): Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCaç 3535 / BCaç 3880 (Angola, 1972 / 74); nosso grã-tabanqueiro, nº 780.

Guiné 61/74 - P19234: Notas de leitura (1124): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Setembro de 2016:

Queridos amigos,
A investigação de Joshua Forrest é tão refrescante nas suas premissas que é indeclinável abrir-se à controvérsia. Para entender o que falhou na grande consigna que precedeu a luta vitorioso liderada por Amílcar Cabral, intitulada Unidade e Luta, é preciso ir muito atrás, à inexistência de Estado nos períodos pré-colonial e colonial, e ao facto de que tal ausência, bem como a ausência da própria nação eram superadas por identidade étnica e um maleável sistema de alianças que permitiu às sociedades rurais serem as portadores do património histórico, económico, social e cultural da Guiné. A unidade preconizada por Cabral, demonstrou-se, não sensibilizou as comunidades rurais a passar de nação a Estado dirigido por um partido-Estado. E o autor exemplifica com inúmeras formas de alianças, como se pode avaliar no período em análise, entre 1890 e 1909. Seguir-se-á um período de grande acalmia após a pacificação de Teixeira Pinto. Inevitavelmente, a potência colonial não se apercebeu a tempo e horas que era impossível manter submissa aquelas comunidades rurais que tinham repelido o ocupante português.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau: O Estado é frágil, as sociedades rurais são a alma da nação (3) 

Beja Santos 

“Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest, Ohio University Press, 2003, é uma das investigações mais argutas e audaciosas que se publicaram no novo século sobre a Guiné pré-colonial, colonial e pós-colonial. Como se referiu em textos anteriores, o ponto de partida do investigador norte-americano é de que a fragilidade do Estado é um dado permanente daquele território, foram e são as sociedades rurais o esteio económico, social e cultural, sociedades com uma enorme capacidade volitiva para estabelecer acordos de interesse, por motivos de segurança ou de resistência, a despeito da sua autonomia, conseguindo preservar identidade no colonialismo e já na Guiné independente.

Estamos agora na segunda parte do ensaio, no auge da ocupação, um período que se situa entre 1890 e 1909, ou seja o degrau anterior às campanhas do Capitão Teixeira Pinto. Forrest recorda o envolvimento da administração nos problemas de Fuladu, a região do Gabu, onde vão estabelecer alianças com os Fulas, pondo e depondo chefes. Encetam campanhas militares para dominar povos de etnia Balanta, Papel, Manjaca e Oinca (o povo que habita a região do Oio) e os animistas Beafadas. A resistência será enorme: em Farim, Geba, Ziguinchor e Cacheu, até mesmo às portas de Bissau. Isto só foi possível graças a um sistema de alianças entre etnias. A potência colonial procede a um tipo de “africanização da guerra”, recorre aos Fulas como auxiliares e na casa dos milhares. Essa africanização estender-se-á a Mandingas e Beafadas, bem como a grumetes.

Ocupar e pacificar é praticamente uma causa perdida, não há meios. Para pagar aos auxiliares, a administração autoriza que estes saqueiem e pilhem as povoações onde entram. Neste período, pasme-se, ainda existe um relativo equilíbrio quanto a armamento, falamos de rifles e munições, adquiridas no comércio informal. Para o autor, o momento de viragem ocorrerá nos anos 1907-1908, há manifesta intenção política de que se ocupe o interior da Guiné. É Governador Oliveira Muzanty, viverá o grande cerco de Bissau e será o vencedor da campanha do Geba, contra Infali Soncó. Forrest refere a identidade Oinca, ela é um bom exemplo da mistura étnica numa região em que recentemente tinham chegado os Balantas, os Mandingas islamizados, os Mandingas Soninké (animistas), vindos do Forreá e Gabu fugidos às guerras entre os Fulas e Beafadas. É um caso de relações interétnicas pacíficas e juntar-se-á a esta complexidade os Balantas-Banaga.

A administração portuguesa não sabia compreender a noção de cooperação entre as etnias, entendeu-se que o melhor era aproveitar a proposta de um acordo de paz e deixar o Oio por conta própria. Porque o historial da tentativa de ocupação era penoso para Portugal. Em 1897, o Tenente Graça Falcão comandou uma coluna militar contra os Mandingas Soninké, perante um assalto verdadeira devastador, os auxiliares Mandingas viraram-se contra Graça Falcão e foguearam-nos, Falcão retirou para Farim. Subsequentemente, Falcão recrutou mais auxiliares e soldados, pretendia combater os régulos Mamadu Paté Coiada e o Beafada Infali Soncó (este tinha sido reconhecido pelos portugueses em 1895 como chefe). Vive-se então um grande período de turbulência e o resultado foi um impasse. Breve, a presença portuguesa na região centro-norte da Guiné encontra-se comprometida. Em 1902, durante o governo de Júdice Biker ocorre o já referido acordo de paz com os Oincas, a parte portuguesa não ficou bem no retrato, os Oincas prometeram pagar tributação, nunca cumpriram.

É então que tudo muda em 1907, com a revolta de Infali Soncó, impedindo a navegação do Geba, estabelecendo uma aliança com um número apreciável de régulos. Infali ofende um oficial da armada, José Proença Fortes, Muzanty vem a Lisboa pedir meios, perder o Geba e o acesso ao Gabu era regressar à estaca zero. Vai então ocorrer uma expedição envolvendo canhoneiras munidas de metralhadoras, virão tropas de metrópole e de Moçambique. Em 1908, Infali será derrotado e foge os outros régulos propõem acordos de paz. No Norte da província, a situação não é muito feliz, os Djolas infligem pesadas baixas aos portugueses, foi necessário partir de Lisboa uma coluna militar, com artilharia e até médico. Forrest observa que estas vitórias coloniais eram todas elas efémeras, mal partir o efetivo militar iniciava-se a contestação.

O grande cerco de Bissau foi uma rebelião séria, havia antecedentes, de tal modo que os portugueses se viram na contingência de trazer para Bissau auxiliares Beafadas e Fulas e tropas de Cabo Verde e Angola. À volta de Bissau, os régulos de Antula, Bandim e Intim, de Safim e Nhacra, tinham efito uma aliança para contrariar a presença portuguesa. Em Maio de 1894, o Governador Sousa Lage atacou Bandim e Intim, a cerca de dois quilómetros de Bissau. Em Julho desse ano, foi a vez dos Papéis de Biombo, com apoio dos Balanta, atacarem Bissau, afundando três barcos. Garantir a segurança dos europeus dentro da fortaleza de Bissau era pouco crível. O dado curioso é que enquanto Oliveira Muzanty prepara uma severa reação no Geba, Bissau está em estado de sítio, as comunicações com Conacri tinham cessado. Os comerciantes estrangeiros, crucialmente interessados num estado de paz, estabeleceram conversações com os régulos, incitando-os a pagar multas pela rebelião, os Papéis recusaram. A reação portuguesa foi um bombardeamento das povoações Papéis à volta de Bissau. Forrest descreve com todo o detalhe estas danças e contradanças, pode avaliar-se como todo o governo de Oliveira Muzanty foi passado a combater e a resistir. Regressará a Portugal em Janeiro de 1909 deixando a Guiné em pura rebelião.

Joshua Forrest avalia a situação do seguinte modo. Trata-se de um período (1890 a 1909) de permanente contestação da autoridade colonial. Esta conta com a fidelidade dos Fulas e Beafadas. O Oio, com as suas enormes florestas, é uma região que vive uma quase independência. Só se pode entender o vigor desta resistência pelos acordos entre as diferentes etnias. Tudo se vai alterar com a chegada do Capitão Teixeira Pinto, para o autor vamos entrar num período de terror e de pilhagem dos mercenários, com Abdul Indjai à frente.

(Continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 19 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19207: Notas de leitura (1122): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19225: Notas de leitura (1123): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (61) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19233: Parabéns a você (1531): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Guiné, 1968/70) e Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3476 (Guiné, 1971/73)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 24 de Novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19226: Parabéns a você (1530): Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)

domingo, 25 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19232: PAIGC - Quem foi quem (11): Lourenço Gomes, era uma espécie de "bombeiro" para situações difíceis ... A seguir à independência era um homem temido, ligado ao aparelho de segurança do Estado (Cherno Baldé, Bissau)


Foto nº 1 > República da Guiné > Conacri > c. 1960  > Dirigentes do PAIGC, junto ao Secretariado Geral: da esquerda para a direita, (i) Osvaldo Vieira, (ii) Constantino Teixeira, (iii) Lourenço Gomes e (iv) Armando Ramos.  

Recorde-se que o "estado-maior" do PAIGC instalara-se em Conacri em maio de 1960. A foto deve ser do ano de 1960, já que em janeiro de 1961 Osvaldo Vieira e Constantino Teixeira faziam parte do grupo de futuros históricos comandantes, mandados por Amílcar Cabral para a  Academia Militar de Nanquim, na China, para receber treino político-militar. Uns meses antes, em agosto de 1960. Amílcar Cabral em pessoa tinha-se deslocado a Pequim para negociar o treino dos quadros do PAIGC na Academia Militar de Nanquim.  No grupo de quadros do PAIGC que vão nesse ano para a China incluem-se, além dos supracitados Osvaldo Vieira e Constantino Teixeira, os nome de João Bernardo Vieira [Nino], Francisco Mendes, Pedro Ramos, Manuel Saturnino, Vitorino Costa ], irmão de Manuel Saturnino],  Domingos Ramos [, irmão de Pedro Ramos e amigo do nosso Mário Dias], Rui Djassi, e Hilário Gomes.

Foto (e legenda): Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral  > Pasta: 05222.000.084 (adapt por Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2018, com a devida vénia...)


1. Comentário do nosso editor LG:

Não era um tipo qualquer, este Lourenço Gomes (*)... Escrevia bem português, tinha estudos, devia ser natural de Bissau, talvez papel,  e, no início da guerra, pertencia ao "Comité Executivo da Luta"... Parece ser, pelo que se lê,  algo "enrascado", "queixinhas" e "timorato"... mas sensível aos gravíssimos problemas de assistência médico e hospitalar dos guerrilheiros e população evacuados para os hospitais no exterior (Senegal e Guiné-Conacri)... Quantos, centenas e centenas, não terão morrido por falta de medicamentos e outro material médico-hospitalar básico?...

Vamos encontrá-lo, em escassas fotos do Arquivo Amílcar Cabral, muito jovem (c. 1969) ao lado de outros dirigentes do PAIGC, e mais tarde (entre 1963 e 1973) como membro do "Comité Executivo da Luta" (Foto nº 2).


Foto nº 2 >República da Guiné > Conacri > c. 1963-1973  >  Reunião de responsáveis do PAIGC [Comité Executivo da Luta].  Da esquerda para a direita: (i) Lourenço Gomes, (ii) Honório Chantre, (iii) Victor Saúde Maria, (iv) Abílio Duarte,  (v) Pedro Pires, (vi) Luís Cabral e (vii) Aristides Pereira.


Foto nº 2 A > República da Guiné > Conacri > c. 1963-1973  >  Reunião de responsáveis do PAIGC [Comité Executivo da Luta].  Detalhe: Da esquerda para a direita: (i) Lourenço Gomes, (ii) Honório Chantre, e (iii) Victor Saúde Maria.

Foto (e legenda): Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral  > Pasta: 05247.000.074 (adapt por Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2018, com a devida vénia...)

Tivemos, entre as NT,  muitos erros de "casting", muitos dos nossos comandantes (e nomeadamente oficiais superiores, comandantes de batalhão) não tinham mesmo jeito para a guerra... Foram só preparados para a tropa e as suas burocracias... O busílis é que, quando há uma guerra, e é preciso saber liderar (, que não é a mesma coisa que chefiar...). E liderar é literalmente "ir à frente, mostrando o caminho"...

O PAIGC tinha, naturalmente, o mesmo problema. Este desabafo do Lourenço Gomes é mesmo de um homem, vulgar, como qualquer um de nós, à beira de um ataque de nervos... Este Lourenço Gomes não tinha fibra de revolucionário... Até onde é que ele chegou ?... Talvez o Cherno Baldé nos possa dar uma dica...

(...) "Estou sujeito a ser preso dum momento para o outro, pois o proprietário da Farmácia, constantemente me manda cobrar.

"A minha situação é semelhante a de um náufrago, que já cansado de nadar e com as forças esgotadas se deixa morrer. Assim também, não será de admirar e até será muito possível o ter de qualquer dia abandonar o meu lugar, sem esperar ordens superiores, não significando isso falta de respeito ou disciplina, mas sim, só saturação e canseira até ao esgotamento." (...)

Era bom que os nossos médicos e enfermeiros pudessem comentar... Andam muito arredios do nosso blogue...


2. Comentário do Cherno Baldé, nosso colaborador permanente:

Caro amigo Luís,

O Lourenço Gomes (suponho que é o mesmo), não é tão fraquinho como parece nesta imagem de missivas de 1965. Era de muita confiança e devia ser uma espécie de "bombeiro" para situações difíceis. 

No período pós-independência, o Lourenço foi o primeiro responsável do Partido a trabalhar com as chefias militares do exército português com vista a entrega das instalações e quartéis de Bissau. Deve haver muitas referências sobre ele nos contactos havidos com a parte portuguesa e, sobretudo a resolução da situação dos Comandos e soldados Guineenses que combateram do lado português.

Esteve depois ligado aos serviços da segurança do Estado, mesmo depois do golpe militar de 14 de Novembro de 1980 [, liderado por 'Nino' Vieira contra Luís Cabral]. Deve ter morrido de doença numa idade avançada, em finais dos anos 90 ou inícios de 2000. Era muito temido, como todos os da segurança num país de ditadura pseudo-revolucionária. (**)

Com um abraço amigo,
Cherno AB
________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de novembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19224: (D)o outro lado do combate (38): Carta de Lourenço Gomes, datada de Samine, 3 de março de 1965, dirigida a Luís Cabral, expondo a dramática situação da farmácia do PAIGC (Jorge Araújo)

3 de abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6102: PAIGC - Quem foi quem (10): Abdú Indjai, pai da Cadi, guerrilheiro desde 1963, perdeu uma perna lá para os lados de Quebo, Saltinho e Contabane (Pepito / Luís Graça)


4 de junho de 2009 >  Guiné 63/74 - P4460: PAIGC - Quem foi quem (8): O Luís Cabral que eu conheci (Pepito)

Guiné 61/74 - P19231: Blogues da nossa blogosfera (106): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (23): Palavras e poesia


Blogue Jardim das Delícias, do Dr. Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547/BCAÇ 1887, (Canquelifá e Bigene, 1966/68), com a devida vénia, reproduzimos esta publicação da sua autoria.

MORREU A ESPERANÇA

ADÃO CRUZ


© ADÃO CRUZ


Não tem sonhos nem lhe bate o coração
não a beija o sol nem a paz da lua.
Batida pela chuva e varrida pelo vento agreste
senta-se nos bancos vazios dos jardins
a ver passar os homens que procuram encontrar-se
a ver mulheres que descarnam outros fins.
Já não chega ser gente de cansaço e solidão
sem manhãs de luz nem flores brancas nascendo da erva mansa
nem o despertar das sombras adormecidas
nem um raio de sonhadora esperança.
Na noite pegada ao corpo de tantos rostos saqueados
de tantas mãos caídas de tantos sonhos amputados
o punho cerrado não vive aqui.
Morreu a esperança despojada e nua
invernosa e fria.
Deixou-a a primavera e o gume quente do verão
perdida nos escuros recantos do fim do dia.
____________

Notas do editor

Poste anterior de 9 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19000: Blogues da nossa blogosfera (104): Jardim das Delícias, blogue do nosso camarada Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 (22): Palavras e poesia

Último poste da série de 22 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19036: Blogues da nossa blogosfera (105): Panhard, Esquadrão de Bula, Guiné 1963-1974, criado e editado por José Ramos, ex-1º cabo cav, EREC 3432 (1972/74)

Guiné 61/74 - P19230: Blogpoesia (596): "Nossa terra, nosso País", "Negra e só nas terras d'África..." e "Sé de Lisboa", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Nossa terra, nosso País

Nossa terra tem castelos seculares e pontes romanas.
Tem palácios e catedrais.
Os Jerónimos e a Belém.
Mesquitas e horizontes siderais.
Tem limites e fronteiras.
Custaram sangue a traçar.
Um mar imenso. Tanta riqueza.
Terra fértil, pradarias.
Muito sol.
Um passado glorioso.
E um destino para viver.
Gente humilde muito nobre.
Uma língua muito rica.
Deu Camões e deu Pessoa.
Ensinou as Áfricas, pelas Ásias e o Brasil.
Muitos milhões.
Tem génios, na ciência e no saber.
Campeões. Maratonistas.
Bailarinos.
E tanto mais.
Para que serve tanta riqueza se o Povo é pobre e infeliz?

Ouvindo Lord of The Rings (Calm Ambient Mix by Syneptic)
Berlim, 22 de Novembro de 2018
9h21m
JLMG

********************

Negra e só nas terras d’África...

Tinha tranças pretas
Aquela moça morena
De olhos tristes.
Viu-o partir
Banhada em lágrimas.
Bendita a guerra que o fez chegar.
Durante dois anos,
Que feliz foi...
Um príncipe encantado,
Que se enamorou dela
E a fez sonhar.
Tantas noites belas,
Na tabanca em festa,
Mesmo de colmo,
Uma fogueira a arder,
Com batuque
Em chama.
À luz do luar.
No seu ventre de amor,
Nasceu-lhe um tesouro.
Seria moreno,
De olhos azuis.
Um rosto de cor,
Entre o branco e o negro.
Um botão a abrir,
Em primavera em flor.
Foi o fim da guerra
Que o fez partir.
Jurando promessas
De um dia voltar...
Cruel força do destino,
Tão fatal em os prender...
Como de cego em os separar!
Que será feito dela
E do fruto do seu amor?
Não há nada no mundo
Nem de dia,
Nem de noite,
Que os faça esquecer.
Ele, longe, no fim do mundo
E ela, negra,
Nas terras d’África...

Berlim, 22 3 de Novembro de 2013
15h2m 
Joaquim Luís Mendes Gomes

********************

Sé de Lisboa

Cátedra maior da igreja em Lisboa.
Templo sagrado, erguido em pedra, estilo romano, com rosácea colorida e luminosa.
Três naves em arco, com abóbodas de pedra bem cerzida, com uma leveza de encantar.
Altares sumptuosos, tecidos a oiro,
Onde se venera o sagrado, com humildade reconhecida.
Um órgão orquestral de mil tubos onde cabem todas as notas.
Alto coro majestático, donde ecoam vibrantes as vozes coloridas dos corais.
A pia sacra baptismal de granito, onde se abrem as portas eternas aos inocentes baptizandos.
Igreja-mãe das gentes de Lisboa, implantada na encosta luminosa frente ao Tejo.

ouvindo a guitarra de Carlos Paredes
(A neve anda mesmo a aparecer)
Berlim, 24 de Novembro de 2018
7h23m
JLMG
____________

Nota do editor

Último poste da série de 18 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19205: Blogpoesia (595): "Fardas e batinas...", "Romagem a Lisboa" e "Olho daqui Lisboa...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 24 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19229: Consultório militar do José Martins (38): Pedido de Informações sobre a CCAÇ 2466 / BCAÇ 2861, Bula e Encheia, 1969/70, a que pertenceu o meu avô (Cristiana Duarte)

1. Mensagem do nosso colaborador permanente José Martins [ex-Fur Mil Trms,  CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70):

Data: quarta, 14/11/2018 à(s) 21:43
Assunto: Resposta a pedido de informações sobre a CCAÇ 2466

Caríssimos:

Estive hoje no AHM [, Arquivo Histórico-Militar,]  e consultei a História do BCAÇ 2861, processo bastante extenso. [Cota: 2/4/109/1)

Capítulo I – Mobilização, Composição, Deslocamento

Historia o início do batalhão, em 4 páginas.

Do Anexo 1, ao Capítulo I, constam 17 páginas com a composição de todo o batalhão. Em relação à CCAÇ 2466 [, Bula e Encheia, 1969/70,], estão nas páginas 13 a 17 (5 páginas).

Capítulo II – Actividade operacional

São 194 páginas, cujo resumo se encontra nos livros da CECA, volume 7, páginas 124 a 126.

Capítulo III – Baixas – Punições – Louvores – Condecorações.

São 41 páginas com os respectivos registos que, sem saber o nome do nosso camarada, o avô da Cristiana Duarte,] não é possível detectar algum registo.

Arquivo Histórico Militar

Telefone 218 842 415

Largo do Outeirinho da Amendoeira

1100-386 Lisboa

Horário: 2ª a 6ª feira, das 10H00 às 12H15 e das 13H45 às 16H45.

Não sei se o mail «ahm@mail.exercito.pt» ainda está activo.

Se necessitarem de algo mais, ao serviço de V. Exªs.

"Saúde e Fraternidade" e "A Bem da Nação"

Abraço

Zé Martins


2. Mensagem da nossa leitora Cristiana Duarte:

De: Cristiana Duarte  [email: cristianaduarte1425@gmail.com]

Data: terça, 11/09/2018 à(s) 14:48

Assunto: Pedido de Informações sobre a CCAÇ 2466

Boa tarde.

Tenho estado a ver o vosso blogue "Luís Graça & Camaradas".

O meu avô esteve na Guiné, no BCAÇ 2861,  CCAÇ 2466, tenho procurado informações sobre esse batalhão e essa companhia.

Gostaria de saber se por acaso o senhor não tem informações do mesmo ou se não me consegue disponibilizar um site que contenha por exemplo a listagem dos militares presentes nesse batalhão.

Aguardo resposta

Cumprimentos
Cristiana

PS - O nome do meu avô é José Henriques Ferreira [mensagem de 25/11/2018]
_________

Nota do editor:

Último poste da série > 19 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18653: Consultório militar do José Martins (37): Monumento aos Combatentes de Vila Chã da Beira

Guiné 61/74 - P19228: Convívios (883): "Bosque dos Avós", hoje, todo o dia, na serra do Marão, Aboadela, Amarante (José Claudino da Silva)



Página do Facebook Bosque doa Avós


In:

José CLaudino da Silva, Lixa, Felgueiras
FLOR DO TÂMEGA > “DE LONGE A LONGE” > BOSQUE DOS AVÓS versus BOSQUE DO CENTENÁRIO

por José Ckaudino da Silva

[ ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74)]

Recentemente, encontrei o meu amigo Zé que toda a vida foi carpinteiro e fomos beber um copo com o Silva, um dos melhores marceneiros que conheci. 

Agora que estamos todos reformados, a conversa girou sobre a maneira, como passamos o nosso tempo livre. O Zé ajuda a filha que tem um restaurante, e o Silva colabora num clube de veteranos. Pela minha parte, expliquei-lhes que andava envolvido nas florestas e que tinha ajudado a criar o Bosque dos Avós. 

Estranharam que um antigo chapeiro de automóveis andasse a plantar árvores e eles que sempre trabalharam em madeira não o fazerem, aliás, confessaram-me que nunca na vida deles, tinham plantado uma, no entanto tinham destruído milhares nas suas profissões. Creio que os meus amigos nunca, até à nossa conversa, tinham sequer pensado nisso.

Embora se fale muito na reflorestação das áreas ardidas a verdade é que a maioria das pessoas está à espera que sejam os outros a fazer essa reflorestação.

É pois com satisfação que no próximo dia 24 de novembro, dia seguinte, ao dia mundial da árvore autóctone que se comemora no dia 23, os organizadores do Bosque dos Avós e do Bosque do Centenário, vão proporcionar a quem quiser colaborar, a satisfação de participar num evento saudável e preponderante, para que no futuro, os carpinteiros e os marceneiros, possam ver as árvores crescer e dar vida ao planeta e tenham madeira para usarem nas suas profissões, mais que isso, que os escultores que usam madeira nas suas esculturas e que, também eles, não plantam árvores, as possam ter no futuro, para construírem as suas obras de arte. (*)

José Claudino da Silva (**)

[Excerto reproduzido com a devida vénia e votos de bom convívio... Telemóvel para contacto:965 804 597 ]
________________


Guiné 61/74 - P19227: Os nossos seres, saberes e lazeres (294): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (13): À despedida, uma sentida homenagem a Toulouse-Lautrec (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Setembro de 2018:

Queridos amigos,
Se gostava de Toulouse-Lautrec, fiquei seu amigo incondicional. É certo que ao longo das últimas décadas conversava com ele em Bruxelas, no Museu de Ixelles, que alberga uma coleção riquíssima de cartazes deste mestre, em exposição permanente. Mas conhecer o Museu de Albi é uma possibilidade, talvez única, de ser confrontado com a evolução do seu génio, desde uma arte um tanto convencional até ao seu traço caraterístico que atravessa o universo de entretenimento e pândega da Paris do seu tempo, são registos únicos, não convencionais, em que pela primeira vez na história das Belas-Artes a cortesã e a meretriz são retratadas como seres humanos nossos irmãos.
E aqui acaba a viagem a Toulouse, segue a Holanda e a Bélgica, a seguir uma semana em Cotswolds, região de Oxford, e mais adiante se verá.

Um abraço do
Mário


Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (13): 
À despedida, uma sentida homenagem a Toulouse-Lautrec

Beja Santos



O viandante sentir-se-ia mal se não voltasse a Albi, um tanto fora de horas, de Toulouse-Lautrec só se pode dizer muitíssimo bem, ninguém lhe regateia o génio. O viandante guardara um acervo de imagens daquela visita a este impressionante museu, doía-lhe a alma se não a partilhasse convosco. Já se sabe tudo sobre este aristocrata, que era um tanto disforme, desproporcionado entre cabeça, tronco e pernas, que cedo descobriu o gosto pelas Belas-Artes, que foi para Paris e não se deu bem com o classicismo, logo descobriu Van Gogh, seu ponto de referência. Paris será o seu teatro do mundo, percorrerá a cidade febricitante, sobretudo à noite, no mundo dos cabarés, dos bailes, dos prostíbulos. O que o viandante começa por reter são os seus primeiros trabalhos, uma fortíssima atração por desenhar cavalos e pintá-los. Já era um génio sem discussão, embora sem notoriedade.





Henri-Marie-Raimond de Toulouse-Lautrec nasceu belo e sadio mas ganhou uma insólita aparência, na adolescência, as pernas não se desenvolveram normalmente. Enquanto convalesce de acidentes com as pernas, observa manobras militares, desenha a movimentação dos soldados, os cavalos ganham vida nas suas telas. Foi uma meteórica preparação para a sua arte futura, tal como os retratos que lhe saíram das mãos.


Mesmo no apogeu, o retrato é fonte de atração, o captar perfis, o que aqui se vê é ainda um tanto estático, austero, escurecido. A sua pintura irá ganhar luz, embora admire Manet, Rénoir e sobretudo Degas ele irá preferir, ao arrepio do impressionismo, tonalidades claras, finas pinceladas de cor crua. É o seu caminho artístico, nitidamente pessoalíssimo.




Nem sempre o que pinta é uma sofrida humanidade noturna, Toulouse-Lautrec gosta da pândega, ele e os amigos apreciam fantasiar-se com trajes exóticos, ele é doido por festas e bailes. Irá mesmo trabalhar nas artes gráficas e vale a pena recordar que para muitos críticos de arte o melhor do seu talento ficou plasmado nos cartazes. Aqui acaba o rol de imagens que se retivera desse génio que pintou cavalos, cabriolés, mulheres sentadas, bailes, artistas, bailarinas, interiores de bordéis, e sempre retratos nessa Paris feita festa, onde ele participou vezes sem conta, à beira do precipício, preparando a sua morte precoce. Tem para si o viandante que tudo fará para um dia destes regressar a Albi, só para voltar a conversar com Henri de Toulouse-Lautrec.



Atravessa-se o parque, a caminho do canal do Midi, há que levantar a trouxa no hotel e apanhar transporte até ao aeroporto. Mas o viandante não resiste, regista uma escultura daquele tempo em que era corriqueiro encontrar-se a melhor arte nos jardins e alegra-se com o facto de que a vida vibra, e que o bom tempo ajuda a que gente de todas as idades baile no coreto. Haja festa!



Agora é tomar o avião e regressar, Toulouse não lhe sairá da memória. E é bom que este aeroporto, de dimensão regional, exiba tapeçarias e outras obras de arte de grandes mestres, o viandante não se acanharia de ter em sua casa esta obra prodigiosa de Fernand Léger, é um realismo cheio de carinho, uma arte sonhadora de um tempo em que os operários pareciam destinados a criar um mundo novo, é uma cromática de viço, alegria e esperança.
E nada mais há a dizer, neste fim de viagem.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 17 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19202: Os nossos seres, saberes e lazeres (293): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (12): O esplêndido Museu Arqueológico Saint-Raymond, em Toulouse (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19226: Parabéns a você (1530): Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742 (Guiné, 1967/69) e António Levezinho, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (Guiné, 1969/71)


____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 de Novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19222: Parabéns a você (1529): José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp do BART 6523 (Guiné, 1973/74)

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Guiné 61/74 - P19225: Notas de leitura (1123): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (61) (Mário Beja Santos)

Edifício do BNU em Lisboa


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Março de 2018:

Queridos amigos,
Enquanto o datilógrafo da alfândega de Bissau está a ser interrogado pela PIDE das suas ligações a panfletos enviados a funcionários e militares, aqui se fala da chegada do franco-guinéu de Sekou Touré que vem trazer dores de cabeça nas operações do BNU de Bissau e para a economia de toda a Guiné, e aproveita-se a circunstância para estabelecer um arco temporal à volta das propriedades rústicas do BNU na Guiné, uma insolvência medonha, em 1927, colocou o BNU como grande proprietário na região do Quínara, com a luta armada e o envolvimento persistente do PAIGC na região, quer o BNU quer a CUF aperceberam-se que era melhor transferir todos aqueles milhares de hectares para bem público, eram propriedades que não rendiam coisa nenhuma e em breve se transformariam em mato puro, havendo o risco de pagar impostos, sem fim feliz à vista.
Chegámos a 1961 e o gerente de Bissau transformar-se-á num importante cronista desconhecido, nem ele fazia ideia das informações que estava a lançar para o futuro do conhecimento histórico.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (61)

Beja Santos

Entrara-se, pois, num período de grande intranquilidade, o gerente do BNU vai ter pela frente, e até 1964, uma intervenção que ele próprio não deve ter dimensionado a importância – vai tornar-se num repórter que acompanha de forma persistente o prelúdio e os primeiros anos da luta armada, como talvez mais ninguém, o governo do BNU irá receber informação privilegiada, através do diretor da PIDE em Bissau, o gerente dispõe de uma informação que nem muitos militares no teatro de operações.

Logo na carta de 8 de março de 1960 em que anuncia a prisão do datilógrafo dos panfletos do Movimento da Libertação da Guiné, dá conta do novo problema de moeda, e com relevo na vida da Guiné, a moeda própria de Sekou Touré, o franco guinéu, tinham sido emitidas notas de 1.000, 500, 100 e 50 francos e moedas de 10 e 5 francos:
“As notas e moedas começaram a circular em 5 deste mês. Conseguimos com algum esforço obter duas dessas notas, de 100 e 50 francos, que aqui juntamos, para apreciação de V. Exas.
Não queremos deixar de chamar a atenção de V. Exas. para alguns curiosos pormenores das referidas notas: a emissão é do Banque de la République de Guinée, entidade que, ao que sabemos, não existe, por enquanto; a data de 2 de Outubro de 1958 é a da independência daquele território; as assinaturas não são, como seria lógico, dos dirigentes do Banco, mas dos ministros da Economia Geral e das Finanças; a figura do frontispício é a de Sekou Touré.
Cremos ser nulo o valor intrínseco de tal moeda, pois desconhece-se o padrão monetário. O que sabemos é que tem curso forçado e não pode circular outra moeda, inclusive os antigos francos da emissão do Banque de l’Afrique Occidentale Française.
A criação de moeda própria, o seu curso forçado, a proibição de circulação de moeda estranha e a quase certeza do seu nulo valor porque se conhece a competente reserva de garantia e ainda a dúvida da sua aceitação no exterior, criou ao comércio fronteiriço desta Província um problema grave. As suas consequências hão-de projectar-se na economia local, atingindo fortemente o seu equilíbrio, já um tanto artificial.

Sabem V. Exas. que toda a actividade comercial da fronteira – relativamente grande e influente – se exerce tendo o franco senegalês como moeda circulante. Sabem V. Exas. que boa parte das mercadorias importadas têm o seu mercado e o seu escoadouro na fronteira, em quase todas as fronteiras do nosso território, originando a entrada maciça de grandes quantidades de francos-notas. Esses francos são enviados para Lisboa e aí convertidos em escudos metropolitanos e outras divisas, para liquidação de boa parte do total de importação. São esses invisíveis movimentos de coberturas que sustêm o desequilíbrio da balança de pagamentos e contribuem, em larga medida, para aliviar a posição cambial do comércio e, portanto, do fundo cambial. Além do que traz à praça quantioso movimento, apreciáveis receitas aduaneiras e bons lucros – mesmo para nós.
Toda esta benéfica actividade se contrairá enquanto se não souber o valor real do papel-moeda emitido pelo senhor Sekou Touré e a audiência que terá nos mercados monetários da Europa.
E assim, a novel Republica vizinha continuará a projectar na nossa Província a sombra má da sua nefasta propaganda, agravada, agora, com um acontecimento que – apesar de previsto – atinge desastrosamente um elemento vital da nossa economia – o comércio fronteiriço”.

É preciso agora estabelecer um arco temporal, que vai de 1927 até ao momento em que o BNU oferece as suas propriedades ao governo da Guiné, em 1973. Recorde-se que só a insolvência de Victor Gomes Pereira, no Sul, fez transferir para o BNU uma quantidade indescritível de hectares de terra, que se distribuíam pelas áreas administrativas de S. João, Tite, Fulacunda e Buba, tudo somado era uma área global de aproximadamente 44 mil hectares, num conjunto de seis blocos.
Logo num documento datado de 4 de abril de 1957 intitulado “Breves considerações sobre as propriedades do BNU", assinado por José Telles Ribeiro, se enunciavam as caraterísticas destes blocos, deste modo:
“Os três primeiros blocos, na sua totalidade na área do Posto Administrativo de S. João revelam-se fundamentalmente constituídos por solos do tipo ‘solos vermelhos’, cujas características principais são a sua fácil drenagem, aspecto cinzento-escuro e arenoso à superfície até 30 ou 40 centímetros e daí para baixo vermelhos de textura argilosa. Estes solos, no aspecto químico, podem-se considerar os mais equilibrados da Província.
Os terrenos destes três blocos, ocupados quase exclusivamente por indígenas das tribos Biafada e Mancanha estão fortemente submetidos à cultura do amendoim, revelando já nítidos sintomas de cansaço. O revestimento florestal é quase inexistente, dominando o aspecto de savana aberta.
O quarto bloco, com uma área de aproximadamente 38 mil hectares, é fora de dúvida o que maior interesse oferece, já pela sua elevada extensão, já pela conservação da fertilidade do solo. Nestas propriedades encontra-se já uma maior diversidade de tipos de solos, indo desde os vermelhos aos amarelados, caracterizando-se estes últimos por uma maior capacidade e o aparecimento da couraça laterítica. O revestimento florestal é mais intenso que nos anteriores. O solo, menos sujeito à agricultura indígena, em virtude de uma mais baixa densidade populacional, aparenta ainda um aspecto de riqueza orgânica que lhe garante, sem dúvida, uma boa fertilidade.
O quinto bloco é a propriedade ‘Ilha do Fogo’, com uma área bastante reduzida e completamente isolada das restantes propriedades, tem como principal particularidade uma extensa mancha de palmeiras espontâneas.
O sexto bloco é a propriedade de ‘Santana’, totalmente ocupada por floresta aberta, tem o particular interesse de, dada a sua situação geográfica na margem do Rio Grande de Buba poder vir a constituir um porto de drenagem para as futuras produções das restantes propriedades.

Os terrenos do BNU integram-se na designação de ‘Propriedades Perfeitas’ o que, segundo os termos do regulamento de concessões, garante ao proprietário o domínio directo, o domínio útil e a faculdade de venda; em contraste com a concessão por aforamento em que o foreiro tem exclusivo direito ao domínio útil, pertencendo o directo ao Estado e revertendo o terreno a este desde que não esteja devidamente aproveitado no prazo de tempo para tal fixado. Daqui resulta o alto interesse e valor das propriedades do BNU e a necessidade de os valorizar ao longo dos anos, mediante uma ocupação agrícola gradual em vez de a deixar ir desvalorizando pelo abandono das mesmas à acção devastadora do indígena.
Com base no conhecimento das condições ecológicas locais, consideramos preferenciais as seguintes culturas: caju (árvore bastante rústica, podendo ser semeada directamente no terreno definitivo, é a que se traduz numa ocupação mais económica, dada a inexistência de granjeios); coleira (com elevados rendimentos por árvore, poderia ser usada na ocupação dos terrenos mais ao sul); coqueiro e palmeira (viável nos terrenos baixos e húmidos, onde seja possível a obtenção de água superficial ou subterrânea); cafeeiro (embora não definitivamente estudado, parece admitir-se como provável de uma boa adaptação da variedade ‘robusta’).
Só assim se poderão valorizar terrenos agora sem valor e evitar por meio de uma acção técnica directa os efeitos devastadores da primitiva agricultura indígena”.

Mais tarde, o BNU encomendou a um perito de nome E. W. Boesser um trabalho nos terrenos seus pertencentes na região de Quínara, é um documento muito minucioso, seguramente que seria da maior utilidade ainda hoje a sua divulgação junto das autoridades guineenses.
Em 13 de dezembro de 1963, no relatório da visita de inspeção à Filial de Bissau inclui-se de novo esta preocupação com a agricultura no contexto económico da Guiné, vale a pena aqui reproduzir o texto introdutório:
“A agricultura, outrora a base da economia da Guiné, não pode hoje ser considerada como elemento efectivo do desenvolvimento desta Província. A situação criada à Região levou o agricultor a concentrar-se nos grandes centros comerciais ou em aldeamentos onde encontra a protecção das Forças Armadas mas depara-se com solos fracos, sem grandes possibilidades.
E ao natural afrouxamento das culturas tradicionais – milho, mandioca, sorgo e arroz – também não será completamente alheio o facto de, por razões de defesa, haverem sido chamadas largas centenas de homens para as milícias e que deixaram assim de prestar o seu contributo braçal à agricultura.
Não se torna por isso difícil explicar a necessidade em que se viu nos últimos anos a Província de, tradicionalmente exportadora de arroz, embora de quantidades reduzidas, passar a importar grandes quantidades deste cereal para sustento das populações.
As indústrias existentes, reflexamente, têm também na actual conjuntura uma muito menor influência na economia da região se atendermos a que a matéria-prima – a mancarra, o coconote e o próprio arroz, escasseou pelos motivos apontados.
Hoje pode-se afirmar que a Guiné encontra relativo equilíbrio orçamental no comércio importador, que passou a disfrutar de grande prosperidade, na medida em que se lhe proporciona um maior poder de compra trazido pela presença dos grandes efectivos militares. Tal situação, no entanto, provoca um desnível muito acentuado da sua balança comercial”.

Esta situação irá agravar-se no decurso da guerra, em 9 de julho de 1973 será entregue ao Governo do BNU uma informação sobre as propriedades rústicas do Banco, urgia tomar medidas para que o BNU se desembaraçasse daquele verdadeiro imbróglio:
“Possui a nossa Filial de Bissau, na circunscrição do Fulacunda, 17 prédios rústicos constituídos por térreos com área global de cerca de 1,2% da área total da Província.
Os referidos terrenos vieram à posse do Banco em 1927, por efeito de execução hipotecária relativa a um crédito concedido.
Em 1965, deu-se na Guiné início a trabalhos de promulgação de uma contribuição predial rústica que, se viesse a ser aplicada, nos obrigaria ao pagamento de 4.391 contos anuais. O Conselho do Banco deliberou então criar uma sociedade em Bissau, à qual seriam vendidas as propriedades, para devida exploração agropecuária.
Nem a prevista contribuição predial rústica chegou a ser promulgada, nem chegou a constituir-se uma sociedade em Bissau para exploração agropecuária, os terrenos mantiveram-se como propriedade do Banco.
Todavia, a continuação do terrorismo na Guiné criou situações delicadas, quer do ponto de vista emocional (dizia-se que o BNU era senhor de grande parte do solo da Província, que mantinha inexplorado…) quer do ponto de vista da limitação de soluções quanto ao aproveitamento e consequente venda dos terrenos, que vieram a ser objecto de ocupação e controlo por parte dos terroristas, enquanto se não levou a efeito determinada operação militar no sul da Província.
Em situação análoga se encontravam na Guiné cerca de 15 mil hectares de terrenos pertencentes ao grupo CUF que vieram a ser doados à Província em 16 de Abril de 1973, para serem explorados pelas populações em regime comunitário.
A partir do momento daquela doação, considerou-se a hipótese do Banco proceder do mesmo modo em relação aos seus terrenos. E, com efeito, quando da visita do Sr. Governador da Província à Metrópole, em Maio passado, ficou verbalmente assente que o Banco faria a doação dos terrenos, desde que para os explorar se constituísse uma cooperativa agropecuária.
Escreve-nos agora o Sr. Governador da Guiné a sua carta de 26 de Junho, enviando um projecto de minuta da respectiva escritura de doação (decalcada da escritura da CUF), bem como os resultados do estudo sobre a viabilidade da constituição de uma cooperativa agropecuária e dos respectivos encargos”.

E o autor da informação analisava a viabilidade e despesas da cooperativa, equacionava o auxílio monetário que porventura o Banco desejasse prestar ao arranque da cooperativa, sugeria-se que a doação dos terrenos devia ser feita sem aparatos de publicidade e sugeria-se um donativo de 6.830 contos para cobrir o investimento a efetuar, mas admitia-se que muito mais dinheiro seria necessário para o amanho de toda a área. Mas dada a complexidade da transferência de posse, o autor acabava por sugerir que só se deviam doar os terrenos e não conceder qualquer subsídio.

Não se conhecem dados ulteriores da doação, assim acabava a história do BNU como proprietário rústico da Guiné.

A partir de 1961, note-se bem, o gerente em Bissau, vai passar a mandar notícias num território que em breve deixará para o passado o sonho pacificador. Como vamos ver.

(Continua)

Edição de selo comemorativo do I Centenário da fundação do BNU

Imagem retirada do livro “Uma Apoteose – duas visitas – uma despedida”, 1953.

Visita do subsecretário do Ultramar, Raúl Ventura, imagem retirada do livro “Uma Apoteose – duas visitas – uma despedida”, 1953.
____________

Notas do editor

Poste anterior de 16 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19200: Notas de leitura (1122): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (60) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 19 de novembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19207: Notas de leitura (1122): “Lineages of State Fragility, Rural Civil Society in Guinea-Bissau”, por Joshua B. Forrest; Ohio University Press, 2003 (2) (Mário Beja Santos)