segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9334: Notas de leitura (321): Prática e Utensilagem Agrícolas na Guiné, por F. Rogado Quitino (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Dezembro de 2011:

Queridos amigos,
O trabalho de Fernando Rogado Quintino bem merecia ser reeditado, é de uma grande beleza gráfica e tirando um punhado de alterações, sobretudo à escala demográfica, mantém-se irrepreensível. O António Estácio, nas suas investigações, encontrou cinco chineses degradados na Guiné, em 1902, dedicaram-se à pesca e à orizicultura, de acordo com vários trabalhos, deram um excelente contributo para o florescimento da cultura de arroz em toda a região Sul. As fotografias são muito comoventes, está confirmado o contributo chinês para a orizicultura guineense. O António Estácio continua à procura de outros nomes, é infatigável e tem uma paciência chinesa…

Um abraço do
Mário


Práticas e utensilagem agrícolas na Guiné

Contributo chinês para a orizicultura guineense

Beja Santos

“Práticas e utensilagem agrícolas na Guiné”, por F. Rogado Quintino, com belíssimos desenhos de Fernando Galhano, é um livro incontornável para o estudo das práticas agrícolas de ontem e hoje (edição da Junta de Investigações do Ultramar, 1971).

Para o autor, tratava-se de responder ao desafio de preencher a grave lacuna de na vasta bibliografia relacionada com a Guiné não haver um tratamento desenvolvido quanto às práticas agrícolas e um reportório minimamente rigoroso de utensílios e alfaias. Falando das populações, Rogado Quintino refere que na época as regiões mais povoadas se situavam no litoral entre a ria de Cacheu e o estuário do Geba. As regiões menos populosas do litoral eram as da margem direita da ria de Cacheu, ao norte, e as das duas margens da ria de Cacine, ao sul. Para se entender a agricultura guineense é fundamental perceber o regime das precipitações, como ele observa: “Nas zonas tropicais, a partir de 10º de um e de outro lado do Equador, as actividades agrícolas têm de estar subordinadas ao regime das precipitações. Fora do período das chuvas, nada ou quase nada se pode fazer em matéria de lavoura. A cultura do arroz tem a primazia, é a base alimentar do guineense. É uma tarefa penosa em extremo, obriga o agricultor a enfrentar duríssimas situações, com horas consecutivas na água e no lodo".

Por vezes a narrativa de Rogado Quintino tem laivos poéticos quando diz que as chuvas comandam todas as tarefas e determinados sinais considerados infalíveis anunciam a sua aproximação: aves migradoras (caso do flamingo) a presença de certos insectos, o rebentar das folhas da cabaceira; as chuvas começam a cair primeiro no Sul, em Cacine, progridem paulatinamente para o Norte e acabam sempre em Cacine.

O seu estudo abarca quatro áreas: das gentes e da sua estruturação. Dos solos e do seu tratamento; das práticas agrícolas; da utensilagem e da sua confecção. Primeiro, aborda a natureza da população, como se define a unidade cultural dos grupos, qual é a estrutura social na economia rural, enuncia as produções agrícolas e como se processa o auto-abastecimento das populações rurais, esquematizando as populações agrícolas e o seu calendário. Segundo, aqueles agricultores nunca ouviram falar nem em física nem em química, nem em azoto, ácido fosfórico ou potassa mas sabem distinguir pela cor, pelo tacto, pelo sabor, todos os solos. Explica como os solos virgens, invadidos pela água das marés, quando podem receber obras de barragem para retenção das águas (ouriques) são aproveitados para a orizicultura. Estas barragens são construídas em esteiros em que o volume e pressão das águas não exigem trabalhos de grande monta. Fala do arado e explica que o arado balanta é usado também pelos grupos Papel, Manjaco, Felupe e Bijagó. Os grupos arabizados, em vez do arado balanta, usam uma espécie de arado-enxada. No que toca à prática agrícola, Rogado Quintino começa por apresentar as culturas de quintal e as culturas de lugar. E depois espraia-se sobre as culturas de arroz, sorgo, milho (incluindo o milho preto), mandioca, fundo, feijão, mancarra, batata-doce, inhame, candje, baguiche, jagatu, manfafe e abóbora. Quanto à utensilagem, Rogado Quintino não deixa de observar que as alfais que se usam na agricultura são porventura as mesmas que se conhecem há milénios na região.

O nosso confrade António Estácio teve a amabilidade de me enviar a comunicação que apresentou na V Semana Cultural da China, que se realizou em Janeiro de 2002. Estácio é natural da Guiné, fez o curso de regente agrícola e viveu em Macau de 1972 e 1998. Andou à procura da presença de chineses na comunidade guineense e foi bem-sucedido. Segundo ele, um punhado de cidadãos chineses prestaram um valioso contributo no desenvolvimento da cultura do arroz na Guiné, com destaque para a região de Catió. Tudo começou quando a chalupa “D. Carlos I” lançou ferro no porto de Bolama, em Agosto de 1902, desembarcando alguns macaístas que haviam sido julgados pelo crime de homicídio e de jogo clandestino e condenados a penas de degredo da Guiné. António Estácio fez a leitura dos boletins oficiais da Guiné portuguesa e localizou dois desses cidadãos chineses: Liá-Sengue terá falecido em Novembro de 1905 em Cacine, e em Abril de 1906, também em Cacine, Leano-Seng. Estácio alerta para vários erros dizendo que Liá-Sengue corresponde o nome de Li Seng ou Lee Seng enquanto que o de Leano Seng corresponde a Leong Seng. Na continuação das suas investigações, Estácio confirmou junto de um seu antigo colega que o seu avô Weng Tak Seng tinha ido para a Guiné no início do século XX e que o pai deste seu antigo colega se chamara Boaventura Wentacem António Silva. Weng Tak Seng veio a falecer em Bolama, acometido de febre-amarela.

Depois da I Grande Guerra a produção de arroz deu um grande salto na Guiné. Vários autores referem o papel dos chineses ligados à pesca e à agricultura, associando os seus nomes à produção de arroz em Tombali e Catió e aparecem dois nomes proeminentes Lai San, cultivador de uma ponta perto de Catió e Kat Chan, também residente em Catió. A concluir, Estácio dá como comprovado que um grupo de cidadãos chineses idos de Macau chegou à Guiné no início do século XX, refere precisamente 5 nomes e mostra imagens das campas desses antigos degradados de alguns dos seus descendentes. Uma pequena maravilha! Esta separata que o António Estácio tão gentilmente me ofereceu ficará na posse do blogue.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 6 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9319: Notas de leitura (320): Anjos na Guerra, de Susana Torrão (Mário Beja Santos)

3 comentários:

JC Abreu dos Santos disse...

... citando:
«Cinco chineses degradados».
Os chineses, não seriam macaenses?
E quanto a "degradados", seria de velhice... ou, estariam "degredados"?

Já agora: não se antevendo que o conteúdo deste postal se relacione com o "objecto social" deste blogue, talvez apenas por fastio ou para a contagem de cliques, sirva. Porque, com toda a certeza, não contém qualquer préstimo destinado a «ajudar os ex-combatentes a reconstituir o puzzle da memória da guerra colonial»; (tal qual enunciado, desde há muito, no permanente cabeçalho).
Posto o que, sendo o autor deste postal um estrénuo defensor dos direitos do consumidor, convenhamos de que se trata, aqui e uma vez mais, de "publicidade enganosa", no que a "consumidores de blogues" diz respeito.

Hélder Valério disse...

Pois é, certamente teriam sido condenados ao "degredo", conforme se pode perceber no interior do texto, e não 'degradados'. Isso seria o que se esperaria...
Ficamos então com a certeza de que já nesses tempos os condenados ao degredo (independentemente dos motivos) eram 'encaminhados' para as colónias (ainda não eram 'províncias'...) e que a Guiné parecia ser um destino apropriado.
Quem diria!

Hélder S.

Anónimo disse...

E eu que julgava que a guerrilha, tinha acabado em 1974. Sou mesmo ingénuo.

A.Almeida