quinta-feira, 3 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3017: Blogoterapia (59): Fotos chocantes de "despojos humanos" (Henrique Cerqueira)

1. Mensagem de Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil do BCAÇ 4610/72/743.ª Companhia, Biambe4.º Gr Comb, CCAÇ 13, Bissorã):

Bom dia, Camarada Luís Graça

Hoje resolvi escrever sobre o artigo do nosso camarada Branquinho (1). É que foi com alguma surpresa, e até incredibilidade, que ao ler o artigo sobre os "Despojos Humanos" deparo-me com uma série de fotos no mínimo chocantes.

Não será pelo facto de serem fotos aterradoras, pois que infelizmente quase todos nós convivemos de perto com situações idênticas e até hoje em dia somos invadidos com imagens idênticas ou ainda piores, que nos entram pela casa dentro através das televisões oriundas das mais diversas guerras actuais. Mas aí ainda se vai entendendo, devido ao jornalismo demasiadamente desenfreado e com total desrespeito pelos valores humanos.

Também posso dar algum benefício de dúvida a quem na época se recriou a tirar este tipo de fotos (pois que na época a inconsciência estava minada pela falta de formação militar e até de acção psicológica virada para o âmbito de guerra). Agora neste preciso momento, em que todos nós tentamos ainda enterrar os nossos Fantasmas , deparamos com fotos de camaradas nossos que MORRERAM e que são agora expostos como se de UM MATADOURO SE TRATASSE.

Perdoa-me, Camarada Luís, mas eu penso que não foi uma atitude acertada ao publicarem estas fotos.

Quando cheguei ao Biambe em 1972 e me atribuíram uma espécie de quarto no aquartelamento e, quando fiquei só, deparei-me com um troféu que o meu antecessor deixou num frasco, que eram duas orelhas supostamente de um inimigo. Fiquei chocado com tal troféu e em segredo eu próprio fiz uma espécie de funeral a essa parte do corpo de um ser humano.

Ainda hoje sinto tristeza ao me lembrar de tal episódio, daí o meu total desacordo na publicação destas fotografias, pois que me faz pensar que quando foram tiradas e guardadas todo este tempo, foi como se de um Troféu de Guerra se tratasse.

Penso assim que neste momento deveríamos ser um pouco mais cuidadosos e, quem sabe, ir ao fundo das gavetas e destruir algumas das más lembranças e se calhar algumas das nossas piores atitudes como seres humanos que, por este ou outro motivo, mesmo que impulsionados por situações a que fomos empurrados,umas veses obrigados, outras por instinto animalesco que de uma forma outra estaria enraizada em nós [...].

Vou terminar este meu parecer, mas quero ainda esclarecer que escrevo estas linhas movido por uma certa tristeza e alguma raiva. Daí que me desculpem todos, se não estão de acordo com o escrito. É que, como de costume, eu normalmente só escrevo o que o meu coração manda e faço-o tal e qual como penso. Por tal, meu amigo Luís Graça, se achares que não vale a pena publicar, estás como sempre à vontade para o fazer.

Quero ainda dar uma nota muito positiva para o que se tem escrito sobre o tema que foi lançado que é o após, o regresso à Metrópole (2). Logo que possa, e se ainda estiver admitido neste blogue, escreverei algo sobre o dito tema.

Um abraço para ti Luís Graça e restantes camaradas da TABANCA GRANDE
Henrique Cerqueira
Ex-Fur Mil
Batalhão 4610/72
Biambe, Bissorã,
1972/1974

2. Comentário de L.G.:

(i) É saudável discordarmos uns dos outros, e sobretudo apresentarmos as razões por que discordamos desta ou daquela orientação, atitude, acção, omissão... Discordar não é conflito nem delito.

(ii) A decisão foi minha, e de mais minguém, a de "ilustrar" (não gosto do termo, mas não me ocorre outro) o poste do Branquinho com as imagens (macabras) de "despojos humanos" que, presumo, tenham sido enterrados, depois de fotografados, no "biotério" do Hospital Militar de Bissau, se é que o hospital tinha biotério...

(iii) Calculei os riscos e os estragos. Pela segunda vez, pisei deliberadamente o risco. E também propositadamente reproduzi o comentário que o Carlos Vinhal já tinha feito, através do correio electrónico do nosso blogue, a respeito dessas imagens.

(iv) Na altura já não sei se respondi ao Carlos Vinhal. De qualquer modo, nem todas as questões que levantamos, a nós próprios ou aos outros, têm resposta. Recuso o "voyeurismo", a morbidez, a pornografia, a exploração estética da morte e do horror... mas há às vezes tenho dificuldade em estabelecer a linha de fronteira. Eros e Tanatos, amor e morte, são uma terrível dicotomia, com que nunca saberemos lidar bem (ou com que sempre lidaremos mal)...

(v) O que nos incomoda nas imagens da morte na guerra ? Há um pudor, por parte dos velhos guerreiros, dos antigos combatentes, em relação à morte, aos cadáveres, aos despojos humanos da batalha... Curiosamente, também os médicos lidam mal com isso... Como se ambos soubessem que a Morte/Tanatos acaba sempre por triunfar contra tudo e todos, o Amor/Eros, a vida, a ciência, a tecnologia, a nossa doce e terna ilusão de eternidade... Por isso fazemos monumentos (funerários) aos nossos mortos, aos nossos combatentes, aos nossos heróis...

(vi) Na aldeia global, a morte não é mais sinónimo de horror porque chega a nossas casas através do ecrã-tampão, do ecrã-filtro do nosso televisor... Já nada nos tira o apetite (nem a seguir o sono) à hora do telejornal, à noite, ao jantar... A televisão banalizou a morte, o horror, a guerra em directo...Do Iraque ao Darfur...

(vii) Em contrapartida, as imagens do fotojornalista que chegam à World Press Photo, através de um processo de selecção de um júri, profissional, conceituado, plural e internacional - muitas delas sobre o horror da guerra e da violência - têm como objectivo, explícito, COMUNICAR comigo, e implícito, PROVOCAR-ME, CHOCAR-ME, MEXER COM AS MINHAS EMOÇÕES, INTERROGAR-ME, SACUDIR A MINHA INDIFERENÇA, SENSIBILIZAR-ME, etc.

(viii) Os nossos filhos, que felizmente não foram à guerra, TÊM O DIREITO SABER QUAL O EFEITO (DEVASTADOR...) QUE AS NOSSAS TECNOLOGIAS DA MORTE, nossas e do PAIGC, tinham sobre os nossos corpos, sobre os corpos dos nossos camaradas, sobre os corpos dos nossos inimigos... Das minas anti-pessoais aos fornilhos, dos obuzes 14 às bombas de napalm, das granadas de RPG7 aos morteiros 120...

(ix) E o que é a guerra se não um imenso matadouro, Henrique ? Repara que estas imagens são descontextualizadas, não permitindo em caso algum identificar quem que seja... Por outro lado, não são nem podem ser lidas como troféu de guerra (Nada te autoriza essa leitura...).

(x) É preciso "exorcizar os nossos fantasmas" (coisa que andamos a tentar fazer há 40 anos, ao que parece em vão...). Concordo contigo. Mas será através da denegação ? Da ocultação dos cadáveres, das orelhas, das cabeças, das pernas, dos despojos... ? Da destruição das imagens, dos signos, dos vestígios, dos documentos, das narrativas ?

(xi) Não creio que alguém se pudesse recriar (o termo é teu) , no então HM 241, e muito menos o nosso camarada Carlos Américo Cardoso, ex-1º Cabo Radiololista (que já deu provas de ser uma camarada com valores, com sensibilidade, com sentido de solidariedade, etc.)...

(xii) Vamos censurar as nossas próprias narrativas ? Vamos decidir que frases como esta são inaceitáveis porque podem ferir a nossa sensibilidade, ou a sensibilidade de alguns de nós, dos nossos velhos, das nossas criancinhas ?

Entra no recinto do aquartelamento a viatura de caixa aberta, com os pedaços dos corpos. Curiosos agarram-se às cancelas e espreitam.
– Foda-se! Parecem todos pretos! (1)


(xiii) Agradeço muito a tua participação no bogue, com o teu comentário, ainda para mais para me criticares enquanto editor. É um direito mas também uma obrigação que tu tens, enquanto mebro da nossa Tabanca Grande.

(xiv) Em contrapartida, estranho o teu último parágrafo: "Quero ainda dar uma nota muito positiva para o que se tem escrito sobre o tema que foi lançado que é o após, o regresso à Metrópole (2). Logo que possa, e se ainda estiver admitido neste blogue, escreverei algo sobre o dito tema"...

Não aceito a tua insinuação (involuntária...) de que alguém possa ser expluso deste blogue por uma "delito de opinião" ou por fazer críticas ao(s) editor(es)...

Um Alfa Bravo (abraço) do Luís.

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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3011: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (3): Fornilhos e despojos humanos

(2) Vd. poste de 2 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3015: Os nossos regressos (4): Dois anos perdidos naquela terra, quente, húmida e vermelha...(Torcato Mendonça)

Guiné 63/74 - P3016: Em busca de... (32): Margarida Dahaba, professora, filha do 2º Sargento Fodé Dahaba (M. Ribeiro de Almeida / J.M. Gonçalves Dias)

Guiné > Arquipélago dos Bijagós > Ilha de Bolama > Bolama > CART 3492 > 1972 > Pessoal da CART 3492 posando juntamente com um grupo de bajudas e crianças. Da direita para a esquerda: Alf Gonçalves Dias (4º Pelotão), Furriel Duarte (4º Pelotão), Alf Mexia Alves (1º Pelotão), Alf Barroso (3º Pelotão), Furriel Pires (1º Pelotão), "homem da minha confiança" (JMA)

Fotos: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados


1. Mensagem de Miguel Ribeiro de Almeida


Exmo. Sr.
Luís Graça (e co-editores e tertulianos do blog),

Tomei há pouco tempo conhecimento do vosso magnífico blog. Queria dar-vos os meus sinceros parabéns pela qualidade do mesmo, pelo contributo que presta à história contemporânea do nosso país, pela mensagem de amizade e confraternização que veicula, e por não deixar morrer a memória de uma guerra para a qual foram mobilizados tantos jovens portugueses.

Devo dizer-vos que me emociono ao ver fotos e ao ler textos do vosso blog, que tão bem descrevem e documentam os anos de guerra na Guiné.

Eu tinha 9 anos quando se deu o 25 de Abril, e da guerra guardo ainda na memória as imagens de entrevistas a soldados, na TV (creio que em épocas festivas, enviando mensagens para as famílias, estarei certo?), as conversas que ia ouvindo e os telegramas de papel amarelo [, os aerogramas,] que chegavam da Guiné, onde o meu tio - José Maria Gonçalves Dias, Alferes Miliciano - combateu, entre 1971 e 1973.

Pertenceu, primeiro, à CART 3492 [, unidade de quadrícula do Xitole,] e depois ao CCS do BART 3873. Esteve em Bambadinca.

Lisboa > Hospital Militar Princiapal > 1969 > Fotografia do 2º sargento Fodé Dahaba, "com um sorriso muito triste, tirada nos jardins do Hospital Militar Principal em Lisboa"... Pertencia ao Pel Caç Nat 52 (Bambadinca, Missirá ). Foi gravemente ferido em 22 de Fevereiro de 1969, na Op Anda Cá, na região do Cuor, a norte do Rio Geba. Foto : © Beja Santos (2006). Direitos reservados

O meu tio vai regularmente aos convívios de confraternização com os seus antigos camaradas da Guiné, por isso creio não ter perdido o contacto com nenhum. No entanto, como não domina estas coisas cibernáuticas, pediu-me para eu fazer uma pesquisa relativamente a um antigo camarada, o 2º Sargento Fodé Dahaba, de uma Companhia de Comandos Africanos (peço desculpa se a denominação não for exactamente esta), de quem ficou muito amigo, bem como da sua filha Margarida Dahaba, a quem viu nascer.

O meu tio sabe que a Margarida é professora primária em Portugal, e gostava muito de a contactar. Será que alguém do vosso blog o poderia ajudar a localizá-la?

Pelas pesquisas que fiz no vosso blog, parece-me que o 2º Sargento Fodé Dahaba vive em Lisboa, pois encontrei uma foto dele, seguida de um texto do Dr. Beja Santos, embora este texto seja de 2006. Podem confirmar-se se assim é, ou se neste momento se encontra a residir na Guiné-Bissau?

Desde já vos agradeço, em nome do meu tio, toda a ajuda que me puderem prestar. E, mais uma vez, as minhas sinceras felicitações pelo vosso magnífico trabalho.

Saudações cordiais a todos,

Miguel Ribeiro de Almeida

2. Comentário de L.G.:

Obrigado, em meu nome e dos demais amigos e camaradas da Guiné, pelas suas referências elogiosas que fez ao nosso blogue e ao nosso trabalho de preservação e divulgação das memórias da guerra colonial na Guiné.

Do seu tio encontrámos uma foto, tirada em Bolama, e que nos foi enviada pelo Joaquim Mexias Alves, seu camarada da CART 3492 (estiveram juntos no Xitole, pelo menos alguns meses, em 1972; e deve-se ter encontrado várias vezes em Bambadinca, depois da transferência do Joaquim para o Pel Caç Nat 52).

O Fodé Dahaba pertencia a esta mesma subunidade, o Peltão de Caçadores Nativos, nº 52, comandado então pelo Alf Mil Beja Santos (1968/70). O Fodé foi gravemente ferido em combate em 22 de Fevereiro de 1969. Foi evacuado posteriomente para o Hospital Militar Principal, em Lisboa, na Estrela. Deve ter regressado à Guiné posteriormente, e terá sido nessa altura, circa 1972/73, que o seu tio o conheceu. Imagino que tenha voltado de novo a Portugal, por razões médicas ou outras. Talvez o nosso camarada Beja Santos o possa ajudar, com informação mais detalhada, sobre o seu paradeiro actual bem como o da sua filha Margarida Dahaba, que hoije deverá ter cerca de 35 anos. Diz você que é professora do 1º ciclo do ensino básico. Espero que, com a nossa ajuda, a possa localizar e contactar. Vou fazer um apelo a todos os nossos amigos e camaradas. Poderá também contactar o seu camarada Beja Santos, actualmente assessor principal do Instituto do Consumidor (antiga Direcção-Geral do Consumidor), ao Saldanho. Boa sorte nas tuas diligências. E dá um Alfa Bravo (abraço) ao teu tio. Luís.

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Nota de L.G.:

(1) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1542: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (34): Uma desastrada e desastrosa operação a Madina/Belel

(...) "Uma das cenas mais horríveis que presenciei em toda a minha vida

"De imediato, fui comunicar o sucedido aos dois capitães propondo que assim que houvesse luz eu avançaria para Madina sem perda de tempo. Ainda insisti na separação dos dois destacamentos, sem qualquer sucesso. Cerca das 5h da manhã avançámos fora de um trilho batido. Logo a seguir, Fodé Dahaba detecta uma mina antipessoal, pedi-lhe para ficar ali com a missão de afastar as tropas deste local. Relata-se que havia um segundo engenho, os meus soldados disseram-me mais tarde que não.

"Toda a tropa de Missirá avançava para o acampamento de Madina, ouvia-se distintamente os pilões a funcionar e cânticos de mulheres quando uma explosão ensurdecedora encheu os ares, e após um angustiante silêncio ouviram-se os urros de dois homens. Retrocedo e vou ver uma das cenas mais horríveis que me foi dado presenciar em toda a minha vida: era uma fossa imensa, polvilhada de pedaços de metal, lá dentro agonizava um soldado e na berma gemia o Fodé sem
uma perna e um pedaço de uma mão.

"Seguiu-se uma conversação duríssima em que eu pedia compreensão para avançar imediatamente sobre o objectivo, ao qual me foi respondido que os feridos graves tinham prioridade, que era melhor retirar para perto e pedir uma evacuação. De uma retirada para transportar feridos fomo-nos progressivamente afastando de Medina e pelas 8h da manhã eu sabia que a operação estava completamente perdida. Os rádios que não funcionaram na véspera passaram agora a funcionar, o desânimo aumenta, aqueles gritos de um soldado que vai morrer e de outro que vai ficar estropiado contagiam o moral das tropas. Já não estamos a evacuar feridos, estamos a recuar em direcção a Missirá enquanto se passa por rádio a batata quente para o PCV" (...).

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3015: Os nossos regressos (4): Dois anos perdidos naquela terra, quente, húmida e vermelha...(Torcato Mendonça)

Meus Caros Camaradas,

Antes que o texto tenha destino de império, sem reler atentamente segue ciberespaço fora…mais rápido do que o Uíge, mais curto do que o previsto. Menos intimista, menos agressivo… em resumo, suave…em português suave…o regresso dos guerreiros ou os restos do império.

Cuidado, muito cuidado. Só fala assim quem lá foi, sentiu a vida a ir e vir, o cheiro doce da morte, a violência do "assalto", o incómodo do "toque" físico e o sobressalto do pesadelo de visão ou sono interrompido…ou chorou de raiva ou dor pelo camarada desfeito, ali na terra estendido...caramba porquê???!!!

Envio tri-abraços fortes e até,

Torcato Mendonça
__________

O REGRESSO

Dia ansiosamente esperado.

Tinha vindo, dias antes, para Bissau. Juntamente com o comando e a "secretaria" fora o último Grupo a sair de Mansambo.

O Uíge chegou, com mais um carregamento de militares, dois ou três dias antes do dia da partida deles.

Ficou afastado, entre o cais e a ilha. Era namorado da marginal, por quem ia embarcar num desejo de rápida penetração em cópula que tardava.

Finalmente o dia chegou. Amanheceu diferente, menos quente, mais mexido, com corridas, ordens rápidas, formatura, desfile com fanfarra e discursos dispensáveis. Depois acalmou mais com a curta viagem em coluna auto até ao cais. Esperava-se e desesperava-se.

Vinha a comandar a Companhia e não sabia se embarcava ou não. Ficara na Comissão Liquidatária, juntamente com dois sargentos e um amanuense. Um alferes estava no hospital, outro tinha menos um mês de comissão e esperava ordem de embarque, ainda o outro tinha chegado cerca de um mês antes, juntamente com um sargento, para preparar a chegada. Restava um, ele!

Podia, e devia, ser substituído pelo capitão com quase um ano de comissão a cumprir. Desejo de todos; ele, porque partia já, os sargentos e mesmo o capitão porque eram profissionais. A guerra terminara e já não precisavam dele. Além disso “aquilo” convinha ser tratado por profissionais. Eles lá sabiam porquê…estavam na terceira comissão. Profissionais! Pedido feito e negado. Reformulado e nem sim nem não, ”nim”, ou mais um sim. Esperava agora, ainda, arriscava e desesperava, Tentava manter a calma que aqueles anos lhe ensinaram. Mas, voltar a aturar burocratas…antes o mato.

À hora aprazada começa o embarque.

Tudo pronto. O Uíge zarpa, lentamente, ao encontro da barra do Geba e do Atlântico. Viagem de seis dias ou sete até ao seu País e á ponte…a ponte!

Ficou no convés, via Bissau a afastar-se e pensava: vou ou ainda me mandam regressar? Aos poucos a terra afasta-se e ali fica, procurando respostas para tantas dúvidas. Será que regresso a esta terra ou vou para a vida civil; continuo a estudar ou vou fazer o quê; militar ou civil? Logo se vê…logo se vê…

Dois anos perdidos naquela terra, quente, húmida e vermelha. Dois anos da sua vida ali ficaram, os seus verdes anos, a que se juntavam mais dois. Estava com quase vinte e cinco. Não, acabara de fazer vinte e cinco. E agora?


Vinha mais adulto, mais velho, mais cicatrizes físicas e mentais ou de alma. Gaita onde estará a alma? Ontem ou hoje procura-a e não sabe. Talvez se tivesse uma ou soubesse onde estava a sua fosse mais fácil. Sentia vir diferente. Amarrotado pela vida passada naqueles dois anos, onde não fora ele, sendo, onde tanto vira, sentira de mau e menos mau. Onde sentira até onde pode ir a solidariedade e a camaradagem dos homens em gestos abnegados ou até onde, esses mesmos homens podem ir em bestialidade e violência. E ele era diferente? Claro que não! E agora? Por agora, ali estava no final da tarde, encostado, a um poste no convés do barco tal qual fizera, aquando da partida, dois anos antes no Ana Mafalda.


Memórias

Regrediu no tempo e, em velocidade superior á da luz passaram aqueles dois anos pela sua mente. O embarque, a viagem, Cabo Verde e Bissau na chegada sentindo o calor e a humidade a subirem, a encharcarem o corpo e a saírem em água e toxinas por todos os poros.

Parecia ter passado tanto tempo e só foram dois anos. A ida para o primeiro aquartelamento no Leste, Fá Mandinga. O sentir aqueles cheiros, as gentes, os sons da mata, a rápida habituação a uma terra tão diferente.

Treino operacional no Xime, nomadizações, emboscadas e seguranças a Mato Cão, a primeira operação com assalto e destruição a Galo Corubal. Recordava esses dois anos cheios de tanto e para quê? Sofreram na Companhia, fora os militares africanos, oito mortos, dezenas de feridos e alguns com gravidade. Tantos, demasiado sofrimento imposto aqueles homens, quase ainda meninos na partida, hoje endurecidos por dentro e por fora. Continuava pensando e vendo a terra já longe, a noite a chegar e preferiu descer ao camarote.

O Comandante das tropas embarcadas era o Tenente-coronel Pimentel Bastos, seu antigo comandante em Bambadinca.

Viagem a decorrer normalmente até uma madrugada, talvez não longe das Canárias, quando o mar se enfureceu e as vagas cresceram. Abanava o Uíge e roncava com a hélice a sair da água. Desceu ao porão. Lá estavam os soldados amontoados entre malas, vómitos e um cheiro de arrepiar. Os escravos do século XX sofram que a Pátria vos agradece. Subiu e sentia já a mudança, a revolta a subir.

Continuaram a viagem. Finalmente o jantar de despedida. Iam desembarcar no outro dia. Comeu e muito mais bebeu até sentir o álcool a tomar conta dele.

Dormiu pouco e em sobressalto. Todos madrugaram ainda sem Lisboa á vista.

Pouco depois aí estava ela, a capital do império a esboroar-se, e, antes dela, a Ponte… a Ponte. Finalmente a ponte e a concretização do seu sonho - passar dor debaixo da dita - passou, mão esquerda a acariciar o estômago e a direita a saudar a montanha de aço e o sorriso a afugentar os últimos vapores de álcool.

Ficaram ao largo. Depois lentamente a acostagem à Rocha de Conde de Óbidos. A saída ordenada, a fuga para junto das famílias. Nova despedida, mais um parvo desfile e embarque em autocarros até Évora.

Dia longo, burocracias resolvidas já com a noite avançada. No dia seguinte mais burocracias, almoço no Fialho e regresso ao quartel. Ultimas assinaturas, despedida do Comandante Coronel Branco do 1904 de Bambadinca e virou civil. E agora? E agora?

Falou com um telefonista, pediu-lhe para lhe encontrar um táxi para corrida de cerca de quatrocentos quilómetros e esperou.

Já de noite chegou a casa. Finalmente.

E agora?

Tratou, desesperadamente, de se habituar a ser civil. Tentou esquecer mas ia e vinha em tormento, em saudade, em algo que, ingenuamente pensou definitivamente ter desaparecido. Mas o som do heli, o foguete, a voz mais alta, o copo a virar copos…sabe lá.
Hoje tem memórias, continua com incertezas, recorda datas que o marcaram, gentes que gostou ou detestou.

Ficou diferente. Melhor, pior? Diferente…
A sua vida civil. Bem sai fora deste contexto…
__________

Adaptação e substítulos: vb

(1) Torcato Mendonça, ex-Alf Mil CArt 2339, Mansambo, 1968/69

(2) Vd. artigos de:

1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3012: Os nossos regressos (3): Ficámos a ver Lisboa do navio (José Teixeira)

1 Julho > Guiné 63/74 - P3007: Os nossos regressos (2): Finalmente, cheguei, estou vivo, não se assustem, sou eu, o Joaquim (J. Mexia Alves)

26 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2987: Os nossos regressos (1): Lisboa, dois anos depois (Virgínio Briote)

Guiné 63/74 - P3014: Fuzileiro uma vez, fuzileiro para sempre (José Macedo, EUA)


1. Mensagem de 13 de Fevereiro último, do nosso camarada José Macedo (ou Zeca Macedo), um cabo-verdiano da diáspora, que foi FZE [Fuzileiro Especial] no DFE 21 na Guiné em 1973/74, e que hoje é advodado nos States, para onde imigrou em 1977 (1). Pelo atraso na divulgação da mensagem - devida a falha técnica (2)... - pedimos desculpa ao nosso camarada e ao restante pessoal da Tabanca Grande.

Luis:

Obrigado por me teres apresentado oficialmente na Tabanca Grande (1). Só tenho um reparo a fazer: chamaste-me, Ex-Segundo Tenente Fuzileiro. Não há Ex-Fuzileiros. Como deves saber, Fuzileiro Uma Vez, Fuzileiro Para Sempre.

Falei hoje com o Coronel Raul Folques, que conheci na Guiné e que foi comandante de uma Companhia de Comandos Africanos, em Brá. Matámos as saudades sobre os tempos passados na Guiné e algumas operacões que fizeram na Cobiana, que ficava na área de Cacheu, Frente Cantchungo-Biambe, que era onde estive estacionado com o DFE 21.

Um abraço amigo

Zeca Macedo (2)

2. Mensagem anterior, de 25 de Janeiro

Luis:

Graças à Tabanca Grande, descobri o e-mail dele, através de uma correspondência com o Comandante Pedro Lauret, falei com o Comandante Alves de Jesus (GNR) que comandou o DFE 4 na Guiné (na altura primeiro tenente) e que esteve em Guidaje em 73, na mesma altura que estive no DFE 21 (Fuzileiros Africanos).

Acho que mencionei ter estado na Guiné de 72-74. Puro engano; estive lá de 73-74. Depois de ter lido o artigo sobre o MNF e a Cilinha Supico Pinto, desenterrei uma foto tirada aquando da visita dela ao DFE21, em Vila Cacheu. Assim que tiver uma oportunidade elá sera enviada para que lhe dês o encaminhamento que julgares apropriado.

Um abraço amigo

José J. Macedo
DFE 21, Guiné
73-74
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Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 13 de Fevereiro de 2008 >
Guiné 63/74 - P2532: Tabanca Grande (56): José J. Macedo, ex-2º tenente fuzileiro especial, natural de Cabo Verde, imigrante nos EUA

(2) O Zeca mandou-nos também uma foto de um "Cabo FZE do DFE21, expert no manejo da MG 42 e mecânico extraordinário dos motores Mercury que usávamos nos Zebros em que fazíamos os patrulhamentos do Rio Cacheu e seus afluentes"...

Por razões que ainda não descortinámos, essa foto desapareceu dos nossos ficheiros. Ficamos a aguardar um 2º envio, se o Zeca Macedo achar que vale a pena...

Há dias publicámos a foto de antigo FZE, guineense, do DFE 21, hoje régulo de Cananima (que fica frente a Cacine): vd poste de 29 de Junho de 2008 >
Guiné 63/74 - P2994: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (17): Cacine, a voz dos abandonados (I)

Guiné 63/74 - P3013: Reordenamentos Populacionais (1): Gadamael, o primeiro, na sequência da retirada de Sangonhá e Cacoca em meados de 1968 (António J. Pereira da Costa)








Guiné >Região de Tombali > Gadamael - Porto > 1968 > A construção do primeiro reordenamento do CTIG, na opinião do Cor Art António J Pereira da Costa.


Fotos: © António José Pereira da Costa (2008). Direitos reservados.





Guiné >Região de Tombali > Gadamael - Porto > s/d > Tabanca, reordenada pelas NT.

Foto: Autores desconhecido. Álbum fotográfico Guiledje Virtual. Gentileza de: © AD -Acção para o Desenvolvimento (2007).







Guiné-Bisssau > Região de Tombali > Sector de Cacine > Cacine, na margem esquerda do Rio Cacine > 2 de Março de 2008 > Simpósio Internacional de Guileje (1-7 de Março de 2008) > Visita dos participantes ao sul > Por aqui passou a CART 1692... Esta tosca placa, em cimento, diz-nos que em dois dias, de 16 a 18 de Abril de 1968, foi construído este abrigo, em tempo seguramente recorde, a avaliar pelas "60 bebedeiras neste 'priúdo'... TRABALHO RÁPIDO" (sic).

Foto: © Luís Graça (2008). Direitos reservados.

1. Mensagem do Cor Art António José Pereira da Costa:


Em Maio/Junho de 1968, o Gen Spínola [, então ainda brigadeiro, ] determinou o abandono dos quartéis de Sangonhá (1) e Cacoca. Houve que transportar, para Gadamael e Cacine, a população que ali residia e que, em Cacine, ficou instalada na antiga Missão do Sono que agora já não existia, visto que a doença estava erradicada.

Foram feitas mais de 30 colunas em pouco mais de 15 dias. À chegada foi necessário construir as casas com o auxílio do pessoal da CART 1692 (2). Pela sequência das fotos é possível ver que se podem construir casas a partir do telhado. A qualidade das fotos não será a melhor, mas este poderá ter sido o primeiro Reordenamento da Guiné (3).

Julgo que terá interesse para o blogue.

Um Abraço do

António Costa

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Notas de L.G.:

(1) Sobre Sangonhá , vd. postes de:

23 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2574: Estórias de Guileje (9): O massacre de Sangonhá, pela Força Aérea, em 6 de Janeiro de 1969 (José Rocha)

25 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2579: Álbum Fotográfico do Hugo Moura Ferreira (3): Em Sangonhá, a sul de Gadamael, com a CCAÇ 1612 (1968)


(2) Na página do Jorge Santos, encontrei referência a um encontro da CART 1672 (1967/69). Elemento de contacto: Armando Marques > Telemóvel: 939 823 397


(3) Sobre a política de reordenamentos, vd. os seguintes postes:


12 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2100: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (1) (A. Marques Lopes / António Pimentel)

16 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2108: A Política da Guiné Melhor: os reordenamentos das populações (2) (A. Marques Lopes / António Pimentel)


Vd. também sobre o reordenamento de Nhabijões (Sector L1, Bambadinca):

22 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCII: O reordenamento de Nhabijões (1969/70) (Luís Moreira)

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971)(Luís Graça)

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCIX: Luís Moreira, de alferes sapador a professor de matemática (Luís Graça)

28 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXCIV: Nhabijões: quando um balanta a menos era um turra a menos (Luís Graça)

terça-feira, 1 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3012: Os nossos regressos (3): Ficámos a ver Lisboa do navio (José Teixeira)

Guiné > Região de Tombali >Aldeia Formosa >CCAÇ 2381 (1968/70) > O Maioral Zé Teixeira,1º cabo enfermeiro, junto ao obus 14 que batia a zona fronteiriça...




- Tirem-me daqui! Tirem-me daqui!

...Era o grito que mais se ouvia nos últimos meses de Guiné, sobretudo depois da estúpida morte do Conceição Caixeiro (1).

A reentrada no Niassa em fins de Abril de 1970 foi o primeiro sinal de que era chegada a hora do regresso, passados quase vinte e quatro meses num ambiente de guerra activa.

Quatro camaradas tinham ficado pelo caminho. Alguns mais tinham antecipado o seu regresso, feridos e estropiados. Nós, os restantes, de olhos postos no mar alto, a tentar divisar Lisboa, dizíamos adeus à Guiné, com promessa de não mais voltar. Puro engano que o tempo se encarregou de esclarecer, pois a maioria de nós, hoje, sonha em voltar, agora voluntariamente para rever as amizades deixadas, e foram tantas, passar pelos locais onde viveu, onde sofreu, situações de luta e tantas de alegria. Situações que nos marcaram por toda a vida.

Nunca mais se via Lisboa

O nascer e o pôr-do-sol, marcava os dias e as horas, que teimavam em não passar. Lisboa teimava em não aparecer no horizonte visual. Faziam apostas sobre o dia e a hora da chegada. Manhã cedo toda a gente vinha para a amurada do barco, à procura de sinais da terra abençoada. Muitos ali ficaram de guarda, dia e noite na esperança de serem os primeiros. Até que se nota à distância uma mancha negra.
- Terra! Terra! Lisboa à vista!

Toda a gente acorre, surgem de todo o lado. É quem mais espreita. Eu não via nada, a não ser uma agitação febril de um vai e vem, um apontar de dedos, acolá, lá longe … Demasiado lento para a nossa pressa o barco lá se foi aproximando, e a noite também, para nosso azar. Vamos desembarcar de noite, dizia-se.
- Como vou localizar de noite a minha mãe ? - interrogava-se alguém.
- Vamos ficar no barco até de manhã, tem lá jeito desembarcarmos de noite!


Uma longa noite, com Lisboa ali tão perto

Certo é que a noite chegou e nós ficamos a ver Lisboa, do navio enquanto os nossos familiares ficaram a ver navios. A marginal iluminada, os carros a passar, as pessoas. E, nós a duzentos metros da costa, tão pertinho!

Noite longa das mais longas das noites, e sem sono, tal como nas emboscadas da Guiné. Agora sem medos nem fantasmas, cantava-se em grupos mais ou menos homogéneos. Sonhava-se acordado com os abraços e beijos que iríamos distribuir na manhã seguinte.

Um barco acordado toda a noite à espera de um novo dia, o qual seria de facto a reentrada numa nova vida, a nossa, a verdadeira, a que desejávamos construir. O mágico dia da peluda há tanto tempo sonhada e desejada.

Mal o sol nasce, começa a atracagem e as correrias pela amurada à procura dos familiares que no cais nos aguardavam. Muitos deles, vindos de terras distantes, passaram ali a noite, apreciando o espectáculo que ao longe se vislumbrava no barco.

Juntamente com cinco camaradas, empunhávamos um cartaz identificativo pré-acordado com as nossas famílias. Corremos o barco de lés a lés à procura de sinais de localização das mesmas, para desembarcarmos ao seu encontro. A alegria é enorme quando um de nós ouve chamar pelo seu nome. Segue-se, outro e outro, até ficar eu sozinho. O tempo vai passando o barco esvazia-se e eu continuo à procura dos meus.

Um camarada volta ao barco com o caniche, todo orgulhoso pois o animal reconheceu-o, passados dois anos de ausência. Por simpatia ficou comigo algum tempo. Enrolo o cartaz e continuo desesperadamente à procura. Ao longe vejo um rosto conhecido. Salto de contente. Expresso a minha alegria batendo com o pau do cartaz na borda do barco, mando beijinhos e sou correspondido, mas...esta visão varre-se de imediato da minha memória.

Não era a minha mãe e continuo desesperadamente à procura, deixando a minha família expectante no lugar onde a tinha visto, à espera que eu descesse do barco. Eram, a minha cunhada, meu irmão e minha mãe. Estranharam que eu continuasse a correr o barco de uma ponta à outra. Chamam por mim, mas eu estava cego e surdo.


A minha Mãe?

Fui dos últimos a descer. Entrego os meus haveres à guarda numa família de um camarada e amigo. Agora no cais, continuo à procura. Aparece-me a namorada. Encontro feliz. Pergunto-lhe pela minha mãe. Ela tinha vindo de véspera e marcaram encontro também ali no cais. Agora somos dois à procura, vais ser fácil pensei eu. De facto meu irmão agarra-me por um braço e diz-me com ar de zangado:
- Vem daí, a nossa mãe espera-te além!

Minha mãe recebeu-me com lágrimas de tristeza, pois para ela, eu desprezei a família, a mãe por troca com a namorada.

Após o espólio regresso a casa na manhã seguinte. Confesso que só ao chegar a Gaia e ver o meu Porto, senti que verdadeiramente estava fora da guerra. A recepção foi fria e estranha de tal modo que uns dias depois pensei em sair de casa. Queria fugir daquele ambiente que não me compreendia. Toda a gente afirmava que eu os tinha visto, atirado beijos, dito adeus, quando estava no barco e continuei sem lhes ligar à procura da namorada, enquanto os outros corriam a abraçar os pais e irmãos.

Eu negava. Rebatia que não tinha visto ninguém, que até cheguei a chorar de desespero, mas passava por mentiroso.

Passados uns dias, minha irmã que não tendo ido a Lisboa esperar-me, estava um pouco à margem do problema, foi ao meu quarto desejar-me boa noite e ficou a conversar comigo, pois só ela procurava entender-me.
- Sabes Zé, eles (minha mãe, irmão e cunhada) devem ter alguma razão, quando dizem que te viram, com um cãozito ao colo, e com um pau na mão. Dizem até, que tu quando vista a Glória (minha cunhada) saltaste de alegria e bateste com o pau na borda do barco, assim. Truz! truz! pegando no mesmo pau no qual estava embrulhado o cartaz que trouxera da Guiné.

Este truz truz reavivou-me a memória perdida. Num ápice, revi toda a cena; a minha cunhada a chamar-me, a acenar-me com a alegria natural de um encontro tão querido e há tanto tempo desejado, os meus gestos, a minha alegria…

Corri ao quarto da minha mãe, acordei-a e num longo abraço, bem sentido e selado pelas lágrimas, reencontrei-me e reencontrei a minha mãe.

Poderá parecer uma história, mal contada, mas foi a realidade do meu atribulado regresso, que teimava em não relembrar nem tão pouco escrever, mas o blogue prega-nos destas partidas.

Um abraço.

Zé Teixeira

__________

Adaptação e substítulos: vb


(1) Vd. poste de 11 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - DXXIV: Estórias do Zé Teixeira (2): o Conceição ou o morrer de morte macaca

(...) "O Conceição era uma camarada de Lisboa, que tanto quanto eu sabia, não tinha pais e vivia com a avó. Era um moço muito alegre e passava o dia a cantar.

"Já perto do fim da comissão, em Empada (está na parte do diário que não enviei para o blogue), estava na retrete ... e a cantar. Não ouviu as saídas de morteiro que nos foram enviadas do cimo da pista e controladas via rádio por alguém lá dentro ou junto ao arame farpado. Uma das primeiras rebentou no telhado da retrete e projetou-o para trás, esmagando parte da nuca contra a parede" (...).

(2) Vd. artigos de

1 Julho > Guiné 63/74 - P3007: Os nossos regressos (2): Finalmente, cheguei, estou vivo, não se assustem, sou eu, o Joaquim (J. Mexia Alves)

26 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2987: Os nossos regressos (1): Lisboa, dois anos depois (Virgínio Briote)

(2) José Teixeira, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada ,1968/70

Guiné 63/74 - P3011: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (3): Fornilhos e despojos humanos


1. Texto enviado, em 1 de Julho, pelo Alberto Branquinho, advogado, ex-alferes miliciano na CART 1689 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69):

Camarada Luis Graça

Com os meus cumprimentos pelo Post 3000, estou a enviar mais um texto para o UMBIGO (*), o nº3.

Um abraço
Alberto Branquinho


2. NÃO VENHO FALAR DE MIM… NEM DO MEU UMBIGO (3) > DESPOJOS
por Alberto Branquinho

Fotos: © Carlos Américo Rosa Cardoso (2007)(**)

Mais ou menos nove horas da manhã. O pessoal da Companhia estava pronto e equipado, com os seus pertences arrumados nos sacos de lona e espalhado pela proximidade dos abrigos (não fosse necessário recorrer a eles). Aguardava a coluna auto que chegaria de norte, para sair dali nessa mesma coluna, no movimento de retorno. A impaciência era grande para abandonar aquele inferno de guerra, sofrimento e privações de há longos, longos dias.

Exactamente a norte – três, quatro (cinco?) rebentamentos de grande potência. A primeira reacção foi correr para os abrigos. Muitos estacaram imediatamente, porque estouros com aquela força nada tinham a ver com saídas de canhão ou de morteiro. Todos os olhos dos corpos agachados se viraram para o lado dos estouros, com expressão ansiosa. Uma nuvem de pó (e fumo?) começou a surgir e a avantajar-se muito acima das copas das árvores, lá ao longe.
- Que merda foi aquela?

A resposta chegou pouco tempo depois, via rádio e retransmitida:
- Fornilhos.

Chamam-se enfermeiros e saem viaturas com pessoal, em socorro. A coluna tarda e não há mais notícias.

Chegam as viaturas que tinham saído. Os homens vêm com um ar soturno. Duas viaturas tinham sido afectadas e havia muitos corpos despedaçados.
– Quantos? - Ninguém sabe.
- Quando se fizer a chamada é que se pode ver. Sabe-se que falta um alferes.

Entra no recinto do aquartelamento a viatura de caixa aberta, com os pedaços dos corpos. Curiosos agarram-se às cancelas e espreitam.
– Foda-se! Parecem todos pretos!

A viatura é coberta com panos de tenda amarrados e enxotam as moscas que teimam em ficar por baixo dos panos. Uma raiva enorme, surda e irracional enche as cabeças e os peitos. Muitos cospem para o chão de forma maquinal, continuada e inconsciente.

As viaturas são abastecidas de combustível para o regresso, ao mesmo tempo que é retirada a carga que se destinava ao aquartelamento. Tenta-se reorganizar a coluna para o regresso, com a indicação de que a viatura com os restos dos corpos seguirá na retaguarda. O pessoal da Companhia que aguardava a chegada da coluna, seguirá a pé, espaçado, pelotão a pelotão, entre as viaturas.

Começa o andamento, desenrolando o novelo de viaturas e homens. A raiva sobe-lhes, os peitos arfam, os dentes cerrados. Há ordem para, além de olhar à direita e à esquerda, estarem atentos, também, às grandes árvores que ladeiam o itinerário. Não demoraram muito a chegar ao local do rebentamento dos fornilhos. Cabe um homem agachado dentro de cada buraco.

Um furriel viu, pendurado de um ramo alto, um braço ou, talvez, fosse uma perna.
- Eh, pá! Deixa aqui a G-3 e vai lá buscar aquilo, que a gente dá-te cobertura.
- Foda-se! Ir lá em cimba ?! Bá lá bocê!

Frente à recusa, desistiu e ficou parado, a olhar fixamente aquilo. Depois olhou para o chão, na beira do itinerário, ao lado da árvore. Três ou quatro formigas grandes e pretas, com as pinças cravadas, tentavam arrastar um pedaço de carne, que tinha colado um farrapo de farda camuflada. Com raiva, elevou o tacão da bota de lona para esmagar as formigas, mas susteve o pé no ar, com a perna flectida, para não esmagar, também, a carne. Acabou por dar um passo mais largo. Voltou-se para observar melhor e verificou que havia mais pedaços de carne espalhados em volta.

Ficou a olhá-los sem dar conta que as viaturas e os homens continuavam a passar.
Retomou a marcha devagar, muito devagar, titubeante e, entre dentes, ia repetindo Lavoisier:
-“Na Natureza nada se cria, nada se perde…nada se perde…nada se perde…nada se perde…nada se perde"...

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

30 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2903: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (1): Palavras e expressões do crioulo

12 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2931: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (2): Da solidão de pides, padres, administradores, mascotes...

(**) 1º Cabo Radiologista Carlos Cardoso, dos Serviços de Saúde Militar (1972/74). Vd.postes de:

1 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1481: Hospital Militar de Bissau (1): Apresenta-se o ex-1º Cabo Radiologista Cardoso

7 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1738: Hospital Militar de Bissau (2): O terminal da guerra, da morte e do horror (Carlos Américo Cardoso, 1º cabo radiologista)

Guiné 63/74 - P3010: Poemário do José Manuel (19): Aqueles assobios por cima das nossas cabeças...

Guiné > Região de Tombali > Mampatá > CART 6250 (1972/74) > "O Furriel Gomes do Pelotão de Caçadores Nativos, o Amadú, um guia e amigo do mesmo pelotão, e eu, carregado de cadernos e livros apreendidos no corredor da morte [ou corredor de Guileje]. De salientar a quantidade de livros escolares em português que o PAIGC tentava fazer chegar às zonas por eles controladas".


Foto, poema e legendas: © José Manuel (2008). Direitos reservados (1)


Aqueles assobiossobrevoando cabeças
os rostos no chão
beijando a terra vermelha
os dentes rangendo
mordendo em vão
os ouvidos prenhes
de sons brutais
os olhos abertos
que nada vêem
os gritos loucos
saídos do inferno
o silêncio surdo
que cai bruscamente
os olhares vazios
procurando rostos.


Nhacobá 1973
josema (2)

______

Notas de L.G.:


(1) Vd. último poste da série > 22 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2973: Poemário do José Manuel (18): Não se morre só uma vez...

(2) Poema e foto enviados em 16 de Abril de 2008. Sobre o autor, vd. poste de 27 de Fevereiro de 2008 >Guiné 63/74 - P2585: Blogpoesia (8): Viagem sem regresso (José Manuel, Fur Mil Op Esp, CART 6250, Mampatá, 1972/74)

Guiné 63/74 - P3009: Com sangue na guelra: Nós e a mística dos comandos da 38.ª, em Mansoa (Belarmino Sardinha)

1. Texto de Belarmino Sardinha, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM (Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74).

Com o Sangue na Guelra
por B. Sardinha

Tomei conhecimento deste Blog após algum tempo, muito, depois de criado.

Embora procure actualizar-me rapidamente, tenho consciência que muito me falta ainda ler do que já está escrito, mas não podia nem queria deixar de participar, não com factos de guerra propriamente ditos, que felizmente não vivi fora dos quartéis por onde passei, mas com outros que poderão ser interessantes para quem se queira dedicar a estudar, investigar, e pretenda um dia, daqui a mais alguns anos - não faltam muitos para se extinguirem os últimos de nós pela lei natural da vida -, analisarem, com a devida distância, as implicações que tiveram estas guerras de guerrilhas da altura, no comportamento social, individual e colectivo e no pós- independência das colónias ou províncias, hoje Países, onde nos batemos como se dizia, pela Pátria.

Tudo isto a propósito do que li escrito pelo Amílcar Mendes, da 38.ª de Comandos, a quem antes de mais envio o meu abraço, onde além de nos dar a conhecer na 1ª pessoa as tragédias sofridas por estes camaradas, se sentiu, certamente que não neste blog mas na sociedade em geral ou por pessoas pouco identificadas ou mal esclarecidas, apelidado de assassino.

No contexto da guerra, se assim o quiserem entender, todos que lá estivemos o fomos. Até mesmo eu, sem nunca ter saído da frente de um rádio o posso ter sido. Não acredito que qualquer camarada, no seu perfeito juízo, assim o considere. Só pode ser dito por alguém que nunca lá esteve ou por razões políticas que o motivem e me escuso de referir.




Guiné >Região do Oio > Mansoa > 2005 > Panorâmicas de Mansoa na actualidade > Fotos enviadas pelo nosso amigo e camaarada Constantino Neves e a ele cedidas pelo ex-Furriel Miliciano de Transmissões de Infantaria José Couto, da sua Companhia, a CCS/BCAÇ 2893. Voltou à Guiné em 2005. Já aqui publicámos fotos dele, do Cacheu, de Quinhamel e de Bafatá.

Fotos: © José Couto / Tino Neves (2006). Direitos reservados.


Tenho amigos que, continuando a sê-lo, embora pensem dessa forma, não consigo demovê-los, acham que por se terem ausentado na altura certa todos os outros o deveriam e poderiam ter feito e assim são co-responsáveis, mas cada um sabe das condições de vida que tinha, da sua formação e esclarecimento político e contactos na altura.

Mas voltando aos operacionais comandos, é certo que eram vistos de forma diferente da outra tropa, começavam logo por ser voluntários recrutados na instrução, mas quem é que aos 20 anos, sabendo ou calculando que ia parar à Guiné, Angola ou Moçambique não queria ir melhor preparado, não queria ser herói, chamar a atenção das miúdas e mostrar-se forte e valente sem medos nem receios?

Só quem nunca teve 20 anos e nunca cometeu excessos pode dizer uma tal barbaridade, ainda por cima não assumida ao que parece.

É verdade que estes militares tinham uma postura que lhes era transmitida e eles assumiam-se como diferentes, melhores e superiores, era uma outra forma de se afirmarem quando nada tinham tido antes onde pudessem fazê-lo, era normal naquela idade, a libertação dos pais e das dependências, a passagem a homem. Veja-se como mo Amílcar Mendes retrata e se distancia hoje dessa postura, mas assume-a.

Recordo um episódio da chegada desta companhia de comandos periquitos, a 38.ª a Mansoa, e o alvoroço que criaram quando substituíram à Porta D’armas os velhinhos do BCaç 3832, desejosos de regressarem a casa.

Habituados que estávamos a sair uniformizados mas sem obrigatoriedade de jogar com as peças certas de cada uniforme, quer dizer sairmos à vontade já que os passeios se limitavam a três ruas, irmos até à sede dos Balantas ou ao cinema, beber umas cervejas no Simões ou simplesmente dar uma volta, com estes à porta d’armas não podíamos sair do quartel se não estivéssemos fardados a rigor, quer dizer, sapatos e meias altas já que de botas de lona ninguém passava. Também não se lhes podia chamar periquitos.

Claro que rapidamente se espalhou isto no quartel e, passado pouco tempo, estava uma quantidade significativa de militares fardados a rigor, alguns até com a farda n.º 1, a formar à entrada do quartel e a pedir revista pelo oficial de dia.

Esta atitude tomada pela velhice e outros menos velhos como eu, com apenas 5 meses de Guiné, foi ultrapassada de imediato e voltou tudo à normalidade. Mas ficava sempre um mal estar que só o tempo esbatia, o conhecimento e a porrada que uns e outros íamos levando, cada uns nas suas situações.

Outras coisas eram feitas de propósito para obrigar a essa divisão, mas era normal no regime da altura e em qualquer outro que arranje formas de distrair para impedir aquilo que é importante, e era importante impedir que a generalidade dos militares, mais ainda os operacionais considerados de elite, não se misturassem e apercebessem da realidade, mas é esse estudo e as suas implicações que pode e deve ser feito por especialistas da matéria. Mas dizia eu que havia coisas que eram mal interpretadas e aceites, tais como terem construído um refeitório e um bar só para eles, onde acabou por não ser, já que eu, como individual, acabei por almoçar com eles uma vez e no bar passei muitas horas, mas tenho consciência de que terei sido mesmo uma excepção.

Ninguém pode hoje criticar um antigo militar que aos 20 anos esteve envolvido em actos que fizeram parte de um passado da história de Portugal, quando se tenham cingido ao andamento normal da situação vivida no local.

Não creio que alguém seja hoje capaz de chamar isso a Salgueiro Maia, também ele tendo chefiado um grupo operacional de comandos e um oficial que tinha orgulho na sua farda e no seu porte, mas que o tempo ajudou igualmente a amadurecer e a quem todos devemos o contributo e a bravura em 25 de Abril de 1974.

Um abraço para todos
B. Sardinha

Guiné 63/74 - P3008: O caso do embaixador de Portugal em Bissau (4): Não ao linchamento popular... (João Tunes / J. Mexia Alves)

1. Mensagem do João Tunes, cujo reaparecimento no nosso blogue eu só posso saudar, com amizade e apreço [O João está habitualmente no seu blogue Água Lisa (6)]:

Caro Luís,

Tenho assistido perplexo a esta guerra contra o embaixador português na Guiné. Decerto uma guerra fundamentada e justa, do ponto de vista dos seus promotores e dos indignados seguidores. Mas com uma componente emocional desbragada e uma tremenda carga agressiva nas palavras como se meio mundo desatasse, por um incidente que não testemunhou, à morteirada contra os muros da nossa embaixada em Bissau.

Claro que não ponho em causa o testemunho do Pepito nem da filha. Muito menos a gravidade da invocada falta de educação. Mas custa-me que se fuzile um embaixador português sem direito a legítima defesa, como me custaria para qualquer comum cidadão, delinquente que fosse. O MNE tem um orgão de fiscalização da actividade diplomática (não sei como se chama mas sei que o tem). Não seria mais correcto dirigir para aí a exigência da abertura de um inquérito à ocorrência e depois o apuramento das responsabilidades? Porque, como está a ser, não passa de um linchamento por justiça popular. Façam-no se o blogue para aí se voltar, mas fica aqui dito que não alinho em condenações sumárias. A mim basta-me fazer-te chegar esta declaração pois já não tenho idade para andar a dar tiros em embaixadores em incidentes que implicam no relacionamento do nosso país com países estrangeiros, o que pressupõe uma gravidade de intervenção que não se compadece com a leviandade de seguir-se a reboque da versão de uma das partes.

Abraço do
João Tunes

2. Também o Joaquim Mexias Alves nos acaba de mandar a seguinte mensagem sobre o caso do Embaixador de Portugal em Bissau:

Caro Luís e Camaradas;

Este caso do Embaixador tem andado a incomodar-me e tenho procurado palavras para exprimir o que queria dizer.

Já não preciso, pois o João Tunes encarregou-se disso, por isso, pedindo-lhas emprestadas, faço minhas as suas palavras.

É preciso saber tudo, o que aconteceu, o que pode ter acontecido, e o que já podia ter acontecido antes.

Os serviços respectivos que investiguem e decidam em conformidade, informando os interessados.

Abraço camarigo do
Joaquim Mexia Alves

3. De igual modo o J. L. Vacas de Carvalho, nos manda dizer: "Por mim aguardo até saber mais detalhes. Zé Luis"...


O Zé Luís, que é amigo da mulher do senhor embaixador, já nos tinha dito que ele, o senhor embaixador, era a educação em pessoa.. E eu respondi-lhe que, no mínimo, ele não fora feliz connosco, em Bissau, durante o Simpósio Internacional de Guileje (29/2 a 1/7/2008) e não parece ter sido educado para com uma lusoguineense e para com dois outros nossos amigos guineenses...

4. Comentário de L.G.:

Sou particularmente sensível às palavras do João Tunes: temos que saber gerir as nossas emoções, e nomeadamente em público, no blogue... Falei originalmente em "assobios e pateadas". Claro que estava a falar em termos metafóricos... Não quis inflamar a caserna e, muito menos, incentivá-la a pegar na G3 e no morteiro 60... Manifestei a minha solidariedade à Cristina, ao Pepito e à Isabel Miranda... Manifestei também a minha indignação (e é difícil fazê-lo sem alguma emoção, já que nenhum de nós é propriamente um animal de sangue frio...). Mas também estabeleci os meus próprios limites e as minhas regras. Retomo o que então escrevi (1):

(...) Pepito: Não conheço senão a tua versão dos acontecimentos. Todos os conflitos têm o verso e o reverso. Não creio, todavia, que tenham sido dadas quaisquer explicações (muito menos apresentadas desculpas) pelo senhor embaixador ou pela embaixada, relativamente a este incidente... Mas, conhecendo-te como te conheço, acredito na tua palavra e na tua versão dos factos. Herdaste do teu pai a verticalidade, a coragem e a honestidade intelectual. Não irias seguramente fazer deste incidente um caso público, a não ser por razões de dignidade (...).

Estou (ou estava na altura) seguramente mais preocupado com os nossos amigos guineenses e com as pequenas mazelas e sequelas que, eventualmente, este caso (algo insólito) possa (ou pudesse) ter nas relações de amizade e de cooperação entre nós todos... É fundamental que a Embaixada de Portugal em Bissau seja uma referência e um motivo de orgulho para todos nós, portugueses e guineenses. Quanto à falta de consideração e de respeito pelos antigos combatentes, a começar pelo Terreiro do Paço... bom, a isso infelizmente já estamos de há muito habituados. Não devíamos estar, mas estamos...

Resta-me dar, aqui, por encerrado este caso, a menos que os próprios serviços de relações públicas da Embaixada de Portugal em Bissau queiram - o que me parece de todo improvável - appresentar e divulgar, através do nosso blogue, a sua versão dos acontecimentos.

Não sei como funcionam os nossos representantes diplomáticos, quais são as suas regras de ser e de estar, a sua cultura profissional e institucional. Julgo que tradicionalmente cultivam o low-profile, uma vez que têm de ser discretos... A própria palavra diplomacia, pelas conotações que foi ganhando ao longo dos tempos, não parece ser compatível com a ideia de simplicidade, transparência, fairness, que esperamos hoje de uma administração pública pós-moderna... Pela nossa parte, queremos continuar a ser um blogue, aberto, emocional e socialmente inteligente, tolerante, plural, ético e friendly... Não somos seguramente um blogue caceteiro...

_________

Nota de L.G.:

Guiné 63/74 - P3007: Os nossos regressos (2): Finalmente, cheguei, estou vivo, não se assustem, sou eu, o Joaquim (J. Mexia Alves)

1. Para a nova série Os Nossos Regressos (1)... 

Regressos, no plural, por que cada história é uma história... O regresso a casa não foi vivida da mesma maneira, por todos nós: houve seguramente um cocktail explosivo de sentimentos contraditórios... E depois a mais ou menos difícil (re)adaptação à vida civil, após um ano de tropa e dois de guerra... 

O meu regresso e o que se seguiu depois 

por Joaquim Mexia Alves (2)

Sei lá quando, já não me lembro, mas deve ter sido nos meados de Dezembro de 1973, que me disseram em Mansoa: 
- Prepara-te, vais para Bissau para embarcares para a Metrópole. 

Parecia assim uma coisa irreal! Agora que o cacimbo tomava conta de mim totalmente, agora que tanto me fazia ser de noite ou de dia, estar no quartel ou no mato, é que me diziam para eu me ir embora. 

Fiquei a pensar no assunto e tive uma certeza: tinha de estar muito apanhado do clima para a coisa não se transformar em euforia! 

Lá pelos vinte dias de Dezembro, julgo eu, vim então com uma mala pequena, para Bissau. Tanto tempo, dois anos e nada para trazer! 
O whisky tinha-o bebido, (que assim não se estragava de certeza), as fotografias, as que tinham sobrado de uma fúria que me tinha dado e me levou a rasgar não sei quantas, também vinham no saco, o camuflado, uma roupita civil e sei lá eu bem mais o quê. Bissau, as burocracias, os últimos copos, as últimas doideiras, (tenham pena de mim que me vou embora e desculpem lá qualquer coisinha), e duas ou três tentativas falhadas de ligar para a família a dizer: 
- Parto hoje, chego amanhã, não se incomodem, que eu também não.

Um último olhar a Bissau, à terra quente e vermelha, um último suspiro de calor, uma última experiência dos braços, pescoço e todo o corpo sentir-se todo molhado de suor, pegajoso e embarcar. Ao menos aqui não há aquelas mosquinhas pequeninas do mato que se metem nos olhos, nos ouvidos, poisam nos braços e não levantam quando passamos a mão e ali ficam esmagadas, coladas com o suor do calor e do medo. 

 Avião, ar condicionado, "hospedeiras" fardadas, de barba feita, que debaixo das cuecas eram “inguais” a mim, que naquele tempo ainda a mulher não ia à tropa! Lá em baixo vai ficando para trás a estrada de Bambadinca/Xitole, tantas vezes palmilhada, o Geba, e a travessia mil vezes repetida de sintex a remos de Mato Cão para Bambadinca, a estrada Jugudul/Portogole, causa de tantas noites em branco, vai ficando para trás o suor, as lágrimas, a revolta, o sangue e vai nascendo já, muito timidamente, uma saudade inexplicável. 

E ficam também para trás os camaradas e amigos que comigo embarcaram e agora ainda têm de penar mais um pouco. 
E ficam para trás os meus camaradas “toupeiras” de Mato Cão, e o bife de javali frito em banha da cobra, e as perninhas de rato cozinhadas à José Orabé. 
E ficam para trás os Balantas garbosos, guerreiros do "Taque Tchife", "Agarra à mão", dos quais me vai no coração o "gigante" In Oina Nor, que supostamente me protegia as costas e lá de baixo, na bolanha, deve olhar para o avião com os óculos de lentes amarelas, de andar no mato, que lhe deixei. 

Na ida deram-me seis dias de Niassa para me ir habituando à ideia da Guiné. Agora só me dão duas ou três horas para me ir readaptando à sociedade dita civilizada. A coisa não vai dar certa!
 
Finalmente o “pássaro” aterra em Lisboa. 

Que tristeza, toda a gente dá abraços, beijos, palmadas nas costas, lágrimas, e eu para ali sozinho, perdido, irrealmente regressado da guerra. Um camarada da guerra, que não me lembro se já conhecia, ou se foi conhecimento a bordo, percebe a minha desorientação, ou por já lhe ter dito que não tinha lá ninguém à espera, ou porque percebeu a coisa, e diz-me: 
- É pá, se não tens ninguém, eu peço aos meus pais e levamos-te a casa. 

Eu nessa altura, ou seja antes de partir, vivia em Lisboa. Nunca percebi porquê, mas a verdade é que tinha levado comigo a chave da casa para a Guiné e ainda estava comigo. Aceitei de muito bom grado a oferta e fizemo-nos ao caminho. Lembro-me vagamente de termos parado na Estalagem Terminal, logo ali na Avenida Gago Coutinho, pois era lá que os pais deste camarada tinham ficado hospedados e de eu tentar telefonar para casa sem ninguém me atender. 
E chegámos finalmente à Rodrigo da Fonseca, rua da minha infância e adolescência, despedimo-nos com agradecimentos e juras de nos reencontrarmos, e toquei à porta na esperança que abrissem e eu fosse preparando caminho para evitar "cheliques", desmaios, etc, etc. 

Tal não aconteceu, e assim fui subindo de elevador até ao quarto andar e, com algum receio, meti a chave à porta e abrindo-a gritei: 
- Sou eu, o Joaquim, já cheguei da Guiné, não se assustem! 

Respondeu-me o silêncio, um insuportável e profundo silêncio! A casa não tinha aspecto de ter vida naquele momento e então fez-se luz no meu espírito! Era dia 21 de Dezembro e por isso a família já estava em Monte Real para passar o Natal. Fiquei mais aliviado. Pousei a mala e fui direito ao telefone, para ligar para casa dos meus pais em Monte Real. Atendeu um irmão meu: 
- Está lá. Quem fala? 
Respondi: - É o Joaquim! 
Resposta pronta: - Ó meu filho da p…, vai pró c…, o meu irmão está na guerra da Guiné e tu a gozares! Vai pró c… E “tunga”, desligou-me o telefone nas trombas! 

Liguei outra vez, e muito rápido disse logo para não desligar, que era eu mesmo e que dava provas disso, etc e tal. Depois de convencido lá falámos um pouco, porque é eu não tinha avisado e enfim e "assim e andando". Disse-lhe para me virem buscar a Lisboa e ele disse que já me ligava. Isto ao que me lembro era assim já lá para as nove horas da noite, ou coisa parecida. Pouco tempo depois disse-me que me vinham buscar, mas não era já, para eu descansar um pouco, que lá para a meia-noite, uma hora estariam em Lisboa. Não percebi muito bem porquê, porque é que não vinham logo, mas borrifei no assunto. 

Mas qual descansar, qual quê!... Vou já é p'ró Gambrinus! 

A excitação de estar em Lisboa, mais a fome e sobretudo a sede de uma imperial como deve ser, chamavam por mim. Lembrei-me então que estava todo vestido de verde e que não ia para a rua fardado, era o que mais faltava! Fui ao guarda-fatos do meu quarto procurar roupa para vestir e deparei com o dito cujo vazio! Tinham-me levado a minha roupa toda para Monte Real, julgava eu.
Assim tive de me socorrer das jeans que trazia na mala vinda comigo da Guiné, um pólo azul claro e os respectivos sapatos. Tinha, julgo eu, cerca de 20$00 no bolso, guardados religiosamente desde a última vinda à Metrópole, nas férias. 

Saí de casa e percebi então verdadeiramente que era dia 21 de Dezembro, Inverno em Portugal e que eu estava de manga curta e com o "bronzeado" típico da tropa em África. Não me preocupei com a coisa, mas vi nalguns rostos que se cruzavam comigo na Avenida da Liberdade, o espanto e a pergunta íntima se eu não estaria doido. Fui direito ao Gambrinus, na Rua das Portas de Santo Antão, onde os meus amigos e o pessoal dos toiros se costumava juntar ao fim da noite, na certeza que havia de encontrar pessoal conhecido e que alguém havia de ter pena de mim e me havia dar de comer e beber. O Zé Luís Vacas de Carvalho, sabe bem onde é!!! 

Assim que entrei e me dirigi ao balcão, o Domingos, Chefe do Bar e que me aturava desde as minhas primeiras saídas nocturnas em Lisboa, logo percebeu o que se passava e disse-me: 
- Acabou de chegar da Guiné, não é? E se calhar nem tem um tostão no bolso? 

Para além de me servir de imediato uma reluzente, fresquíssima e saborosa cerveja, deitou as mãos ao bolso e entregou-me dois contos de réis, dizendo-me que depois faríamos contas. Senti-me um pouco em casa e entretanto foram chegando os amigos, foi-se fazendo a festa, bebendo umas cervejas e matando saudades. 
Depois lá fomos para um bar qualquer de Lisboa, continuar a noitada, de tal modo que me esqueci que já devia ter os meus irmãos em casa à espera. Despedi-me, meti-me num táxi e fui para casa onde os meus irmãos já dormiam nos sofás da sala. Abraços, algumas lágrimas, recriminações por não ter avisado e metemo-nos no carro para, julgava eu, irmos direitos a Monte Real. Claro que passado um pouco, com trepidar do carro e as últimas emoções vividas, adormeci como um "anjo" e dormi por tempo largo. 

Em Castelo de Vide, Alentejo, para uma batida aos coelhos 

Quando acordei e olhei pela janela do carro não percebi se ainda estava a dormir e a sonhar, porque a paisagem que via na luz da aurora nada tinha a ver com Leiria, Monte Real, ou arredores. Logo de imediato parámos numa bomba de gasolina e os meus irmãos disseram-me que o meu pai e os outros estavam à minha espera no café, ligado às bombas. Mais abraços, mais lágrimas e a pergunta inevitável: 
- Mas onde é que raio nós estamos? 
Desvendou-se o mistério: Estávamos no Alto Alentejo a caminho da Castelo de Vide, onde íamos a uma batida aos coelhos! Fiquei ali sem pensar no que dizer. Certo é que passado pouco tempo lá estávamos preparados para a caça, (não me lembro se vesti o camuflado, ou a farda verde), e eu ainda nem passadas 24 horas de ter saído da Guiné, com uma arma na mão a olhar para a mata à minha frente. 
O meu irmão João dizia-me: 
- Ó pá, toma cuidado que andam aí uns gajos a bater os coelhos. Não são “turras”, (que me perdoem os camaradas de armas do PAIGC), são batedores. Não dês um tiro em nenhum! 
Aviso importante que retive na cabeça, pois a coisa podia dar para o torto. 

Bem, durante a manhã acertei sobretudo no chão, nas árvores e em muita coisa que não coelhos, mas para a tarde já matei um ou dois, sei lá, já não me lembro. 
Regressámos então a Monte Real, onde fui apaparicado pelas senhoras da família, com a minha mãe à frente, claro. Nem sempre o último filho de nove irmãos tem a possibilidade de ser mimado, porque é coisa já muito vista, por isso foi um momento muito especial do meu regresso. 

No outro dia de manhã, (ainda estou para saber se foi real ou sonhado), ainda a dormir ouvi umas explosões e só quando dei com as trombas na porta da cozinha percebi que não havia valas para me meter e que já não estava na Guiné mas sim em Monte Real. Parece que teria havido uns foguetes nessa manhã, mas não se falou mais no assunto. 

Regressado a Lisboa, lá me fardei pela última vez para ir ao Depósito de Adidos, acabar com a minha ligação à tropa. À entrada, e perante a indiferença do sentinela, (que achei uma falta grave de consideração por um combatente…), dei-lhe uma "pissada" e obriguei-o a fazer um "ombro arma" como devia ser. 
Entrado na Repartição que me tinham indicado, dou com um Sargento sentado, mal-humorado e que me atendeu como se eu fosse uma "merda" qualquer. Depois de algumas insistências minhas para ser atendido e uns grunhidos do dito cujo como resposta, veio ao de cima o meu lado irascível e colocando uma mão no balcão, saltei para o outro lado. Está bom de ver que o homem deu um salto e correu para trás fazendo imensas promessas que eu iria ser despachado num ápice e que pedia muita desculpa, mas não se tinha apercebido, etc, etc. 
Lá me entregaram o papelito a dizer que eu passava à disponibilidade e curiosamente não estava lá nenhum General ou politico para me agradecer os três anos dados à Nação, etc, etc, o que eu também não estava à espera, obviamente. 

À saída, ainda fardado claro, o sentinela ao ver-me, fez o mais perfeito "ombro arma" da sua breve carreira militar. Ai não!!! 

Bem, depois foi a inadaptação à sociedade de Lisboa 

Aquela gente vivia como se não houvesse gente a morrer na guerra, como se nada se passasse e quando eu dizia qualquer coisa acerca disso, olhavam para mim como se eu fosse um qualquer "alien" completamente desfasado da realidade. Claro que isto não podia dar bom resultado, e as noitadas, os copos sempre em exagero, os problemas e "desaguisados" constantes, não prenunciavam nada de bom para a minha vida futura. 
Os meus pais preocupados, bem como o resto da família, arranjaram uma solução que me propuseram. Um dos meus irmãos mais velhos tinha empresas em Angola e Moçambique, e assim, se eu concordasse iria uns tempos para Angola, adaptar-me a trabalhar, a fazer algo de útil pela vida e depois logo se veria o que se seguiria, pois em Lisboa a coisa ia-se complicar e o reentrar no curso de Medicina era coisa que nem os maiores sonhadores acreditavam que eu fizesse. 

Assim, passados pouco mais de dois meses de ter saído da Guiné, no dia 8 de Março de 1974, esta “praça” desembarca no aeroporto de Luanda. (É curioso que o país e a tropa complicaram como o caraças a minha ida para Angola, o que não tinha acontecido quando foi para eu ir para a Guiné. Porque é que seria????) 

Aberta a porta do avião, levei com aquele calor e aquela humidade que aproximam o clima de Luanda do da Guiné, e foi quase como um regressar a "casa". 
Daqui para a frente, o clima, a sociedade, os amigos, e até, curiosamente a situação politica, ajudaram-me a encontrar um equilíbrio para poder continuar com a minha vida. 

Regressei pouco antes da independência, mas já com outra vontade de viver. A guerra passou, os tempos duros e feios também e agora dou comigo muitas vezes, como dizia no nosso encontro em Monte Real, a ter saudades da Guiné e dos tempos de camaradagem, em que os homens por força das circunstâncias, mas não só, confiavam uns nos outros e encontraram amizades para toda a vida. Somos especiais, não tenhamos dúvidas, pois o que passámos determinou em nós um código de conduta, um "linguajar" muitas vezes apenas para nós compreensível, e uma generosidade de entrega que se revela de cada vez que é necessária. 
Fazemos e faremos quer queiram quer não, os políticos e outros, parte inegável da história de Portugal. Apenas me morde a consciência, o coração, aqueles que, ou deixando-se levar por promessas ou de livre e expontânea vontade, sendo da Guiné, decidiram combater connosco, servindo a nossa pátria, e acabaram abandonados pela nossa bandeira tendo sido alvo da fúria de alguns dos seus irmãos de nacionalidade. 
Estes factos são uma vergonha que há-de perseguir os portugueses e um dia terão de estar inscritos na história como uma das páginas mais tristes e vergonhosas de Portugal. A ti, In Oina Nor e a tantos e todos que como tu protegeram as “nossas costas”, as “costas” de Portugal, a minha homenagem, o meu respeito, as minhas lágrimas sentidas. 
Mas estou em paz, pela graça de Deus. 

Joaquim Mexia Alves 
Monte Real, 28 de Junho de 2008
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(2) O nosso amigo e camarada Joaquim Mexia Alves foi alferes miliciano de operações especiais, tendo passado, de Dezembro de 1971 a Dezembro de 1973, por três unidades no TO da Guiné: 
(i) pertenceu originalmente à CART 3492 (Xitole / Ponte dos Fulas); 
(ii) ingressou depois no Pel Caç Nat 52 (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão); 
(iii) terminou a sua comissão na CCAÇ 15 (Mansoa ). 

A CART 3492 pertencia ao BART 3873 (Bambadinca, 1971/74). 
O Pel Caç Nat 52 estava na altura afecto ao mesmo batalhão. No Sector L1 (Bambadinca) privou com a malta da CCAÇ 12. Em todo o lado fez amigos. A CCAÇ 15 era uma das novas companhias africanas, neste caso composta por balantas.