segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9137: Notas de leitura (308): De Campo em Campo, de Norberto Tavares de Carvalho (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Novembro de 2011:

Queridos amigos,
O confrade António Marques Lopes confiou-me esta leitura.
O Cote ou Norberto Tavares de Carvalho teve o inegável mérito de recolher da boca de Bobo Keita informações de grande valor pessoal, captou o seu olhar sobre os acontecimentos na viragem dos anos 50 para os anos 60, sente-se a confiança do jovem guerrilheiro a propagar a mensagem de Cabral.
Não se entende a metodologia que desorienta mais o leitor ao invés de o motivar. As memórias batem certo quanto à chegada de armamento e às múltiplas dificuldades nos primeiros anos da luta. Há omissões ininteligíveis, corre-se rapidamente dos anos 60 para os anos 70, há uma infinita pressa em chegar ao assassinato de Amílcar Cabral. Nas entrevistas é obrigatório um corpo-a-corpo com o entrevistado, em momentos cruciais somos arrastados pelo que Bobo quer dizer com a agravante de o Cote nos encharcar com notas e esclarecimentos.
Podia muito bem ter sido de outra maneira, para bem de todos.

Um abraço do
Mário


Bobo Keita: Memórias valiosas de um guerrilheiro errante

Beja Santos

Ninguém nos conhece que as memórias dos guerrilheiros do PAIGC mal cabem nos dedos de uma mão. “De Campo em Campo, Conversas com o comandante Bobo Keita, por Norberto Tavares de Carvalho, edição de autor, 2011 (notaca-ocote@hotmail.com) é um registo de todo um percurso, dá para medir o pulso a uma trajectória, a um modo de ver e fazer a revolução e de a apreciar, desencantado, ao longe e já com poucas forças. Vale pela intensidade das memórias da juventude, para se perceber como se recrutava um jovem guerrilheiro, como evoluíram as etapas da guerra, o que ele pensa do assassinato de Amílcar Cabral e qual o âmago do diferendo entre guineenses e cabo-verdianos, por exemplo. O guerrilheiro participou activamente na alvorada da independência, faz declarações profundamente críticas quanto ao comportamento das tropas portuguesas – só neste domínio era importante que os actores da época clarificassem com os seus depoimentos o que realmente se passou, o guerrilheiro, mesmo pelo facto de já ter falecido, tem que ser submetido ao contraditório, os militares também têm honra.

É muito discutível a metodologia usada por Norberto Tavares de Carvalho, interrompe repetidamente as memórias do guerrilheiro com explicações que muito bem podiam aparecer em notícias de rodapé ou em anexo, cansa o leitor, quebra o ritmo, tantas fontes como as obras citadas revelam escassez de investigação, tudo leva a querer que Bobo Keita faz revelações dignas de melhor tratamento.

O guerrilheiro enche-se de orgulho a falar das suas raízes, lembra Amadu Djaló a conversar com Virgínio Briote: “Chamo-me Bobo Keita, sou o primeiro filho de Fofana Keita, alfaiate, e de Mbália Turé, mãe e doméstica. O meu pai nasceu na tabanca de Dabis, região de Boké. Os meus avós pertencem à tribo dos Landoma. O meu pai herdou dos seus progenitores a fé, o respeito e a confiança no divino. A minha mãe pertence à etnia Sosso da parte do pai e Papel de Safim da parte materna”. Depois o orgulho da infância, de participar nas obrigações familiares: “Lembro-me do meu quotidiano feito de vaivéns de tecidos e de panos que o pai transportava cuidadosamente do mercado e do ruído insistente da sua máquina de costura que só se calava quando a mãe anunciava a hora de comer. E tudo aquilo me fascinava e punha-me a sonhar que um dia viria a ser alfaiate como ele. Até que, vendo a paixão que eu manifestava observando os seus gestos, resolveu ensinar-me a profissão”. Vai ser um futebolista conceituado, aos poucos ganha percepção do que é o poder colonial, o que distingue um “civilizado” de um indígena, a natureza da hierarquia instituída: os que tinham bilhete de identidade, os grumetes portadores de apelidos portugueses, o gentio constituído só por indígenas. Fala em Rafael Barbosa e Momo Turé, e em 1960, com vinte e um anos, parte para a luta armada, vai para Conacri, aqui conhecerá Cabral, fica instalado no lar do PAIGC, nesta altura as duas primeiras fornadas de combatentes já tinham sido preparadas na China. Estavam lá há quinze dias quando regressou a segunda fornada constituída, entre outros, por Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Manuel Saturnino da Costa, Victorino Costa, Nino, Francisco Mendes e Constantino dos Santos Teixeira.

Descreve a sua preparação, as desconfianças de Sekou Turé, as disputas do PAIGC com os movimentos rivais, tanto na Guiné-Conacri como no Senegal, e parte para a sua primeira missão, no Norte, entre 1961-1962, esteve no chão dos Felupes, junto a S. Domingues, foram aparecendo as armas e regista detalhadamente as muitas dificuldades vividas devido às reticências das autoridades senegalesas.

As perguntas e respostas andam por vezes em ziguezague, o leitor, desnorteado, entra de chofre no Congresso de Cassacá e na formação do exército guineense. Toda esta informação confirma outros relatos já produzidos sobre a génese da orgânica da guerrilha após 1964. Bobo Keita é um guerrilheiro da frente Norte, anda por Binta e Guidage, a base era Sambuiá. Em Junho de 1968 é ferido e evacuado para Moscovo e depois regressa à frente Norte. Frequentou seminários em Conacri e depois foi para a Jugoslávia. No regresso, ofereceu-se para ficar nas regiões de Xime, Bambadinca e Xitole, aqui passou nove meses, vinha substituir provisoriamente Mamadu Injai, reorganizou a quadrícula: “A primeira medida que tomei no Leste foi acabar com a base central onde se concentrava toda a guerrilha e que daí procedia a longas marchas para ir atacar os quartéis. Além disso, na base central concentravam-se as milícias e havia uma certa confusão. Existia também o risco de que qualquer ataque do inimigo pudesse causar muitas baixas na base, devido a tamanha promiscuidade. Formei três destacamentos e um comando móvel. Com a nova organização, a população estava mais segura. Criei um depósito dos Armazéns do Povo. Com isto consegui criar uma nova vida nessa região”. Em Outubro de 1971 acompanha Amílcar Cabral numa viagem à União Soviética. No regresso, tendo-se intensificado a guerra no Sul, Cabral achou pertinente enviar um grupo de comandantes para reequilibrar a situação.

No final do ano de 1972, Cabral informa que alguns camaradas tinham sido presos (Aristides Barbosa, Momo Turé e o seu irmão Baciro). E comenta: “Esses camaradas tinham sido presos porque desenvolviam no seio dos militantes, em Conacri, actividades de mobilização contra a direcção do Partido, explorando de maneira perigosa as velhas rivalidades entre guineenses e cabo-verdianos”. Para Bobo Keita, esses camaradas teriam sido recrutados por Spínola, a sua missão era alargar o descontentamento. Em 20 de Janeiro de 1973, tendo de regressar a Boké, juntamente com Inocêncio Cani, foi despedir-se de Amílcar Cabral e este disse-lhe que tinham acabado de sair do seu gabinete dois embaixadores acreditados em Conacri que lhe tinham dado informações de que os portugueses tinham fechado a zona de Cacine e preparavam um novo golpe contra a República da Guiné: “Disse-me que os portugueses previam libertar os prisioneiros capturados pelo Partido e levá-los para Cacine bem como os homens do PAIGC que teriam capturado durante a operação. Que o plano deles incluía também a eliminação da sua própria pessoa”. Segundo Bobo Keita, a situação em Conacri estava caótica.

E ficamos por aqui, seguir-se-á o episódio do assassinato e daí partiremos para a independência e todo mais que se seguiu, até Bobo Keita, em colisão frontal com Nino, se ter afastado da Guiné-Bissau.

É um relato com muitos altos e baixos, seguramente que Bobo Keita teria muito mais a dizer sobre a evolução da guerra, ele conheceu perfeitamente a frente Norte e viveu largos meses na frente Leste. Há notoriamente silêncios, beliscadelas e sentimentos feridos. Não se lhe pode assacar a responsabilidade de exibir fontes escritas, ao que parece o manancial da documentação estava em poder de Cabral e do secretariado político. Mas estes comandantes recebiam documentação, nunca a invocam e muito menos a exibem. O que nos leva permanentemente a questionar como é que se vão cozer todas estas peças constituídas por depoimentos que mais ninguém valida.

(Continua)
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Notas de CV:

Vd. postes da recensão deste livro feita por Luís Graça, de:

24 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8941: Notas de leitura (290): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho

25 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8947: Notas de leitura (292): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte II): Futebol e Nacionalismo (Nelson Herbert / Luís Graça)

27 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8952: Notas de leitura (294): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte III): Cupelom, Pilum, Pilom, Pilão..., um bairro que dava de tudo, fervorosos muçulmanos, bajudas giras, futebolistas talentosos, destacados militantes do PAIGC, bravos comandos africanos... (Luís Graça)

29 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8961: Notas de leitura (296): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte IV): Os 'Portuguis Nara' de Boké e de Conacri (Luís Graça)
e
31 de Outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8968: Notas de leitura (297): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte V): Início desastrado e desastroso da luta de guerrilha no chão fula, em 1963 (Luís Graça)

Vd. último poste da série de 2 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9128: Notas de leitura (307): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9136: Troca dos últimos prisioneiros: 35 guerrilheiros do PAIGC e 7 militares portugueses (Parte I) (Sousa de Castro / Luís Beleza Gonçalves Vaz)

1. Mensagem do nosso tabanqueiro nº 2, o mais antigo, Sousa de Castro (ex- 1º Cabo Radiotelegrafista da CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, 1971/74; minhoto, técnico fabril dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, hoje reformado), enviada a Luís Vaz, com conhecimento ao nosso blogue:

Data: 4 de Dezembro de 2011 21:53
Assunto: Troca dos últimos prisioneiros na Guine

Caro Luís Vaz,
Aradeço muito o documento que acaba de me enviar, é de extrema importância para não só esclarecer como foi feita a troca dos prisioneiros entre as Forças Armadas e o PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde), como também ajudar a completar o puzzle do teatro de operações na Guiné .

Por outro lado convido-o a visitar estes blogues que têm muito a ver com a História sobre a Guerra colonial na Guiné. Fico a aguardar mais histórias para possível divulgação neste ou noutros blogues se achar conveniente.

http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

http://coisasdaguine.blogspot.com/

Com deferência,

Sousa de Castro

2. Mensagem de Luís Vaz ao nosso camarada e amigo Sousa de Castro:

Data:: domingo, 4 de Dezembro de 2011 16:42
Para:
sousadecastro@gmail.com
Assunto: Troca dos ultimos prisioneiros na Guine

Caro Sousa Castro:


Muito obrigado por me ter respondido de forma tão célere!

Em primeiro lugar quero informá-lo de que não sou ex-combatente, apesar de ter vivido em 1973/74 na Guiné Bissau, pois acompanhei o meu falecido pai, Coronel do CEM Henrique Gonçalves Vaz na sua última comissão em África, em que foi o último Chefe do Estado-Maior do CTIG (do QG) sobre o Comando do General Bettencourt Rodrigues.

Depois do 25 de Abril, sobre o comando do então Brigadeiro Fabião, e em articulação com outros oficiais do Estado–Maior, implementaram os dispositivos de retracção para acantonarem e retirarem deste Teatro de Operações os milhares de militares portugueses presentes nesta Província, tendo só abandonado a Guiné, no último voo com tropas Portuguesas, no dia 14 de Outubro de 1974 na companhia do Brigadeiro Fabião.

Como tal, e ao realizar a Biografia do meu falecido pai, Coronel de Cavalaria e do Estado-Maior, li muitos documentos classificados, do seu arquivo pessoal, e poderei acrescentar algumas informações sobre a troca dos últimos prisioneiros de guerra, com o PAIGC.

Mantivemos 35 prisioneiros (guerrilheiros do PAIGC) na ilha das Galinhas até a véspera do reconhecimento da Independência da República da Guiné-Bissau por parte do Governo Português. Pelo lado do PAIGC, mantinham 7 prisioneiros (4 soldados e 3 primeiros Cabos, do nosso Exército), um dos quais era o soldado António Baptista, que tinha sido dado como morto em 17 de Abril de 1972, numa emboscada em Madina-Buco, onde as nossas tropas sofreram 1 desaparecido e 10 mortos, 6 dos quais queimados na explosão da viatura em que seguiam.

A troca destes sete prisioneiros na posse do PAIGC (retidos no Boé) por 35 guerrilheiros do PAIGC (retidos pelas nossas tropas na ilha das Galinhas) , foi feita segundo o estipulado pelo Acordo de Argel, e foi marcada para o dia 9 de Setembro, em Aldeia-Formosa, no entanto o PAIGC não compareceu nessa data como estava combinado, só no dia 14 de Setembro a troca se realizou.

Estiveram presentes nesse ato pelas nossas tropas, o Major de Inf Tito Capela (Chefe da 2ª Rep. Do QG), o Major de Art Aragão, o Capitão-tenente Patrício, o capitão de Inf Manarte e o Furriel miliciano Elias (da 2ª Rep/QG/CTIG). Por parte do PAIGC, estiveram presentes os seguintes elementos: Manuel dos Santos (Sub Secretário Informação/Turismo da GB), Carmen Pereira (Membro do Conselho de Estado/GB) e Iafai Camará (Comandante do Aquartelamento de Aldeia Formosa).

Imediatamente após a troca, foi feita a identificação: os soldados António Teixeira, Jacinto Gomes, António da Siva Baptista, Manuel Ferreira Vidal ;e os 1ºs cabos Duarte Dias Fortunato, Virgílio da Silva Vilar e o Manuel Fernando Magalhães Vieira Coelho; tendo depois os prisioneiros e a comitiva regressado de avião a Bissau.

Ficaram instalados no Hospital Militar de Bissau e, no dia seguinte, dia 15 de Setembro de 1974, seguiram por via área para Lisboa.

Luís Beleza Gonçalves Vaz

(filho do Coronel Henrique Gonçalves Vaz,

Chefe do Estado-Maior do CTIG,  1973/74)

Com os meus melhores cumprimentos>

Luís Beleza G. Vaz

3. Comentário do editor:

Agradecemos vivamente ao Sousa de Castro e ao Luís Vaz a partilha desta informação. E aproveitamos a oportunidade para oferecer ao Luís Vaz as páginas deste blogue para, se assim o entender, fazer chegar a um público mais vasto, de amigos e camaradas da Guiné, a informação e o conhecimento privilegiados que certamente possui sobre os últimos meses da presença soberana de Portugal, entre 1973 e 1974, naquela terra a que continuamos ligados pelos laços da História, da Língua e da Amizade.  Por outro lado, achamos um gesto de grande nobreza e de amor filial a iniciativa que se propôs o Luís Vaz ao escrever (e possivelmente ao querer publicar) a biografia do seu pai que serviu o seu país num momento único e irrepetível da sua História. Bem haja! (LG)

PS - O drama dos nosso camaradas que ficaram retidos pelo PAIGC em Conacri e depois na região do Boé, até ao final da guerra, já aqui deu azo a muitas páginas, em especial o caso do nosso querido "moto-vivo do Quirafo", e membro da nossa Tabanca Grande, o António Batista, sem esquecer o caso, não menos dramático, do José António de Almeida Rodrigues que conseguiu fugir do cativeiro, seguindo o curso do Rio Corubal até ao Saltinho.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9135: Convívios (390): Rescaldo do último Encontro de 2011 da Tabanca do Centro, dia 30 de Novembro de 2011 em Monte Real (Carlos Pinheiro / Miguel Pessoa)

1. Com a devida vénia à Tabanca do Centro, e aproveitando o magnífico trabalho gráfico do inegualável camarada Miguel Pessoa, reproduzimos na íntegra o poste "Natal antecipado na Tabanca do Centro" referente ao Convívio do dia 30 de Novembro de 2011:



(Fotos de Carlos Pinheiro)
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Nota de CV:

Vd. poste de 12 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9030: Convívios (379): Último Encontro de 2011 da Tabanca do Centro, dia 30 de Novembro de 2011 em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 29 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9113: Convívios (382): O Convívio da Tabanca da Linha visto por José Manuel Matos Dinis

sábado, 3 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9134: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (5): A atribuição de Cruz de Guerra e apresentação de quadros diversos

1. Finalizamos hoje a apresentação de "Porto de Abrigo", as memórias passadas a escrito pelo nosso camarada Carlos Luís Martins Rios, ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66.


PORTO DE ABRIGO - V

Medalha da Cruz de Guerra

A Cruz de Guerra foi criada pelo Decreto n.º 2870, de 30 de Novembro de 1916, para premiar actos e feitos de bravura praticados em campanha. Esta condecoração recebeu notoriedade durante a I Guerra Mundial e durante a Guerra Colonial Portuguesa. Divide-se em 1ª, 2ª, 3ª e 4ª classe, por ordem decrescente de importância.

A Cruz de Guerra, levemente inspirada na Croix de Guerre francesa (principalmente nas cores da fita de suspensão), teve, ao longo da sua história, três tipos ou modelos diferentes, respectivamente legislados em 1916, 1946 e 1971.

O desenho desta medalha (desde 1971) na sua 1.ª Classe, é o seguinte:
- Relativamente ao anverso, ou face, é uma cruz templária, em ouro, tendo sobreposto, ao centro, um Emblema Nacional.
- O reverso tem, ao centro, um círculo carregado de duas espadas antigas passadas em aspa, cercadas de duas vergônteas de louro, frutadas e atadas nos topos proximais com um laço.
- A fita de suspensão é de seda ondeada, com fundo vermelho, cortado longitudinalmente por cinco filetes verdes de 0,0015 m de largura e equidistantes entre si e das margens da fita; largura de 0,03 m; comprimento necessário para que seja de 0,09 m a distância do topo superior da fita ao bordo inferior da condecoração, por forma a obter o alinhamento inferior das diferentes insígnias; ao centro, uma miniatura da cruz de guerra, cercada de duas vergônteas de louro, tudo de ouro.

Durante a Guerra Colonial Portuguesa, foram entregues as seguintes medalhas da Cruz de Guerra:

- Exército: 2634
- Armada: 68
- Força Aérea: 273

OBS: - Texto e imagens retirados da Wikipédia, com a devida vénia.


Que mentira!
Que iniquidade!


Esta condecoração que me foi aposta ao peito por um dos mais altos dignitários da nação naquele dia de Portugal, passado algum tempo perdeu a cor do Ouro. Seria mesmo ouro aquela medalha que lá está para casa com uma cor parecida com o aço?

Acima de tudo
Os homens passam.
As instituições ficam e podem sempre melhorar.
Que viva Portugal

FUR. MIL. DE INFANTARIA
CARLOS LUÍS MARTINS RIOS

Condecorado com a Cruz de Guerra de 1ª classe, porque tendo tomado parte em numerosas acções de combate, como comandante da Secção do Grupo de Combate Especial, para o qual se ofereceu, se revelou um graduado com excelentes qualidades de Comando e de combatente. Marchando normalmente a sua secção na testa das forças empenhadas, exposto portanto a maiores perigos, soube o Furriel Rios incutir-lhes confiança, pelo ardor combativo que demonstrou nas acções de fogo, pelo exemplo que constantemente lhes deu e pelo entusiasmo com que cumpria as missões que lhe foram dadas, mesmo nas situações mais críticas. É digna de realce a acção deste militar em diversas operações nomeadamente «Ferro», «Estopim» e «Espetro».
Tomou parte na operação «Ferro» voluntariamente, pois encontrava-se inferiorizado fisicamente e accionou uma armadilha durante a progressão para o objectivo o que em nada contribuiu para alterar o optimismo com que sempre encarou as acções de combate.
Detectadas as nossas tropas nas proximidades do objectivo, lançou-se o Furriel Rios, de rompante, com a sua Secção sobre a base inimiga onde elementos blindados abrigados reagiam ao assalto, com volumoso fogo de armas automáticas e bazucas, desalojando-os e pondo-os em debandada, com baixas. Destruído o objectivo e já no regresso ao Aquartelamento, foi a cauda da força flagelada com volumoso fogo, quando atravessava um descampado. Acorreu prontamente o Furriel Rios à retaguarda incentivando a reacção das nossas tropas, e conseguiu que a parte do Grupo flagelado manobrasse com rapidez sobre o inimigo, que perante a ameaça de envolvimento debandou, furtando-se ao contacto. Mostrou assim serena energia debaixo de fogo, coragem, sangue-frio e desprezo pelo perigo.
Durante a operação «Espectro», em que tomou parte também voluntariamente, foi o Furriel Rios vitima da sua dedicação e espírito de combatividade ao ser gravemente ferido à queima-roupa quando tentava capturar um elemento inimigo que avistara em fuga, elemento esse que explorado convenientemente certamente contribuiria para um melhor cumprimento da missão. Pelos motivos apontados, considera-se o Furriel Rios como um militar voluntarioso, abnegado, corajoso e cumpridor dos seus deveres, pelo que se tornou digno da maior consideração pela parte dos seus superiores e admirado pelos seus subordinados, constituindo assim um exemplo vivo do Soldado Português.



Apresentação de quadros diversos



Para que as gerações futuras repudiem as guerras e não esqueçam!
Em Carnaxide, 11 de Março de 2011
Carlos Rios

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Nota de CV:

Vd. postes da série de:

23 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9082: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (1): Dedicatória, início da vida militar e viagem para a Guiné

26 de Novembro de 2011> Guiné 63/74 - P9097: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (2): A nossa estada em Fulacunda

29 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9112: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (3): A nossa estada em Bissorã e Mansoa, e as baixas em combate
e
1 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9124: Porto de Abrigo (Carlos Rios) (4): Troca de mensagens

Guiné 63/74 - P9133: Agenda cultural (174): Museu da Marinha, 10 de Dezembro, sábado, às 11 h: Cinquenta anos da invasão de Goa: a acção da Armada: conferência do Cmdt Rodrigues Pereira




1. Breve nota curricular sobre o orador, o Capitão-de-Mar-e-Guerra José António RODRIGUES PEREIRA, actual Director do Museu de Marinha

(i) O Comandante Rodrigues Pereira nasceu em Lisboa em 7 de Junho de 1948 e entrou para a Escola Naval, como Cadete, em 1 de Setembro de 1966;~


(ii) Foi promovido ao actual posto em 27 de Julho de 1999, tendo passado à situação de Reserva, por limite de idade, em 7 de Junho de 2005;

(iii) Especializou-se em Electrotecnia em 1971-72, frequentou o segundo Curso Geral Naval de Guerra do ano lectivo de 1981-82 e o curso conducente ao Mestrado em Estratégia no ISCSP/UTL nos anos lectivos de 1988-90; (...)

(iv) Prestou serviço em diversas unidades navais, algumas em zona de conflito, salientando-se os embarques nos NRP Porto Santo e Boavista nos Açores (1970-71), NRP Jacinto Cândido em Moçambique (1973-75), NRP Afonso Cerqueira em Timor (1975-76), NRP Comandante Hermenegildo Capelo (1977-78), imediato dos NE Vega (1984-85), NE Polar (1985-86), e do NRP São Miguel durante a 1ª Guerra do Golfo (1990-91), participando nas operações de embargo ao Iraque decretadas pela Organização das Nações Unidas; desempenhou os cargos de comandante dos NRP Zaire (1979-82) e NE Polar (1986-88);

(v) Foi professor efectivo da Escola Naval, da cadeira de História Naval, de 1982 a 1990, regendo ainda as cadeiras de Ciências Sócio-Militares (Liderança) e de Organização;

(vi) Desde muito novo que se dedica à investigação de temas relacionados com a história marítima e a navegação; (…) 

(vii) Proferiu diversas conferências sobre temas de História e Estratégia em diferentes instituições e organismos no país e no estrangeiro; tem publicados mais de meia centena de trabalhos sobre aquelas matérias, alguns em publicações estrangeiras;

(viii) Publicou os livros: (a)Wenceslau de Moraes, o Marinheiro e a Armada do Seu Tempo, Fortalezas Marítimas da Figueira da Foz, (b) Campanhas Navais Portuguesas (2 volumes) 1793-1807 e 1808-1823; (c)) Portugal no Mar, Nove Séculos de História, e ainda (d) volume da História da Marinha Portuguesa: Viagens e Operações Navais (1139-1499); 

(ix) Membro efectivo da Classe de História Marítima da Academia de Marinha e membro da Comissão de Estudos Corte-Real e da Secção de História da Sociedade de Geografia de Lisboa; membro do Conselho Consultivo da Comissão Portuguesa de História Militar; foi o representante da Marinha na Comissão organizadora dos 200 Anos das Invasões Francesas;

(x) É professor da Escola Naval no curso de pós-graduação em História Marítima e da Universidade Autónoma de Lisboa na pós-graduação em Arqueologia Náutica; é ainda conferencista convidado do Instituto de Estudos Superiores Militares; (...)

(xi) O comandante Rodrigues Pereira é Director do Museu de Marinha desde 7 de Fevereiro de 2006. 

Fonte: Sítio da Câmara Municipal de Aveiro

Guiné 63/74 - P9132: Blogoterapia (193): Porque somos um país de marinheiros, congratulemo-nos com a recuperação dos pescadores das Caxinas (Henrique Cerqueira)

1. Porque todos os portugueses, mesmo aqueles que nunca viram o mar, terão no seu sangue resquícios de antigos marinheiros, porque nós ex-combatentes fomos transportados nos porões de navios que sulcaram as águas dos oceanos a caminho de África e da Ásia, não é despropositado publicar esta mensagem, vinda de um camarada que de algum modo se sentiu tocado pelo final feliz de uma desgraça anunciada.

Marginal de Leça
Foto: Carlos Vinhal

2. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 2 de Dezembro de 2011:

Caro Camarada Carlos Vinhal
Hoje é um dia de grande felicidade tanto para mim como, creio eu, para todos os portugueses.
Não sei camarada Vinhal se é ou não motivo para ser publicado mas na realidade eu tinha mesmo que expressar esta alegria para além do meu círculo familiar.
Vamos então ao assunto que origina tão grande alegria.

Todos ouvimos e lemos as notícias em relação ao desaparecimento dos nossos pescadores das Caxinas. Ora hoje mesmo temos a feliz noticia de que todos foram salvos após longa e, de certeza, angustiante espera em pleno mar alto.

Tenho andado angustiado e revoltado com toda esta polémica dos cortes aprovados do Orçamento de Estado, pois que de uma forma ou outra todos seremos afectados e vilipendiados dos nossos bens que tanto nos custou amealhar, no entanto quando surgiram as noticias do desaparecimento destes trabalhadores do mar todas as minhas angústias e raivas passaram para segundo plano.

Hoje quando estava a almoçar fui atingido com a felicidade de saber do salvamento dos nossos pescadores, daí eu resolver escrever estas letras para de certo modo homenagear estes camaradas que foram salvos, suas famílias e assim como todos os pescadores do nosso país.

Não tenho familiares na faina da pesca, mas trabalhei vinte e quatro anos em Matosinhos com ex-pescadores e familiares de alguns ainda no activo. Sempre vivi de perto as suas angústias e tristezas.

Camarada Vinhal, se achares que não vale a pena publicar, estou de pleno acordo, pois só pelo facto de escrever estas linhas, considero que prestei uma singela homenagem a esses Homens do Mar.

Um abraço para todos os tertulianos e um especial para ti que também és um homem ligado ao Mar.
Henrique Cerqueira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9060: Blogoterapia (192): Em dia dos meus anos, na medieva Ucanha, lembrando tantos e bons amigos, incluindo o malogrado soldado Napoleão, da minha companhia, a CART 6250, Mampatá, 1972/74 (José Manuel Lopes)

Guiné 63/74 - P9131: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (39): A poesia e a liberdade: Conferência de António Graça de Abreu, 2ª feira, 5 de dezembro, às 18h30, na BMRR, Lisboa





1. Mensagem do nosso camarada e amigo António Graça Abreu, com data de 1 de Dezembro:


Assunto - Ciclo Conferênci​as "A Poesia e a Liberdade" na BMRR


 Luís, caríssimo: Podes dar divulgação da minha conferência entre o nosso pessoal ?
 Agradeço muito. (...) Forte abraço amigo,


António Graça de Abreu


2. Anúncio do PEN Club Português:


Prezados Consócios,


No final de uma série de conferências que constituíram um verdadeiro exercício de prática poética em numerosas modulações de assinalável qualidade, temos o prazer de anunciar a última intervenção, que nos apresentará esse verdadeiro Outro linguístico e poético, a
descobrir pela mão de quem conhece profundamente a cultura e literatura
chinesas.


Contamos com a vossa presença!


Saudações muito cordiais,


A Direcção do PEN


Conferência: "Traduzir os poetas da China, tradução, reinvenção e fascínios"


Local: Biblioteca Museu República e Resistência


CMLX | DMC | DAC | Divisão de Rede de Bibliotecas
Rua Alberto de Sousa,
nº 10A - 1600-002 Lisboa
Telefone: 21 7802760
http://blx.cm-lisboa.pt 


3. O nosso querido camarada e amigo António Graça de Abreu (AGA) [, aqui na foto à esquerda com a esposa, a dra. Hai Yan ] gostaria, mais uma vez, de poder contactar com a presença dos amigos e camaradas da Guiné na sua conferência, no Biblioteca Museu República e Resistência (BRRR)...A entrada é livre. 


O nosso AGA é um conhecido sinófilo: ele auto-intitula-se "sínico mas não cínico", e tem vindo a traduzir alguns dos maiores poetas clássicos chineses. 


Permitam-me que destaque, entre outros,  o seu livro, publicado pelo Instituto Cultural de Macau,  Poemas de Li Bai - tradução, prefácio e notas de António Graça de Abreu, 2ª edição (revista e aumentada), 1999. (1ª edição, 1990). Este trabalho mereceu-lhe o Grande Prémio de Tradução da Associação Portuguesa de Tradutores e do Pen Club, 1991.



Teve a gentileza de me oferecer um exemplar autografado desta 2ª edição, com as seguintes simpáticas palavras: "Ao Luís Graça, estes poemas de paz de um homem e chinês do Séc. VIII que, como nós, também conheceu a guerra. A Afmiração, a amizade do António Graça de Abreu, Estoril, Fev. 2010"...


Para que não se diga que estas coisas não têm nada a ver connosco... e com a nossa Guiné, aqui vai um dos poemas, deste poeta maior, universal, em cuja poesia a guerra, a liberdade, a solidão e o amor são referências muito fortes...


Para além da Grande Muralha


Ele monta um cavalo branco  junto ao Fortim Dourado,
ela vagueia em sonhos entre nuvens e areias do deserto.
Insustentável tristeza ao pensar
no guerreiro amado, lá longe na fronteira.
Pirilampos, voando ao acaso, invadem sua janela,
lenta, a Lua atravessa o céu, sobre os seus aposentos.
Esfarrapam-se as folhas de paulóvnia verde,
rebentaram, secaram os ramos de vime tenro.
Todos os dias, em segredo, ela chora,
embora saiba que todas as lágrimas são inúteis.


Li Bai


In: Poemas de Li Bai, 2ª ed., 1999, p.  257. (trad. de António Graça de Abreu).


4. Sublime: Todos os dias, em segredo, ela chora,/ embora saiba que todas as lágrimas são inúteis. Isto é poesia, meus amigos,  com 14 séculos em cima (neste cantinho à beira mar plantado, no Séc. VIII, já andavam por cá os mouros, com os seus guerreiros mas também com os seus poetas)...


Acrescenta o nosso AGA, em rodapé, no supracitado livro, a seguinte nota erudita:


"O tema da mulher que aguarda, triste, o regresso do seu amado que partiu para a guerra com os bárbaros do Norte, surge com frequência na poesia de Li Bai e de outros poetas da dinastia Tang [618-906]. Com aspectos diferentes encontramo-lo na nossa poesia medieval quando o fossado, as expedições guerreiras contra os mouros, levavam os soldados  para longe das suas companheiras".
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Nota do editor:

Último poste da série > 13 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9037: Os nossos Seres, Saberes e Lazeres (38): Palavras de um senhor defunto, um livro de Mário Serra de Oliveira (5)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Guiné 63/74 - P9130: Se bem me lembro... O baú de memórias do José Ferraz (12): Os azares de um Primeiro, periquito, que apanhou a Flor do Congo, na sua primeira viagem a África...

1. Outra história do Zé Ferraz, português radicado nos EUA desde 1970 (vive atualmente em Austin, Texas), ex-Fur Mil Op Esp, CART 1746 (Xime, 1969; CCS/QG, Bissau, 1969/70)(*)


Durante os fins de semana trabalho dois turnos por dia,  sábados e domingos,  16 horas respectivamente, num centro de reabilitação (para homens) a que clinicamente se chama aqui Men's Intensive Residential Treatment,  com uma duração  de 28/30 dias por paciente. Portanto tenho tempo para me entreter.

O Blogue ajuda-me psicologicamente a distanciar-me emocionalmente destes doentes e evitar as chamas Transfer and countertransfer issues... E é evidente que, à medida que me embrenho a ler os postes,  a minha memória acorda e é um ver se te avias...

Lembrei-me hoje de outra anedota nos meus tempos do QG-CTIG...

Apareceu na messe de sargentos  um Primeiro,  periquito,  recém chegado de Lisboa. Aparentemente ninguém conhecia; nem os outros Primeiros porquanto este pobre tipo tinha passado a maior para do seu serviço na Guarda Nacional Republicana que eu detestava por experiências passadas quando nós,  como estudantes,  nos anos 60,  fazíamos manifestações contra a ditadura do Salas... Enfim essa e outra história...

Ora bem,  o nosso Primeiro nunca tinha estado em África e muito menos com a nossa malta... Era como um camelo a olhar para um palácio...

Um dia, à conversa,  ele pergunta-me, em tom de confidência:
- Ó nosso Furriel, eu tenho um problema e não sei o que fazer...
- Ó meu Primeiro - disse-lhe eu - conte-me lá o que se passa a ver se eu o posso ajudar...

Diz-me ele:
- É que nestes últimos dias me apareceu esta merda nos sovacos e nas virilhas que me dá muita comichão e cheira mal,  há tres dias que não tomo banho...
- Ó meu Primeiro - respondi-lhe eu - o que o senhor apanhou é o que nos chamamos a Flor do Congo... É uma micose...
_ E, o nosso Furriel,  isso é perigoso?...
- Muito! - disse eu...
E agora pergunta o Primeiro:
- O que é que eu faço ?...
- Bom - disse-lheu - a Flor do Congo é um fungo e o que o senhor precisa é de lavar o corpo todo com água pura... Por exemplo,  o senhor compra o sabão encarnado e, como estamos na época da chuva,  quando estiver chover bem,  o primeiro ensaboa o seu corpo com o sabão e depois deixa que a chuva lave o corpo....

Passados uns dias aí estava o Primeiro,  nu em pelota,  fora do seu quarto,  na rua que passava em frente da messe de sargentos e ia para a messe de oficiais,  a lavar o corpo com o sabão encarnado e a malta na messe,  todos a rir...
- Ó Furriel como é que eu lavo a rego do cu ?... - Dizia-lhe eu:
- Meu Primeiro,  dobre-se prá frente,  ponha-se de cu pró ar e deixe que chuva lhe lave o cu ...

Mais gargalhas e o Primeiro nem se quer se deu conta .... Nisto, era noite, aí vem um carro, dá a curva e os farois batem no cu branquinho do Primeiro,  periquito ...
Mais gargalhas... O problema,  ouvimos mais tarde,  foi que a esposa de um oficial era passageira nessa viatura e aparentemente ficou mal impressionada com a brancura do cu do Primeiro e,  possivelmente o resto que viu,  porque o Primeiro não se perturbou com nada,  o que ele queria era ver-se livre da comichão...
Um forte abraço, Zé.
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 1 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9123: Se bem me lembro... O baú de memórias do José Ferraz (11): Uma cena do Júlio, em combate: Furriel, os meus t... ?!

Guiné 63/74 - P9129: O nosso fad...ário (4): O Fado da Orion (J. Pardete Ferreira, ex-Alf Mil Médico, 1969/71)

1. Há tempos o nosso camarada   J. Pardete Ferreira, (ex- Alf Mil Med, CAOP, Teixeira Pinto; HM241, Bissau, 1969/71) mandou-nos a letra do Fado da Orion. Já foi publicada no poste P8966, na secção Blogpoesia (*)... Mas hoje queremos recuperá-la para a secção O nosso fad...ário (**).

E esperamos um dia poder ouvi-la cantar por um dos nossos fadistas, num dos nossos encontros ou até, quem sabe, numa "grande noite do fado dedicada à Guiné"...


Uma explicação é devida pelo autor da letra:


(...) " O Fado da Orion foi escrito em Homenagem ao Comandante Faria dos Santos. A LFG [Orion] passou mais de um ano acostada ao molhe do Pidjigiti porque tinha cedido à [LFG] Batarda um dos motores. Quando o recebeu de volta ou ele foi substituído por um novo, já não posso precisar, fez uma viagem experimental e de contrabando 'a acreditar nos praticantes da má-língua' e de seguida foi o navio almirante da ida a Conacri [, Op Mar Verde, em 22 de Novembro de 1970,]  sob o Comando de Faria dos Santos, mais tarde Comandante do porto e, em seguida, Governador Civil de Aveiro. Poeta e grande amigo, recebia a jantar (e bem) um pequeno número de amigos na torre, onde, no final, a poesia expulsava o álcool. Ele foi, igualmente, a nossa chave de acesso à Base Naval de Bissau onde, às quintas-feiras,  havia jantar melhorado e aberto a convidados" (...)



Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > 1971 ou 1972 > A LFG Orion é (ou era, uma vez que já não existe) como a Nau Catrineta: tem (tinha) “muito que contar”, do Cacheu a Cacine, passando por Conacri… Dois camaradas nossos, o Manuel Lema Santos (como 2º Ten RN, e o Pedro Lauret  (como 2º Ten) foram seus Imediatos  embora em épocas (1966/69 e 1971/73, respetivamente)…

Nesta foto vemos o actual comandante reformado, Pedro Lauret, em 1971 ou 1972, então oficial imediato do NRP Orion (1971/73), na ponta do navio, a navegar no Rio Cacine, tendo a seu lado o comandante Rita, com quem ele faria a primeira metade da sua comissão na Guiné. "Um grande homem, um grande comandante" (PL)… 

O 1º Ten  José Manuel Baptista Coelho Rita foi comandante do NRP [, Navio da República Portugesa,] Orion, de 7/12/1970 a 15/10/1972, tendo substituído o 1º Ten Alberto Augusto Faria dos Santos (que comandou a Orion, de 6/12/1968 a 7/12/1970) (Fonte: Wikipédia > NRP Oríon).

Mas nem só o Pardete Ferreira matava a fome e a sede no bar da Orion... Também o nosso amigo e camarada Paulo Santiago já aqui contou, em 2006, como se tornou habitué da Orion sempre que ía a Bissau (***)...

Foto: © Pedro Lauret (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados.

2. Fado da Orion


Letra: José Pardete Ferreira 

["1ª parte e Refrão escritos em Bissau em Novembro de 1970. 2ª parte escrita em Setúbal na madrugada de 15 de Dezembro de 1997. Para ser cantado com a Música do Fado do Cacilheiro, do Maestro Carlos Dias"].

Adapt do Fado do Cacilheiro

[Letra : Paulo Fonseca (****); música: Carlos Dias]

[Há várias criações deste fado - do José Viana ao Antónioo Mourão, do Tristão da Silva ao Nuno da Câmara Pereira, ... Talvez a mais conhecida seja a do Zé Viana, justamente imortalizado como o Zé Cacilheiro. Veja-se aqui um vídeo, de 1966, que passou na RTP Memória, e está disponível aqui, no YouTube]



Tristes noites de Bissau,
Neste clima tão mau,
Passá-las não há maneira,
Sem comer arroz, galinha.
Ou então ir à Marinha
Aos jantares da quinta-feira!


Às vezes um Comandante,
Bom amigo, bem falante,
Obriga uma pessoa,
Com uma grande bebedeira,
Pensar que o Ilhéu do Rei
Fica em frente de Lisboa.


Refrão

Ser marinheiro
De LFG no estaleiro,
Sem motores nem cantineiro,
Junto ao cais sem navegar,
E esperando,
A comissão foi passando,
Ai!, os amigos engrossando,
Com o Geba a embalar.


Quando vinha dessa Terra
E voltava à minha Serra,
Nem eu queria acreditar !
Virei-me ainda p'ra ver,
O meu Adeus lhe lançar
E também lhe agradecer:


Com meu suor derramado
No teu chão, tão maltratado,
Deixo-te votos amigos
E, também, as minhas preces,
'squecendo rancores antigos,
Por ti, Guiné, que mereces.


Refrão...
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Notas do editor:
 
(*) Vd. poste de 30 de Outubvro de 2011 > Guiné 63/74 - P8966: Blogpoesia (163): Fado da 'Orion' (José Pardete Ferreira)

(**) Último poste da série > 1 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9122: O nosso fad...ário (3): Fado Sangue, suor e lágrimas (Manuel Moreira, CART 1746, Ponta do Inglês e Xime, 1968/69)

(****) Letra de Paulo Fonseca, recuperada aqui (com a devida vénia):

Fado do Cacilheiro

Quando eu era rapazote,
Levei comigo no bote
Uma varina atrevida,
Manobrei e gostei dela
E lá me atraquei a ela
P’ró resto da minha vida.

Às vezes a uma pessoa
A idade não perdoa,
Faz bater o coração
Mas tenho grande vaidade
Em viver a mocidade
Dentro desta geração.


Refrão

Sou marinheiro
Deste velho cacilheiro,
Dedicado companheiro.Pequeno berço do povo,
E, navegando,
A idade vai chegando,
Ai…
O cabelo branqueando,
Mas o Tejo é sempre novo.

Todos moram numa rua
Mas eu cá não os invejo,
O meu bairro é sobre as águas
Que cantam as suas mágoas
E a minha rua é o Tejo.

Certa noite de luar
Vinha eu a navegar
E, de pé junto da proa,
Eu vi ou então sonhei
Que os braços do Cristo-Rei
Estavam a abraçar Lisboa.

Refrão

A que chamam sempre sua,

Guiné 63/74 - P9128: Notas de leitura (307): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (4) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Novembro de 2011:

Queridos amigos,
Cumpri o gostoso dever de pôr em recensão o diário de JERO, primeiro volume.
Devo esta honra ao confrade Belmiro Tavares que me passou para as mãos o seu exemplar. É indubitavelmente um documento histórico, no mínimo uma cópia devia ir para o Arquivo Histórico-Militar, talvez mesmo para a Biblioteca do Exército.
Naquele tempo ninguém imprimia em tipografias documentação classificada como secreta e que aparece neste volume com a chancela de “Confidencial”.
Perguntei ao Belmiro Tavares por onde andava o segundo volume. Não terá sido escrito, o JERO guardou apontamentos que estão na base do seu livro de que aqui já se fez referência “Golpe de Mão(s)”.
Sinto-me honrado por este serviço prestado ao blogue e à literatura da guerra da Guiné.

Um abraço do
Mário


Um documento histórico, o diário da CCAÇ 675, o diário de JERO (4)

Beja Santos

O diário de JERO, como vimos anteriormente, iniciou-se em Maio de 1964, quando a CCAÇ 675 partiu de Évora para embarcar. No seu precioso documento, nunca se percebe as motivações que o levaram a compendiar os seus apontamentos pessoais e o seu olhar sobre o historial da Companhia. No final deste primeiro volume ele anota minuciosamente citações e referências elogiosas (foram muito abundantes), textos de relatórios, louvores, com especial destaque para o louvor dado à Companhia pelo Comandante Militar em Julho de 1965 e que tem o seguinte teor: “A CCAÇ 675, pela notável eficiência, entusiasmo e bravura como tem cumprido a sua missão. Tendo entrado em sector numa fase em que o IN, fortemente moralizado e aguerrido, se considerava absolutamente senhor da situação, conseguiu mercê do ritmo impressionante e forte determinação em que actuou, modificar completamente o aspecto operacional da sua zona de responsabilidade. Batendo contínua e sistematicamente todas as regiões do sector, procurando infatigavelmente o contacto com o IN, destruindo-lhe as suas bases, instalações e reabastecimentos, fazendo nomadizações prolongadas, etc., desorganizou-o e desmoralizou-o e este foi a pouco e pouco perdendo a iniciativa que passou toda praticamente para as NT (…) Como consequência lógica da sua brilhante actuação adquiriu enorme prestígio e inspirou confiança às populações, de princípio, devido à actividade inimiga, se tinham refugiado no mato e no país vizinho e que principalmente a partir de Março de 1965 começaram a apresentar-se às NT. É digno de maior elogio a organização, método, esforço e carinho, com que quase só à custa dos seus meios e disponibilidades materiais, tem procurado criar condições de vida aos nativos apresentados”.

Espírito atento, caracteriza perfis, conta anedotas, explora o humor na guerra, regista as baixas e o material perdido. Mas também os actos de bravura, como descreve no final do ano de 1964, vale a pena transcrever o que ele anotou: “Foi notável e a todos os títulos digna de louvor a acção do 1.º Cabo indígena n.º 8/64-A, Manuel Gonçalves, que embora ligeiramente ferido e combalido, pois seguia na viatura sob a qual rebentou a mina, respondeu rapidamente ao fogo inimigo. Sendo projectado do Unimog onde seguia, não largou a sua metralhadora Madsen, abrindo fogo logo que caiu no chão. Também o Soldado indígena Mamadu Bangorá se portou valentemente demonstrando uma coragem e sangue frio dignos do maior elogio, pois conseguiu em circunstâncias particularmente difíceis e com risco da própria vida, retirar todos os seus camaradas feridos do local do rebentamento da mina. Depois de transportar os feridos para um local mais seguro, teve a preocupação de voltar junto da viatura que ardia e que podia explodir de um momento para o outro, para recolher todo o material de guerra disperso pelo chão, evitando assim que pudesse ficar nas mãos do inimigo. É também digno dos maiores elogios o comportamento do 1.º Cabo 2231/63, Craveiro, que embora imobilizado por ferimentos graves, não deixou de comandar os seus camaradas, recomendando-lhes serenidade. Apesar de ser dos feridos de maior gravidade, nunca soltou um queixume, pedindo para que os restantes camaradas fossem primeiramente tratados, revelando assim um espírito de sacrifício e abnegação aliado a um sentimento de cumprir, verdadeiramente excepcionais”.

Estamos em Março, JERO regista ao pormenor os acontecimentos do dia 21, a festa da CCAÇ 675, foi enorme a alegria da população, quer a de Guidage quer a de Binta, esse júbilo fazia apagar muito sofrimento. Em 24, há uma batida na região de Faer, verificaram com alguma surpresa que a bolanha de Alabato estava cultivada, na progressão, junto de capim queimado encontrar um caminho, cedo começou a reacção do inimigo que foi rechaçado, prosseguem em quadrado, indiferentes ao tiroteio, houve a registar quatro acções de fogo em curto espaço de tempo, foram destruídas nesta acção quatro casas de mato recentemente abandonadas. Em 31 de Março vem no diário: “Binta repovoou-se lenta mas firmemente e a sua tabanca, há longos meses abandonados e invadida pelos tentáculos da floresta próxima, sofreu uma “aragem de limpeza” que lhe dá um aspecto rejuvenescido ao fim de poucos dias. Brancos e negros, trabalham lado a lado entusiasticamente. A população de Binta cifrava-se em 170 indivíduos”.

Há a registar no dia 10 de Março o rebentamento de uma mina no cruzamento da estrada Bigene-Guidage, o Unimog ficou inutilizado. Dias antes, na região de Ujeque, um grupo inimigo foi emboscado pelo Grupo de Combate da guarnição de Guidage tendo sido abatidos dois inimigos e capturada mais uma pistola-metralhadora Thompson. O inimigo não dorme, depois de uma segunda visita que a CCAÇ 675 faz a Sambuiá, onde houve novamente destruição de casas de mato e se procedeu à apreensão de algum armamento e documentos, no dia 11, uma coluna que se dirigia a Guidage, teve no Cufeu uma mina comandada, houve uma explosão violentíssima, resultou um ferido sem gravidade.

Estamos a caminho de um ano de comissão. JERO elabora o retrato de algumas das figuras mais curiosas da Companhia, destaque para o soldado atirador número 2226/63, António Machado de seu nome, mais conhecido por Nhaca. Ele regista: “O seu retrato físico descreve-se com meia dúzia de palavras: alto, muito magro, rosto ossudo de traços mongóis (também lhe chamam Chu-en-Lai por causa disso), óculos na ponta do nariz, cabelo liso pouco assente, e umas longas pernas, muito finas e algo tortas”. Ao que parece, o Machado era cliente assíduo da enfermaria, mordido pela curiosidade, passou de doente profissional a curioso de enfermagem, quis praticar como ajudante de enfermeiro. No posto de socorros, em Guidage, repetia com frequência aos nativos que era o enfermeiro Machado, passou a ser conhecido pelo doutor e por troca de uma injecção os doentes do Senegal traziam-lhe uma galinha. Acontece que um dia até se esqueceu de uma agulha intramuscular e foi a correr atrás da bajuda, levantou-lhe o pano desabridamente e tirou-lhe a agulha.

Nesse mês de Maio saiu um número especial de “O Sabre” com artigos do capitão Tomé Pinto, do alferes Belmiro Tavares, do soldado Perfeito. Todos convergem para o mesmo ponto: missão cumprida. Agora já não se esconde que a tropa acusa o esforço desenvolvido depois de um ano de Guiné. Embora com elevado moral e um nível sanitário razoável, já se fazem actualmente com dificuldade patrulhamentos apeados superiores a 15km, quando inicialmente se faziam 30 a 40km com um certo à vontade, regista JERO que também anota a seguinte observação: tendo sido exposto pelo nosso Comandante de Companhia a necessidade das Praças gozarem períodos de licença semelhantes aos dos quadros, não se conseguiu até agora solução para o problema que seria, além de tudo mais, um justo prémio para aqueles que em todas as circunstâncias correspondem com valentia e generosidade a tudo o que lhes é pedido. Caracterizando o inimigo, esclarece que o seu reduto principal continua a ser a região de Sambuiá, infelizmente não se dera continuidade à acção de 5 de Janeiro passado.

Foi neste local onde durante cerca de um ano - Julho de 64 a Julho de 65 - foi escrito o nosso "Diário".
Já não me lembro da "marca" da máquina de escrever. Sei que o teclado era "hcesar". Ao fundo, decorando a parede, estão uns calções e amuletos diversos de alguém que teve um "mau encontro" com a tropa do "Capitão de Binta". As letras que sumidamente completam a decoração dizem: "Nem com mezinhos se safam".

E este diário termina com uma frase que está em cima da secretária do Comandante de Companhia: “Vitória é sinónimo de vontade”.

Gostei muito do diário de JERO, pela autenticidade e pela camuflagem da escrita. Afinal, as surpresas continuam nesta literatura que durante décadas jazeu nos arquivos dos protagonistas.
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Nota de CV:

Vd. postes da série de:

21 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9071: Notas de leitura (304): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (1) (Mário Beja Santos)

25 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9094: Notas de leitura (305): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (2) (Mário Beja Santos)
e
28 de Novembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9107: Notas de leitura (306): Dois Anos de Guiné - Diário da Companhia de Caçadores 675, por Fur Mil Oliveira (3) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P9127: Parabéns a você (347): Herlânder Simões, ex-Fur Mil das CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9121: Parabéns a você (346): Carlos Schwarz da Silva (Pepito), Director Executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento da Guiné-Bissau