terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20411: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (6): edição, revista e aumentada, Letras D/E


Foto nº 1



Foto nº 2

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Viagem Porto-Bissau > Duas imagens que queremos ver banidas para sempre: na foto nº 1, um chimpanzé em cativeiro;  na foto, aparece também a Inés, filha do Xico Allen...Na foto nº2, um babuíno, macaco-cão ("sancu", em crioulo), segura a mão de um outro elemento da "comitiva humana" de que a Inês faz parte...

Fotos (e legenda) : © Hugo Costa  (2006). Todos direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Observações: 

O chimpanzé  não é macaco, é símio ( "dari", em crioulo)... O "dari", o "sancu" e a Inês pertencem à ordem dos Primatas... O "dari" é um símio e a Inês um(a)hominídeo(a), ambos têm cerca de 98% do mesmo ADN... O "dari" é um Pan (género) Troglodytes (espécie). A Inês, um exemplar da espécie Homo Sapiens Sapiens. 

Por sua vez, o macaco-cão (babuíno) é um antropóide cercopitecídeo do género Papio... 

Os três têm em comum um antepassado longínquo, que remonta há 70 milhões, antes da extinção dos dinossauros... O "sancu" e o "dari" são espécies ameaçadas, o "dari" é seguramente o que vai desaparecer primeiro, depois talvez o "sancu" e a seguir o ser humano...

De um modo geral, as populações da Guiné-Bissau, não muçulmanas, caçam e comem o "sancu". No "mato", no tempo da "guerra de libertação", o macaco.cão fornecia muita da proteína animal de que precisavam os guerrilheiros do PAIGC, e as populações sob o seu controlo... Sobretudo depois de 1980, a caça (ilegal) ao macaco-cão aumentou (*). Hoje é, infelizmente, produto-gourmet nalguns restaurantes de Bissau...

Quanto ao "dari", o chimpanzé da matas do Cantanhez e do Boé , há em princípio um maior respeito pelas suas semelhanças com o ser humano. Os muçulmanos respeitam-nos pro ser um homem, um ferreiro que não respeitava as   Mas os juvenis são objeto de tráfico... O habitat do "dari" está condicionado pelas atividades humanas (além da caça, o risco de epidemias, a expansão das áreas de cultivo, e nomeadamente do caju, e a desmatação ilegal para extração de madeiras exóticas, como o pau de sangue, exportado para a China).


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Madina > 10 de Dezembro de 2009 > 7h32 > Um "dari" (chimpanzé) descendo uma árvore ... Este grande símio (o mais aparentado, do ponto de vista genético, ao ser humano) é muito difícil de observar e fotografar... Contrariamente a outros primatas que existem no Parque, ainda com relativa abundância como o macaco fidalgo ("fatango", em crioulo). Duvido que algum de nós, durante a guerra colonial, tenha visto algum "dari" no seu habitat... As regiões a que hoje está confinado (Cantanhez e Boé) foram palco de guerra entre 1961 e 1974 e,  antes disso, de caça e tráfico animal.


Diz a lenda (guineense) que o "dari", em tempos, era um homem, um ferreiro, que Deus transformou em animal selvagem, por castigo, por não respeitar o dia de descanso da semana... 

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, 
 de A a Z: 
[Em construção, desde 2007]

Letras D / E

1. Continuação da publicação do Pequeno Dicionário da Tabanca Grande (**), de A a Z, em construção desde 2007, com o contributo de todos os amigos e camaradas da Guiné que se sentam aqui à sombra do nosso poilão, e que até têm um livro de estilo (***). Entradas das letras D e E:


Dari - Chimpanzé (das matas do Cantanhez e do Boé) (crioulo)

DC 3 - Avião de transporte (FAP) 

DC 6 - Avião de transporte (FAP) 

DCON - Missão de acompanhamento (FAP) 



Degtyarev [ou Dectyarev RDP] - Metralhadora ligeira, de calibre 7,62 mm x 39 mm, m/13 , 1953 de origem soviética (PAIGC) Metralhadora ligeira Dectyarev RDP, calibre 7,62 x 39 mm, m/13,  (Origem: ex-URSS)(PAIGC)

Degtyarev-Shpagim - Metralhadora pesada 12,7 mm, de origem soviética (PAIGC) 

Desenfianço - Escapadela (por ex., até Bissau) (gíria) 

Dest - Destacamento 

Dest A - Destacamento A 

DFA - Deficiente das Forças Armadas 

DFE - Destacamento de Fuzileiros Especiais 

Diorama - Maqueta a 3 dimensões (v.g., aquartelamento de Guileje) 

Djídio (ou gigio) - Cantor ambulante que ia de tabanca em tabanca, transmitindo as notícias (crioulo) 

Djila - Vd. Gila 

Djubi - (i) Olha! (crioulo); (ii) mas também criança, menino


Djurtu -  Mabeco, ou cão selvagem (crioulo);  "djurtus" é a alcunha da seleção nacional de futebol da Guiné-Bissau.

DO 27 - Dornier 27 (Avioneta), avião ligeiro de transporte; também era usado como PCV  - Posto de Comando Volante(FAP), que os "infantes" abominavam...

Drone - Máquina voadora não tripulada (não existia no nosso tempo) (FAP) 

Drop Tanks - Depósitos de combustível (FAP) 

EAMA - Escola de Aplicação Militar de Angola, com sede em Nova Lisboa (hoje, Huambo)

ECS - Escola Central de Sargentos (Águeda)


EE - Escola do Exército (antecessora da AM - Academia Militar)


Embondeiro - Cabaceira, baobá (Senegal) 

Embrulhanço - Contacto pelo fogo com o IN, ataque, emboscada (gíria)

Embrulhar - Ser atacado (pelo IN) (gíria) 

Enf - Enfermeiro 

Enf Para - Enfermeira paraquedista 

Engine Master - Botão principal de uma aeronave (FAP) 

EP - Exército Popular (PAIGC)


EPA - Escola Prática de Artilharia (Vendas Novas)

EPC - Escola Prática de Cavalaria (Santarém) 

EPI - Escola Prática de Infantaria (Mafra), também conhecida por Máfrica (gíria)ou ainda Entrada Para o Infermo (gíria)

EREC - Esquadrão de Reconhecimento [de Cavalaria]

Esp - Espingarda 

Esp Aut - Espingarda Automática




Esp Aut FN (Vd. FN) - Espingarda automática, de calibre 7,62 mm, FN FAL [, acrónimo de Fabrique National, Fusil Automatique Léger]. De origem belga (1954), equipou as NT no início da guerra colonial.

Esp Aut G3 {Vd. G3]- A Gewehr 3 (G3) (em alemão, Gewehr quer dizer espingarda) é uma espingarda automática, de fabrico alemão (1959), usada pelo Exército Português durante a guerra colonial, e recentemente descontinuada (em setembro de 2019). De calibre NATO (7.62 × 51 mm), tinha como rival, do lado do PAIGC, a famigerada Kalash!



Esp MMA - Especialista Mecânico de Manutenção Aeronáutica (FAP) 


Espaldão (de obus, de morteiro...) - Termo usado em engenharia militar para designar um  anteparo de uma trincheira ou fortificação, que serve para proteger a artilharia (ou armas pesadas de infantaria) e a respetiva guarnição.

Esq - Esquadrão 

Esq Mort - Esquadrão de Morteiro 

Esquadra - Organização militar de aeronaves (FAP) 





Um caça Fiat G.91 R/4 dos “Tigres” da Guiné.




Esquadra 121 Tigres - Constituída por Fiat-G 91, T-6 e DO-27 (BA 12, Bissalanca) (FAP) 

Esquadra 122 - Heli AL III (BA12, Bissalanca) (FAP) 

Esquadra 123 - Nord Atlas e DC-3 (BA12, Bissalanca) (FAP) 

Esquentamento - Blenorragia, doença venérea (corrimento de pus pela uretra) (calão) 

Estado Novo - Regime político que vigorou em Portugal, de 1933 a 1974. Foi antecedido pela Ditadura Militar que, com o golpe de Estado de 28 de maio de 1926, pôs fim à República (1910-1926).

Estilhaços de frango - Pouca comida (gíria) 
 
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de: 


21 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16744: Em bom português nos entendemos (15): Comer macaco, não obrigado... "Santchu bai fika na matu"... E cão ("kakur") fica com o dono, no restaurante em Bissau... Ajudemos a salvar os primatas da Guiné... O "santchu", o "dari"..., ao todo são 10 primatas que correm o risco de extinção se os hominídeos continuarem a destruir o seu habitat e a fazer deles um petisco...


14 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16717: Manuscrito(s) (Luís Graça) (101): Comer macacos... só os do nariz!... Ajudemos os guineenses a proteger o "sancu" (macaco) e o "dari" (chimpanzé)...Ficaremos todos mais pobres quando eles se extinguirem... e quando as areias do deserto do Sará chegarem às portas de Bissau!... Ficaremos todos mais pobres, os guineenses, os amigos da Guiné, todos nós, os últimos dos hominídeos...

(**) Vd. postes anteriores da série:

18 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20255: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (5): edição, revista e aumentada, Letra C

14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20240: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (4): 2ª edição, revista e aumentada, Letras M, de Maçarico, P de Periquito e C de Checa... Qual a origem destas designações para "novato, inexperiente, militar que acaba de chegar ao teatro de operações" ?

13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20237: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (3): 2ª edição, revista e aumentada, Letra B

13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20235: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (2): 2ª edição, revista e aumentada, Letra A


(***) Vd. 22 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18548: O nosso livro de estilo (11): Proverbiário da Tabanca Grande, 4ª edição revista e aumentada: "Camarada, mais do que um dever, é uma honra que te é devida, ir a Monte Real pelo menos uma vez na vida"...

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20410: Dossiê Cap Cav Luís Rei Vilar (Cascais, 1941- Susana, 1970) - Parte I: Certificado de óbito, do HM 241 (Bissau), e parecer do Serviço de Justiça e Disciplina / CTIG, mais a participação do óbito por parte da CCAV 2538 (Susana, 1969/70)







As três primeiras páginas do processo do cap cav Luís Rei Vilar (1941-1970). Cortesia de Morais da Silva, cor art ref.


1. Mensagem,  com data de 1 de dezembro de 2019, 19h31, enviada pelo cor art ref Morais da Silva, membro da nossa Tabanca Grande [, tendo sido, no CTIG, instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972]:

Assunto - Envio de documentos 

Viva.

Junto cópia do Processo de Averiguações elaborado quando da morte do Capitão Villar. Acrescento a Participação, Certidão de Óbito e Despacho. 

Da leitura dos documentos resulta não surgirem dúvidas sobre as circunstâncias da morte.

Abraço, Morais Silva

Cor artilheiro-infante cmdt comp em Gadamael

P.S. Estes documentos não têm classificação de segurança

2.  Comentário do editor, LG:

Obrigado, Morais da Silva. Já dei conhecimento, em primeira mão, à família, na pessoa do Miguel e do Duarte, irmãos mais novos do nosso camarada Luís Rei Vilar, ex-comandante da CCAV 2538 (Susana, 1969/71), morto em combate em 18/2/1970. No entanto, essa documentação já era do seu conhecimento.

Para esclarecimento das circunstâncias da morte deste oficial de cavalaria,no TO da Guiné, vamos publicar, sob a forma de dossiê, os documentos que nos enviou:  "Processo de Averiguações elaborado quando da morte do Capitão Villar", incluindo "Participação, Certidão de Óbito e Despacho" (10 páginas em formato digital).

A certidão de óbito, passado pelo HM 241, Bissau, com data de 21 de fevereiro de 1970, diz o seguinte, em síntese:

(i) a morte ocorreu às 19h00 do dia 18 de fevereiro de 1970;

(ii) a causa da morte foi "traumatismo torácico / tamponamento cardíaco";

(iii) entrou já  cadáver no hospital;

(iv) o médico que verificou o óbito foi o alf mil médico João Manuel Mota Horta e Vale;

(v) o corpo foi autopsiado, e encerrado em caixão de chumbo para seguir depois para a metrópole.

No despacho, de 5 de junho de 1970,  do comandante militar, constante do processo por ferimentos em combate, organizado pelo Serviço de Justiça e Disciplina do CTIG,  esta morte é considerada em combate: "este militar foi  mortalmente ferido num combate com o IN na zona de Susana durante a Operação Selva Viva" ( e não Operação Cassum, como temos visto escrito em postes anteriores).

Na participação do óbito, são arroladas duas testemunhas, os fur mil op esp, José Vigia Batalha Polaco (, natural da Nazaré,) e José Manuel Teixeira (,natural de Fafe). No essencial, é referido que,  às 14h30 d0 dia 18 de fevereiro de 1970, na sequência de uma operação na zona de acção ode Susana, de dois dias,   "quando se aguardava a evacuação de um ferido (guia nativo), as NT foram atacadas  por um grupo inimigo.  Do ataque resultou a morte do capitão de cavalaria nº  31672562, Luis Filipe Rei Villar, atingido por um projéctil inimigo que lhe perfurou o tronco na região  da zona torácica esquerda e da omoplata direita".  É omitido nome da operação.

O ferido foi evacuado para Susana de helicóptero e, às, 18h30, para o HM 241 (Bissau), quatro horas depois, "já cadáver".

Neste processo não consta cópia do relatório da autópsia, se é que existe,  Já que o cor art ref Morais da Silva teve, entretanto, a gentileza de me enviar esta documentação, vamos continuar a publicá-la, para conhecimento dos nossos leitores, e nomeadamente dos camaradas que conheceram o Luís Rei Vilar. O nosso intuito é apenas o de partilhar informação e conhecimento sobre os acontecimentos ocorridos no TO da Guiné, durante a guerra colonial, não querendo de modo algum alimentar polémicas sobre um assunto, para mais  tão delicado,  como é, sempre, a morte violenta de alguém das nossas relações, familiar, amigo ou camarada. Neste caso, do bravo comandante da CCAV 2538, morto em combate  aos 29 anos (*), e que eu não conheci pessoalmente, mas era do meu tempo,  e era irmão de um amigo meu, o Duarte Vilar (**).

(Continua)
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Guiné 61/74 - P20409: Notas de leitura (1242): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (4): “O Prazer da Leitura”; Teorema e FNAC, 2008 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Novembro de 2019:

Queridos amigos,
Consta que esta peça literária de Mário Cláudio terá dado polvorosa uns tempos atrás. Acontece que em todas as guerras há manifestações de horror, de práticas homicidas e até da sua exibição, servem para intimidar, de forma exemplar, outros desafiantes, revelam igualmente exibicionismo de quem entendeu que a crueldade ilimitada deve aparecer em ecrã gigante. É pesadelo universal, com mentiras de todas as espécies, basta pensar no genocídio arménio, negado pela Turquia, ou nos crimes japoneses, para os quais ainda não se pediu perdão.
O que Mário Cláudio revela aqui é a duplicidade de certo heroísmo, que é galardoado e posto em paralelo com aquele heroísmo de quem deu o peito às balas ou transportou, com destemor, um camarada ferido, no aceso de uma emboscada. O que aqui também se esconjura, estou em crer, é premiar o homicídio como se de heroísmo se tratasse. Impossível reabilitar, na sua plenitude, o heroísmo praticado nas nossas últimas guerras em África, sem trazer à colação os quadros de horror, que os houve.
O que me é dado ler, na documentação que consulto, do que se viveu a partir do segundo semestre de 1962, na Guiné, as monstruosidades praticadas de parte a parte precisam de ser reparadas, mostradas em ambas as histórias nacionais, para que haja entendimento que propicie a reconciliação e a retoma fraterna, sem cadáveres no armário, entre dois povos que se devem reconciliar falando a verdade e perdoarem-se.

Um abraço do
Mário



Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária:
Um notável escritor que é nosso camarada da Guiné (4)

Beja Santos

“O Prazer da Leitura”, foi editado em 2008 pela Teorema e pela FNAC, uma obra coletiva, além de Mário Cláudio participaram Francisco José Viegas, João Aguiar, Lídia Jorge, Luísa Costa Gomes, Manuel Jorge Marmelo, Maria Teresa Horta, Filipa Melo, Nuno Júdice e Rui Zink.
Pelo que me é dado saber, foi a primeira digressão de Mário Cláudio pelos teatros da guerra, escolheu o território do horror, da truculência, do poder arbitrário de despedaçar vidas. Não é terreno virgem. Para quem viu o filme “Apocalypse Now”, realizado por Francis Ford Coppola, nele surge um herói sanguinário, de que as Forças Armadas norte-americanas se querem libertar, magistralmente desempenhado por Marlon Brando. Acontece que a trama da história tem por detrás uma obra-prima de Joseph Conrad, “O Coração das Trevas”.

Mário Cláudio não escolhe a Guiné, fala em embondeiros, a Guiné tem algo de similar, são os poilões. O seu conto intitula-se “Para o Livro de Ouro do Capitão Garcez”, é um jogo entre o lugar e o tempo, um jogo entre o surreal, pois o escritor apresenta uma grande bandeja de cabeça de guerrilheiros ao Capitão Garcez, salta-se desse lugar para a visita a um bancário aposentado, ele conversa com o escritor, irá falar do Capitão Garcez, mostra-lhe lembranças, estão numa caixa de cartão, são fotografias de várias dimensões, o Capitão Garcez é facilmente identificável pelas orelhas de abano, de calções de caqui, entre dois camaradas. Garcez e o entrevistado estão na mesma fotografia. Garcez teve a projeção de um herói, as suas façanhas terão sido descritas em muitos aerogramas, seguramente que muitos desapareceram, é bem difusa a recordação deste herói tenebroso.
E Mário Cláudio escreve:
“Continuo a observar a foto dos idos da campanha, não tanto porque dela espere obter mais do que aquilo que deduzi já, o apagado fácies do Capitão Garcez, alferes na altura, debaixo do cabelo liso e ruço claro, e na palidez que o distingue dos companheiros. Vou meditando no que o meu informador depreende do jogo fisionómico que lhe proponho, tão relevante para ele como o dele para mim, e de idêntica forma à mercê de suspeitas e traições. Apercebe-se da curiosidade com que lhe persigo o desvio da vista, e da minúcia com que lhe inventario os bibelots expostos na biblioteca, babushkas alinhadas em progressão aritmética, e miniaturas de teares e caldeiras, óbvios momentos das peregrinações a Leste, promovidas pelo partido da esquerda bem-comportada de que foi militante. E não deixará de reparar ainda no modo como lhe expio o gesto de selecção dos clichês da caixinha (…). Desde a escuridão para além da vidraça, e o clarão da lâmpada denuncia com acrescida clareza quanto guardamos, ele e eu, nas algibeiras mais secretas das intenções que nos movem”.

E o texto continua:
“A peça televisiva, sobrevivente num preto e branco que as décadas foram zurzindo, oferece a deslocação lenta, um pouco rígida, do Capitão Garcez, subindo os degraus da tribuna no Terreiro do Paço, erguida para as comemorações do 10 de Junho. Transporta o rosto anódino de sempre, indeciso entre a melancolia e a austeridade, o que redunda na absoluta ausência de emoções. Avança para o Presidente do Conselho que lhe impõe a Torre e Espada, e que o abraça com a finura sinuosa de quem restringiu a paixão a um cálice, um cálice apenas, de porto tawny”.
Quem foi entrevistar é o autor e o que ele regista daqueles clichês é a dor de quem perdeu gente amada, é um espetáculo de sangue que se derramou com muita gente degolada e muitos corpos estraçalhados. No jogo do tempo e do lugar, o Capitão Garcez presta a justificação de que os atos praticados decorriam da guerra, se acaso celebrou a morte, não tem contas a prestar nem ao autor nem a qualquer cobardolas de merda. Prossegue esta marcha labiríntica entre o lugar e o tempo, alguém que andou com o Capitão Garcez nas lutas africanas mandou ao autor uma mensagem sobre o mito, ele era detestado, toda a gente fugia a confraternizar com aquele militar de gestos homicidas, as imagens que ficaram das cabeçorras dos pretos, espetadas nos paus, a bordejar a picada, eram um aviso de solene advertência aos rebeldes de que não eram menos mortais do que aqueles que os combatiam.

O autor está agora no seu espaço, escrevinha, enfrentou o rosto do Capitão Garcez, apresenta-se restituído à amenidade do seu lugar, e disso nos dá conta:
“Junto a mim pousa a grande jarra de gerberas, arauta da Primavera que desponta, a projetar aquele macerado amarelo, tão caraterístico dos que retornam dos trópicos. A verdade é que, há muito, muito tempo, me não assalta o organismo de pretérito miliciano essa coloração dos surtos palúdicos, precipitando-me em convulsos pesadelos, atrelados a outros experimentados já. Serenamente afastaram-se de mim aqueles transes inexplicáveis, vividos por um soldado sonâmbulo que devagar conduz o Unimog através da povoação em labaredas, cruzada pelo balido das cabras espavoridas, e pelo guincho das fêmeas e crianças que ardem numa habitação esbarrondada. Apagado pela ventania que espanta o incêndio, o rosto do Capitão cristaliza em mim numa neutralidade de cera, de órbitas vazadas, tão frágil e tão efémero como a paisagem que o circunda”.
E neste jogo entre o real e o surreal, tudo culmina com o desaparecimento do vetusto Capitão Garcez, “levanta-se da poltrona, e as imensas asas negras, rompendo-lhe das espáduas, batem numa vibração, desplumam-se na treva, e desfazem-se em pó”.

A literatura tem fartas apresentações do horror que a guerra permite, há a sua banalidade, como Curzio Malaparte descreve na sua obra-prima, “Kaputt”, caso de um passeio noturno de Hans Frank, o Governador da Polónia nomeado por Hitler, num passeio a um gueto, a comitiva anda divertida com os tiros dados às crianças pelas forças de vigilância. E há a investigação histórica, como é o caso de “O massacre português de Wiriamu: Moçambique, 1972”, de Mustafah Dhada, acaba-se com a mentira montada no final do Estado Novo de que nada tinha acontecido, ouve-se o depoimento compungido de um antigo oficial dos Comandos que descreve o morticínio.
Não vale a pena os escrivães da puridade virem bater com a mão no peito, encolerizados por se desvelarem horrores da guerra, que os houve, do mesmo modo que houve atos de bravura daqueles que combateram heroicamente, e que tiveram de matar sem praticar o horror e muito menos de o exibir, como comprovam muitas fotografias que para aí circulam.
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Nota do editor

Poste anterior de 25 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20381: Notas de leitura (1240): Mário Cláudio, nos cinquenta anos da sua obra literária (3): “Tiago Veiga”; Publicações Dom Quixote, 2011 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20395: Notas de leitura (1241): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (34) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20408: Da Suécia com saudade (61)... E agora também dos States, Florida, Key West... Carta aberta aos Editores e Camaradas da Tabanca Grande: o que todos (!) temos em comum é termos participado, cada um de seu modo e à sua maneira, na experiência incrível que foi a guerra da Guiné... Por favor, não caiamos na perigosa tentação de nos dividirmos em operacionais... e não operacionais (José Belo)

1. Mensagem do nosso régulo da Tabanca da Lapónia... ou, nesta altura do ano, da Tabanca de Key West, Florida:

De: Joseph Belo Data: 1 de dezembro de 2019 17:13

Assunto: Carta aberta aos Editores e Camaradas da Tabanca Grande

 Resumindo uma vida, o nosso Zé Belo [, foto atual à esquerda]: 

(i) é o português mais 'assuecado' (ou o sueco mais 'aportuguesado') da Tabanca da Lapónia e da Tabanca Grande;

(ii) ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, cap inf ref; (não precisa de certificado para comprovar que andou no mato, no Norte e no Sul da Guiné);


(iii) jurista, vive na Suécia há mais de 4 décadas, e onde constituiu família: continua a ter um pontinha nnas suas raízes portuguesas: "Com netos sueco-americanos, o sangue Lusitano vai-se diluindo cada vez mais. Mas, como dizem os Lusíadas... 'Se mais mundos houvera, lá chegara'...".

(iv) reparte os dias do ano entre a Suécia, o círculo polar ártico e a Flórida, EUA, onde a família tem negócios; 
 
(v) tem 133 referências no nosso blogue; entrou "de jure e de facto" para a nossa Tabanca Grande em 8 de março de 2009


(vi) é mestre na arte e na ciência da simulação, camuflagem, guerrilha e contra-guerrilha,  bem como da criação de renas, e ainda arranja tempo para beber uns daiquiris à sombra das palmeiras de Key West, curtindo a sua musiquinha; pode estar meses 'desaparecido' e 'incontactável' mas volta sempre ao 'local do crime', quer dizer, a este blogue, ao seu blogue, ao nosso blogue, aos seus velhos camaradas; afinal, "os velhos soldados nunca morrem, podem é desaparecer"... por uns tempos;

(vii) mandou-nos esta mensagem, pro volta das 5 da tarde de ontem, domingo, com a seguinte nota: "Algumas pequenas, mas actuais, considerações pessoais, não desde a escuridão gelada da Suécia mas desde a solarenga Key West/Florida... Em carta aberta a Camaradas escrevi algumas linhas sobre o assunto talvez tornado actual. Vai seguir com os meus infelizmente cada vez mais numerosos erros ortográficos que, com o passar das já muitas décadas, cada vez me tornam mais num verdadeiro..."Bacances".

 
Os operacionais e os outros... divisões artificiais


Em alguns dos últimos comentários no blogue, meus e de outros, muito se escreveu sobre francamente... nada!  O que nas nossas idades é patético. Os "piropos" foram desnecessariamente variados, esquecendo-se que o que se procura comentar são as ideias apresentadas e não quem as apresenta. Misturar maneiras de ser, de estar na vida, de educação recebida na juventude, e não menos, das condições sociais onde nascemos, nada disto terá a ver com os assuntos comentados.

 É óbvio que este  conjunto de factores formará as nossas maneiras diferentes de olhar o mundo. Mas justificará a maneira intempestiva como alguns a expressam? Todos podem não concordar em tudo e... ainda bem! Não nos torna uns melhores que outros pelo facto de discordarmos, mesmo que profundamente.

Mas os nossos patéticos "piropos" têm a importância que têm, e  não é isso que aqui me traz. Entre as linhas de alguns comentários começou a insinuar-se a ideia de divisão entre militares operacionais e os outros.

Ora, o que todos (!) temos em comum é termos participado, cada um de seu modo e à sua maneira, na experiência incrível que foi a guerra da Guiné. Marcou os nossos verdes anos. Marcou-nos para toda a vida. O que por lá se sacrificou em sangue, lágrimas, suor, juventude, e, não menos, saúde, tem sido quase impossível de descrever nos nossos livros. Mas em verdade é isso que nos une.

 Uma tão importante e vasta Organização como são as Forças Armadas não criou as inúmeras Especialidades militares existentes por simples capricho. Todas elas são necessárias para a "máquina" funcionar dentro dos parâmetros desejados.

O mais heroico combatente das tropas especiais não "funciona" sem as... "Côbinhas Quentes"... produzidas pelo humilde cozinheiro do Quartel. Assim como o cozinheiro não viria a sobreviver na mata sem a guarda atenta do combatente. (Clarinho, clarinho, para militar entender. ) Se alguns de nós tiveram o azar de passar toda a sua Comissão nas matas da Guiné, e outros a sorte de servir em especialidades colocadas em localidades mais resguardadas..., na maioria dos casos estas situações nada tinham a ver com eles próprios.

 As colocações eram decididas a outros níveis mais centrais. As eternas cunhas e corrupção? É claro que também por lá andavam, como em todos os Exércitos do mundo. Mas, e a não cairmos no "micro-analisar" as situações, será difícil de nos acusarmos uns aos outros. Ao reparar-se na diversidade dos contribuintes para este blogue, de tudo existe quanto a Especialidades militares.

É isso que o tem enriquecido, mantido, e feito crescer muito para além de outros blogues de ex-combatentes. Depois de uma já longa vida de experiências feita, devemos estar atentos e não nos deixarmos cair em divisões que, por artificiais, são desnecessárias.

 Um abraço.
 J. Belo
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Nota do editor:

Último poste da série > 29 de agosto de 2019 > Guiné 61/74 - P20105: Da Suécia com saudade (60): E agora também dos States, Florida, Key West... Acenando aos amigos através das câmaras ao vivo do mítico Sloppy Joe's Bar (José Belo)

Guiné 61/74 - P20407: Agenda cultural (717): Homenagem a Samuel Schwarz: Belmonte, Museu Judaico, 19 e 20 de dezembro de 2019





Cartaz do programa de homenagem que Belmonte vai prestar, nos dias próximos dias 19 e 20, ao engenheiro de minas, arqueólogo, bibliófilo, poliglota, escritor,  investigador e historiador da comunidade judaica portuguesa,   Samuel Schwarz (Zgierz, Polónia, 1880 - Lisboa, 1953), "cidadão do mundo, português por opção", e que foi, além disso:

(i)  avó dos nossos amigos Pepito  (1949-2014)  [, tem 230 referências no nosso blogue] e João Schwarz da Silva [, autor do sítio "Des Gents Intéressants"];

(ii) pai da nossa "Mulher Grande", Clara Schwarz  (1915-2016) [, tem meia centenas de referências no nosso blogue];

(iii)  e bisavô (paterno) da nossa jovem amiga e grã-tabanqueira Catarina Schwarz que vive em Bissau.

O cartaz chegou-nos por email de João Schwarz da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, nº 768, desde 30 de março de 2018. (Recorde-se que o João nasceu em Alcobaça em 1944, e foi para a Guiné pela primeira vez com 4 anos. Depois da morte do seu avô Samuel Schwarz em Lisboa , em 1953, voltou para Bissau onde frequentou o Colégio Liceu Honório Barreto, onde a mãe era professora,  até à sua vinda para a universidade, em Lisboa, em 1960.)

Informações adicionais:

Museu Judaico de Belmonte:

Aberto de Terça a Domingo
Horário de Inverno  (15 de Setembro a 14 de Abril)
das 9h00 às 12h30m e das 14h00m às 17h30m

Sinagoga de Belmonte:

Rua da Fonte da Rosa 41, 6250 Belmonte


Na sua página na Net, "Des Gens Intéressants", João Schwarz, membro da nossa Tabanca Grande, tem uma detalhada, extensa  e bem documentada nota biográfica, em francês, com alguns excertos em português,  sobre o seu querido avô, Samuel Schwarz.  (Na foto acima, que reproduzimos com a devida vénia, podemos ver avô e neto, em Lisboa, em 1952, um ano antes de o Samuel morrer ; na época, ele vivia no 1º andar do nº 118, da Av António Augusto de Aguiar.)

O João vive, de há muito,  em Paris. Mandou-me o programa de homenagem ao seu avô, dizendo-me que gostaria muito de me ver por lá..., em Belmonte.  Eu, também, gostaria, mas vai-me ser impossível deslocar-me a Belmonte, nessa data,. por compromissos de agenda: tenho de acolher os outros avós da minha neta, que acaba de nascer, e que vêm do Funchal passar o Natal connosco. Desejo ao João um feliz regresso a Belmonte, terra com a qual o seu avô tinha uma relação muito especial, única. Afinal, foi ele quem descobriu a comunidade cripto-judaica de Belmonte, nos anos 20 do século passado.

E,  a propósito, relembro algumas das conversas que tive o privilégio de manter, na Tabanca de São Martinho do Porto,  com a saudosa mãezinha do Pepito, do João e do Henrique, a Clara Schwarz, que foi, durante anos, a decana da nossa Tabanca Grande. Como os nossos leitores sabem, a nossa querida Clara morreu em 2016, com 101 anos: aliás, "não morreu, simplesmente desistiu de fazer anos"... Era uma grande senhora e tinha pelo pai um amor incondicional, uma admiração imensa... Não posso deixar de reproduzir o comentário que ela escreveu, em janeiro de 2011, na véspera de fazer 96 anos (!), a respeito do seu pai, Samuel:

 "Como não sentir uma forte emoção, ao dar-me conta de que o meu pai é ainda hoje lembrado e os seus trabalhos continuam a ser editados, passadas que são quase seis décadas depois da sua morte?

"Recordo-o como uma personalidade forte e empreendedora, um homem de uma cultura vastíssima, um hebraísta reconhecido, um militante sionista, que falava correntemente nove línguas e possuía uma valiosa biblioteca. Engenheiro de minas de formação, era também um estudioso e um escritor, tendo feito a primeira tradução, directamente do hebraico para o português, do 'Cântico dos Cânticos' de rei Salomão.

"Para além de 'Os Cristãos-Novos em Portugal no Século XX', uma investigação sobre a comunidade marrana da vila de Belmonte e os seus rituais secretos, o seu livro mais conhecido, publicado em 1925 e de que aqui se apresenta a tradução em língua francesa, cito de memória dois outros escritos seus: a monografia 'As inscrições Hebraicas em Portugal' e o livro editado postumamente sobre 'A Moderna Comunidade Israelita de Lisboa'.

"Graças a ele, foi possível recuperar a Sinagoga de Tomar, a única que se conserva posterior ao decreto da expulsão dos judeus de Portugal, de Dezembro de 1496, mandada construir por Henrique, o Navegador, no século XV. Adquiriu-a, com o intuito de nela se vir a estabelecer um Museu Luso-Hebraico e, nesta condição, doou-a em 1939 ao Estado português.

"Lembro-me dele como uma pessoa tolerante, que com todos se relacionava, sem distinção de raça, cor da pele ou religião, um homem de uma grande bondade, mas sem disso fazer qualquer alarido. Soube, por exemplo, ainda há pouco tempo, com total surpresa, lendo o livro 'Mémoires', recentemente publicado em França, da autoria do irmão dele, o pintor e escultor Marek Szwarc, que foi o meu pai que lhe sugeriu a ida para Paris e o ajudou materialmente nos primeiros tempos da vivência nesta cidade.

"Nascido numa família de judeus polacos, sionista convicto, o seu sonho era o de poder um dia ir viver para Israel. Algo que se transformou numa intenção firme, sobretudo após o falecimento da mulher. A doença que o atingiu nos últimos anos da vida, impediu-o infelizmente de concretizar este desejo.

"Em 1953, estando junto dele com os meus dois filhos mais velhos [, Henrique e João]
, perdi-o para sempre. Ele foi para mim também um irmão, um amigo e um querido mestre, alguém por quem tinha uma adoração profunda e que permanecerá para sempre na minha memória.

"Clara Schwarz da Silva."


[Fonte: Página de João Schwarz >  Des Gens Intéressants >  Samuel Schwarz ] (com a devida vénia...)]
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P20406: Parabéns a você (1717): Herlânder Simões, ex-Fur Mil Art da CART 2771 e CCAÇ 3477 (Guiné, 1972/74)

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Nota do editor:

Último poste da série de 1 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20401: Parabéns a você (1716): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Guiné, 1969/71)

domingo, 1 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20405: Escritos do António Lúcio Vieira (5): Alvorar

António 
Lúcio 
Vieira

[ex-fur mil, CCAV 788 / BCAV 790,
Bula e Ingoré, 1965/67; 
natural de Alcanena;
vive em Torres Novas; 
jornalista, poeta, 
dramaturgo, encenador; 
autor, entre outros, do livro "25 poemas de dores e amores", vencedor da primeira edição do Prémio Literário Médio Tejo Edições, 2017;
membro da Tabanca Grande, nº 794] 


ALVORAR

era quase alvor a liberdade
era quase a vida quase a voz
era um rio em cheia quase foz
brandos ventos feitos tempestade

e foi alevantado este meu povo
gente viva, erguida, agigantada
era um tempo velho feito novo
tempo aceso luz na alvorada


assim nasceu esta ânsia de nascer
de novo neste chão por amanhar
chão regado a pranto e a sofrer
chão de medos, chão de tanto esperar


e das noites algemadas de morrer
e das horas avisadas de acordar
que eu sou do povo que então quis saber
quanto de si o povo sabe dar

e sou também desta terra feita
de cravos de soldados e canções
da pátria onde me deito e onde se deita
a gesta que moldou mil gerações


e sou o filho e sou também irmão
dessa gente que já vive na memória
sou da noite de escrever libertação
com a pena do poeta coração
e as musas de inventar a nova história

e era assim o dia a madrugar
no sangue e no fio de uma espada
esperança tanto sonho embainhada
olhos tanta noite a vigiar

e as lágrimas que correram tanto mar
e as vozes que rasgaram tanta estrada
e as armas onde a flor se viu plantada
não eram já as armas de matar
que o povo tem no peito e na raiz
a seiva da floresta libertada

aqui e era Abril e era amar
estava a renascer o meu país
quando se alvorou a madrugada


                                                                     António Lúcio Vieira           
                                                              25-4-1999 - 25 anos
                                                                                                                                   
                          
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Nota do editor:


Guiné 61/74 - P20404: Agenda cultural (716): lançamento do novo livro do José Saúde, "Um ranger na guerra colonial": Beja, Biblioteca Municipal, dia 10 de dezembro, 3ª feira, às 21h30



José Saúde, ex.fur op esp / ranger, CCS / BART 6523 (Nova Lamego / Gabu, 1973/74) tem mais de 170 referências no nosso blogue.

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Nota do editor:

Último poste da série >  27 de novembro de 2019  > Guiné 61/74 - P20387: Agenda cultural (715): Mesa redonda sobre “Arquivos e Fontes para o Estudo dos Contextos Coloniais”, organização do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL) e do Centro de História da Universidade de Lisboa (CH-ULisboa), hoje dia 27 de Novembro, pelas 17h00, com a participação de Mário Beja Santos

Guiné 61/74 - P20403: Blogpoesia (648): "O dia a nascer", "O comboio em andamento..." e "Estuário de poesia", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados, entre outros, ao nosso blogue durante a semana, que continuamos a publicar com prazer:


O dia a nascer

Grande espectáculo gratuito ao nascer de cada dia.
Suavemente, vai clareando o céu.
Deixando atrás o negrume e o silêncio da madrugada.
Quando os espíritos se banquetearam, a bel-prazer, no reino enigmático da escuridão.
Vem a aurora radiante de luz apaziguadora.
Anunciando a chegada triunfal do astro-rei.
Semeador de vida, com a prodigalidade real e soberana, que não esquece nem discrimina.

Ressurge em nosso espírito, de novo, a vontade de viver, apesar das tormentas que assolam e varrem a Terra.
Sua lei é a esperança que tudo reverdece.
Com a sensação interna e geral de que não nascemos por mero acaso.
Há uma meta que nos puxa e galvaniza...

Ouvindo Schubert
Berlim, 30 de Novembro de 2019
8h57m
Jlmg

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Comboio em andamento…

Parece que viemos distraídos.
Sem dar conta, quase passou a vida e a sensação é que nada se fez.
Foi tudo trivial.
Cada dia igual ao de ontem.
Mediania…
Excepto no errar.
Se esqueceu a exaltação da infância e juventude, possibilitada pela solicitude de nossos pais.
Quando o sonho era o estado dominante da consciência.
Depois, a rotina do ganha-pão de cada dia.
O infindável rosário da prestação da casa e carro.
O insaciável IRS, um Adamastor, devorador dos subsídios de cada ano.
A sensação de perigo a ameaçar em cada canto.
O medo do infortúnio e da falta de saúde nossa e dos nossos queridos.
Não fosse a fé em Deus, sempre presente e o restante lenitivo da aposentação, já com netos a nosso redor, a vida seria um mar tormentoso indesejável…

Berlim, 26 de Novembro de 2019
9h56m
Jlmg

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Estuário de poesia

Desagua em mim um estuário de poesia.
Sulcos que a magnanimidade da Natureza traçou delicadamente no cair da tarde da minha existência.
Prenda surpreendente. Brinde imerecido mas muito bem-vindo.
Um pôr-do-sol luminoso depois da batalha atribulada que tive de travar.
Um clarão que desfez todos os negrumes da luta.
Me compraz em cada dia a visita, sempre inesperada, dum poema.
Lampejos fulgurantes que cintilam quando menos se espera.
Sensações que só a graça do divino pode explicar…

Ouvindo Schubert
Berlim, 25 de Novembro de 2019
8h52m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 24 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20377: Blogpoesia (647): "O corvo negro", "O encanto da vitória" e "Abram clareiras!...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 728

Guiné 61/74 - P20402: In Memoriam: Os 47 oficiais oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar mortos na guerra do ultramar (1961-75) (cor art ref António Carlos Morais da Silva) - Parte XXXI: Luís Filipe Rei Vilar (Cascais, 1941 - Susana, região de Cacheu, Guiné, 1970)








1. Continuação da publicação da série respeitante à biografia (breve) de cada um dos 47 Oficiais, oriundos da Escola do Exército e da Academia Militar que morreram em combate no período 1961-1975, na guerra do ultramar ou guerra colonial (em África e na Ásia).


Trabalho de pesquisa do cor art ref António Carlos Morais da Silva [, foto atual à direita], instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972.

Morais da Silva foi cadete-aluno nº 45/63, do corpo de alunos da Academia Militar. É membro da nossa Tabanca Grande, com o nº 784, desde 7 do corrente.

Sobre o infortunado Cap Cav Luís Rei Villar e as circunstâncias (nunca totalmente esclarecidas) da sua morte, temos 9 referências no nosso blogue. Há uma rua com o seu nome na sua terra natal.



Guiné > Região do Cacheu > Susana > CCAV 2358 (1969/71) > Natal de 1969 > Último Natal e provavelmente a última ou uma das últimas fotos do Cap Cav Luís Filipe Rei Vilar (1941-1970) (, o segundo a contar da esquerda), comandante da CCAV 2538 / BCAV 2876, unidade de quadrícula de Susana (1969/71), que morreu, em combate, em circunstâncias que nunca foram cabalmente esclarecidas pelo Exército, na sequência de uma operação contra o PAIGC, a Op Cassum [ou Op Selva Viva ?), na fronteira com o Senegal, no dia 18 de Fevereiro de 1970. [O Perintrep nº 08/70 refere a Op Cassum, e diz que a morte ocorreu às 14h30.]

Nesse dia ainda foi evacuado, de Susana para Bissau, para o HM 241, de heli (pilotado pelo nosso camarada Jorge Félix). O malogrado oficial foi substituído pelo Cap Cav Rogério da Silva Guilherme. [Outras subunidades do BCAV 2876: CCAV 2539 (S. Domingos) e CCAV 2540 (Ingoré).]

Foto cedido por Rogério Pedro Martins, que estava em Susana nesta altura. O Miguel Vilar, um dos irmãos Vilar (, um dos quais, o Duarte foi meu colega de curso de sociologia no ISCTE, concluído em 1979/80), falou também com o ex-fur mil Enf Jesus, que vive em Mértola, e que estava a dois metros do seu capitão, quando este foi atingido. 

Foto (e legenda) : © Rosário Pedro Martins / Miguel Vilar / Duarte Vilar (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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Guiné 61/74 - P20401: Parabéns a você (1716): Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2208 (Guiné, 1969/71)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de Novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20383: Parabéns a você (1715): Jorge Teixeira, ex-Fur Mil Art da CART 2412 (Guiné, 1968/70) e Manuel Lima Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3476 (Guiné, 1971/73)

sábado, 30 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20400: Os nossos seres, saberes e lazeres (366): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Maio de 2019:

Queridos amigos,
É a despedida de mais uma ronda micaelense, centrada no Vale das Furnas e na Caldeira das Sete Cidades, a despedida, obrigatória, do Vale das Furnas começou com um banho ao amanhecer na piscina de água férrea, após limpo e amesendado o viandante peregrinou pelos jardins Terra Nostra, tomou o autocarro da carreira e lançou-se em alguns jardins de visita incontornável, desta vez a preferência foi pelo jardim António Borges.
São visitas que o deixam insaciado, quer voltar em breve, em qualquer estação do ano, esta é a sua ilha-morada, ainda lhe falta bater à porta da Graciosa, um dia acontecerá, rende-se incondicionalmente a toda esta bruma arquipelágica, a gentes tão hospitaleiras.

Um abraço do
Mário


A minha ilha é um cofre de Atlântidas (8)

Beja Santos

É fatal como o destino, não há despedida do Vale das Furnas sem a última peregrinação aos jardins do Parque Terra Nostra, o dia está perfeito, desceu a humidade, a luz incidente aveluda todo este mundo verde, passa-se o tanque de água termal onde o viandante esbracejou horas a fio, fizesse calor ou frio, durante alguns dias, esta água fervente é um consolo, o propósito da despedida é passar pela Alameda Ginkgo Biloba, contemplar o Jardim da Flora Endémica, ir à Coleção das Camélias e das Plantas Aquáticas, tornear a Coleção de Fetos e sentar-se num banco em frente do Jardim de Vireyas. É o que vai acontecer, e com bons resultados para a saúde emocional do viandante.



Já se cantaram todas as laudes sobre este Parque Terra Nostra, que tem mais de dois séculos de vida, parece estar tudo dito sobre estas árvores que vieram das Américas, das Austrálias, da China e da África do Sul. Ao longo de gerações, houve enlevo, apetência cultural e bom gosto para trabalhos de conservação dos caminhos e dos lagos, o embelezamento deles não para, constroem-se e renovam-se os jardins, as camélias têm fama nacional, quem gosta de botânica tem aqui um recanto sagrado para contemplar espécies comuns da região da Macaronésia (isto é, para além dos Açores, a Madeira, as Canárias e Cabo Verde). É impossível não ficar deslumbrado com a coleção de fetos, à beira do canal em que corre água férrea, são duas centenas de exemplares, desenvolvem-se em ambientes húmidos. E há depois os rododendros da Malásia, plantas de coloração intensa, de diferentes tons de branco, laranja, rosa, salmão ou vermelho. E obrigatoriamente, até porque estamos na estação propícia, os canteiros de azáleas, em toda a sua diversidade de tons, as cores mais tradicionais são o vermelho e o lilás – são as plantas emblemáticas de São Miguel.






Pouco há mais a dizer quando estas imagens superam as mil palavras, estas alamedas românticas, os caramanchões multicolores, a adaptação do antigo laranjal do Parque para receber as Cycadales, plantas em vias de extinção e que existem há milhões de anos. O viandante tudo vai registando no seu caderninho, está melancólico mas lampeiro, sai do hotel com armas e bagagens e vai para o terminal rodoviário.


Então, não é que no terminal rodoviário temos esta simulação de casa virada do avesso, não é que a imagem nos dá uma sugestão de ficção científica, há para ali uma pitada de sensação aterrorizante, como se encapelassem os céus e um vento desabrido revolvesse a Natureza em roldão. Pura imaginação, vertigem da despedida, este é o mundo cósmico açoriano, um polo magnético que atrai o viandante, por isso com tanta regularidade o visita. E parte-se para Ponta Delgada.


O viandante pousou armas e bagagens na sede da associação dos consumidores açorianos, busca jardins, Ponta Delgada tem três de nomeada: os jardins do antigo Palácio dos Marqueses de Jácome Correia, hoje residência oficial do Presidente do Governo Regional, primorosamente tratados, bem perto, os jardins de José do Canto, aquela figura notável que deixou obra na Lagoa das Furnas, está sepultado na Ermida de Nossa Senhora das Vitórias, ao lado da sua mulher a quem escreveu cartas de um erotismo desinsofrido, coisa rara ou impraticável em tempos vitorianos, jamais em tempo algum um cavalheiro diria a sua dama o que iriam fazer logo que ele chegasse da sua longa viagem… O viandante passa por ambos como gato pelas brasas, mete-se ao caminho para ir ao jardim de um rival de José do Canto, António Borges. Pelo caminho, deu-lhe para entrar num centro comercial de nome Parque Atlântico. Impossível não captar a imagem deste cetáceo que nos convida, entre muita água a escorripichar.


Este jardim era o jardim privado de António Borges da Câmara Medeiros, foi construído entre 1858 e 1861, este abastado senhor abriu os cordões à bolsa para nos deixar esta obra prodigiosa. Hoje faz parte do património autárquico, já no século XXI foi alvo de uma grande intervenção, rivaliza com o Palácio de Santana (a sede da Presidência do Governo dos Açores), mas convém que se saiba que há mais jardins em Ponta Delgada, se o leitor vier a esta cidade peça mais informações. O que aqui se vê não foge ao esplendor açoriano, de que o viandante não se cansa de fazer referência. Há uma explicação para esta imagem particular. O que o leitor vê no caminho chama-se bagacina, a palavra não vem nos dicionários. Estava o viandante a preparar um livro em que se dedicava um capítulo à sua estadia em São Miguel, entre 1967 e 1968, e intitulou-o “Na Terra da Bagacina”, termo inexistente nos dicionários mas existente e corrente na cultura açoriana, é este farelo de pedra vulcânica, parece um rosa velho ou vermelho tijolo, não se sabe qual é a palavra melhor adequada, há muitos caminhos assim, feitos com esta prestimosa bagacina, marca de água de um território genuinamente vulcânico.


E despedimo-nos, a viagem interrompe-se por uns momentos, enquanto o viandante tiver vida e saúde aqui voltará esfusiante, esta natureza colou-se-lhe à pele, e despede-se com duas imagens de árvores antigas, uma lembrança para os vindouros, aqui chegaram povoadores do século XV, encontraram esta ilha totalmente arborizada, foram séculos de trabalho titânico para criar condições para os bons pastos, mas há um dado cultural insular e intransmissível, o gosto pelos jardins, o diálogo sem tréguas com escarpas, pélagos, córregos, canadas, ventos que sopram furiosos, uivando sob os telhados, o marulhar oceânico, tantas vezes furioso e devorador da obra do homem, este mesmo homem que planta e ajardina a envolvência da sua vida.

Adeus, até ao regresso do viandante.


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Nota do editor

Último poste da série de 23 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20373: Os nossos seres, saberes e lazeres (365): A minha ilha é um cofre de Atlântidas (7) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20399: Historiografia da Presença Portuguesa em África (189): I Exposição Colonial, Porto, junho/setembro de 1934: fotogaleria do encerramento...









"Vários aspetos dessa memorável jornada de fé e vibração patrióticas: em cima, Irmãs Missionárias e Combatentes das campanhas das colónias; a seguir, D. João de Castro, conduzido sob o pálio e o carro da cidade do Porto; a frente do cortejo com figuração histórica; no disco, tocadores de marimbas; campinos do Ribatejo junto do sr. capitão Henrique Galvão, que concebeu, organizou e dirigiu o cortejo; o carro dedicado à província de Angola. Fotos ALVÃO.

Fonte: Ultramar - Órgão Oficial da I Exposição Colonial, (Porto),  nº 17, 1 de outubro de 1934, p. 8 (Diretor: Henrique Galvão). 

[Cortesia de Hemeroteca Digital, Câmara Municipal de Lisboa]



1. Temos já meia dúzia de referências no nosso blogue à Exposição Colonial do Porto (junho-setembro de 1934). Recorde-se aqui um excerto de um poste de um camarada nosso, portuense, o [ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAC 3880  (Zemba e Ponte de Rádi, 1972/74),  membro nº 780 da Tabanca Grande: 


(...) A grandiosa Exposição Colonial do Porto, ocorrida no Palácio de Cristal em 1934, deverá ter sido um ensaio geral para a (ainda mais grandiosa) Exposição do Mundo Português de 1940, em Lisboa. Ainda Salazar não tinha vergonha de chamar colónias às colónias.


Feita à imagem e semelhança de outras exposições coloniais realizadas em França, Inglaterra, Alemanha, etc., a Exposição Colonial do Porto de 1934 foi organizada por Henrique Galvão, esse mesmo, o do assalto ao paquete Santa Maria, que antes de ser um feroz opositor de Salazar tinha sido um seu fervoroso admirador.

A Exposição Colonial do Porto teve como finalidade, como facilmente se compreende, exaltar o orgulho imperial dos portugueses, supostamente portadores de um mandato divino de civilizar os povos primitivos sob seu domínio, e ao mesmo tempo consolidar o regime do Estado Novo, comandado pelo pulso de ferro de António de Oliveira Salazar. A exposição teve características idênticas às das exposições coloniais estrangeiras, a começar pela redução dos povos colonizados à condição de indígenas atrasados, cujo exotismo se procurava sublinhar. Para tanto, mostraram-se seres humanos trazidos das colónias ao público visitante, como se de animais do jardim zoológico se tratasse.

No caso da Exposição Colonial do Porto de 1934, a Guiné teve um papel de particular relevo, não necessariamente pelas melhores razões. Foi instalada uma "tabanca" de bijagós numa ilha de um pequeno lago existente nas imediações do Palácio de Cristal, onde pessoas seminuas eram exibidas ao público como se estivessem no seu ambiente natural. Ora o clima do Porto é consideravelmente mais frio do que o da Guiné. Nem quero pensar no frio que essas pessoas terão passado. (...) (*)


Portugal (continental, insular e ultramarino) tinha uma superfície superior a 2,168 milhões de km2, ultrapando o conjunto europeu formado pela Espanha (continental), a França, A Alemanha, a Inglaterra e a Itália (que não chegava aos 2,097 milhões de km2). Mapa organizado por Henrique Galvão (1895-1970) que, passadas duas décadas, começa a desiludir-se com o Estado Novo e entra em rota de colisão com Salazar. Ficaria mundialmente famoso pelo inédito assalto, em 21 de janeiro de 1961, ao paquete "Santa Maria". Terá sido o primeiro ou um dos primeiros atos de pirataria naval com motivação política, no séc. XX. Henrique Galvão e o seu comando renderam-se às autoridades brasileiras, no porto de Recife, em 2/2/1961, na véspera do início da guerra colonial em Angola.


Sobre a I Exposição Colonial Portuguesa, ver mais informação disponível na Hemeroteca Municipal de Lisboa (, dossiê digital organizado em 2014 para comemorar os 80 anos deste evento; destaque na introdução para o seguinte excerto:  

(...) "Discursando no Palácio da Bolsa (então Palácio das Colónias), [Henrique] Galvão terá afirmado: 'os homens da minha geração vieram ao Mundo dentro de um país pequeno. Felizmente vê-se que pretendem morrer dentro dum império'. 

"Esta ideia, de resto, serviu de mote ao famoso mapa 'Portugal não é um país pequeno', (ver aqui) concebido por Galvão no âmbito da Exposição e amplamente divulgado pelo Secretariado de Propaganda Nacional nos anos seguintes." (...)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 27 de novembro de  2019 > Guiné 61/74 - P20389: Historiografia da presença portuguesa em África (188): A eterna polémica sobre o racismo no colonialismo português (4): "Portugueses e Espanhóis na Oceânia", por René Pélissier (Mário Beja Santos)