sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15708: Notas de leitura (805): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Temos agora o General Carlos de Azeredo como comandante em Bolama, uma cidade decadente que ele descreve com uma certa nostalgia e lembranças de Goa.
Cerca de um ano depois de regressar, Spínola pede-lhe para regressar à Guiné como coordenador dos projetos de reordenamentos e das tabancas em autodefesa, atividade que lhe deu imensa satisfação e faz um balanço positivo das infraestruturas deixadas no interior da Guiné, incluindo poços, escolas e postos sanitários.
Sempre mordaz, refere que a mesma URSS que armava solidamente o PAIGC vendeu-nos o armamento que foi utilizado na operação "Mar Verde". A guerra tem destas coisas que passam pelo puro cinismo de não olhar a quem para escoar a mercadoria mortífera...

Um abraço do
Mário


Trabalhos e dias de um soldado do Império (2)

Beja Santos

“Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Civilização Editora, 2004, é um vasto reportório de lembranças de um oficial-general acerca do seu percurso militar, a sua passagem pela política e pelos cargos que exerceu como assessor militar de Sá Carneiro, na Casa Militar de Mário Soares e como autarca do Porto.
No texto anterior, Carlos Azeredo relata a sua passagem pela região do Morés, no Olossato e mais tarde em Aldeia Formosa, vemo-lo agora como comandante do Centro de Instrução Militar de Bolama. Descreve o ocaso da antiga capital da colónia:
“A cidade, situada na ponte oriental da ilha, num local aberto e em parte no declive para o porto e cais no canal de S. João, devia ter sido muito pitoresca no seu velho estilo colonial do século XIX. Com aspetos que faziam lembrar as cidades de Goa.
Com exceção do aquartelamento, do hospital, da velha câmara com o seu frontão e colunas no estilo helénico, o hotel, o antigo Palácio do Governador e as poucas casas que ainda estavam habitadas, o resto da cidade era uma ruína onde todos os meses desabavam uma ou duas casas. De notável havia em Bolama dois monumentos: a estátua do Presidente Ulisses Grant, que arbitrou a célebre questão de Bolama entre Portugal e a Grã-Bretanha, estátua esta situada no jardim central em frente do quartel, e o monumento erguido pelo governo italiano de Mussolini, de mármore, em memória dos dois aviadores italianos que, numa tentativa de volta aérea ao mundo, ali morreram num desastre com o seu avião”.

Durante os sete meses que esteve em Bolama morreram dois soldados guinéus com uma mina implantada na estrada a poente da cidade, foi esta a única atividade do PAIGC na ilha. Em contrapartida, S. João e o seu aquartelamento eram atacados periodicamente.

Em Setembro de 1969 regressa a Lisboa. No ano seguinte, o General Spínola pede-lhe para regressar à Guiné, para coordenar os diferentes projetos do reordenamento das populações, Carlos de Azeredo aceita, regressa em Outubro desse ano, é colocado no Quartel General do Comando-Chefe a dirigir toda a atividade da construção dos reordenamentos e da implantação de autodefesas da Guiné, em substituição do Major Eduardo Matos Guerra. Comenta favoravelmente o trabalho do seu antecessor e adianta:
“Se no controlo dos materiais e das técnicas de construção pouco ou nada alterei, já no que se refere aos planos do aldeamentos e sua urbanização foram introduzidas várias modificações em que trabalharam arquitetos e engenheiros militares. Mas foi sobretudo no que se refere à localização dos novos aldeamentos que os métodos de escolha e definição da sua situação no terreno foram alterados”. Escolhido o novo local, entrava em conversações com os homens grandes, era um laborioso processo de tomada de decisão, visitava o novo local com os notáveis do presumível novo reordenamento, atendia às razões dos autóctones. Mas havia um problema adicional:
“Vezes houve em que as localizações escolhidas recaíram em áreas onde a guerrilha atuava com uma certa frequência, o que levantava dificuldades e punha problemas de segurança, já que o pessoal que maioritariamente trabalhava na construção das casas eram praças europeias retiradas de várias unidades operacionais da Guiné, com profissões na vida civil de pedreiros, carpinteiros e trolhas. Por isso houve casos em que foi necessário deslocar uma companhia operacional para a área de construção”. E faz o balanço:
“À minha saída da Guiné em 1972, tinham sido construídas pelo Exército 1600 casas, 74 postos sanitários e 92 escolas, tudo coberto de zinco, realização que só foi possível pelo grande espírito de sacrifício, muito trabalho e dedicação de anónimos soldados, sargentos e oficiais, que se empenharam com entusiasmo nesta tarefa quase faraónica”.
Mas Carlos Azeredo também tinha o cometimento da instalação das autodefesas. Ia falar com os notáveis da tabanca, fazia-se o cômputo dos homens em condição de usar armas, combinava-se a instrução e a construção de uma muito rudimentar organização defensiva constituída por valas e parapeitos para atirador, com troncos de palmeira e terra, tudo protegido por uma rede de arame farpado.

Considera que só por uma verdadeira lealdade é que foram pouquíssimas as armas desviadas e entregues ao PAIGC. Considera que essa lealdade era tão forte que levou ao clima de terror e aos fuzilamentos praticados. Conheceu casos das nossas tropas em que houve uma total falta de ética militar e exemplifica com uma companhia aquartelada a Norte de Farim, Nema, comandada por um oficial do quadro permanente, figura célebre pela façanha de durante um patrulhamento ter perdido os seus homens. Acontece que a guerrilha do PAIGC atacou a povoação de Farim e o aquartelamento de Nema, o capitão português suspeitando que o régulo local tinha ligações com inimigo, submeteu-o, auxiliado por um sargento, a um interrogatório brutal, e o pobre velho, que afinal era lealíssimo, veio a morrer. Spínola mandou proceder de imediato a um auto de inquérito e o capitão salvou-se porque o comanda de batalhão assumiu a responsabilidade de uma ocorrência acontecida numa sua unidade, Spínola retirou-lhe o comando do batalhão, a despeito desta atitude corajosa.

Fala ainda da operação “Mar Verde” em que uma empresa de Lisboa, a Norte Importadora, comprou armamento à União Soviética, foram a Kalachinkovs, morteiros 82 e RPG 7, tudo comprado a um custo total de 4.500 contos, que foram levados pelos Comandos Africanos. Na parte final deste seu depoimento acerca da segunda comissão na Guiné, e depois de ter enaltecido o trabalho de Spínola faz a seguinte apreciação:
“A guerra tendia, ano a ano, para uma derrota, já que o governo de Lisboa não aceitava o facto de ter de aumentar as despesas com novo reequipamento e armamento para se poder fazer face aos novos meios que a guerrilha cada vez mais tinha ao seu dispor, isto conjugado com uma opinião internacional cada vez mais hostil à política de Salazar, e a paralisia na atuação política de Lisboa face ao problema do Ultramar. Quer na Índia quer depois em África, tínhamos inferioridade de armamento e de meios em relação ao adversário, inferioridade que se foi agravando com o decorrer do tempo. E penso que não foi por toneladas de ouro mas por tacanhez de mentalidade na gestão dos nossos meios financeiros que tal circunstância se verificou”.
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Nota do editor

Último poste da série de 1 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15693: Notas de leitura (804): “Trabalhos e Dias de Um Soldado do Império”, por Carlos de Azeredo, Livraria Civilização, 2004 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 63/74 - P15707: (De)caras (29): Por mor da verdade... contra as mentiras do Arquivo Amílcar Cabral: comentários de António J. Pereira da Costa, Antº Rosinha, Carlos Vinhal, José Colaço, Luís Graça e Valdemar Queiroz

Fotograma do documentário dos suecos  Lennart Malmer e Ingela Romare  "En Nations Födelse" [Birth of a Nation (Nascimento de uma Nação), Sweden / Suécia, 1973, 48'']:  o único filme que existe sobre a declaração unilateral da independência da Guiné-Bissau  em 24 de setembro 1973. Passou no DocLisboa 2011.

Não cheguei a ver o filme. Quanto à imagem à esquerda,  julgo tratar-se de uma operadora de radiotelegrafia (código de Morse)  do PAIGC. (LG)

Fonte: Arsenal – Institut für film und videokunst  e.V., Berlim, com a devida vénia.


Alguns comentários dos nossos camaradas ao poste P15702 (*)

1. José Manuel Cancela [ ex-soldado apontador de metralhadora,  CCAÇ 2382, Bula, Buba, Aldeia Formosa, Nhala, Contabane, Mampatá e Chamarra, 1968/70]

Caros amigos: há aqui qualquer coisa que na bate certo. Estive enm Nhala,  entre novembro de 1968 e meados de janeiro de 1969. O meu pelotão foi rendido por um  outro da minha companhia, a CCAÇ 2382. É possível que os meus camaradas tivessem sido atacados em 20 de janeiro de 69, mas tenho a certeza absoluta que não  houve nenhum morto, nem tão pouco feridos...


2. António J. Pereira da Costa [coronel de Art.ª Ref (ex-Alferes de Art.ª na CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-Capitão de Art.ª e CMDT das CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74)]

Olá, camaradas: O problema é que, enquanto nós fazíamos relatórios verdadeiros no que aos feridos e mortos dizia respeito, o insidioso, ardiloso e mauzinho IN  "tinha que apresentar serviço" , daí que os camaradas (guerrilheiros/patriotas/revolucionários) "matassem que se fartavam" (como o Shelltox) e destruíssem tudo, ou quase tudo, nos Campos Entrincheirados dos Colonialistas, Salazaristas, Fascistas e Lacaios do Imperialismo.

Aquela dos dois helicópteros a descer por duas vezes é de partir a moca. E uma mensagem manuscrita com a palavra STOP a servir de ponto final é-o ainda mais.

Claro que, com amigos como estes,  o povo guineense, hoje não precisa de inimigos.


3. Antº Rosinha 

[o último "colonialista português", ou pelo menos o único que faz questão de "dar a cara";  emigrou para Angola nos anos 50, foi fur mil em 1961/62;  saiu de Angola com a independência, emigrou para o Brasil e finalmente foi topógrafo da Tecncil, Guiné-Bissau, em 1979/93, como "cooperante";  resumindo, é um "ex-colon e retornado", como vem no seu cartão de visita;  é membro sénior da nossa Tabanca Grande, o "nosso mais velho", como se diz em África, e por isso, ouvido e respeitado; gosta de dizer o que pensa, sem pensar no politicamente correto]:

É imensamente útil para a história que um dia este blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  vai deixar para a posteridade, estas transcrições arquivadas na Fundação Mário Soares.

Vários motivos: um dos motivos, enorme contradição, este arquivo pertencer à Fundação de Mário Soares, figura anticolonialista a toda a prova, e que em Bissau, MS seja muito pouco apreciado quer pelos antigos guerrilheiros do PAIGC, quer pelos sobreviventes à matança sofrida pelos comandos guineenses que lutaram ao nosso lado (posso explicar noutro lugar esta minha constatação, se interessar).

Outro motivo é que os relatos estão escritos em Português correctíssimo, idioma que corre sérios riscos por aquelas bandas, sempre fica a memória que ali alguém falava um bom português.

Estes relatos também servem para mostrar que não havia áreas libertadas. Poderia apenas áreas abandonadas, o que não era a mesma coisa.


4. José Botelho Colaço [ex-soldado trms, CCAÇ 557, Cachil,Bissau e Bafatá, 1963/65)]

Os comunicados do PAIGC eram assim,  passe a publicidade,"com Dum-Dum não escapa um".

A Companhia de Caçadores 557 no Cachil na noite de 16 de Novembro de 1964, no noticiário do dia 17 da emissora Voz da Liberdade, os militares colonialistas tinha sido dizimados, não escapou um! De facto fizeram um ataque ao quartel em 16-11-1964 mas nem um único ferido sofremos nessa noite.




5. António J. Pereira da Costa

Volto à antena para lembrar que a Fundação Mário Soares é tida como uma entidade fiável.
Porém é capaz de não ser bem assim...
É mau que assim seja e que esteja recheada com "pérolas operacionais" deste tipo.
Será uma maneira de agranelar a nossa memória colectiva. Dentro de alguns anos, estes "relatórios" serão valorizadíssimos por investigadores "independentes", oriundos da Suécia ou de outro país democrático similar,  que se fundamentarão em documentos como estes para contraditar o que os documentos militares portugueses disserem.

Não será uma maneira muito curial, mas lá que vai dar resultado, isso vai...


6. Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]

Como curiosidade. Os dois primeiros documentos são escritos pela mesma pessoa, embora remetidos por 'Marga' [' Nino' Vieira] e 'Iafai Camará'... Ou tratava-se de uma transcrição de transmissão via rádio/morse? (daí o Stop). 

O terceiro documento, do 'Gazela' [Agostinho Cabral de Almada], parece escrito por alguém com Curso Superior,  muito habituado a escrever.

É evidente, que em tempo de guerra, as forças beligerantes utilizavam métodos de informação/contra- informação para iludir o IN e empolgar as suas tropas.
Cheguei a ouvir a rádio do PAIGC relatando um ataque a Canquelifá, numa noite em que eu lá estava, mas eu nunca sofri nenhum ataque em Canquelifá.
Estes documentos não deixam de ser muito importantes mas, no meu ponto de vista, devem ser analisados como informação/contra informação.


7. Carlos Vinhal,  Leça da Palmeira, editor [ ex-fur mil art MA, CART 2732, Mansabá, abril de 1970/março de 1972]

Não sei qual a utilidade prática da divulgação destes "documentos". É tal a aldrabice que nem de consolo servem a quem, à luz de hoje, é crítico à actuação da nossa tropa na guerra do ultramar ou colonial de então.


8. Luís Graça, editor [ex-fur mil arm pes inf, CCAÇ 2590/CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, jun 69/ mar 71]

É por estas e por outras que o editor LG fez a seguinte observação:

(...) "Reprodução feita aqui com a devida vénia, e para fins exclusivos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. A divulgação destes documentos não implica a validação da sua informação ou a sua aceitação, mas tão apenas o reconhecimento do seu eventual interesse documental para os nossos leitores (e para a historiografia da presença portuguesa em África).

"Compulsados os elementos de que dispomos, para as datas em questão (20/1/1969, 23/3/1969 e 26/7/1971), só encontramos um morto, das NT, em combate, em 20/1/1969: trata-se do sold at Alberto Gonçalves Pinto, natural de Semelhe, Braga, que pertencia à CART 1744, 20/7/1967 - 25/5/1969... Mas esta companhia esteve no norte, na região do Cacheu, em São Domingos, não no sul, em Nhala, ao que apurámos... (LG)"

Amigos e camaradas: para mim, que sou sociólogo, e investigador na área das ciências sociais em saúde, todos os arquivos são "valiosos", o que não quer dizer que tenhamos que considerar, à partida, que a informação que lá vamos encontrar é válida e fiável... Nos arquivos, não há sequer informação, há dados, que depois de "tratados" e "analisados",  podem e devem dar origem a informação e conhecimento, ou seja, "produto científico"... É o caso dos arquivos da PIDE/DGS, ou do arquivo pessoal de Salazar e dos outros, milhares, de arquivos que estão na nossa Torre do Tombo, a nossa "memória coletiva"...

Espero que daqui a 100 anos, o nosso blogue também sirva para alguma coisa...


9. António J. Pereira da Costa

OK, mas talvez fosse bom começar já exarar comentários que permitam desmontar o que é falso e não corresponde à realidade e a própria realidade.

Nos Arquivo Amílcar Cabral [, alojado no portal Casa Comum, organizado pela Fundação Mário Soares,]  a documentação está manipulada e de modo grosseiro e desonesto, com a finalidade única de agradar ao chefe ou "ao partido".

Sendo assim, quem falasse verdade ficava, pelo menos, mal visto.

Os resultados de uma flagelação ou de uma emboscada são difíceis de contabilizar. Por alguma razão nos nossos relatórios aparece a expressão "Grupo In não estimado", só contavam os "mortos confirmados",  isto é, os cadáveres abandonados na fuga ou os feridos efectivamente capturados. As poças de sangue, ou os arbustos partidos pelo "arrastamento dos corpos dos feridos" não contavam como efeitos e nós não tínhamos que agradar ao Partido, o que nos tornava mais honestos nas nossas declarações.

Isto para dizer que os nossos relatórios são mais fiáveis do que os do PAIGC.

Em que é que se fundamentaria aquele chefe para redigir o seu "relatório"? Na sua observação directa? Em elementos infiltrados?

Se calhar será boa ideia que se tenha em conta as características dos procedimentos habituais dos responsáveis de ambas as forças em presença. Além disso, se há coisas que todos sabemos é o número de mortos e feridos e respectivas condições que, vêm sempre à memória nos nossos encontros.

No fundo, estamos perante uma inquinação da informação, ditada por motivos pouco honestos e necessidade de apresentar resultados, mas sempre uma inquinação determinada por povos que nem memória têm e fazem gala nisso. Não esqueçamos que a História da Guiné só pode ser escrita do exterior, visto que as fontes são imprecisas, no mínimo, quando as há. E ainda hoje, como é?

Estamos distraídos? A título de exemplo recordo só "o golpe do Ansumane Mané"...

Claro que Arquivos são Arquivos, mas... não é só com uma correcta interpretação que devem ser abordados. Nas respectivas documentações encontramos montanhas de documentos que não corresponde nem aproximadamente à verdade. (**)
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Guiné 63/74 - P15706: O nosso livro de visitas (187): Bom Ano Novo Chinês - Kung Hei Fat Choi ! 新年快樂!恭喜發財!Happy Chinese New Year ! (Virgílio Valente, em Macau; ex-alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74)

1. Mensagem do nosso camarada Virgílio Valente [Wai Tchi Lone, em chinês], que vive e trabalha em Macau, há mais de 2 décadas; foi alf mil, CCAÇ 4142, Gampará, 1972/74; é o nosso grã-tabanqueiro nº 709 (*)



Date: 2016-02-05 5:21 GMT+00:00

Subject: Bom Ano Novo Chinês - Kung Hei Fat Choi ! 新年快樂!恭喜發財!Happy Chinese New


Meus amigos,
親愛的大家
Dear all,

Desejo um Feliz e Próspero Ano Novo Chinês!
在歡樂的佳節,獻上我誠摯的祝福。
祝您新春快樂!萬事勝意!
I wish you a very Happy and Prosperus Chinese New Year!

恭喜發財!
Kung Hei Fat Choi!


      韋子倫
Virgilio Valente



"A wise man makes his own decisions; an ignorant man follows public opinion." (Chinese proverb)

"Um homem sábio decide por si próprio; um homem ignorante segue a opinião pública." (Provérbio chinês) (**)
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Notas do editor:

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15705: Pré-publicação: O livro de Mário Vicente [Mário Fitas], "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra" (2ª versão, 2010, 99 pp.) - IV Parte: III - Metamorfose 1 (pp. 20-21)

Capa do livro (inédito) "Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra", da autoria de Mário Vicente [ Fitas Ralhete], o nosso querido camarada Mário Fitas, ex-fur mil inf op esp, CCAÇ 763, "Os Lassas", Cufar, 1965/67, e cofundador e "homem grande" da Magnífica Tabanca da Linha, escritor, artesão, artista, além de nosso grã-tabanqueiro da primeira hora, alentejano de Vila Fernando, concelho de Elvas, reformado da TAP, pai de duas filhas e avô.

Esta edição é uma segunda versão, reformulada, aumentada e melhorada, do livro "Putos, gandulos e guerra" (edição de autor, Estoril, Cascaiis, 2000). A sua pré-publicação, no nosso blogue, em formato digital, está devidamente autorizada pelo autor.


Texto e fotos: © Mário Fitas (2016). Todos os direitos reservados.


Do Alentejo à Guiné: putos, gandulos e guerra >
 III - Metamorfose 1 (pp. 20-21)

por Mário Vicente


O tempo continuava galopante na sua louca correria, transformando as coisas e as pessoas. Ângelo Roncalli, sargento do corpo médico e capelão militar, da primeira Guerra Mundial, em Outubro de 1958 entra no Vaticano, como Papa João XXIII.  As suas encíclicas Mater et Magistra e Pacem in Terris, o Vaticano II puseram a Igreja em polvorosa, e começam a delinear-se reflexos na Igreja em todo o Mundo, Portugal incluindo mesmo a ignota aldeia da Planície. Há mudança de padre e a igreja é devolvida ao Povo, onde começam a aparecer alguns homens. A própria Colónia, agora Instituto de Reeducação de Menores, sente os ventos da mudança e sofre transformações.

Calças de Palanco vai crescendo, acompanha este desen­volvimento e adere a esse movimento maravilhoso de Baden Powell. A 15 de Agosto de 1959, a Patrulha Estorninho faz a sua Promessa, sendo formada pelos Exploradores, Baté, Calças de Palanco, Torreca, Carcaça, Pouca Sorte, Bertinho, Peta e Pitórrela; este foi o embrião do futuro Agrupamento 137 do CNE a cuja chefia chegam Baté, Calças de Palanco, Bertinho, Manito e outros mais tarde.

Calças de Palanco lê a conclusão aprovada pela Conferência Internacional Escutista [CNE], e fica extasiado: «A Conferência Internacional do Escutismo declara que o Escutismo é obra de carácter Nacional, Internacional e Universal, e o seu objectivo é dotar cada uma das nações e todo o Mundo em geral, de jovens física, moral e espiritualmente fortes. É Nacional, porque visa por meio de organismos nacionais, dotar cada nação de cidadãos úteis e válidos. É internacional, visto que não reconhece fronteiras às boas relações entre escuteiros. Universal, porquanto procura insistentemente incutir o sentimento de fraternidade universal aos escuteiros de todas as nações, classes ou crenças. O escutismo não pretende de forma nenhuma enfraquecer, mas antes fortalecer, as crenças religiosas individuais. A Lei do escuteiro requer que este pratique real e sinceramente a sua religião, e a orientação da Obra proíbe toda a espécie de proselitismo em reuniões mistas.»

Para Calças de Palanco melhor, só de encomenda. Na última mensagem do Chefe, relê e encontra coisas maravilhosas tais como: "Creio que Deus nos colocou neste mundo encantador para sermos felizes e apreciarmos a vida. A felicidade não vem da riqueza, nem simplesmente do êxito de uma carreira, nem dos prazeres. Um passo para a felicidade é serdes saudáveis e fortes enquanto sois rapazes, para poderdes ser úteis e gozar a vida quando fordes homens. O estudo da natureza mostrar-vos-á as coisas belas e maravilhosas de que Deus encheu o mundo para vosso deleite. Contentai-vos com o que tendes e tirai dele o maior proveito que puderdes. Vede sempre o lado melhor das coisas e não o pior. Mas o melhor meio de alcançar a felicidade é contribuir para a felicidade dos outros."

Estas e outras palavras grandiosas de Badden Powell, ecoaram profundamente no coração de Calças de Palanco. Aparecem aqui novos putos candidatos a gandulos: Zé Sacristão, Vauna, Carmélia, ManeI Pires, Casado, Cesário, Ratinho, Toi, Ma­nito e outros entram no grupo.

Caminheiros também já temos, e criam-se os Lobitos que, mais tarde, seguirão a trilogia, "putos, gandulos e guerra". Alistam-se então, os putos Caldeirinha, Gri­lezas, Armando, Quim ManeI, os irmãos Saramago, Zé Carlos Chico Zé, Silvino, etc...

Vivem-se momentos eufóricos na aldeia da Planície.

Acampamentos não faltam e toma-se romaria a sua visita, por familiares e outros habitantes. Festas e teatros tornam-se elementos evolutivos da so­ciedade humana. Rafael de Oliveira volta à sua grande paixão e retoma o seu lugar de ensaiador, encenador e coreógrafo dos espectáculos da terra. Dramas, comédias e tragicomédias fazem rir e chorar as pedras da calçada. Gente humilde do povo torna­-se em verdadeiros artistas, e o próprio povo delira em rir. Mas por vezes, gosta também de aflorar os seus sentimentos e sentir a lágrima no cantinho do olho. Faça-se segundo a vossa vontade.

Calças de Palanco, já gandulo, vive intensamente estes tempos e tem o privilégio com Bertinho, de preparar o pequeno-almoço para Dom Manuel Trindade Salgueiro,  Arcebispo de Évora, durante um Jamboree na cidade Museu, na Quinta da Mitra.

Dedica-se ao desporto e ingressa no "O Elvas",  Clube Alentejano de Desportos, como júnior, treinado por Otto Lebre,  conhece grandes triunfos. De terra em terra envolvido com a "Malta do Atum", rapazes do movimento de Baden Powell divulgam a sua obra e colaboram activamente com a Igreja.

Malta do Atum?... Sim, meus amigos, ficou-vos a alcunha, por como ratos da noite, terdes mamado a lata do atum, o que deixou o cozinheiro Torreca apavorado, com as batatas cozidas para o almoço e nada para acompanhamento. Tinha das boas,  o nosso cozinheiro Torreca!... Lembram-se daquela sopa de feijão em que na panela entrou primeiro a massa?... Tudo bem! Era nestas experiências que se ia enriquecendo o saber da vida feito.

Os estudos de Calças de Palanco vão andando, devagar como bom alentejano, para não se cansar muito. Algumas gaze­tas às aulas fazem parte do curriculum, principalmente quando na linda amuralhada cidade, aparecem excursões com "guapas hermanas", dos Colégios do lado de lá da fronteira.

– Manel,  vai buscar a viola! Vamos cantar umas mala­guenhas! –  E seguiam direito ao jardim mandando as aulas e o "Fumachum" às ortigas.

– Também já lá está o ManeI! Foi tão novo não foi, Manela? E deixou tantas saudades! "Cest la vie!"

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Guiné 63/74 - P15704: Parabéns a você (1029): José Belo, Capitão Inf Ref, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Guiné, 1968/70) e Mário Silva Bravo, Médico, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 6 (Guiné, 1071/72)


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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15696: Parabéns a você (1028): Germano Santos, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 3305 (Guiné, 1970/73)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15703: (In)citações (83): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (2): Reintegração na vida civil e saída para a diáspora

1. Segunda parte do Depoimento de um antigo combatente na diáspora, da autoria do nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviado ao Blogue em 14 de Janeiro de 2016:


Depoimento de um antigo combatente na diáspora* 

2 - A reintegração na vida civil e a saída para a diáspora
 
Na chegada ao Faial (17 de Janeiro de 1973) não havia ninguém à minha espera. A minha família partira para os Estados Unidos da América ainda antes de eu ter ido cumprir o serviço militar. A madrinha de guerra que me acompanhara tão abnegadamente durante os dois anos de comissão, também ela emigrante, era uma doce recordação, um amor que já não era segredo. O tempo se encarregaria de nos juntar.

Sem casa, sem família ou namorada por perto e com os amigos da minha idade ainda a cumprirem o seu serviço militar ou a estudarem na universidade, sentia-me mais só que nunca. Apenas me animava a esperança que, em breve, também emigraria, indo ao encontro daqueles que me deram o ser e esperavam por mim. Não sentia a falta do serviço militar, mas sonhava com as situações passadas e lembrava com uma saudade tremenda aqueles jovens com quem vivera e que jamais esqueceria. Irmãos que o foram e jamais deixarão de o ser. Apresentei-me na Circunscrição Florestal da Horta. Pretendia voltar ao trabalho. Fora dali que partira para o serviço militar. E seria ali que iria sofrer a primeira grande desilusão como cidadão de Portugal, mas também a certeza de que o mundo era servido por gente boa. A minha posição naquela Circunscrição não tinha sido salvaguardada. O Governo que me tirara ao seio da família, agora tirava-me o trabalho, depois de eu ter cumprido com todos os meus deveres como cidadão.

Não podia ser, não acreditava. Insisti que não era correto o que me estava a acontecer. O Engenheiro Olavo Simas, Chefe da Circunscrição, e o Chefe de Secretaria, o Sr. Fernando dos A.A. Campos, dois homens de inigualável humanismo, compreenderam a situação e o meu protesto. Seria reintegrado no trabalho uns dias depois das férias regimentais.

Entretanto, recebera a 27 de Janeiro de 1973 o termo de responsabilidade, o contrato de trabalho e a carta de chamada, documentos que iriam mudar por completo o rumo da minha vida. Como tantos outros iria emigrar para os Estados Unidos da América.

Com aqueles preciosos documentos na mão dirigi-me ao escritório do agente de viagens e emigração que me aconselhou sobre o processo burocrático para obter passaporte português e o visto pelas autoridades americanas. Para tanto deveria começar pela obtenção da licença militar para me ausentar para o estrangeiro e do certificado de registo criminal, além de outra documentação e exames médicos. Tudo parecia fácil, para logo descobrir que não seria assim quando me dirigi à secretaria do Comando Militar da Horta e ali fui informado que sem a caderneta militar não poderiam passar a licença. Também teria que aguardar pela passagem definitiva à disponibilidade o que só aconteceria a 7 de Fevereiro de 1973. Houve que movimentar boas-vontades na Repartição de Mobilização e uma cópia da minha Nota de Assentos foi enviada para o Comando Militar da Horta, ao mesmo tempo que autorizava aquele a passar-me a necessária Licença Militar.

No dia 13 de Abril de 1973, precisamente 3 meses após ter desembarcado em Lisboa vindo da Guiné, era assinada a licença militar para me ausentar definitivamente para os Estados Unidos da América. A licença custou em selos fiscais 1.063$00 (mil e sessenta e três escudos), o que constituía para a época uma quantia assinalável. Mais que o dispêndio magoou-me ter que pagar por uma licença militar depois de ter cumprido com honra e dignidade os meus deveres para com a Pátria. Para além disso, atrasou todo o meu processo de emigração em cerca de dois meses.

Licença militar. Aqui para nós, consegui-a sem ter a caderneta militar. Mas foram precisas muitas ajudas. A começar em Bolama. Uma história muito comprida.

Foi em Ponta Delgada que encontrei alguns membros da CCaç 3327 e da CCaç 3328 também eles a prepararem o processo de emigração. Para além daqueles que faziam parte da minha vivência na Ilha do Faial, este encontro tinha um sabor especial pois um deles, o José Serpa, um florentino, tinha sido soldado da minha secção. Dos outros recordo-me do António Maria Vasconcelos, do José Carvalho, também eles florentinos, e o micaelense João Carlos Reboredo. Era o meu primeiro grande encontro com um passado ainda recente. Por eles soube que já estavam na posse da respetiva caderneta militar. Infelizmente, com imensa pena minha, nunca recebi a minha.

No Sábado, dia 21 de Julho de 1973, embarcava para ilha de Santa Maria e dali para o Estado de Massachusetts, EUA, onde chegaria nesse mesmo dia a casa dos meus pais sem ter avisado ninguém da minha chegada. Quarenta e quatro meses depois, agora em terras da América, voltava a abraçar a minha família.

Cerca de três meses após a minha chegada a terras americanas, já na posse do meu cartão da Segurança Social e do cartão Residente Permanente, o chamado cartão verde (talvez devido à sua cor), vi-me obrigado pela força das leis deste país a inscrever-me no Selective Service, o Departamento de Recrutamento dos Estados Unidos da América. Saíra de uma guerra e já me sentia perto de outra, a do Vietname. Não fui chamado e com a profissionalização das Forças Armadas Americanas, passei definitivamente à disponibilidade em 1976. Na altura, ainda solteiro e sem obrigações, se chamado a cumprir, eu julgo que em última análise teria regressado aos Açores.

A minha inscrição no "Departamento de Recrutamento" das FA dos EUA, o chamado Selective Service.

Com o passar do tempo, neste Novo Mundo para mim, fui-me apercebendo das grandes diferenças com a minha vivência recente, a portuguesa e, em particular, a açoriana. O vigor da sociedade americana e da sua economia assentava primariamente no respeito pelas instituições.

As diferentes comunidades portuguesas, com reconhecida capacidade de trabalho e honestidade, manifestavam-se sobretudo através das suas preferências religiosas, promovendo as procissões ao Senhor Santo Cristo dos Milagres, ao Divino Espírito Santo e a Nossa Senhora de Fátima.

Como bom açoriano, sentia profundamente as manifestações da nossa comunidade. Por outro lado, como combatente na chamada Guerra do Ultramar, via nos grandes desfiles americanos – o Memorial Day, o Independence Day, o Veterans Day – manifestações cívicas e patrióticas, que demonstravam um sentimento de cidadania e de patriotismo a que não estava habituado. Não me era indiferente ver os veteranos americanos marcharem com os seus uniformes, medalhas no peito, saudados com as palmas dos milhares de pessoas alinhadas ao longo das ruas por onde passavam os cortejos. Eu também batia palmas enquanto o coração chorava.

Um pormenor do desfile do Memorial Day, em Stoughton. Infelizmente não tenho melhor foto.

A partir de 1981, fazendo parte da Banda Filarmónica de São João, Stoughton, MA, tomei parte em todas aquelas manifestações. Fazia em terras da América aquilo que me tinha estado vedado em Portugal. Também assim prestava a minha homenagem aos que tinham combatido no Ultramar e nas demais guerras que Portugal sustentara.

Foto do Jornal Portuguese Times. Na foto eu vou com a Bandeira Portuguesa à frente da Banda Filarmónica de São João, da qual sou um sócio fundador.

Muito recentemente, na área da Nova Inglaterra, apareceram as primeiras organizações de antigos combatentes do Ultramar, que abracei de imediato. A mais antiga, circunscrita a Lowell, Massachusetts, por isso mesmo com uma ação pouco participativa e abrangente, desfila no Boston Portuguese Festival, o Dia de Portugal, na área consular de Boston. A organização comemora o 25 de Abril e tem uniforme próprio. Na cidade de Lowell há um monumento de homenagem aos combatentes do Ultramar, contributo daquela Associação de Veteranos Portugueses da Guerra do Ultramar.

A Associação de Veteranos das Força Armadas Portuguesas recebe um Diploma de Reconhecimento da Câmara de Deputados do Estado de Massachusetts

Outra organização, a Liga de Emigrantes da Nova Inglaterra Combatentes das Ex-Colónias, apareceu sediada em Fall River. Relativamente bem estruturada, com estatutos próprios, processo de incorporação adiantado, acabou por se afogar na sua própria dinâmica. A falta de compreensão relativamente aos seus objetivos principais e o divisionismo que provocou entre os seus associados, bem evidentes nas primeiras reuniões, a exorbitante cotização (60 dólares anuais) e algumas exigências da Liga Portuguesa de Combatentes a que se havia filiado foram algumas das razões que levaram ao desaparecimento precoce desta associação, que não viveu tempo suficiente para ter uma ação participativa digna de registo.

Fui associado e assíduo participante nas reuniões daquela Liga que vi desaparecer precocemente com mágoa.

Ainda antes do desaparecimento daquela Liga, alguns dos seus associados deram início a uma outra organização, a Associação de Veteranos Portugueses, com sede em Taunton. Tem estatutos próprios e muito simples. Com mais de cem associados, esta organização tem uma ação muito participativa no meio comunitário português e, o que é de louvar, nas manifestações patrióticas americanas.

Nas ações em que já tomou parte, há que realçar a sua participação no hastear da bandeira portuguesa no Dia de Portugal nas diversas cidades da área consular de New Bedford, nos cortejos realizados no âmbito
Para além dessas manifestações de índole religiosa e patriótica, a Associação tem alguma actividade filantrópica participando com os seus fracos recursos financeiros para organizações de pesquisa e assistência social.

Em Fall River, a Associação de Veteranos das Forças Armadas Portuguesas desfila nas Grandes Festas do Espírito Santo. Reparar na quantidade de pessoas que assistem a este desfile. 

A Associação tem a sua reunião anual no mês de Novembro, a cotização é de quinze dólares anuais, tem uniforme próprio custeado individualmente pelos próprios associados. A Associação tem o seu banquete anual no fim-de-semana mais próximo do dia 25 de Abril. Esta data também marca o começo das atividades que se irão seguir durante o verão.

Sou associado desta Associação e participo activamente nas suas ações. Sinto um prazer especial em fazê-lo, até porque é dirigida por cabos e soldados do exército português, combatentes que foram nas províncias ultramarinas. Os graduados associados, quatro, são observadores cúmplices nesta excelente organização de militares que foram no exército de Portugal.

Para além dos objetivos primários destas associações de combatentes, elas também servem como ponto de encontro com o nosso passado de combatentes na Guerra do Ultramar. Ali as cicatrizes psicológicas provocadas pelas diferentes lutas deixam de ser um tabu e acrescentam novas páginas à história da guerra. No encontro com os velhos amigos e camaradas voltamos a ser os jovens voluntariosos e abnegados de então. Voltámos ao passado que a história não poderá esquecer. Naturalmente que todas essas associações de emigrantes sucumbirão perante a voragem da roda da vida. Elas serão, e só isso, tesouros desaparecidos.

Da minha integração e participação em algumas dessas associações senti a urgência de ir à procura dos muitos amigos que criara na CCaç 3327, queria saber daqueles que tinham feito parte da minha secção. Por estes lados tinha encontrado alguns, meia dúzia, e o mesmo era verdade nos Açores. Através da NET encontrei o blogue “Luís Graça e Camaradas da Guiné”, essencialmente dedicado à Guiné. Apercebi-me da quantidade de camaradas que escreviam sobre os convívios anuais das suas unidades e o sentimento gratificante que sentiam com a realização daqueles encontros. E por que não a minha companhia onde deixara tantos bons amigos?

Os convívios servem para isso mesmo, matar as saudades e abraçar os nossos camaradas.

Daqui, dos EUA, usando o Roteiro da Saudade da companhia, pesquisando os nomes através das páginas brancas das redes telefónicas lá fui encontrando alguns camaradas. Num trabalhão tremendo inicial, mais tarde suavizado com alguma ajuda, conseguiu-se o nosso primeiro convívio em Coimbra. Entre camaradas e familiares juntámos cento e dez pessoas, um sucesso inimaginável. Importante mesmo foi o abraço de reconhecimento, de camaradagem, de saudade. Valeu mais que a pena.
De então para cá, o convívio tem-se feito alternadamente nos Açores e no Continente. E sempre com o mesmo sucesso, se atendermos a que muitos açorianos se encontram emigrados nos EUA e Canadá.

O regresso a Tavira

Durante o convívio realizado na Terceira fora sugerido que o próximo a ser realizado nos Açores fosse em São Miguel. Era convicção dos presentes que aquela ilha, sendo berço de muitos militares da companhia, proporcionaria a estes a possibilidade de estarem presentes. Se a premissa é correta, a realidade é que a emigração roubou muitos dos seus filhos. Mas isso não nos fez desistir até porque ainda tínhamos uma missão a cumprir.

Baseado naquele alvitre, sugeri a compra da campa tumular e a homenagem ao Manuel Veríssimo de Oliveira. Bem aceite por todos, já durante o convívio de 2012, foram angariados alguns fundos para aquele fim que foram juntos ao saldo que vinha dos convívios anteriores. Com o andar dos meses, por telefone, correio eletrónico e outra correspondência julgada normal fui apelando à generosidade dos antigos militares da CCaç 3327 até conseguir os fundos necessários para cobrir as despesas inerentes à compra da campa e homenagem àquele nosso militar. A verdade é que a generosidade dos elementos da companhia ultrapassou em muito o orçamento previsto. E quando assim é só posso estar imensamente agradecido.

No dia 27 de Julho de 2013, na presença dos familiares, autoridades locais e outros convidados, o Manuel recebia a homenagem dos camaradas e amigos da sua companhia que na altura da sua morte não fora possível fazer-se. A Guiné nos uniu, a morte não nos separou. Não cheguei a tempo de abraçar a sua mãe, nenhum de nós chegou, mas fiquei com a certeza de que o cemitério da Lomba de São Pedro foi pequeno demais para albergar a grandeza do coração das gentes ali presentes e de muitos outros que gostariam de lá ter estado.

O encontro com o meu passado, quatro elementos da minha secção.

Hoje, revivendo as minhas memórias, não sinto nostalgia pelo passado. Todavia, não posso negar a presença constante daqueles que assentaram raízes no meu coração. As grandes lições que aprendi ao seu lado levam-me a acreditar que a história na sua constante evolução à procura da perfeição será muito benevolente para com a mais sacrificada geração de portugueses, aquela que participou na Guerra no Ultramar.

(FIM)
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Nota do editor

(*) Vd. poste de 2 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15699: (In)citações (82): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (1): As experiências humanas que a guerra me proporcionou

Guiné 63/74 - P15702: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (16): Três referências a ações do PAIGC contra as NT em Nhala



Instituição: Fundação Mário Soares
Pasta: 07200.170.055
Título: Comunicado - Kundara
Assunto: Comunicado de Marga (Nino Vieira) sobre a emboscada do PAIGC em Nhala.
Data: Sábado, 29 de Março de 1969
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Diversos. Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas. 1960-1971.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Arquivo Amílcar Cabral > 05.Organização Militar > Comunicações > Mensagens


[Base de] Kundara

MG – [No] Dia 23, [o] inimigo, saindo [de] Nhala pelo  [para o] mato às oito horas [da] manhã para continuar [a] construção [da] estrada Buba - Mampatá, caíram [caiu] numa emboscada [do nosso exército. Stop. [O] Inimigo sofreu muita[s]  baixa [s] no decurso [do] combate [que] durou 20 minutos. Stop.  Dois helicópteros baixaram duas vezes cada, para evacuar feridos [e] mortos. Dirigiu [a] emboscada Gaue Na Ndani, Pana Djata e Belrutcan Batcha. Spot. Marga ['Nino' Vieira]

29/3/69

Pasta: 07200.170.078
Título: Comunicado - Sector Buba
Assunto: Comunicado de Iafai Camará dando conta  do bombardeamento do quartel de Nhala, no Sector de Buba.
Data: Terça, 28 de Janeiro de 1969
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Diversos.  Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas.  1960-1971.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Arquivo Amílcar Cabral > 05.Organização Militar > Comunicações > Mensagens


Setor [de] Buba:  dia 20 [de janeiro de 1969] foi bombardeado quartel [de] Nhala sob [o]  comando [de] Bsau Chamingasa,  Na Daiba [e] Poma Ndafa. Destruímos abrigos e [ficaram] queimadas algumas casas. [A] ação teve lugar às três da tarde. Stop. Iafai Camará.

28/1/1969

Pasta: 07200.170.037
Título: Comunicado - Kandjafara
Assunto: Comunica que uma coluna militar portuguesa caiu num campo de minas na estrada de Nhala-Quebo. Assina Gazela [Agostinho Cabral de Almada].
Data: Quarta, 21 de Julho de 1971
Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Diversos. Guias de Marcha. Relatórios. Cartas dactilografadas e manuscritas. 1960-1971.
Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral
Tipo Documental: Documentos
Arquivo Amílcar Cabral > 05.Organização Militar > Comunicações > Mensagens


MG – Dia vinte seis um comboio inimigo caiu [num] campo [de] minas 
[na] estrada  Nhala-Quebo, dois camiões [com] ocupantes [foram] completamente destruídos. Stop. Trabalho feito [pelos] sapadores dirigidos [por] Siu [?]  Naiabuia [?], apoiado [pela] infantaria [sob] comando [de] Nhacube Na Inola [?] . Stop. Gazela [Agostinho Cabral de Almada]. 31/7/71.

Transcrição e fixação de texto: LG. [Repare-se como o autor deste último documento - o conhecido comandante Gazela (nome de guerra de Agostinho Cabral de Almada, já falecido) - tem dúvidas sobre o nome do chefe dos sapadadores...].

Direitos: A publicação, total ou parcial, destes documentos exige prévia autorização da entidade detentora, a Fundação Mário Soares.


Nota do editor:

Reprodução feita aqui com a devida vénia, e para fins exclusivos do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  A divulgação destes documentos não implica a validação da sua informação ou a sua aceitação, mas tão apenas o reconhecimento do seu eventual interesse documental para os nossos leitores (e para a historiografia da presença portuguesa em África).

Compulsados os elementos de que dispomos, para as datas em questão (20/1/1969, 23/3/1969 e 26/7/1971),   só encontramos um morto, das NT, em combate, em 20/1/1969: trata-se do sold at Alberto Gonçalves Pinto, natural de Semelhe, Braga, que pertencia à CART 1744, 20/7/1967 - 25/5/1969... Mas esta companhia esteve no norte, na região do Cacheu, em São Domingos, não no sul, em Nhala, ao que apurámos... (LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 2 de dezembro de 2015 > Guiné 63/74 - P15434: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (15): A Rádio Libertação e a inconfundível voz da "Maria Turra", a locutora, angolana, de origem caboverdiana, Amélia Araújo, hoje com 81 anos e a viver em Cabo Verde

Guiné 63/74 - P15701: Os nossos seres, saberes e lazeres (139): O ventre de Tomar (3) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Janeiro de 2016:

Queridos amigos,
Não se trata de uma viagem nostálgica ao comércio tradicional, no mesmo casco histórico onde pululam vestígios medievais, renascentistas, oito e novecentistas, é possível encontrar na porta ao lado de estabelecimentos que invocam a pujante modernidade outros que nos falam do artesanato, da quinquilharia, dos tecidos populares, de toda a espécie de reparações.
A tradição templária reflete-se em certas formas de arte, há as indumentárias, a latoaria, os enfeites. É um mundo de graciosidade e das cores do arco-íris.
Tenho para mim que não se pode entender a amenidade tomarense sem medir o pulso a estas atividades que nem chegam a conflituar com a vida digital do nosso tempo, são hábitos enraizados de uma cidade onde pesa a mística e a ruralidade é circundante.

Um abraço do
Mário


O ventre de Tomar (3)

Beja Santos




Quando comecei a fazer programas televisivos, um operador de câmara fez-me a seguinte observação: “Nada de sofisticações, tenho estado a observá-lo, fica mais persuasivo quando fala com completa naturalidade, parece que entrou em casa dos telespectadores, a voz é firme, apresente-se como é”. Não esqueci o recado e, para vos falar com franqueza, fujo a sete pés das conversas artificiosas e dos discursos elaborados. Quando entro nos estabelecimentos, saúdo os proprietários e peço-lhes licença para tirar umas imagens, por vezes há rostos intrigados, há também quem me peça para vir mais tarde, o patrão está mesmo a chegar, bem vê, meu caro senhor, não quero complicações… E por aqui ando, dentro de uma loja que vende produtos tradicionais, é um espaço de outrora, muito bem cuidado; gosto muito das lojas de tecidos, das cores fluorescentes, dos tons cíclame, da profusão do arco-íris, aqui a proprietária só me pedia para ajeitar o que lhe parecia ter confusão, pois era da confusão que eu gostava; e depois uma loja de calçado, julguei que estava a fixar uma imagem surrealista, botas, botins e sapatos a dançar no éter, era como não houvesse escaparates, era uma dança de sapatinhos, como aquela que Charlie Chaplin imortalizou. Chega de devaneios, vamos continuar.



Se me tivessem dito antes que ia encontrar chitas de Alcobaça em Tomar, não teria levado a sério. Qual foi o meu espanto quando, após ter sido apresentado a um senhor nonagenário que me disseram ser o comerciante mais antigo da cidade, mais a mais com o nome em diminutivo, muito terno, que me acenou respeitosamente, um outro senhor, com um olhar azul líquido, e orgulhoso do que me apresentava, mostrou-me chitas bem apetitosas, uma delas tenho-a numa sanefa de escritório, até sonhei comprar um baú ou uma daquelas caixas de lata com que a pudesse forrar com tanta cor vistosa e genuína. Saí dali muito bem-disposto, e pronto a voltar.


Voltei ao local do crime, gosto muito desta marcenaria, não me importava nada de ter esta cadeira restaurada, respeito muito estas mãos prodigiosas que fazem a cirurgia na madeira, do escavacado e carunchoso sai obra de arte, o conforto das salas e até dos espaços mais íntimos. Quem vê confusões como estas está longe de imaginar o produto final. É por isso que eu regresso, embeiço-me com estes trastes que ganham vida, a imaginação não está só nos livros nem na escrita, estes artífices são capazes de chegar ao céu.


Tudo começou quando aqui entrei para namorar umas cerâmicas, sempre que entro nesta rua, e mesmo sem instintos de fotógrafo amador, paro diante da montra ou entro para trocar dois dedos de conversa, palavra puxa palavra, e qual fado a contrariar a vontade, deu-me para me sentar, era um espaço bem habitado, tive que retirar alguns objetos para me equilibrar e muito contente fiquei com este ângulo onde num vidro se vê a porta. Saí dali feliz com o tributo do acaso que me deixa o coração cheio.


Aqui se vendem produtos que conheço desde a infância, artigos de higiene, brinquedos, guloseimas e tudo o mais. A proprietária estava feliz por me mostrar o interior do estabelecimento que no passado tivera um outro uso, imagine-se, uma serralharia ou coisa parecida. E aqui estava um cofre de parede inesperado, junto a vários escaparates de cosméticos. E digam-me lá se este passado não bate certo com artigos tradicionais que teimam a impor-se no presente…

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 27 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15676: Os nossos seres, saberes e lazeres (137): O ventre de Tomar (2) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 29 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15686: Os nossos seres, saberes e lazeres (138): O chamamento da terra (Francisco Baptista, ex-Alf Mil da CCAÇ 2616 e CART 2732)

Guiné 63/74 - P15700: Efemérides (209): Faz hoje 50 anos que a malta da CCAÇ 616 regressou a casa... E no fim de semana vai comemorar, em Fátima (Francisco Galveia, ex-1º cabo cripto / Joaquim Jorge, ex-alf mil, Empada, 1964/66)



Brasão da CCAÇ 616 (Empada, 1964/65). 
O lema, em latim, "Super Omnia", quer dizer "acima de tudo" (LG)



Fronteira, distrito de Portalegre > Ano escolar de 1950/51 >  Já eram poucos na altura os meninos (9) e as meninas (8) que andavam na escola primária... O concelho tem vindo a perder população desde 1960: eram na altura, pouco mais de 7 mil; hoje (2011) são à volta dos 3400. 

Descubram, no foto,  o nosso camarada, que 13 anos depois desembarcava em Bissau,  do T/T Quanza, mais a malta do seu BCAÇ 619 e da sua CCAÇ 616... 

Três camaradas, naturais do concelho de Fronteira, perderam a vida durante a guerra colonial: 2 em Moçambique e 1 na Guiné... Este último, natural de Cabeça de Vide, chamava-se Martinho Gramunha Marques e é um herói de Madina do Boé.

Foto da página do Facebook do avô Francisco Monteiro Galveia (, nascido em 6/9/1942)... 


Fotos: © Francisco Galveia (2016). Todos os direitos reservados.



1. Mensagem, com data de ontem, do Francisco Monteiro Galveia [ex-1º cabo cripto, CCAÇ 616 (Empada, 1964/66)] (*)


A CCAÇ 616 fez parte do BCAÇ 619.

Foi formada no Regimento de Infantaria da Amadora. Concluída a formação do Batalhão, fomos aguardar embarque para Leiria durante alguns dias, fomos de Lisboa para Leiria e  regresso num velho comboio, sem um minimo de condições. 

Em 08/01/1964, embarcámos em Lisboa a caminho da Guiné no barco, velho,  o Quanza,  sem um minimo de condições para transporte de passageiros, dormitórios e refeitório no porão com cheiro a tinta que era insuportável, a maioria do pessoal nem lá entrava, passava o tempo na parte superior do barco. Muita gente ficou doente toda a viagem. 

Chegado a Bissau 15/01/1964, o barco não atracou ao cais, desembarcámos para um grande batelão, com todo o material às costas, foi uma operação difícil. 

Aqui chegados, fomos instalados no Quartel General de Bissau durante o mês de fevereiro. Em março estivemos instalados no BCAÇ 600. Recebemos o espólio duma companhia de açorianos que não tinha um rádio nem uma viatura a trabalhar, só ao fim de 8 dias os nossos mecânicos conseguiram colocar um jipe a funcionar. 

Continuando em 31/3/1964 , seguimos via Bolama, em   LDM, para  para Empada  substituindo ali a CCAÇ 427. Ficamos instalados na maioria em velhos barracões. 

Assim que possível continuarei esta caminhada.


2. Comentário do editor:

Soubemos, pelo Joaquim Jorge, ex-alf mil, que vive em Ferrel, Peniche, que a "sua" CCAÇ 616 vai comemorar o meio século do regresso a casa, nos dias 6 e 7,  em Fátima,  no hotel Pax,  local de resto já habitual para os seus convívios anuais. Para o Joaquim, o Francisco e demais camaradas da CCAÇ 616, vai um forte abraço do tamanho do rio Grande de Buba.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2016

Guiné 63/74 - P15699: (In)citações (82): Depoimento de um antigo combatente na diáspora (José Câmara, ex-Fur Mil da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56) (1): As experiências humanas que a guerra me proporcionou

1. Em mensagem do dia 14 de Janeiro de 2016, o nosso camarada José da Câmara (ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3327 e Pel Caç Nat 56, Brá, Bachile e Teixeira Pinto, 1971/73), enviou-nos um texto, e algumas fotos, com aquilo a que chama Depoimento de um antigo combatente na diáspora. 
Aqui fica a primeira de duas partes.


Depoimento de um antigo combatente na diáspora  

1 - As experiências humanas que a guerra me proporcionou

José da Câmara*

Muito mais que a experiência militar, o que me marcou para a vida foram as experiências humanas que a guerra do Ultramar me proporcionou viver e a influência que tiveram na condução da minha vida desde então.

A guerra também é uma lição de vida que se aprende nas páginas de um livro sem linhas, sem palavras. Um livro em que as páginas mais importantes são escritas com a tinta dos sentimentos.

No mundo das lutas humanas que eu vivi não há palavras que consigam transmitir a capacidade de sacrifício, abnegação, camaradagem, religiosidade, dor e alegria do soldado português e, em particular, do soldado açoriano. A ânsia da incerteza do dia-a-dia, o receio, a miséria e a dor de ver perder um camarada vive-se, mas não se consegue descrever.

Porque também passei pela particular experiência de comandar tropas nativas, tive a possibilidade de aprender que o amor a Portugal, o meu querido País, era tão igual nas suas diferentes culturas, religiões, dialetos e fisionomia do todo humano que o compunha.

Quando cheguei à Província da Guiné, encontrei uma capital, Bissau, em franco e harmonioso desenvolvimento. Avenidas largas, limpas, iluminadas, comércio e restauração florescentes, assistência na saúde, escolaridade primária obrigatória, Liceu e muito mais. Ali, na cidade, respirava-se paz, harmonia social, desafogo económico e cultural. Era evidente que aquele bem-estar provinha do grande afluxo de tropas, muitas destas acompanhadas pelos seus familiares, excelentemente aproveitado pelas autoridades civis e militares no desenvolvimento da cidade.

Mas havia uma outra Guiné, aquela que estava para além de Bissau, a do mato, como se dizia na gíria militar. Aquele era aqui e ali entrecortado por alguns aglomerados populacionais de maior ou menor importância e desenvolvimento, sendo que as chamadas tabancas estavam mesmo a séculos de distância dos padrões de desenvolvimento da capital. A guerra, um autêntico flagelo humano, não explicava tudo. Era evidente que esta outra Guiné tinha sido negligenciada pelos poderes instituídos ao longo de centenas de anos. Talvez por isso mesmo, alguns autóctones ainda enraizados em costumes e tradições seculares se mostravam renitentes em aceitar mudanças que pusessem em causa a ordem social vigente a que estavam acostumados.

Naquele mato, a pobreza das gentes era chocante, mesmo para os corações mais duros. A subsistência familiar baseada numa agricultura insípida e antiquada era insuficiente e, em alguns casos, a religião e as tradições de algumas etnias não permitiam tirar o devido partido do pouco que havia. Águas inquinadas, mosquitos e malnutrição protagonizavam constantes problemas de saúde. Como se isso não bastasse, a rede de transportes, a assistência médica e o ensino obrigatório civis eram quase inexistentes. Muitas unidades militares faziam o que podiam para colmatar algumas daquelas falhas, mas em muitos casos podiam pouco. Aquele também era o mato das minas, das emboscadas, das flagelações, dos horrores da guerra.

A pobreza

Foi na Mata dos Madeiros, uma faixa de floresta densa entre a Mata do Balengerez e da Caboiana, a seguir ao Bachile, que por imperativos de defesa era agora completamente despovoada, que a CCaç 3327 montou o seu primeiro acampamento. Como companhia de intervenção às ordens do CAOP1, com sede na Vila de Teixeira Pinto, tinha como principal missão a proteção dos trabalhadores e das máquinas que prestavam serviço na construção da nova estrada que iria ligar aquela Vila ao Cacheu.
Naquela mata, recheada de fauna e flora maravilhosas, tive a oportunidade de viver o pulsar diário dos mais nobres sentimentos humanos de mãos dadas com os tremendos esforços físico e psicológico só ali possíveis e protagonizados por uma juventude maravilhosa.

O sacrifício da Mata dos Madeiros

O nosso dia de Páscoa (1971) naquele local foi marcado por um folar diferente, o casamento por procuração do Fur. Mil. Fernando Silva. Saiu de manhã com o seu grupo em patrulhamento. A meia tarde regressou ao acampamento para uma pequena cerimónia com os seus camaradas, para de novo voltar ao patrulhamento e respetiva emboscada noturna. Os segredos da noite perfumariam o barro vermelho da mata que lhe serviria de leito nupcial. Sem um queixume, sem um gesto de revolta apenas cumpria o seu dever.

Para no dia seguinte, segunda-feira, sermos todos atingidos com o trágico acidente sofrido pelo Manuel Veríssimo Oliveira, natural da Lomba de São Pedro, Ilha de São Miguel, o qual lhe custaria a vida dias mais tarde. No cumprimento de ordem militar, prestei a assistência necessária à família do Manuel. Na correspondência que mantive com a família, vivi por dentro o sofrimento de uma mãe que perdera o filho, sem o direito de o beijar uma última vez. O tempo se encarregou de suavizar a dor daquela experiência, mas ainda não me deu a oportunidade de esquecer.

De forma marcante e inesquecível, tive a oportunidade de participar diretamente na grandeza sublime do sentimento religioso dos nossos militares. Porque, na prática, a assistência religiosa era quase nula, um pouco por toda a companhia colmatava-se aquela falta com algumas manifestações de fé cristã. Entre elas, no tríduo preparatório em honra de Nossa Senhora de Fátima, o terço era rezado diariamente por muitos. Nas emboscadas noturnas, a minha secção rezava-o em conjunto através de sinais. Ali não havia medo, mas sim um sentimento de libertação do que nos rodeava, de conforto interior.

Na noite do dia 12 de Maio de 1971, os dois grupos de combate que estavam na proteção afastada ao acampamento regressaram a este para se juntarem aos outros dois. Com a sua chegada deu-se o andamento da Procissão pelo perímetro interior do acampamento. Com a arma numa mão e a vela acesa na outra, aqueles valentes militares deram largas à sua fé entoando o Hino a Nossa Senhora de Fátima que perfumava com a sua bênção as matas da Guiné. Durante aquela manifestação de fé a defesa do acampamento esteve entregue aos Anjos do Céu.

A religiosidade

Como poderei transmitir (ou esquecer) os sentimentos que me assolaram quando, numa noite diluviana, em corrida contra ao tempo, o meu grupo de combate, a que se juntaram algumas dezenas de voluntários, teve que evacuar de Teixeira Pinto para Bissau o soldado Miranda, da CCaç 2637, natural de São Miguel, em fim de comissão, também ele vítima de um acidente? No regresso a Teixeira Pinto sabíamos que ele jazia cadáver no Hospital Militar 241. Ou ainda a visão de um furriel a chorar, na chegada de uma operação de alto risco à Mata do Balenguerez, ao encontrar morto o seu amigo de estimação, um tecelão, uma avezinha domesticada por ele?

Na guerra mata-se, morre-se. Mas também há aquela situação em que se morre ficando vivo. Foi o que senti no Destacamento de Bassarel quando recebi a notícia de que iria ser transferido para uma unidade de recrutamento guineense. Sabia e compreendia que situações dessas aconteciam, mas logo eu, o único graduado açoriano numa companhia açoriana, não fazia sentido algum. Ou fazia? Com o coração despedaçado tive que me despedir daqueles fantásticos rapazes que compunham a minha secção, irmãos nas boas e nas más horas, para mim uma família muito especial.


A saudade na partida para as tropas africanas

Como transmitir em palavras os sentimentos que me assolaram quando no Destacamento de São João fui apresentado ao meu novo Pelotão de [Caçadores] Nativos 56 e me apercebi que aquele era constituído por manjacos, felupes, balantas, mandingas, fulas, beafadas, papéis, muitos deles inimigos tribais, que pouco comunicavam entre si, alfabetizados alguns e outros que não falavam português? Ou como foi a minha integração naquele pelotão no qual o soldado mais velho tinha 52 anos de idade que, como alguns outros, andava na guerra desde o seu início? Entre católicos, muçulmanos e animistas como conciliar os seus costumes, tradições e práticas religiosas com a disciplina e os afazeres militares? Como comunicar ordens em situações de risco, ou a simples afirmação de que ali eu era apenas mais um, com responsabilidades acrescidas sim, mas que eram eles os verdadeiros protagonistas protetores dos seus familiares, das gentes e do chão da Guiné?

No fim, quando treze meses depois regressei à minha companhia e aos Açores, deixei um amigo em cada um daqueles militares guineenses, uma amizade bem traduzida em alguns aerogramas que fui recebendo ao longo dos meses, prática que naturalmente desapareceu quando emigrei. Em São João ficara um pelotão de gente boa e dócil, agora com uma mentalidade diferente, mais receptiva, mais igual, mais amiga.

O Pel Caç Nat 56

Em fim de comissão, no dia da despedida em Brá, marchei na frente da companhia. Por ordem do comandante da companhia nas minhas mãos carregava com muito orgulho o Guião da CCaç 3327. Um gesto simples fora suficiente para esquecer a amargura do dia em que deixara a companhia. Lá mais atrás marchava a minha secção. Vinham todos, minha única honra e glória. Na companhia, infelizmente, faltava o Manuel.

A despedida da Guiné. Extracto do Jornal Voz da Guiné, 30 Dezembro de 1972, Página 13.

Um pouco mais de três anos após ter cruzado as portas do CISMI, em Tavira, tinha chegado a hora de dependurar o uniforme do exército de Portugal. Vestira-o com orgulho e dignidade. Pelo meio ficaram ainda a minha passagem pelo BII19, BII17, Santa Margarida e vários aquartelamentos na Província da Guiné. Cumprira com o meu dever de mancebo na defesa da Pátria, numa guerra justa ou injusta mas para a qual não fora chamado a decidir. O jovem que partira era agora um homem. Na bagagem, bem escondidas, trazia algumas cicatrizes internas, que o tempo se encarregaria de diluir, e muitas ilusões.

(Continua)
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Nota do autor:

(*) José Alexandre da Silveira Câmara.
Natural da Fazenda, Concelho das Lajes das Flores.
Prestou serviço militar no Ultramar como Furriel Miliciano na Companhia de Caçadores 3327, mobilizada pelo BII17 para a Guiné: partida a 21 de Janeiro de 1971 regresso a 7 de Janeiro de 1973.
Emigrou para os Estados Unidos da América no ano de 1973, tendo-se fixado em Stoughton, Massachusetts onde reside.
Encontra-se presentemente reformado.

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de dezembro de 2015 Guiné 63/74 - P15552: (In)citações (81): Amigo/a, camarada, faz a tua prova de vida: Manda-nos um simples "OK! Tudo bom! Vou indo" ! ... E os editores aproveitam para te desejar o melhor ano possível em 2016, apesar das dificuldades, enfermidades, mazelas, contrariedades, problemas, sacanices, minas e armadilhas que enfrentamos, cada vez mais, à medida que o tempo... pula e avança