Blogue coletivo, criado e editado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra col0onial, em geral, e da Guiné, em particular (1961/74). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que sáo, tratam-se por tu, e gostam de dizer: O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande. Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sexta-feira, 9 de abril de 2021
Guiné 61/74 - P22084: Parabéns a você (1949): Jorge Canhão, ex-Fur Mil Inf da 3.ª C/BCAÇ 4612/72 (Mansoa, 1972/74); Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659 (Gadamael e Ganturé, 1967/68) e Cor PilAv Ref Miguel Pessoa, ex-Ten PilAv da Esquadra 121/GO 1201/BA 12 (Bissau, 1972/74)
Nota do editor
Último poste da série de 6 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22071: Parabéns a você (1948): Joaquim Mexia Alves, ex-Alf Mil Op Esp da CART 3492/BART 3873, Pel Caç Nat 52 e CCAÇ 15 (Xitole, Mato Cão e Mansoa, 1971/73)
quinta-feira, 8 de abril de 2021
Guiné 61/74 - P22083: Listagem de postes do nosso blogue com o(s) descritor(es)... (1): "Cristina Allen"... (uma das "nossas mulheres" que, de uma maneira ou doutra, "foram à guerra", e que era de uma viva inteligência, grande cultura e sentido de humor mordaz: deixou-nos no passado dia 5 de abril)
Peça de artesanato guineense que a Cristina Allen ofereceu, em 2009, com muito carinho, ao blogue, na pessoa do seu editor, num gesto de apreço pela nossa homenagem à memória da sua filha, mais nova, Maria da Glória (Locas) (1976-2009).
A peça, de olaria, devia ter originalmente alguma funcionalidade, que desconhecemos, e que na altura não me foi explicado pela Cristina: tem 4 orifícios no bojo, na parte inferior, e dois, muito mais pequenos, na parte superior (, possivelmente para entrada de água e saída de vapor)... Seria uma queimador de ervas aromáticas ?... Não, diz o Fernando Gouveia, que conhece muito bem o artesanato guineense: "É uma bilha de Teixeira Pinto!"... Obrigado, Fernando e Regina Gouveia (Vd. poste P4670, de 11 de julho de 2009).
1. A Cristina Allen, membro da nossa Tabanca Grande, desde novembro de 2008. deixou-nos passado dia 5, aos 78 anos (*). Os últimos 12 anos da sua existència foram assombrados pelo desgosto de perder uma filha, e depois pela sua doença crónica degenerativa,
Mulher crente, esperemos que tenha encontrado agora os caminhos da paz eterna. A sua passagem pelo nosso blogue foi episódica (tem menos de duas dezenas de referências), mas deixou-nos alguns textos, fortes e desassombrados, e nomeadamente a evocação que fez, com ternura e humor, dos seus 53 dias de "lua de mel", algo rocambolescos, passados em Bissau ( cidadezinha pela qual, apesar de tudo, conseguiu apaixonar-se).
Poucas mulheres, como ela, aceitariam ir casar-se em Bissau, em plena guerra, em situação penúria e desconforto, com o noivo em véspera de ser hospitalizado. E, para mais, voltar sozinha a casa, em Lisboa. Ao marido (, impossibilitado de ir de férias, por razões disciplinares,) ainda lhe faltavam alguns meses de comissão de serviço militar. Ficam aqui, à nossa disposição, estes textos, que são de antologia, e que nos permitem, de algum modo, colmatar o vazio da sua ausência.
Por outro lado, poucos de nós conviveram com ela, tirando o Beja Santos, o Jorge Cabral e poucos mais. Os membros mais recentes da Tabanca Grande nunca tiveram, por certo, a oportunidade de ler nenhum destes postes (, perdidos entre mais de 22 mil).
Conhecia-a pessoalmente em circunstâncias muito tristes (em 8 de julho de 2009), antes tínhamos falado uma ou outra vez ao telefone. Quero recordá-la aqui como uma grande senhora e "uma das nossas mulheres" que, de uma maneira ou de outra, "foram à guerra".
Era natural de Aljustrel. Foi professora de liceu. Deixa uma filha, Joana, e uma neta, Benedita. E um grande saudade aos amigos que com ela tiveram o privilégio de conviver.
Sobre ela escrevi em 9/1/2009:
(,,,) Sentiu-se útil e acarinhada por todos nós, ao apreciarmos o seu gesto (generoso e corajoso) de facultar ao seu ex-marido as cartas e aerogramas que ele lhe escreveu durante dois anos de comissão militar na Guiné. E não foram poucas: algumas centenas...
A Cristina Allen (...) é uma mulher, de inteligência viva, de grande cultura e com um sentido de humor mordaz... É um privilégio, para nós, ela querer partilhar as emoções que sentiu e as experiências por que passou no curto espaço de tempo (53 dias) que (sobre)viveu em Bissau, entre Abril e Junho de 1970.
"Dias de brasa", chamei-lhe eu, com alguma propriedade. A Cristina não nos pediu, mas isso está implícito: "Meus bravos, saibam-me ler, nas linhas e entrelinhas"... A Cristina não é nossa camarada, mas é doravante uma amiga nossa (e da Guiné). Precisa também do nosso afecto e carinho, na véspera de uma intervenção cirúrgica a que vai ser submetida. Vamos desejar-lhe que tudo corra bem. E que volte rápido e bem, e sempre que o desejar, ao nosso convívio.
Já agora deixem-me, como leitor, dizer que este pedaço de prosa é de antologia. O próximo biógrafo de Spínola não o poderá ignorar. Ora releiam o modo como a Cristina, em duas pinceladas de mestre, fez um soberbo retrato-robô do nosso Com-Chefe:
"Estarrecida, não sabia que fazer dos pés, das mãos, da mala, da mini-saia, parava, cruzava as mãos, endireitava-me (postura por postura, não baixaria a cabeça, olhava-o nos olhos, ou, melhor dizendo, no olho e no monóculo). Acudiam-me ideias bizarras – que o meu avô materno fora lanceiro e, certamente, teria sabido fazer aquilo mesmo; que ele, Spínola, escorregara em Missirá, numas cascas de batata e fora ao chão, pose, pingalim, monóculo e tudo, soltando palavrões… que aquele homem era o… 'Caco Baldé'!
"Apertava os lábios para não me rir: este é o Caco, 'Caco Baldé'" (...)
24/12/2008 > Guiné 63/74 - P3667: As Nossas Mulheres (5): De Bissau a Lisboa, com amor (Cristina Allen)
(...) Na cidade, a vida aparentemente almofadada e facilitada por amigos do Mário e também meus, nada podia ocultar os abafados ruídos de combate a quinze quilómetros de distância, nem a visão dos feridos e emocionalmente perturbados no Hospital Militar.
Na companhia do Mário ou sem ele (internado ou já em Bambadinca), andava em bolandas, com as malas, de casa de amigos para o hotel; do hotel para a casa de amigos. Repito que não foi fácil ter vivido em Bissau. A noiva radiante, que o Mário descreve no segundo volume do seu Diário da Guiné, depressa murcharia. Permitiu a sorte que se formasse, como reduto de consolo, uma tabancazinha de gente amiga, em passagem ou residente, militar e civil. Relembro esses amigos (...)
9/1/2009 > Guiné 63/74 - P3713: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (1): Just married...
(...) Cheguei a Bissau a 15 de Abril, casei a 16, parti para Lisboa a 8 de Junho. Cinquenta e três dias. Se achar interesse a isto que escrevo, pode editar, pois já esclareci com o Mário esta questão. Terá havido uma semana e poucos dias de alegria e em todos os restantes, a quotidiana eternidade de desespero controlado. O meu marido sofria do que hoje chamamos, sem complexos, “stress de guerra”. E um súbito muro se atravessava entre nós. Não sei se o escreveu, mas, de olhos desmesuradamente abertos, mandava-me embora e dizia que queria morrer e ser enterrado em Missirá. Pior ainda, eu obrigara-o a casar e o nosso casamento não era válido porque não estava consciente. Doença de guerra, pura e dura.Levei-o ao Padre. Experiente conhecedor de almas, o Padre Afonso, muito calmo, tinha ali o livro de registos e foi dizendo que, se ele queria ir morrer a Missirá, que fosse. E, quanto ao casamento, abrira uma folha nova nos assentos, bastava arrancá-la… o nosso “Tigre” deu um salto, eu temi pelo Padre, mas tudo se acalmou. “Vão lá almoçar”, disse. Porém, discretamente, fez-me um gesto e percebi que ia telefonar. (...)
(...) Nessa manhã em que seria hospitalizado, o Mário e eu faríamos as malas e procuraríamos outro quarto, na “Berta”. Estava ali um espaço fresco e sombrio, com uma larga cama. Sem desfazer as malas, desci para o almoço e deparei com uma execrável salada de feijão-frade com atum. Os feijões, minúsculos e mal cozidos, o atum, na prática inexistente, cebola avonde, a gritar pela intervenção rápida da escova e pasta de dentes! Pousei ainda os talheres, mas (“saco limpo cá tá firma!”) enfrentei o questionável cozinhado.
Uma mãozinha leve tocou-me no ombro. Era a Berta, untuosa, que me perguntava se gostara do almoço (“sim.”), se o meu marido vinha almoçar (“não, foi hospitalizado.”), por quanto tempo (“não sei”) e, por fim, o tiro certeiro: num quarto de casal, eu não podia ficar, seria perder dinheiro com uma pessoa que ocupava um quarto de duas… mas ela conhecia uma senhora que alugava quartos, pessoa muito decente, e eu poderia ir comer ali as refeições (“é o vais!”, pensei…). (...)19/2/2009 > Guiné 63/74 - P3913: Os meus 53 dias de brasa em Bissau (Cristina Allen) (3): Quanta chuva, Mário ?
(...) A poucos dias do seu aniversário (31 de Maio), consegui, por intermédio de um vizinho, bacalhau. E foi, enquanto preparava o enorme pirex de arroz, receita longa e complicada, que, súbita, irrompeu a estação das chuvas. O Mário não estava.
Chovia em catadupas. Corri para a rua, molhei-me toda, voltei ao forno, a roupa a secar-se-me no corpo.Trinta e um de Maio de 1970. Quanta chuva, Mário? Vinte e cinco.
Um dia, dois dias, quantos, antes que ele partisse? Não recordo. Na sua ausência, um outro amor crescera – Bissau, a suja, colorida, mal crescida cidade africana, o cinzento opaco do Geba, junto ao cais, o céu atravessado de helicópteros, suspensas notícias, indo e vindo, silêncio povoado pelo longínquo matraquear do medo.
Nela aprendi que o belo não é o perfeito, que o belo pode ser, também, o feio em ignota desmesura, estado de alma, inquieta quietude, inesperada transigência. (...)
(...) Bissau, a menos bela,
em cada esquina.
Bissau, como te vi,
luzeiro e sombra densa,
Bissau da paz
e luta ardente,
Bissau benvinda,
oculta para sempre. (...)
7/4/2021 > Guiné 61/74 - P22077: In Memoriam (391): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021) - A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa (Mário Beja Santos)
6/7/2017 > Guiné 61/74 - P17550: O Serviço Postal Militar (SPM) do nosso contentamento: cartas e aerogramas... (E, a propósito, o que é feito dessas 10 toneladas de correio diário que circulavam nos vários teatros de operações durante a guerra ?)
9/1/2013 > Guiné 63/74 - P11024: O Spínola que eu conheci (24): Alcunha, antonomásia, apodo, cognome ou epiteto... "Caco Baldé"... Qual a origem ? (Cristina Allen / Luís Graça / Jorge Cabral / Carlos Fabião / Cherno Baldé)
1/10/2009 > Guiné 63/74 - P5038: História de vida (23): Maria da Glória, uma saudosa filha com um dom especial para o fado (Cristina Allen)
23/7/2009 > Guiné 63/74 - P4726: In Memoriam (28): Saudades da nossa Locas (1976-2009): com a dor e o riso também se faz o luto... (Cristina Allen)
9/7/2009 >Guiné 63/74 - P4660: In Memoriam (26): Fazendo o luto pela Maria da Glória e agradecendo a todos a solidariedade (Mário Beja Santos)
6/7/2009 > Guiné 63/74 - P4644: In Memoriam (24): Maria da Glória Revez Allen Beja Santos: "Morte, onde está a tua vitória ?" (Mário Beja Santos / Luís Graça)
25/12/2008 > Guiné 63/74 - P3668: (Ex)citações (9): Obrigado, Cristina, por esta doce e terna prenda de Natal (Torcato Mendonça / Hélder Sousa)
8/11/2008 > Guiné 63/74 - P3422: O Tigre Vadio, o novo livro do Beja Santos (2): O exemplar nº 1, autografado, dedicado à malta do blogue
11/07/2008 > Guiné 63/74 - P3048: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos) (38): No HM241, em Bissau, voando sobre um ninho de jagudis
28/03/2008 > Guiné 63/74 - P2693: Operação Macaréu à Vista - II Parte (Beja Santos (25): A festa do meu casamento, 7 de Fevereiro de 1970
__________
Nota do editor:
(*) Vd. postes de:
7 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22075: In Memoriam (390): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021), ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, faleceu no Lar de Santa Catarina de Labouré, Lumiar, Lisboa (Editores)Guiné 61/74 - P22082: Em busca de... (312): Camaradas do ex-Fur Mil Art Vítor Manuel de Almeida Santos do GA 7, Buruntuma e Dara, 1972/74(?)
Prezados Senhores
Estou à procura de informações sobre o serviço do meu pai na Guiné.
Ele ainda está vivo mas intelectualmente e fisicamente diminuído após um AVC, vive en França.
Ele fez a sua formação no RAL1 em Lisboa (tenho uma placa que lhe foi dada pelo seu peleton, mas não sei porquê)
Foi então mobilizado na artillería en Guiné como Furriel Miliciano
A única coisa de que se lembra é que serviu no GAC 7 em Buruntuma e depois em Dara.
O seu matriculo era: 16187671 o 16187670 (ele hesita no último número)
Agradeço-lhe por qualquer elemento ou ligação que me possa fornecer.
Desculpo-me pelos erros portugueses, porque infelizmente nasci em França e tenho muitas dificuldades em escrever português.
Obrigado
Paul Jorge Santos
********************
____________
Nota do editor
Último poste da série de 6 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21976: Em busca de... (311): Ex-Soldados Instruendos do CSM - 3.º Turno de 1971, RI 5 - Caldas da Rainha, Luís Filipe Calado José da Costa e Luís Alberto Costa Pereira do 2.º Pelotão/5.ª Companhia (Carlos Jorge Pereira, ex-Fur Mil IOI)
Guiné 61/74 - P22081: (In)citações (184): O martirológio do Boé - Ainda a propósito da(s) jangada(s) do Cheche e dos mártires do Boé: o Major Luís Vasco Pedras, da Chefia do Serviço de Material e o Fur Mil Abílio Jorge, do BENG 447 (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)
I - Acabo de ler no poste P22059 do Virgílio Teixeira o que escreveu sobre a temática da jangada do Cheche e a actividade da minha CART 1742.
Para que não sejam terceiras pessoas a falar sem terem conhecimento da actividade da companhia de que fiz parte, com muita honra, e que defendo com todo o fervor, começo por apresentar a CART e a síntese da sua actividade operacional, embora faltem alguns elementos à História da Unidade.
Janeiro
Vamos a factos.
Foto 1 - Jangada de três canoas com pessoal da 1742, que passo a identificar. Da da esquerda para a direita: Sousa, Maurício, Neto, furriel Viola, Fonseca e Clérigo. Há mais elementos mas já não recordo os seus nomes.
Foto 2 - Neto e Fonseca puxando a jangada a braço, era assim que a travessia era feita por não haver motor auxiliar. Reporta-se a terça-feira, 17 de Janeiro de 1968, aquando da escolta à CCAÇ 1790 do Capitão Aparício que foi para Madina render a CCAÇ 1589 que tinha acabado a sua comissão.
Fevereiro
Dia 07 - Mais uma viagem a Béli, a jangada era a mesma.
Dia 29 - Mais uma viagem a Madina, a jangada era a mesma.
Março
Dia 20 - Mais uma viagem a Béli, a jangada continua a ser a mesma.
Esta é a verdade dos factos, a CART 1742 fez a travessia do rio Corubal quatro vezes, ida e volta, sempre na mesma jangada de três canoas, que transportava viaturas e pessoas, nunca vez alguma houve jangada só para transporte de pessoas. Quanto à jangada de duas canoas, nunca a vi.
********************
II - Emboscada entre Canjadude e Piche
A emboscada foi no 4.º trimestre de 1967 muito próximo do Natal, dia 14 de Dezembro, na qual morreram, o Alferes Gamboa, da CCAÇ 1586, e o 1.º Cabo Radiotelegrafista José Alves, do EREC 1578, tendo ainda ficado ferido um soldado.
O socorro foi feito por dois pelotões da CART 1742 que, chegados ao loca, nada puderam fazer por aqueles camaradas que perderam a vida no fim da comissão de serviço.
********************
III - Emboscada a caminho do Cheche
A 24 de Janeiro de 1968 uma coluna que se dirigia ao Cheche com abastecimento para a malta lá instalada, um dos produtos transportados eram bidões de combustível, foi emboscada a meio caminho entre esta localidade e Canjadude, o que causou muitos feridos e a morte a 6 militares, dois continentais e quatro africanos, que morreram carbonizados junto das viaturas em chamas, quando rebentaram os bidões durante a flagelação do IN.
A CART 1742, às 4.30 horas do dia 25, com dois pelotões, foi em socorro dos camaradas, onde foram encontrar um cenário dantesco, pessoal gritando, outros gemendo, viaturas queimadas. O nosso pessoal necessitou de colocar lenços no rosto devido ao cheiro a carne queimada, mas apesar de tudo que vimos, e como soldados que somos, reagimos, começando organizar a retirada do local para sairmos daquele inferno, rumando a Nova Lamego, onde chegamos dia 26 pelas 16 horas com um espólio macabro.
********************
IV - A morte do major Pedras
Aquando de uma operação que a CART 1742 fez ao Monte Siai no dia 12 de Janeiro, com contacto com o IN, e que provocou alguns feridos graves nas NT, entre eles o Alferes Magalhães, o Enfermeiro Aníbal, o Martins de transmissões e o Aguiar, conhecido por Arrifana (por ser natural desta freguesia do concelho de S. João da Madeira), que foi ferido e apanhado pelo IN. (Levado para Conakry, foi um dos camaradas libertados na Operação Mar Verde.)
Após termos repelido o ataque de que fomos alvo, deslocamo-nos para o aquartelamento do Cheche, local de reunião estabelecido pelas chefias militares, e já muito próximo do ponto de reunião ouvimos o som de rebentamentos, no lado contrário do Monte Siai, rebentamentos esses que foram provocados pela primeira viatura da coluna que vinha evacuar a companhia para Nova Lamego.
O Major Pedras, que pertencia ao Serviço de Material do QG, vinha nessa coluna assim como o Furriel Jorge que pertencia ao BENG 447, e que na altura se encontravam em Nova Lamego, onde aproveitaram a “boleia” para verificarem as instalações do aquartelamento, em especial a célebre jangada que ainda hoje provoca opiniões divergentes.
A mina foi acionada pelo rodado da frente da viatura, do lado do condutor que pertencia à CART 1742, que foi ejectado da mesma e caiu no meio do mato sem ferimentos, já o Major após o sopro, bateu com as pernas na parte interior do habitáculo da GMC de onde foi retirado para evacuação. O Furriel Jorge e um soldado africano foram cuspidos, caindo no meio do campo de minas e armadilhas, tendo ambos ali mesmo falecido.
Aproveito para rectificar duas afirmações do Virgílio Teixeira. Diz ele que o Major Pedras foi morto por uma bazucada mas não é verdade, como acima digo, foi vitimado pelo rebentamento da mina, tendo falecido no dia 15 de Janeiro no HM 241.
Também diz que um soldado condutor que passou várias vezes naquele local e que assistiu a tudo, lhe contou que ajudou a transportar o Major Pedras para o héli. Como foi isto possível se após algum rebentamento toda a coluna pára e quem está para trás não avança? Ninguém saía do sítio em que se encontrava, fico admirado com o Virgílio por corroborar com tais afirmações.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 2 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22059: (In)citações (183): A propósito da(s) jangada(s) do Cheche... e lembrando aqui mais mártires do Boé: o major Pedras, da Chefia do Serviço de Material, QG/CTIG, e o fur mil Jorge, do BENG 447 (Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM; CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)
Guiné 61/74 - P22080: Os Nossos Enfermeiros (16): O António José Paquete Viegas, da CCS/BCAÇ 1877, que eu conhecia de Faro e reencontrei em Porto Gole (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e Ilha das Galinhas, 1966/68)
Subject: Paquete Viegas enfermeiro da 1551
(*) Vd. poste de 6 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22072: Memórias cruzadas: relembrando os 24 enfermeiros do exército condecorados com Cruz de Guerra no CTIG (Jorge Araújo) - Parte VI
quarta-feira, 7 de abril de 2021
Guiné 61/74 – P22079: (Ex)citações (383): Os conflitos e a dedicação do povo. Gratidão. (José Saúde)
Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
___________
Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
20
DE FEVEREIRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P21924:
(Ex)citações (382): O 1º Cabo RD "Estraga a Tábua" que eu conheci em
1962, no então BC 10, mais tarde, RI 19, Chaves (E. Esteves Oliveira)
Guiné 61/74 - P22078: Blogoterapia (297): Obrigado, a todos, por se terem lembrado de mim no dia dos meus anos... sozinho em casa, com o computador nos "cuidados intensivos" e agarrado à máscara de oxigénio por causa do pó do Saara... (Valdemar Queiroz, Agualva-Cacém)
Date: terça, 6/04/2021 à(s) 23:58
Subject: Obrigado, Luís Graça
Luís, muito obrigado pelo teu telefonema.
Já estou um pouco melhor, embora agora com uma ciática (?) numa perna, e deu para ir buscar o meu computador que já está pronto para mais umas viagens.
Embora com algum atraso, já fiz um comentário no post do meu aniversário no nosso blogue. (*)
Teve piada o meu computador ter estado em cuidados intensivos na loja dum PC-Doctor, indicado pelo meu filho por terem sido colegas no Secundário.
E cá vamos andando.
Abraço
Valdemar
PS - Anexo uma foto do consultório do PC-Doctor
2. Comentário do Valdemar Queiroz, no poste P22050 (*)
Obrigado a todos.
Não é por ser meu hábito, mas só agora estou a agradecer a atenção pelo vossos Parabéns no dia do meu 76º. aniversário. Fico muito sensibilizado.
Este atraso de agradecimento deves-se ao facto do meu computador não ter escapado a mais um vírus e ter de ser internado nos cuidados intensivos num PC-Doctor com internamento de 24/03 até 05/4/2021. Afinal não era propriamente um vírus, era mais um problema da idade avançada com necessidade de substituição dumas peças (, afinal até nos humanos assim acontece).
Mas, com a saída, expus-me às ditas poeiras/areias do Saara e fiquei bastante enrascado com o meu problema DPOC [doença pulmonar obstrutiva crónica] e foram dias seguidos a máscara de oxigénio, incluindo o dia dos meus anos.
Obrigado, Cherno Baldé, o que será feito dos outros Embalós?
Obrigado, Luís Lomba, nunca mais voltaremos a passar naquela inesquecível Ponte Caium.
Obrigado, Gaspar, não te esqueças de quem nos lixou aqueles belos anos sessenta.
Obrigado, Luís Graça, pela amabilidade do teu telefonema.
Obrigado, Duarte, para o mês de Junho não pode faltar a nossa sardinhada.
Obrigado a todos.
Os meus Parabéns ao António Graça Abreu e à Rosa Serra.
Para o ano há maís.
Abraços
Valdemar Queiroz
6 de abril de 2021 às 23:22
___________
(*) Vd. poste de 30 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22050: Parabéns a você (1945): António Graça de Abreu, ex-Alf Mil Inf do CAOP 1 (Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74); Rosa Serra, ex-Alferes Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Bissau, 1969) e Valdemar Queiroz, ex-Fur Mil Art da CART 2479/CART 11 (Contuboel, Nova Lamego e Paúnca, 1969/71)
(***) Último poste da série > 6 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22073: Blogoterapia (296): Melancolia - Em dias chatos e aborrecidos, ligo a música e deixo que ela me transporte para outros níveis de consciência mais suportáveis (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
Guiné 61/74 - P22077: In Memoriam (391): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021) - A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa (Mário Beja Santos)
A Cristina, a Guiné e a sua presença na nossa sala de conversa
Mário Beja Santos
Apresentados e conversados, seguimos para o Aeroporto da Portela, o seu bar panorâmico ainda era muito concorrido. Fiquei ao lado de uma jovem pequena e airosa que logo me questionou de que paragens vinha, impressionou-me muito não só pela sua beleza mas pela conversa cativante. Por intermédio da Teresa Filomena lá estabeleci novo encontro fora do grupo, e poucas semanas depois, vindo ao fim da tarde de dar instrução no Regimento de Infantaria N.º 1 (Amadora), a Maria Emília Brederode Santos e o José Manuel Medeiros Ferreira deixavam-me à porta de um café onde passei a namorar com a Cristina. Depois fui apresentado aos pais, a minha futura sogra dispensou-me um formidável acolhimento no período que precedeu a minha saída da força militar onde estava incorporado e a aguardar transporte para a Guiné, em rendição individual. E a 24 de julho desse ano, a assistir ao choro convulsivo dos meus entes queridos, embarquei no Uíge, dado curioso comecei a bordo a encontrar-me com gente do BCAÇ 2852, iremos passar mais de um ano bem próximos, eles em Bambadinca e eu no Cuor. Chegado a Bissau, e assim que me deram o número do SPM (o 3778) telefonei à Cristina. E assim nasceu uma correspondência que foi essencial para escrever os meus dois volumes do Diário da Guiné, tudo lhe contava, ao pormenor, desde os arranjos do quartel, as idas a Mato de Cão, as carências, as flagelações, o trabalho do professor com crianças e graúdos. Todo este volume de correspondência trocada foi entregue ao Luís Graça, ficou como fiel depositário, pedi-lhe que se eu partisse para as estrelinhas entregasse tudo no Arquivo Histórico-Militar. Tomou-se a decisão de casar em Bissau, o que aconteceu em 20 de abril de 1970, dia em que se esbarrondou um sonho de Spínola e que custou a vida a três majores, um alferes e vários guias, barbaramente retalhados numa força do PAIGC, algures entre Pelundo e Jolmete. Conto no segundo volume do meu diário as peripécias que me permitiram casar, o David Payne, então médico do batalhão, combinou com o comandante deste, que eu precisava de ter uma baixa à neuropsiquiatria em Bissau, andei envolvido, nos meses de março e abril, e até 3 dias antes de partir, num conjunto de operações, e meti-me num Dakota em Bafatá com a guia para o HM241, casei, tive uns dias de lua de mel e depois a Cristina passou a visitar-me no hospital, onde se passaram cenas do arco da velha. Ela regressou e montou a nossa casa, conviveu-se com casais amigos ainda em Bissau, foram amizades que permaneceram.
A Cristina entrou no blogue quando ambos fomos devastados pela morte da nossa filha mais nova, alguém, a propósito, suscitou um comentário e a Cristina respondeu. Entregava-me as folhas escritas à mão e eu punha tudo no computador e enviava para os editores do blogue. Teve um poder catárquico, este tipo de intervenção.
Nos últimos anos, a saúde da Cristina sofreu um forte abalo. Quando a conheci já ela padecia de lúpus eritematoso sistémico, habituei-me àquelas crises e sobretudo à necessidade quase permanente de muito repouso, não foi fácil, até porque as filhas repontavam, a mãe saía pouco, houve que fazer um esforço de sensibilização às crianças para aquela estranha doença. Surgiu-lhe vasculite, foi um golpe psicológico rude, uma mulher bonita com as pernas inchadas, avermelhadas. Aumentou o consumo de tabaco, isolou-se e em 2019 era percetível que havia um certo transtorno psíquico para além da gravidade do quadro das comorbilidades. A 24 de dezembro de 2019 houve que chamar o INEM, transportada para Santa Maria, ali permaneceu entre a vida e a morte, os problemas respiratórios eram muito graves, um quadro de pneumonia em cima de um enfisema pulmonar. E o transtorno deu em demência, quando teve alta, um mês e meio depois, houve que encontrar a solução de um lar, e ali permaneceu até que em 5 de abril, inopinadamente, o Pai Misericordioso compadeceu-se da sua vida tão lastimosa, teve uma paragem cardiorrespiratória, nada se pôde fazer.
Haverá velório nesta quarta-feira, entre as 17 e 20 horas (não foi doente COVID, pelo tudo se regerá pelas normas habituais de segurança), na Igreja do Campo Grande. Quinta-feira, no mesmo local,celebrar-se-á missa pelas 15 horas seguindo para os Olivais, para cremação. Obrigado por a recordarem e lhe desejarem a contemplação divina, ela nunca esqueceu a Guiné e sentiu-se muito reconfortada no blogue, adorou a sala de conversa.
Um abraço do
Mário
____________
Nota do editor
Vd. poste de 7 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22075: In Memoriam (390): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021), ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, faleceu no Lar de Santa Catarina de Labouré, Lumiar, Lisboa (Editores)
Guiné 61/74 - P22076: Antropologia (42): "Grandeza Africana, Lendas da Guiné Portuguesa", por Manuel Belchior (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Setembro de 2020:
Queridos amigos,
A recolha que Manuel Belchior fez no Gabú abre preciosas pistas de trabalho. Recorde-se a importante investigação de Carlos Lopes sobre o Kaabunké, o Império do Cabo tinha vasto território na colónia portuguesa. Há lendas muito antigas que os povos não esqueceram, como Sundjata Keitá, o fundador do Império do Mali, aliás estes trovadores que ao longo de séculos exaltaram estes heróis não circunscrevem o território, tanto podem falar do Sudão como da África do Noroeste, as narrativas precipitam-se para os combates entre Mandingas e Fulas, estamos já no século XIX, estes heróis vão entrar no ocaso com a chegada dos franceses, dos ingleses e dos portugueses no chamado período da ocupação, as três potências coloniais introduziram um enquadramento político-administrativo que desmantelou os velhos poderes. São lendas onde há por vezes sinonímia com os quadros lendários indo-europeus: lealdade e deslealdade; amizade e traição; bravura descomunal... E ficamos a saber como estes reinos viviam em guerras permanentes e se dedicavam ao tráfico de escravos. São linhagens que o povo ao longo dos tempos recordou sempre graças aos trovadores, foram estes artistas que comoveram os povos falando-lhes de uma identidade perdida, nesses tempos remotos de grandeza africana.
Um abraço do
Mário
Grandeza Africana, Lendas da Guiné Portuguesa, por Manuel Belchior (2)
Mário Beja Santos
Manuel Belchior, já aqui abordado a propósito dos seus livros Contos Mandingas e Os Congressos do Povo da Guiné, era funcionário colonial com habilitações superiores, uma longa carreira administrativa no Ultramar Português (de 1938 a 1961), depois foi investigador da Junta de Investigações do Ultramar, em serviço da qual se deslocou à Guiné numa missão que está na base que tornou possível a publicação deste livro. "Grandeza Africana" foi editado pela Mocidade Portuguesa, não se menciona a data. A capa e as belíssimas ilustrações são de José Antunes. No Gabú, contatou o régulo Alarba Embaló, descendente dos Embalocundas, que governaram durante muito tempo o Gabú unificado – o régulo Monjur era descendente desta família. Alarba Embaló deu meios a Manuel Belchior para ir conhecendo narrativas orais transmitidas de geração em geração, neste caso o repertório envolve duas importantes etnias, Fulas e Mandingas.
A recolha de Manuel Belchior permite uma viagem pelo tempo, começando em Sundjata Keitá, fundador do Império do Mali, filho do rei de Mandem, são narrativas de bravura, elegias de fraternidade, trata-se de uma preciosa recolha que permite, a despeito de todas as interrogações que levantam as narrativas orais, não abonadas por documentação factual, entender como se ergueram impérios, como ainda subsistem heróis lendários como Coli Tenguelá, Alfá Moló, figuras de transição de um império em franca decomposição cuja machadada final foi dada pela chegada da potência colonial, que trouxe uma nova organização político-administrativa. Era indispensável, como ponto de referência incontornável, falar da batalha de Cam Salá. Obrigatório é também a canção de Quelé Fabá, como sempre a descrição tem consideráveis semelhanças com a mestiçagem da descrição africana e islâmica, veja-se o caso:
“Quelé Fabá Sané, natural de Badora, era o maior guerreiro das terras de Bafatá e Gabú. Ninguém o igualava em temeridade e destreza. Tão alto subiu a sua fama que vários régulos, quando empenhados em guerras, pediam seu concurso.
Um dia, Demba, senhor de Baria e seu amigo, chamou-o para o auxiliar a combater um chefe vizinho poderoso.
Pôs-se Quelé Fabá a caminho, acompanhado da sua mulher, Fendabá, mas antes de partir jurou na sua tabanca que, nem na guerra, nem tão pouco na viagem, voltaria a cara para trás.
A certa altura necessitaram de atravessar um rio e, na canoa, o herói esqueceu-se do juramento feito. Para melhor conduzir o barco ficou de frente para o ponto de partida. Vendo isto, Fendabá gritou: - Que desgraça! Lembra-te do juramento! Entristeceu Quelé Fabá e disse que o seu esquecimento era presságio de que ia morrer na luta”.
É bem curioso, como observam investigadores das Literaturas Comparadas, as analogias de temáticas clássicas, a quebra do juramento, o olhar para trás e aparece igualmente no mito órfico.
Pondo termo a estas lendas da Guiné Portuguesa coligidas por Manuel Belchior, recordemos seguidamente Samori Touré, de quem Sékou Touré se dizia descendente, o religioso Fodé Bacar Dumbiá, que tratava as suas duas mulheres desigualmente, ele reparou na injustiça e da relação nasceu Fodé Cabá.
Já com relação a uma outra história lendária que envolve o régulo Monjur, do Gabú, temos o cativeiro de Selu Coiada, príncipe Fula-Forro. O rei do Firdu, Mussa Moló, foi visitá-lo, era um cortejo de 300 cavaleiros ricamente vestidos. A alegria do encontro foi turvada quando um dos trovadores sentenciou: Por mais que um Fula-Preto seja rico ou poderoso, nunca o seu valor pode igualar o de um Fula de raça. Da amizade passou-se ao ódio e depois a vingança.
História bem curiosa é a narrativa que fala da conquista do Futa-Djalon. O soberano da região, o Almami Abubakar, confiou ao seu parente Alfá Iáiá a chefia dos 666 regulados da região de Labé, por um ano. Alfá recusou-se a entregar o mandato, seguiu-se guerra, o Almami foi vencido, outros intercederam, Alfá também foi vencido. O Almami procurou fazer as pazes com o seu parente.
Filhos amados, vosso pai Rachide
Uma regra de vida nos vai dar,
Segui-a com rigor e não tereis
Nada que lastimar.
Raparigas sabei que um homem espera
Encontrar na mulher três qualidades:
Respeito aos seus segredos, ao seu leito
E a todas as vontades.
A vós rapazes dou-vos um conselho
Que todo o sábio para si tomou
De outro, inda mais sábio, Logomane
Que outrora assim falou:
- Deves ter fé em Deus que tudo vê
E tudo pode acerca dos mortais
Trabalha com ardor e serás útil
A ti e aos demais.
- Estuda e elevarás a tua alma
Que os livros te podem ensinar
Muitas coisas formosas deste mundo
E a Deus agradar.
- A palavra, o alimento e o sono
Como remédio deverás tomar:
O bastante p’ra que o corpo não sofra
Mas sem nunca abusar.
- A boca é uma e as orelhas duas
Isso te indica como proceder
Usa o ouvido mais do que o falar
E saberás viver.
- Em três partes o estômago divide
P’ra comida só uma reservar
As outras hão-de ser bem necessárias
P’ra água e para o ar.
- A noite é grande e não deve ser gasta,
Do sol posto a amanhã, toda a dormir,
Destina parte dela à oração,
Terás feliz provir.
- Deves casar p’ra nunca cobiçares
Mulher d’outro. Não nego, o casamento
Terás desgosto profundo.
Mas se a fêmea procura fora dele,
Em vez desse desgosto terás dois
Neste e no outro mundo.
Meus filhos, quem seguir estes conselhos
No decurso da vida há de contar
Satisfações a esmo.
E maiores triunfos que o atleta
Que vença toda a gente nos torneios,
Pois vence-se a si mesmo.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 31 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22054: Antropologia (41): "Grandeza Africana, Lendas da Guiné Portuguesa", por Manuel Belchior (1) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P22075: In Memoriam (390): Maria Cristina Robalo Allen Revez (8/3/1943 - 5/4/2021), ex-esposa do nosso camarada Mário Beja Santos, faleceu no Lar de Santa Catarina de Labouré, Lumiar, Lisboa (Editores)
1. Em mensagem de ontem, 6 de Abril de 2021, o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), trouxe até nós a triste notícia do falecimento da sua ex-esposa Maria Cristina, no Lar de Santa Catarina Labouré:
Aos meus amigos,
A Cristina faleceu no Lar de Santa Catarina Labouré, onde vivia desde Fevereiro do ano passado, vítima de paragem cardio-respiratória.
O Pai Misericordioso compadeceu-se da sua vida tão lastimosa, sofrendo de problemas respiratórios graves, enfisema pulmonar, vasculite, demência.
Haverá velório na quarta-feira entre as 17 e as 20 horas (não foi doente COVID, pelo tudo se regerá pelas normas habituais de segurança), na Igreja do Campo Grande, quinta-feira, no mesmo local, celebrar-se-á missa pelas 15 horas seguindo para os Olivais, para cremação.
Obrigado por a recordarem e lhe desejarem a contemplação divina,
Mário
********************
2. Nota dos editores:
Cristina Allen foi esposa do Mário Beja Santos, casaram na Catedral de Bissau no dia 20 de Abril de 1970.
Tiveram duas filhas, a Maria da Glória, que infelizmente já nos deixou, e a Joana, mãe da pequena Benedita que é alegria do avô Mário.
Cristina Allen, membro de longa data da Tabanca Grande, tem 15 referências no nosso Blogue, incluindo um dos postes dedicado à sua filha Maria da Glória (Locas) após o seu prematuro desaparecimento.
Pelos contactos de trabalho, constantes, com o Mário, íamos sabendo da evolução do estado de saúde da Cristina, podendo assim testemunharmos a dedicação dele à sua companheira e mãe de suas filhas.
Porque o Mário é merecedor da nossa maior gratidão pelo muito que tem feito por este Blogue, deixo-lhe, assim como à sua filha Joana, em nome dos editores e da tertúlia, as nossas mais sentidas condolências.
Nota do editor
Último poste da série de 26 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P22041: In Memoriam (389): Ilídio Sebastião Vaz (1945/2021), ex-fur mil enf, CCaç 14 (Bolama e Cuntima, 1969/1971): morreu em Havana, Cuba, em sequência da Covid-19 (Eduardo Estrela)
terça-feira, 6 de abril de 2021
Guiné 61/74 - P22074: Manuscrito(s) (Luís Graça) (203): Para a Joana, que hoje faz anos: "E os adultos, esses, já morreram todos. Só ficaram as crianças, sozinhas, a envelhecer” (Louise Glück | Frederico Pedreira, "Uma Vida de Aldeia", Lisboa, Relógio de Água, 2021, p. 133)
1. Queria-te oferecer, como prendinha de anos, a novela gráfica “Balada para Sophie”, da genial dupla Filipe Melo e Juan Cavia (Lisboa, Tinta da China, setembro de 220, 320 pp).
Vê e ouve aqui ao menos a interpretação ao piano da Balada, pelo autor e pianista Filipe Melo (que é amigo do João e a quem dei umas "dicas", há uns anos, para o guião de uma outra BD, também portentosa, "Os Vampiros", cuja história se passa na fronteira da Guiné com o Senegal, em dezembro de 1972).
2. Em alternativa, trouxe-te um livro de poesia, em edição bilingue, inglês/português. Não conhecia a autora, Louise Glück, Prémio Nobel da Literatura 2020. Nova-iorquina, de ascendência judaico-húngara.
Acho que vais gostar: A Village Life (2009) / Uma Vida de Aldeia, numa belíssima e rigorosa tradução de Frederico Pedreira, também ele poeta. [Edição da regógio d'Água, Lisboa, 2021, 160 pp.]
Lê-se na badana:
Acho que vais gostar. É o meu “feeling”. E mais: acho que podias escrever poemas quase tão bons como estes, naqueles “notebooks”, baratuchos, do Auchan, que eu te costumo oferecer, e que tu approveitas da primeira à última folha, com notas, pensamentos, poemas, (in)confidências, desenhos, esboços de qualquer coisa… que um podia poderão transformar-se em livro. Tenho sempre a esperança que tenhas mais golpe de asa do que eu. Porque talento, felizmente, não te falta para o desenho e a escrita.
3. Folheando o livro, "Uma Vida de Aldeia", lendo na vertical, destaquei uma meia dúzia de versos:
(...) “Para poder nascer, o nosso corpo faz um pacto com a morte,
e, a partir desse momento, tudo o que tenta é fazer batota” (p.77)
(...) “Que belas estão as flores – símbolos da resiliência da vida.
Os pássaros aproximam-se vorazes.” (p. 105).
(...) “Nada prova que estou viva.
Há apenas a chuva, a chuva é infindável” (p. 117).
(…) “E as pequenas coisas que antes nos
faziam felizes
já não conseguem chegar a nós” (p.125)
(...) “E os adultos, esses, já morreram todos.
Só ficaram as crianças, sozinhas, a envelhecer” (p.133)…
(...) “Corpo meu, (…)
não é da Terra que irei sentir falta,
é de ti que eu irei sentir falta” (p.137).
Joana, é uma escrita muito feminina, austera, depurada, de alguém que sabe fazer, com as palavras, a necessária logoterapia que transforma a(s) nossa(s) fragilidade(s) em beleza poética. As palavras não servem para mais nada, se não para criar beleza e reordenar a realidade. Sem as palavras, teríamos o caos.
Que tenhas um lindo dia 6 de abril de 2021!
Teu pai e tua mãe (que, todos os anos, por este dia, às 10h30, deixa cair uma lágrima ternurenta com a memória do teu parto, no Hospital de Santa Maria há 43 anos).
_________Nota do editor:
Último post da série > 4 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22066: Manuscrito(s) (Luís Graça (202): A Páscoa: este ano resta-nos a saudade... e as fotografias e os vídeos de antanho. E a Covid-19 que nos confina e nos espreita.