Segunda parte.
Aceitando o repto do Tabanqueiro-mor Luís Graça, entendi apresentar algumas considerações sobre o tema.
Por ter cumprido 3 Comissões, por imposição, na Guiné (tenho a convicção que não haverá muitos militares nestas condições), eis a minha opinião resultante, fundamentalmente, das funções que desempenhei em cada um dessas comissões.
************
Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 2
4. GUERRA DOS 3 G´s (Guidage, Guileje e Gadamael)
4.1. Introdução – Mísseis terra-ar STRELA, do IN
Em DEZ72, a DGS/Guiné tinha recolhido a informação que o PAIGC havia recebido novas armas antiaéreas. Mais tarde, Luís Cabral, disse que os mísseis só chegaram, depois da morte de seu irmão, Amílcar Cabral, ocorrida em 20JAN73.
Em 25MAR73, um Avião FIAT G 91, pilotado pelo Sr. Ten. Pil. Av. Miguel Pessoa, foi abatido por um desses mísseis, na região de Guileje, após ter sido chamado a prestar apoio aéreo, na sequência de uma flagelação ao aquartelamento, em pleno dia (14H30); este procedimento do IN foi propositado, pois era conhecido que, nessa situação, a nossa Força Aérea sempre marcava sua presença. O Piloto, verificando que o seu avião fora atingido, conseguiu ejectar-se, mas como o fez a baixa altitude, o pára-quedas não abriu totalmente, tendo caído no arvoredo intenso, sofrendo a fractura de uma perna; conseguiu assinalar a sua presença, mas devido ao adiantado da hora, só foi recuperado na manhã seguinte.
Nas semanas seguintes, foram abatidas mais 4 aeronaves, uma das quais pilotada pelo Sr. Ten. Cor. Pil. Av. Almeida e Brito, Comandante do Grupo Operacional da Base Aérea 12; este abate verificou-se na região do Boé.
Com a introdução dos mísseis terra-ar, a guerra entrava numa nova fase, decididamente bem pior para as forças terrestres, que até então pudera contar com o apoio aéreo, nas suas diversas vertentes: apoio de fogo, acompanhamento de colunas de reabastecimentos, transportes gerais, reconhecimentos aéreos, regulação aérea dos fogos de Artilharia e evacuações, estas efectuadas mesmo em zonas de combate.
Para fazer face à nova ameaça, a FA adoptou as medidas consideradas necessárias, que se traduziram em grandes restrições ao Apoio Aéreo. Nestas condições, a Repartição de Operações do Comando Chefe, enviou, em 27ABR73, uma mensagem, a todos os Comandos, determinando:
. cancelados, temporariamente, as evacuações, por avião ligeiro DO 27, a partir de Guileje, Gadamael,…
. cancelados, temporariamente, os transportes gerais, por DO 27 (o chamado avião do Sector), em todos os Comandos.
. os acompanhamentos por DO 27, passavam a fazer-se a altitudes superiores a 6000 pés.
. os ataques ao solo, por aviões FIAT G 91, seriam feitos só com bombas, a altitudes acima de 6000 pés.
. as evacuações, por helicóptero, passavam a ser objecto de estudo prévio do Comando de Operações Aero-Tácticas (COAT), da FA.
No que se refere a Guileje, as colunas de reabastecimentos (Gadamael/Guileje), até 06ABR73, eram acompanhadas por um avião DO 27, armado, sobrevoando o itinerário; após essa data, deixaram de ter qualquer apoio aéreo, tendo sido determinado que, no caso de haver contacto com o IN, deveria ser pedido apoio imediato.
Com todas estas restrições, nenhum meio aéreo aterrou em Guileje e também em Gadamael (até 22MAI73), com uma única excepção: uma visita a Guileje, em 11MAI73, do Sr. Comandante-Chefe, Sr. General Spínola. As evacuações passaram a ser feitas, por estrada (nas colunas) até Gadamael, daqui por barco para Cacine, onde a FA as fazia para Bissau, de helicóptero.
4.2. GUIDAGE - situado na fronteira Norte, com a Rep. do Senegal
Dotado de uma nova arma - o míssil STRELA, que condicionou de um forma muito significativa a nossa FA, o IN modificou, radicalmente, a sua maneira de actuação que, até então se caracterizava, fundamentalmente, por montar emboscadas e implantar engenhos explosivos nos itinerários, flagelar os aquartelamentos das NT e as populações, especialmente de noite e passou a uma outra fase, concentrando grandes efectivos, apoiados por bases de fogos com consideráveis quantidades de armamento pesado, sem qualquer restrinção de munições, tendo em vista objectivos específicos das NT.
Assim, em 08MAI73, começou por montar uma emboscada a uma coluna de reabastecimento Farim – Guidage, impedindo a sua realização; de seguida, iniciou as flagelações ao aquartelamento de Guidage, que se iriam manter durante bastante tempo. O Comando Chefe resolveu reforçar de imediato, o COP 3 (Comando Operacional nº. 3), com sede em Bigene, do qual dependia Guidage.
O Sr. Chefe de Repartição de Operações do CEM (Corpo de Estado-Maior) Pinto de Almeida, interrogado sobre o assunto, (no âmbito do processo que me foi instaurado, como consequência da retirada de Guileje), declarou:
“. As flagelações a Guidage tiveram início em 08MAI73 e prolongaram-se até 01JUN73 (não tendo havido flagelações em 20, 24 26, 30 e 31MAI).
. Relativamente a colunas de reabastecimento, a primeira chegou a Guidage em 10MAI, a segunda no dia 12MAI, a terceira em 15MAI.
. Quanto ao balanceamento de meios do COP 3, para reforçar Guidage, a esta guarnição chegaram em 08MAI, 2 GC (Grupo de Combate) da CCAÇ 3 (Companhia de Caçadores 3 – do recrutamento da Província); em 12MAI, mais 1 GC da CCAÇ 3 e os Destacamentos de Fuzileiros Especiais 1 e 4.
. Relativamente aos reforços atribuídos a Guidage: na coluna de 12 MAI, 5 GC do BCAÇ 4512 (Batalhão de Caçadores de Farim), 1 Bigrupo da 38ª. CCMD (Companhia de Comandos), 1 Secção do Pel Mort 4274 (Pelotão de Morteiros); este reforço manteve-se até à manhã de 13MAI. Na coluna que atingiu Guidage em 15 MAI, chegaram 2 GC do Comando de Bissau, 1 GC da Companhia Eventual Africana e o Grupo de Milícia de Jumbembem; este reforço manteve-se até à manhã de 19MAI.
. Guidage foi ainda reforçado com a CCP 121 (Companhia de Caçadores Paraquedistas), desde 23MAI até 30MAI. Após o dia 29MAI, foi reforçado por outras unidades, não discriminadas.
. No dia 08MAI73, a guarnição de Guidage era constituída pela CCAÇ 19 (recrutamento da Província) e 24º. Pel Artª. (Pelotão de Artilharia), de 10,5 cm.”
De 17 a 21MAI73, o Batalhão de Comandos Africanos, realizou a Operação Ametista Real, cuja Missão consistia em aniquilar ou, no mínimo, desarticular a base inimiga de Cumbamory (Rep. do Senegal). Os resultados foram os seguintes: causados 67 Mortos ao IN, bem como bastantes baixas prováveis, provocadas pelos bombardeamentos da FA; destruição de uma enorme quantidade de material e capturado diverso armamento. As N T tiveram 10 Mortos, 22 Feridos graves e 3 Desaparecidos.
Nas várias colunas de reabastecimento (foram iniciadas 7 e 5 destas atingiram Guidage), as NT sofreram 26 Mortos e 100 Feridos; foram destruídas ou danificadas 6 viaturas. O In sofreu, na coluna do dia 08MAI, 13 Mortos e elevado número de Feridos.
Não tenho elementos que indiquem se o Comando Chefe tinha algum conhecimento prévio das intenções do IN sobre Guidage.
Relativamente à sua actuação, após o IN ter desencadeado os acontecimentos, considero-a OPORTUNA, EFICAZ e ADEQUADA.
Desta forma, foi possível manter o aquartelamento das NT em Guidage.
4.3. GUILEJE
No que diz respeito a Guileje, o Sr. Comandante-Chefe conhecia as intenções do PAIGC, com antecedência, pelo menos desde 27DEZ72.
No seguimento de um requerimento que fiz, para serem juntos ao auto de corpo de delito que me foi instaurado, todos os documentos relativos ao COP 5, o Sr. CEM (Chefe de Estado-Maior) do Comando-Chefe Sr. Coronel do CEM Hugo Rodrigues da Silva, fez entrega, ao Sr. Oficial da PJM (Polícia Judiciária Militar), Sr. Brigadeiro Leitão Marques, de uma relação de 124 documentos, em 08AGO73; todos estes documentos foram apensos ao processo. O documento nº. 105 daquela lista de 124 (que passou a constituir a folha nº. 608 do auto), é o seguinte:
“EXTRACTO DO RELATÓRIO DE INTERROGATÓRIO – 27DEZ72”
Este relatório foi elaborado em 271800DEC72 e relata o interrogatório do nativo Mário Mamadu Baldé, de 25 anos, natural de Cacine. Nele declarou:
[...]
“INTENÇÕES DO IN
2. NA FRONTEIRA: Refere que o In pretende fazer um ataque com bastante força a GUILEJE, porque pretende obter uma maior liberdade de movimentos logísticos e de pessoal no Corredor de GUILEJE. Para isso, ficaram em KANDIAFARA alguns elementos que vieram recentemente dum estágio de Artª. na Rússia, para fazerem reconhecimentos na área de GUILEJE e preparar esta acção.
MODOS DE ACTUAÇÃO
Os chefes sabem que as flagelações aos aquartelamentos não têm obtido resultados compensadores e por isso resolveram mandar vários elementos ao estrangeiro receber uma instrução mais adiantada de Artilharia.
Esses elementos ficam a saber trabalhar com cartas topográficas, para poderem determinar com precisão as distâncias de tiro. Aprendem também a trabalhar com goniómetros-bússolas e outros aparelhos, assim como ficam a saber através da regra do milésimo converter as correcções métricas em direcção em correcções angulares. Estes elementos ficarão normalmente em observadores avançados durante as flagelações, ligados por telefone às bases de fogos, dirigindo a acção e regulando o tiro.”
Importa salientar que, incompreensivelmente, tal relatório de interrogatório não me foi dado a conhecer, quando fui nomeado Comandante do COP 5; se tivesse sabido o que nele constava, teria confrontado o Sr. Comandante-Chefe da impossibilidade de, apenas com os meios de que iria dispor e que já estavam no terreno, fazer face à ameaça muito precisa e que, em consequência, necessitava que o COP 5 fosse reforçado convenientemente. Mesmo que não me tivesse sido dado nenhum reforço, não deixaria de, com as poucas possibilidades que tinha, ter na devida atenção aquela ameaça.
O conteúdo do documento em questão, por não ter suscitado nenhuma reacção do Comando-Chefe e do seu Estado-Maior, é, em minha opinião, altamente comprometedor para aquelas entidades. Após dele ter conhecimento, a Repartição de Informações (REP/INFO) deveria ter tomado todas as diligências, no sentido de confirmar ou não o que nele constava. Não há nenhum indício de que tenha sido esse o procedimento da REP/INFO.
Estou convicto que, nem o CEM do Comando-Chefe – Sr. Coronel do CEM, Hugo Rodrigues da Silva, nem o Sr. Oficial da PJM – Sr. Brigadeiro Leitão Marques, dedicaram a este documento qualquer importância, pois que, se o tivessem lido com atenção, seguramente seria excluído da lista e nunca teria sido incluído no processo.
Num artigo publicado no jornal Público, em 26JUL2004, o Sr. Osvaldo Lopes da Silva (OLS), antigo Comandante de Artilharia do PAIGC, (págs. 358 a 361 do livro “A Retirada de Guileje”), relata a maneira como foi encarregado por Amílcar Cabral, em Agosto ou Setembro de 1972, de preparar as condições para destruir Guileje. Amílcar afirmara: “Se o quartel de Guiledge cair, cai tudo à volta”. Com um grupo de cerca de 30 homens, postos à sua disposição, OLS fez, durante alguns meses, os reconhecimentos e as acções, na zona de Guileje, que permitiram ao PAIGC desencadear uma acção em força sobre Guileje, com início em 18MAI73. Confirmava-se, totalmente, o que o nativo Mário Mamadu Baldé declarara, no interrogatório que lhe foi feito em 27DEZ72.
Em meados de Abril de 73, como as obras em Guileje estavam muito atrasadas e a época das chuvas estava próxima, enviei à REP/OPER do Comando Chefe uma mensagem, solicitando autorização para que a actividade da CCAV 8350 (Guileje) fosse reduzida ao mínimo, para poder intensificar o ritmo das obras; a autorização foi concedida, mas devendo continuar os reconhecimentos na área de Mejo, anteriormente determinados, tendo em vista a reocupação dessa localidade.
Esta reocupação fazia todo o sentido, porque serviria, também, para apoiar Guileje e as NT no Cantanhez. Como verifiquei nos reconhecimentos que foram feitos, nessa altura, o local mais adequado, para o futuro aquartelamento, era junto a um dos braços de rio, porque, além de garantir o abastecimento de água, permitiria ainda utilizar a via fluvial, para evacuações e até talvez para os reabastecimentos; neste caso, seria uma alternativa para o reabastecimento de Guileje, que estava totalmente dependente da ligação terrestre a Gadamael. Na sequência desses reconhecimentos, foi possível fazer por via fluvial, a evacuação do Morto e dos Feridos resultantes da emboscada ocorrida no dia 18MAI73. Se a evacuação, nestas condições, não tivesse sido possível, era muito provável que o militar Morto tivesse sido sepultado em Guileje, como sucedera em Guidage, em situações análogas.
Recorda-se que Mejo tinha sido abandonada por ordem do Sr. General Spínola, quando no início do seu Comando, determinara a remodelação do dispositivo; desta forma, mudou de opinião. A localidade de Mejo não foi reocupada.
Quando tive acesso ao processo que me foi instaurado, esperava encontrar respostas às dúvidas que tinha, relativamente à actuação do Comando Chefe e do seu Estado-Maior, acerca do que sucedeu em Guileje, no período de 18/22MAI73. As minhas expectativas foram goradas, em grande parte.
Uma das minhas interrogações era a forma como o Sr. Comandante-Chefe pensava resolver o problema de Guileje, alvo de um ataque em força do PAIGC, desde 18MAI73. A única resposta foi a proporcionada pelas declarações do Sr. Coronel Paraquedista Rafael Durão, quando foi ouvido com testemunha, no processo que me foi instaurado (pág. 117 do livro “A Retirada de Guileje”):
“No dia 21 recebi directamente de Sua Excelência o General Comandante-Chefe ordem para manter a todo o custo o destacamento de GUILEJE, naquele local, para o que devia verificar as necessidades em meios para lá colocar os abastecimentos de toda a ordem, mais de 200 toneladas, que se encontravam ainda em GADAMAEL, CACINE e muitos ainda a chegar de BISSAU….”
O Sr. General Spínola, ao nomear o Sr. Coronel Rafael Durão Comandante do COP 5, substituindo-me nessa função, entendeu alterara missão para “defesa a todo o custo”, que não constava na missão que eu tinha recebido. A defesa a todo o custo é a mais exigente de todas, implicando resistir até ao último homem. Não obstante o Sr. Coronel Durão ter toda a confiança do Sr. Comandante- Chefe, este quis ter a certeza que, em qualquer circunstância, Guileje seria defendido até ao fim.
O Sr. General Spínola, que me tinha negado o reforço, bem modesto, de uma Companhia de tropa especial, atribuiria ao Sr. Coronel Durão os meios que este considerasse necessários; e estes só seriam apresentados quando o novo Comandante do COP 5 chegasse a Guileje e aqui fizesse o estudo da situação, o que, na melhor das hipóteses, aconteceria em 22MAI; seguir-se-ia o accionamento da ida dos reforços, que só chegariam ao seu destino (Guileje) passados uns dias.
Interessava também saber o que pensava, sobre este assunto, o Sr. Chefe da REP/INFO do Comando Chefe, Sr. Ten. Cor. de Infª. Baptista Beirão. Para isso, volto a recorrer ao processo e às declarações que nele fez (folhas 749 a 751):
“3. Sendo perguntado…
e. No entanto e embora me pareça que estas flagelações foram mais violentas, devo acrescentar que quase não provocaram baixas na guarnição (apenas 1 morto)…”
Esta declaração do Sr. Chefe da REP/INFO “apenas 1 morto” é lamentável, pelo desrespeito evidente pela vida humana, mesmo só uma. Parece que é lícito concluir que se as baixas tivessem sido maiores, a sua declaração teria sido diferente.
“7. Sendo perguntado se havia notícias que referissem a acção sobe Guileje e se essas notícias aumentaram nos princípios do mês de Maio disse:
a. Sempre houve notícias de ataque a Guileje até de ataques em força. No entanto essas notícias esbatiam-se sempre em flagelações mais ou menos violentas, sem consequências graves.
b. Em princípios de Maio começaram a aparecer mais notícias, parecendo assim que aumentavam as probabilidades do ataque. A flagelação de cerca de uma hora, em 10 ou 11 de Maio, chegou a fazer supor que seria a acção que essas notícias anunciavam, o que, depois, veio a verificar-se não corresponder à verdade, com uma série de acções desencadeadas a partir de 18 MAI….”
Verificou-se que o Sr. Chefe da REP/INFO “esqueceu-se” de referir o documento, referido atrás – Extracto do Relatório de Interrogatório – 27 DEZ 72. Este esquecimento demonstra, com evidência, que não prestou nenhuma atenção ao conteúdo de tal documento, o que, do meu ponto de vista, é INACEITÁVEL.
A minha maior expectativa, que estava nas declarações do Sr. Chefe da REP/OPER, Sr. Ten. Cor. do CEM, Pinto de Almeida, foi totalmente frustrada. E o caso não é para menos, pois que, tratando-se de um auto do corpo de delito, sobre a retirada de Guileje, o Sr. Brigadeiro Leitão Marques, nomeado pelo Sr. Comandante-Chefe para dirigir as averiguações, teve o descaramento de NÃO TER FEITO UMA ÚNICA PERGUNTA, sobre Guileje, ao Sr. Chefe da REP/OPER.
Não tenho a mínima dúvida que tal actuação foi concertada entre os dois intervenientes, pois que o segundo respondeu, com todo o pormenor, sobre todas as perguntas relativas a GUIDAGE!!!, com excepção da que inquiria quais as baixas que tinham incidido sobre a CCAÇ 19 (Guidage), ao que a resposta foi “…ignorando qual percentagem sobre a Companhia de Caçadores dezanove…”. Seguramente que tal pormenor não fora objecto de prévio acerto mútuo.
Sendo o objectivo primário da fase de inquirição do processo, o esclarecimento da verdade dos factos, o modo como o Sr. Oficial da Polícia Judiciária Militar, Sr. Brigadeiro Leitão Marques, conduziu as averiguações, relativamente à inquirição do Sr. Chefe da REP/OPER do Comando Chefe, foi INACREDITÁVEL.
4.4. GADAMAEL
Após a retirada de Guileje, todo o pessoal que daqui viera, incluindo a população, ficou em Gadamael; nessa manhã de 22MAI73, tinha chegado o novo Comandante do COP 5, Sr. Coronel Paraquedista Rafael Durão.
Num documento elaborado pela REP/OPER do Comando Chefe, sobre a situação em Gadamael, no período 22/30MAI, não é referida a actividade das NT; segundo a informação de diversos militares que lá se encontravam, fiquei a saber que foram realizados, com frequência, vários patrulhamentos e emboscadas, tendo-se verificado a presença de alguns grupos inimigos, que não se empenhavam, indiciando que se tratava de missões de reconhecimento. No PERINTREP nº. 21/73 (PERÍODO de 20 a 27MAI73, a REP/INFO referia:
“…De assinalar, ainda, os reconhecimentos efectuados ultimamente na área de GADAMAEL, constituindo possível indício duma acção em força.”
Não obstante tudo isto, aparentemente não se tiraram nenhuns ensinamentos do que se tinha passado em Guileje; o IN, após entrar neste em 25MAI e, porque, eventualmente, não foi sujeito a forte pressão da Força Aérea durante o período 22/25MAI, como deveria ter acontecido, rapidamente deslocou o seu dispositivo para a região de Gadamael.
Nem o Comando-Chefe e o seu Estado-Maior, em Bissau, nem o novo Comandante do COP 5, em Gadamael (Sr. Coronel Durão), consideraram que o efectivo das NT, profundamente desgastado, física, moral e psicologicamente, era manifestamente insuficiente para fazer face a uma acção em força do IN; acresce o facto, do conhecimento de todos, que o aquartelamento de Gadamael não dispunha de abrigos semelhantes aos de Guileje.
Salienta-se a presença de carros de combate do IN na fronteira (mensagem da CCAÇ 3566 – Empada, de 16MAI73), possivelmente para actuar sobre Gadamael, onde a configuração do terreno, mais aberto, era propícia à sua actuação.
O Sr. Coronel Durão, ciente de que o IN não actuaria sobre Gadamael, conforme disse a um Sr. Oficial da Companhia que tinha vindo de Guileje, foi para Cufar em 30MAI, tendo sido substituído, em Gadamael, pelo Sr. Capitão Comando Ferreira da Silva, que chegara no helicóptero que levou o Sr. Coronel Durão.
Em 31MAI, pelas 14H00, teve início uma forte flagelação inimiga, sobre Gadamael; no período de 31MAI (14H00) a 02JUN (18H00), caíram no aquartelamento cerca de 700 granadas. As NT tiveram 5 Mortos e 14 Feridos. Foram provocados avultados danos materiais.
Só então foi accionado o reforço da guarnição, inicialmente com 2 Companhias de Paraquedistas, que se encontravam em Cufar (Sector do COP 4). A partir de 12JUN73, o Batalhão de Caçadores Paraquedistas n.º 12 (3 Companhias), esteve a reforçar Gadamael (com períodos de recuperação de uma Companhia em Cacine). Apesar deste considerável reforço, esteve prevista a retirada de Gadamael, para onde foi enviado o Sr. Major Leal de Almeida, para preparar o seu abandono, que não se verificou.
Nestas condições, parece lícito perguntar: se a guarnição de Gadamael tivesse sido reforçada, após a retirada de Guileje – 22MAI73, teriam sido tão graves os efeitos da acção inimiga sobre as NT? Arrisco-me a afirmar que, se os paraquedistas tivessem chegado mais cedo, seguramente que o IN teria tido muita dificuldade em montar o seu dispositivo de ataque.
A actuação do Comando-Chefe e do seu Estado-Maior, bem como do Sr. Comandante do COP 5, em Gadamael, no período 22/30MAI73, foi INCOMPETENTE, por não terem tido a capacidade de prever o que, com grande probabilidade, iria ser a iniciativa do IN.
A partir do início do ataque inimigo, o Comando Chefe accionou o reforço ADEQUADO, que no entanto pecou por tardio.
(Continua)
____________
Nota do editor
Poste anterior de 17 de fevereiro de 2016 Guiné 63/74 - P15759: (In)citações (84): Opinião sobre os Governadores e Comandantes-Chefes das Forças Armadas da Guiné - 1 (Coutinho e Lima, Cor Art Ref)