sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2217: Breve história do BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, Jolmete, Olossato, Bissorã, 1968/70 (Albino Silva)

Albino Silva (1),
ex-Soldado Maqueiro,
CCS/BCAÇ 2845,
Teixeira Pinto,
1968/70





Breve história do BCAÇ 2845

Depois de ter terminado o IAO em Santa Margarida, no dia 1 de Maio de 1968, o BCAÇ 2845 deixava este Campo Militar cerca da 1h00 da madrugada. Partimos de comboio para Lisboa e chegámos às 6h00 à Gare Marítima de Alcântara, onde já se encontravam muitos familiares e amigos para darem um abraço de despedida.

Depois de realizado o desfile perante as autoridades presentes, o Batalhão entrou no N/N Niassa.

Eram já 9h00 da manhã quando foram soltas as amarras do navio e este começou a afastar-se do cais suavemente, iniciando a descida no Tejo.


Brasão do BCAÇ 2845, cujo lema foi: Sempre Excelentes e Valorosos


Entre lenços brancos e gritos íamos assim deixando nossos familiares e amigos, e pouco tempo depois já em pleno Atlântico, só pensávamos naquilo que nos aguardava que era a Guiné.

Depois de uma viagem de cerca de 5 dias sulcando os mares, na espectativa de chegar breve ao destino, o N/N Niassa, arvorado em T/T, chegou finalmente ao largo de Bissau pelas 20h00 do dia 6 de Maio de 1968.

Após a chegada, o pessoal do Comando da CCS e da CCAÇ 2366 foi transbordado com as suas bagagens para a LDG Alfange que fez o transporte para Teixeira Pinto, onde desembarcou numa manhã cheia de luminosidade, com fé e esperança na alma, no dia 7 de Maio.

Em 8 de Maio de 1968, entrou o BCAÇ 2845 em Sector, tomando à sua responsabilidade uma vasta área situada no Noroeste da Província, designada militarmente por Sector 01A, até então confiada ao BCAÇ 1911. Nesse mesmo dia foram apresentados ao comando os cumprimentos de boas vindas, por parte das autoridades locais e população de Teixeira Pinto.

Recebeu o BCAÇ 2845 as seguintes Subunidades em Sector: CCAÇ 1622, CCAÇ 1681, CCAÇ 1682, CCAÇ 2313, Pel AML 1143, 05 Pelotões de Milícias e o PEL CAÇ NAT 58, localizados conforme o dispositivo adiante referido.

Por sua vez, as CCAÇ 2367 e CCAÇ 2368 do BCAÇ 2845 desembarcaram em Bissau no dia 7 de Maio 1968, ficando a última instalada durante alguns dias no Aquartelamento de Santa Luzia. A CCAÇ 2367 na data do desembarque seguiu em coluna auto para o Olossato a fim de fazer o treino operacional, onde posteriormente entrou em quadrícula.

Junto do Batalhão em Teixeira Pinto, para treino operacional, apenas ficou a CCAÇ 2366 que, em 5 de Junho de 1968, seguiu em escolta para Jolmete a fim de render a CCAÇ 1622.

A CCAÇ 2368 estacionada em Bissau após o desembarque, marchou por via marítima para o Cacheu, onde chegou a 16 de Maio, a fim de iniciar o treino operacional neste Sector, seguindo posteriormente para Bissorã.

De referir que não houve período de sobreposição para o Comando do Batalhão, tendo o BCAÇ 1911 regressado a Bissau em 8 de Maio, utilizando o mesmo transporte que nos trouxe até Teixeira Pinto, ou seja a LDG Alfange.

Para efeito de controle operacional o Batalhão ficou subordinado ao Agrupamento 2952, instalado em Mansoa.

Limites: O Sector 01A, foi confiado à responsabilidade do BCAÇ 2845 em 7 de Maio.
Situado na parte Noroeste da Província, é delimitado a Norte pelo Rio Cacheu, a Leste pelo limite do Sector 01 (Rio Ponate-Limite de Regulado-Rio Cajagal-Rio de Có-Rio Mansoa) e a Sul pelo Canal do Geba (Ilha de Bissau) e Rio Mansoa e a Oeste pelo Oceano Atlântico.
As Ilhas de Jeta e Pecixe fazem parte da Z.A. atribuída ao BCAÇ 2845, embora nelas não se encontre tropa estacionada.

Comando do BCAÇ 2845

Ten Cor José Martiniano Moreno Gonçalves - Comandante
Ten Cor Aristides Américo de Araújo Pinheiro - Comandante
Major Inf Guilhermino Nogueira Rocha - 2.º Comandante
Major Inf José Pedro Milheiriço Eitor Marques - Of Op Inf
Cap Inf Nelson João dos Santos - Of Pes Reab
Alf do QSG Manuel Joaquim Paulo Dias - Chefe de Secção
Alf Mil Médico Fernando António Maymon Martins
Alf Mil António dos Santos Ferreira - Of Transm
Alf Mil José Manuel Bessa Leite Faria - Of Man Mat
Alf Mil Mário Moreira da Silva Lamares - Chefe da Cont
Alf Mil Dinis Eduardo Lemos V. Corais - Tesoureiro do CA
Alf Mil Máximino José Vaz da Cunha - Médico
Alf Mil José Luis Pinto Bessa de Melo - Médico
Alf Grad Francisco da Costa e Silva - Capelão
Sarg Ajud António Maria Mano - Aux.Secret.

Distribuição da População por Etnias

Sem existir um censo rigoroso da População, os habitantes do "Chão Manjaco", distribuem-se mais ou menos, como se segue:

Manjacos...46.000
Brames (Mancanhas)...6.000
Balantas ...5.000
Felupes...500
Outra Etnias...2.500


Área de maior concentração demográfica (Habitantes)

Costa de Baixo - Teixeira Pinto - 15.000
Caió - Pecixe - 10.000
Canhobe - Tame - 8.000
Bassarel - Calequisse - 6.000
Có - 5.000
Pelundo - 4.000

Albino Silva
Ex-Sold Maqueiro
CCS/BCAÇ 2845
_______________

Nota do co-editor CV:

(1) Vd. Post de 13 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2168: Tabanca Grande (36): Apresenta-se Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro (CCS/BCAÇ 2845, Teixeira Pinto, 1968/70)

Guiné 63/74 - P2216: Os nossos vídeos (1): Feliz Natal e até ao meu regresso (Tino Neves)

Download:
FLVMP43GP


Guiné > Bissau > Natal de 1970 > O Com-Chefe, General António Spínola, desejando festas felizes aos seus homens e às suas famílias, bem como aos antigos combatentes da Guiné. Para Spínola, era o seu terceiro Natal, passado na Guiné.

Vídeo: 1 m 39 ss. Alojado no You Tube > Nhabijoes



Download:
FLVMP43GP



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS do BCAÇ 2893 (1969/71) > Natal de 1970 > o 1º Cabo Escriturário Constantino Neves falando para as câmaras da RTP.Vídeo: 23 ss. Alojado no You Tube > Nhabijoes Vídeos: © Tino Neves / Luís Graça & Camaradas da Guiné (2007). Direitos reservados.

(Nota dos editores: um especial agradecimento ao Rui Gonçalves, filho do nosso camarada Gabriel Gonçalves, que fez a conversão dos ficheiros.wav do Tino Neves e colocou os filmes, à nossa disposição, no You Tube).

1. Mensagem do Tino Neves:

Camarada Luís:

Aqui te envio os 2 vídeos de que te falei [, no dia da estreia do fime As Duas Faces da Guerra, na Culturgest], sobre as mensagens de Natal do ano de 1970.

O primeiro é o General António de Spinola, que faz a entrada na reportagem da RTP, desejando um bom Natal a todos os militares, incluindo a Marinha e a FAP, que combatiam ou combateram na Guiné.

O vídeo original tem cerca de 30 minutos, com as mensagens recolhidas no Aquartelamento de Nova Lamego (velho), em que se incluem as mensagens do Comandante do Batalhão de Caçadores 2893, o Exmo Sr Ten Cor(na altura) Fernando Carneiro de Magalhães, e do Cmdt da CCS, o Sr Capitão Miliciano Herlânder Loureiro Rodrigues, no final de todos os outros. Só envio apenas o meu pequeno registo.
Trata-se, pois, de um extracto da cassete de vídeo, que eu comprei à RTP.

Nota: Tinhamos acabado de há 2 ou 3 semanas atrás, no dia 15 de Novembro de 1970, de ser flagelados - estória essa já publicada no blogue (1). Nesse ataque houve bastantes mortos e feridos, na sua maioria civis, mas também 2 militares, da minha Companhia, a CCS, além do Sargento Cabo Verdiano Enfermeiro Cipriano, pertencente a Canjadude ( CCAÇ 5, os Gatos Negros, companhia do camarada José Martins) (2).
Esta acção do IN tinha sido noticiada na Metropole, em títulos de caixa alta ("Chacina em Nova Lamego - Guiné"). Daí nós, ao vermos os reporteres da RTP, pensarmos logo que isso seria para mostrar, em Lisboa, que apesar da flagelação estavamos todos bem.

Luís, como te tinha dito, envio-te já os videos, mas fica ao teu critério a data da sua edição.

Um abraço a todos

Tino Neves
Almada
2. Esclarecimento posterior do José Martins:
Caro Tino

Li o post 2216 de hoje. O 2º Sargento Miliciano Enfermeiro Cipriano Mendes Pereira, que prestou serviço durante mais de dois anos na CCAÇ 5 - Gatos Pretos, quando morreu estava colocado posteriormente no Hospital Militar 241 em Bissau. Não era Cabo Verdiano. Era Guinéu, da etnia Manjaca.

Ver post 839 de 04JUN06

Um abraço

José Martins

___________

Notas dos editores:

(1) Vd. post de 9 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1160: Lembranças de Nova Lamego (Tino Neves, CCS/BCAÇ 2893): A fatídica noite de 15 de Novembro de 1970
(...) Nesse dia fatídico, fazíamos um ano que tínhamos embarcado, na Rocha Conde de Óbidos, no navio Uíge. O nosso Comandante resolveu fazer uma festa, em comemoração desse dia, convidando um Oficial, um Sargento e um Praça em representação dos aquartelamentos mais próximos, pois, para além dum jantar melhorado para todos os presentes, também foi organizada uma festa de variedades no edifício do cinema da vila.
Como é natural, festa que se preze, não pode prescindir de um momento de fogo de artifício... Apesar de ninguém ter pensado e esperado que isso acontecesse, tivemos uma visita inesperada: sem que fossem convidados, os Turras vieram contribuir com a sua parte (...).

(2) Vd. post de 4 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P839: O valente Sargento Enfermeiro Cipriano, da CCAÇ 5, morto em Nova Lamego (José Martins)
O Sargento era manjaco e não caboverdiano (L.G.).
(...) Elementos recolhidos da História da CCaç 5 – Gatos Pretos – Canjadude. Pesquisa e compilação de José Martins – Fur Mil Tms Inf (1968/1970)
Cipriano Mendes Pereira, 2º Sargento Enfermeiro, número mecanográfico 82034859, já se encontrava ao serviço da Companhia em finais de 1969, tendo assumindo as funções de Comandante da Secção de Saúde.
Além das actividades inerentes à sua função, colaborou na construção do edifício destinado a Posto de Socorros e Enfermaria. Foi também professor das escolas primárias das crianças que residiam na povoação.
Foi abatido ao efectivo da Unidade em 10 de Outubro de 1970 por ter sido transferido para o Hospital Militar 241 / CTIG, em Bissau.
Veio a falecer em 16 de Novembro de 1970, em consequência da flagelação a Nova Lamego. [ A esposa também morreu, tendo ambos sido atingidos por um morteiro que caiu no quintal da casa; deixaram duas crianças órfãs].
O filho do sargento Cipriano é hoje oficial do Exército da Guiné-Bissau, provavelmente já com a patente de Major ou Tenente-Coronel. (...).

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2215: Cusa di nos terra (11): Suzana, Chão Felupe - Parte VI: Princípio e fim de vida (Luiz Fonseca, exFur Mil TRMS)

Guiné> Região do Cacheu> Susana> Vista aérea do Aquartelamento

Foto: © Major J. Mateus (BCAV 3846) (2007). Direitos reservados

1. Em mensagem do dia 22 de Outubro de 2007, o nosso camarada Luiz Fonseca, ex-Fur Mil Trms (CCAV 3366/BCAV 3846, Susana e Varela, 1971/73), enviou-nos a VI Parte de Suzana, Chão Felupe (1).

Caros camaradas
As minhas notas anteriores disseram respeito ao Casamento.
Agora é a vez da sequência lógica: Princípio e Fim da Vida.

2. Comecemos pelo "Princípio".

Quando uma mulher engravida, a sua actividade sexual é interrompida até que nasça a criança. O mesmo não acontece nas suas actividades normais, mesmo as mais pesadas, que se prolongam práticamente até ao acto de parir.

Existem alguns tabus, quanto ao nascimento. O costume é a mulher prestes a dar à luz ir para um local reservado da tabanca (maternidade?). Ela é semi-despida na entrada do local, sendo as suas roupas abandonadas no exterior para depois serem removidas e queimadas.

O marido não é informado desta deslocação, nem tão pouco do seu estado de saúde ou do sexo do bébé, até que a mãe volte para casa com a criança.

A mãe e o filho apenas podem aparecer em público quando o cordão umbilical cair e, para tal aparecimento, ambos terão a cabeça rapada.

Se a criança nascer morta ou morrer antes da apresentação pública, o seu corpo é enterrado sem qualquer cerimónia especial e o pai é informado de que não nasceu filho algum.

Se a mãe morrer durante o parto, o seu corpo é levado para casa tendo lugar uma cerimónia pública.


Fim de vida

Quando morre um Felupe, o seu corpo é enterrado, no máximo, no fim do dia seguinte ao falecimento. Toques de bombolom são o meio utilizado para anunciar o acontecimento e todos os que podem interrompem o seu trabalho para visitar a família do falecido, cujo corpo é lavado, vestido e exposto.

O toque de bombolom era utilizado para este fim e muitos outros, embora para o meu ouvido, habituado aos Beatles e aos Rolling Stones, o toque fosse sempre igual. Só para o fim da comissão é que comecei a detectar algumas (poucas) diferenças.
Se o morto é um adulto, todos, exceptuando os familiares dançam. Quem não tem vontade ou não quer ou não pode dançar, canta. O corpo é envolto em panos e depois numa esteira sendo levado ao terreiro da dança.

Para os Felupes a morte de um adulto é um sinal de que o Emitai havia decidido que o seu ciclo de passagem terrena tinha sido concluído. Daí haver lugar a Ronco (festa), podendo ser morto um animal em honra do defunto.

Se pelo contrário, a morte for de uma criança ou adolescente, incluindo mulher nova mas casada, haverá lugar para Choro, que será de dois dias se se tratar de um recém -nascido.

Tive a oportunidade de assistir a alguns. O choque foi grande, mormente no primeiro. Devo dizer, por ser verdade, que não estava preparado para aquele tipo de cerimónias, muito embora estivesse avisado do que se iria desenrolar.

A presença de militares graduados era, desde que suficientemente discreta, considerada uma honra para a família. Não me apercebi em qualquer das situações da presença de outras etnias, embora vizinhos.

No primeiro funeral, em Bujim, a falecida foi colocada sentada sob o maior poilão da tabanca, vestida com pano novo, que pode ser substituído pelo pano que ela mais gostava em vida, nada diferente do que se passa em muitos dos funerais realizados nas nossas terras.

O tempo do funeral é, se possível, de um dia solar. Durante todo esse tempo um pequeno grupo de mulheres roda em circulo, no sentido contrário ao ponteiro do relógio, para os Felupes no sentido do ocaso para o nascer do sol. Um outro circulo exterior ao referido e com um número mais elevado de mulheres roda no sentido oposto.

Todas as mulheres pertencem à família da falecida, à tabanca onde tinha morança ou eram amigas da família. O significado, tal como me foi explicado, é bem simples. O circulo interior (menor número de mulheres) representará a morte, o retrocesso. O circulo maior, exterior, representa a vida, o seu contínuo avanço, a vitória. E a vida leva sempre a melhor.

Existe uma diferença significativa entre um Choro de um recém-nascido e o de uma criança ou adolescente. A diferença é que no do recém-nascido não existem circulos de mulheres, aparecendo apenas os familiares e amigos com a cabeça coberta de lama, sinal de luto.

Devem situar-se, normalmente, na periferia do terreiro onde se realizam as cerimónias do funeral.

O tumulo é circular, alargando abaixo da superfície. Foi-me referido que a posição final seria a sentado na posição de nascimento (posição fetal). Foi-me impossível confirmar tal facto, bem como se acompanham o morto quaisquer objectos ou alimentação, embora tal me fosse sugerido.


Foto 1> Túmulo circular Felupe

Foto 2 > Familiares de Felupe falecido


Tudo o que tenho escrito corre o risco de não corresponder à total realidade.

Os motivos são vários e podem ir da minha falta de percepção até erros de tradução fortuitos ou involuntários.

Devo acrescentar que a jornalista Isabel Silva Costa, fez um óptimo trabalho em meados dos anos 90, do século passado, exactamente sobre o funeral de Mulher Grande na etnia felupe.

Por hoje terminado
Kassumai
Luiz Fonseca
ex-Fur Mil Trms
CCAV 3366


Texto e fotos: © Luiz Fonseca (2007). Direitos reservados)
_______________

Nota do co-editor CV:

(1) Vd. Posts anteriores desta série:

15 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2052: Cusa di nos terra (5): Susana, Chão Felupe - Parte I (Luiz Fonseca)

31 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2074: Cusa di nos terra (6): Susana, Chão Felupe - Parte II: Religião (Luiz Fonseca)

5 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2081: Cusa di nos terra (7): Susana, Chão Felupe - Parte III: Trabalho, lazer, alimentação, guerra, poder (Luiz Fonseca)

16 de Setembro de 2007 >Guiné 63/74 - P2110: Cusa di nos terra (9): Susana, Chão Felupe - Parte IV: Mulher e Comunitarismo (Luiz Fonseca

6 de Outubro de 2007 >Guiné 63/74 - P2156: Cusa di nos terra (10): Susana, Chão Felupe - Parte V: Casamento (Luiz Fonseca)

Guiné 63/74 - P2214: Historiografia de uma guerra (1): A questão (polémica) do início da luta armada (Abreu dos Santos)

Guiné > Região de Quínara > Buba > Fevereiro de 1968 > Uma das famosas imagens que ilustram o livro de Basil Davidson, Liberation of Guine (*). Segundo a legenda original, trata-se de um ataque do PAIGC ao ao aquartelamento de Buba. À direita, vê-se Lando Mané, comandante de um bri-grupo. Foto: World in Action, Granada TV (com a devida vénia...).

Vd. sítio criado por Brad Sigal, City College, New York, em Abril de 1999 > Amilcar Cabral and the Revolution In Guinea-Bissau


1. Mensagem, com data de 20 de Outubro de 2007, do nosso leitor Abreu dos Santos, que é um estudioso da guerra do Utramar, e amigo de ex-combatentes que fizeram a guerra da Guiné (**).

Boa tarde, Luís Graça:

No que respeita ao post 2190, editado por Virgínio Briote e por si publicado em 18 de Outubro de 2007 (***): as fontes que desde há décadas referem como início da «luta armada do PAIGC», um ataque ao quartel de Tite no dia 23 de Janeiro de 1963, em meu entender são equívocas, porque uníssonas. Provêm todas do PAIGC, ora reproduzidas por jornalistas (como por exemplo Basil Davidson), ora por historiadores (como por exemplo Norrie MacQueen) que se radicam em "história oral" e bibliografia da(s) mesma(s) origem(s).

Certo que, se à época do conflito armado, todas as armas eram admissíveis, entre elas a informação e a contra-informação, a agit-prop de um lado (as NT) e do outro (o IN), o empolamento das vitórias de uns era (e ainda é em conflitos vários) considerado estrondosa derrota por parte dos outros, etc., etc., não parece curial mantermo-nos, nós, portugueses, sujeitos a estórias "escritas pelos vencedores".

O modesto contributo que anexo – e que deixo à sua consideração para publicação –, constitui brevíssimo extracto de pesquisa pessoal há largos anos desenvolvida (e ab initio não limitada ao TO da Guiné). A fixação de texto, a que corresponde o anexo extractado (referente ao dia 23 de Janeiro de 1963), está desde 12 de Agosto de 2002 consolidada e, de então ao presente, não obtive quaisquer outras informações, fidedignas, que obrigassem a alterar o conteúdo.

(Considerando a lembrança da efeméride haver sido no foranada recém-recordada por Virgínio Briote, vai este e-mail reendereçado para conhecimento àquele co-editor).

Breve contributo para uma historiografia da Guerra na Guiné - (anexo ficheiro Guinala.doc)

Saudações cordiais,
do
Abreu dos Santos

2. Breve contributo para uma historiografia da Guerra na Guiné
por Abreu dos Santos

1963 – Janeiro.23 (4ª feira)

Em Conackry, o presidente Sekou Touré ordena o encerramento de todos os centros culturais estrangeiros e a submissão de todas as publicações estrangeiras à aprovação do directório do seu PDG (partido único), continuando uma parte do comité central do PAIGC enclausurada em Camp Boiro.

Por essa ocasião no sudoeste da vizinha Guiné, em desforço pela detenção de parte do seu comité central, um dos primeiros grupos (1) do PAIGC infiltrados procura desesperadamente lançar «a luta armada»: sob a chefia de Arafan Mané e armados com AK-47, Simonov, PPSH e um lança-rockets RPG-7, preparam em vésperas de lua-nova um ataque nocturno ao destacamento militar instalado em Budon no armazém de mancarra da Companhia Comercial Ultramarina. Para aquele efeito e sob orientação do guia balanta Diallo, na picada Guinala-Buba montam uma emboscada à patrulha que habitualmente ao entardecer regressa àquele acantonamento, causando-lhe 2 mortos (2) e 5 feridos; mas uma parte da guarnição da CCAÇ 152 desloca-se rapidamente ao local, repele o grupo terrorista e recolhe os mortos e feridos, voltando para o aquartelamento que não chega a ser atacado.

– «Houve uma fase preliminar de um ano e meio de “acções directas”, designadamente actos de sabotagem e desobediência civil, que coincidiu com um período de intensa mobilização política entre os camponeses do sul do país, levada a efeito pelos quadros do PAIGC que estavam fixados ao longo da fronteira com a Guiné-Conackry. [...] A fase militar [!?] da campanha do PAIGC começou a 23 de Janeiro de 1963 com o ataque [!?](3) ao aquartelamento português de Tite [!?], no sul [!?] do território.» (4)

– «A guerra começou com a dimensão mais fruste: actos esporádicos de sabotagem de pequena dimensão e significado. Osvaldo Vieira descreve (5) deste modo o primeiro [!?](6) desses actos: “Tínhamos 3 armas e éramos 10. Fizemos uma emboscada a 3 veículos deles e matamos-lhe 7 homens. Capturámos 8 armas”.» (7)

– «Sabedores de que grande parte da direcção está presa em Conackry, alguns combatentes que se encontram no interior da Guiné decidem-se pelo salto em frente: em 23 de Janeiro de 63, atacam um quartel [!?] do Exército português, em Tite [i.e, no sul da circunscrição administrativa de Fulacunda]. Esta acção, de raiva e desespero, conduzida mais pelo coração do que pela razão, tem um duplo efeito. Por um lado, como há-de assinalar Luís Cabral, convence Sekou Touré “que o combate continuava e que as armas que tinham transitado clandestinamente por Conackry começavam a dar os seus frutos”; a consequência, é a libertação dos detidos. Por outro lado, marca o início [!?] da luta armada e da guerra [i.e, guerrilha] contra Portugal.» (8).

3. Comentário de L.G.:

Agradeço ao Abreu dos Santos as suas notas (eruditas) sobre a polémica questão do início da guerra... Concordámos em publicá-las, autonomamente, em post dele e num nova rubrica a que eu vou chamar Historiografia de uma Guerra... e que fica à espera dos contributos de todos os amigos e camaradas da Guiné que, de uma maneira ou de outra, acompanham a investigação (historiográfica, jornalística, militar, sociológica, etc,) sobre a guerra de 1963/74.

O nosso blogue não tem propriamente uma vocação académica (logo, elitista), mas acolhe com todo o gosto e interesse o contributo dos estudiosos da guerra da Guiné, como o Abreu dos Santos... Temos já, inclusive, publicado textos de investigação historiográfica original, como por exemplo, os do historiador e nosso tertuliano Leopoldo Amado (que - aproveito para o dizer em primeira mão - irá em princípio publicar, proximamente, em livro, uma versão mais ligeira da sua tese de doutoramento, na editora Campo das Letras, Porto).

Registo aqui a posição do Abreu dos Santos sobre a minha sugestão editorial: "Acabo de ler a sua resposta, que agradeço, e bem assim o acolhimento que entendeu proporcionar a perspectivas diversas. Anteriores esclarecimentos mútuos, directos e indirectos, levam-me a poder considerar que, ambos, prosseguimos numa busca pela verdade, histórica e independente da formação académica e das particulares inclinações de cada qual".
______________

Notas de L.G.:

(*) Há tradução portuguesa: DAVIDSON, Basil > A libertação da Guiné / Basil Davidson ; trad. António Neves Pedro. Lisboa : Sá da Costa, 1975. 209 pp.

Fonte: Mémória de África

(**) Vd. post de 17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2185: Álbum das Glórias (31): 13 brancos maduros do Puto em almoço de homenagem a Marcelino da Mata (Abreu dos Santos)

(***) Vd. post de 18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2190: PAIGC: Quem foi quem (4): Arafan Mané, Ndajamba (1945-2004), o homem que deu o 1º tiro da guerra (Virgínio Briote)
___________

Notas de Abreu dos Santos:

(1) Treinados em Nanquim, com inspiração na guerrilha norte-vietnamita e apoio logístico de Conackry, tendo sido o primeiro armamento e munições doado pela URSS, China, Checoslováquia, Argélia, Coreia do Norte, Jugoslávia, Alemanha Oriental e Cuba.

(2) Veríssimo Godinho Ramos (nat freg. Vale de Cavalos, conc. Chamusca), soldado, mobilizado pelo RI6-Porto e integrado no BCAÇ 237 (sediado em Tite), a 7 meses do final da comissão; e Bajo Sambu (nat. Empada, circunscrição de Fulacunda), chefe de cipaios, mobilizado pelo CTIG como guia civil, a título póstumo agraciado com uma Cruz de Guerra de 4ª classe);

(3) Hão houve, de facto, ataque a quartel algum nesta data; a primeira tentativa de assalto verifica-se no destacamento de Salancaur-Cul (17km NE Bedanda) em 6 de Fevereiro de 1963, exactamente uma semana depois, com recurso a cerca de 200 balantas sem quaisquer armas de fogo; desse ataque, resultam 2 mortos e 3 feridos nas NT.

(4) Norrie MacQueen, in "A Descolonização da África Portuguesa - A revolução metropolitana e a dissolução do Império", pp.59 e 45 (Editorial Inquérito, Lisboa, Junho 1998).

(5) a Basil Davidson; cit in "A política da luta armada - Libertação Nacional", pp.58 (ed. Caminho, Lisboa, 1979).

(6) a 1ª acção armada na Guiné, tentada contra tropas portuguesas, havia sido levada a efeito junto à fronteira noroeste em 21 de Julho de 1961, por dissidentes do FLGC [

(7) António de Almeida Santos, in "Quase memórias", vol.II pp.8 (ed. Círculo de Leitores, Lisboa, Setembro 2006).

(8) José Pedro Castanheira, in "Quem mandou matar Amílcar Cabral?", pp.42 (ed. Relógio d'Água, Lisboa, 18 de Abril de 1995).

Guiné 63/74 – P2213: Dando a mão à palmatória (2): Rui Fernandes, o fotógrafo do pintor Augusto Trigo (Virgínio Briote)





Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Varela > 2007 > Antigo restaurante e café, hoje em ruínas. O painel Luta Felupe é da autoria do artista guineense Augusto Trigo, que vive em Portugal. A foto é de Rui Fernandes, nosso prezado leitor.

Fotos: © Rui Fernandes (2007). Direitos reservados

1. Mensagem de Rui Fernandes, com data de 25 de Outubro último, enviada ao editor do blogue:

Exmo Dr Luís Graça:

Desde há vários dias que ando para lhe escrever sobre um artigo saído no blogue, sobre o artista Augusto Trigo (1). Somente agora tenho essa oportunidade.

Foi com satisfação que li este artigo sobre o autor de várias pinturas e painéis, algumas das quais se encontram na Guiné-Bissau, seu país natal, principalmente em Bissau.

Achei estranho, no entanto, não ser em lado nenhum referida a fonte das mesmas. Desde há cerca de dois anos e meio que sou leitor assíduo do blogue e sempre verifiquei a identificação do autor das fotos, muitas das quais com a indicação de direitos reservados.

As fotos agora divulgadas - embora fique bem assente que em nada estou contra, antes pelo contrário, julgo o artista ser merecedor deste singelo tributo - , deveriam referir terem sido retiradas do sítio AD-Bissau.

Fui eu o autor das mesmas e cedi-as à AD. Para algumas foi necessária a intervenção de terceiras pessoas para que me permitissem a obtenção das mesmas, tendo sido para duas delas o amigo Pepito.

O painel "Etnias da Guiné" encontra-se em Bissau, no Ministério do Comércio, organismo oficial.

O painel "Painel de 1977" e a "Paisagem" encontram-se, o primeiro na sala de reuniões de um Banco-BCAO e o outro num hall do mesmo, também em Bissau.

O painel que retrata o porto, encontra-se na Casa do Estivador, junto ao Forte da Amura.
Paisagem, de Augusto Trigo

O mural "Luta felupe" encontra-se numa parede de um ex-restaurante-café em Varela.

Etnias, de Augusto Trigo


Necessitei de cerca de 3 meses, nas horas vagas, para através de um programa de imagem recuperar digitalmente este mural. O edifício em que se encontra, está abandonado há anos e em avançado estado de degradação. Situado junto à falésia de Varela sofreu já a derrocada parcial do pátio devido à erosão marítima. A parede em que se encontra o mural está a abrir brechas e sofre a influência das chuvas devido a infiltração das mesmas através das falhas de telhas. Não tardará muito, sofrerá a derrocada final, com perda total deste património.

Sendo este blogue frequentado por elementos de várias profissões, penso que seria engraçado numa próxima ida à Guiné de alguém com experiência na matéria verificar da viabilidade de recuperação do mesmo. Não será fácil, penso eu, mas aqui fica uma dica.

Envio-lhe em anexo a foto original da qual recuperei este mural.

No site da AD encontram-se mais duas fotos:

(i) Tá-Mar- painel retratando uma imagem da Nazaré e localizado na sala de jantar do restaurante

(ii) Tá-Mar em Bissau-velho.

(iii) Ladrilhos- localizado num prédio de quem sai do edifício dos Correios pela esquerda da sua fachada, passa a lateral do Mercado Central e é no quarteirão a seguir depois do actual Bonjour (supermercado).

Com os meus cumprimentos,
Rui Fernandes


2. Comentário do co-editor vb:

As nossas desculpas ao Rui Fernandes pela omissão cometida. E os nossos agradecimentos pelo trabalho e o esforço que teve em trazer ao nosso conhecimento o Augusto Trigo, para muitos de nós, um artista guineense desconhecido. Oxalá surja algum mecenas, português ou guineense, que salve da morte anunciada o belíssimo painel Luta Felupe. O Rui terá sempre aqui um espaço, aberto, generoso, solidário, para divulgar e defender os artistas guineenses, nomenadamente os artistas plásticis. vb

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Nota de vb:

(1) Vd. post de 14 de Outubro de 2007
Guiné 63/74 - P2177: Artistas guineenses (1): Augusto Trigo, nascido em 1938, em Bolama

Guiné 63/74 - P2212: RTP: A Guerra, série documental de Joaquim Furtado (3): Portugueses da diáspora também querem ver (João G. Bonifácio)

1. Mensagem do nosso camarada João G. Bonifácio, que pertenceu à CCAÇ 2402 (1968/70) e vive hoje no Canadá (1):

Luís:

Olá! Os melhores cumprimentos. Não sei se alguém pode ajudar, mas aqui vai a minha questão. Há uns dias a RTP1 transmitiu no programa "Prós e Contras" a situação da chamada Guerra do Ultramar, para além de outros nomes que lhe chamaram.

Todos vós devem ter visto. Eu acompanhei no Canadá atraves da RTPi. No dia
16 foi iniciada a nova série, A Guerra (2), com um primeiro documentário, relacionado com o mesmo tema acima indicado.

Escrevi para a Dra Fátima e produção, com a intenção de saber se estes mesmos documentários poderiam ser mostrados, para além da RTP1 mas igualmente na RTPi. Até hoje não mereci qualquer resposta.

Lembrei-me de escrever, pois já somos muitos nesta Caserna, para saber se
alguém pode saber se estes documentarios serão passados na RTPi ou passados
a DVD. Nós, no estrangeiro, pouco ou nada merecemos.

Um abraço para todos vós e o meu obrigado.

Obrigado, Luís.

João Gomes Bonifácio
Ex-Fur Mil do SAM
CCAÇ 2402/ BCAÇ 2851
, Mansabá, Olossato
1968/70

2. Comentário de L.G.:

A estreia da série semanal A Guerra (argumento e realização de Joaquim Furtado) foi auspiciosa para a RTP. De facto, foi o programa mais visto em 16 de Outubro, batendo os programas de entretenimento que, a essa hora (21h00), pasassavam na concorrência (SIC e TVi).

O programa registou um share de 32,9 e uma audiência média de 13,6, segundo os dados divulgados pela Marktest. O que quer dizer que foi visto por cerca de 1 milhão e 300 mil portugueses. Infelizmente, não chega aos portugueses da diáspora. Esta série, que levou - ao que parece - um decénio a fazer (!), merece chegar o mais longe possível. Apelamos aos amigos e camaradas da Guiné para façam saber isso aos responsáveis da estação pública. Nós, aqui, estamos solidários com os nossos camaradas que vivem no estrangeiro. Um abraço. L.G.

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Nota dos editores:

(1) Vd. post de:

1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1331: Blogoterapia (9): Quando a Pátria não é Mátria para ti (João Bonifácio, Canadá, antigo vagomestre da CCAÇ 2402)

(...) Meu caro João /My dear John:

1. Fico muito sensibilizado com a tua mensagem… Eu sei que a Pátria não foi Mátria para ti, foi madrasta... E eu sou o primeiro a ser solidário contigo, eu que decidi ficar na terra que me viu nascer... Sei que isso não te vai servir de consolo, mas não imaginas o rol de reclamações que recebo neste pequeno canto da blogosfera!... Enfim, o importante é que hoje estejas bem, nesse grande país que eu admiro… Mas as tuas raízes, a tua identidade, o teu passado estão aqui, estão connosco… Nenhum de nós terá futuro, se não souber preservar e até alimentar o passado. A Guiné marcou-nos a todos, com o seu ferrete... Mas foi em português, na língua de Camões, que exprimimos os sentimentos mais nobres ou dissémos os palavrões mais horríveis. João: não adianta. Não se escolhe a Pátria, não se escolhem os pais nem os irmãos, não se escolhe a língua materna... Mas dessa ao menos eu tenho (e tu tens, nós temos) orgulho... É em português, e em bom português, que comunicamos na blogosfera, neste blogue, na nossa tertúlia, nesta caserna virtual onde todos cabemos, de Lisboa a Bissau, de Viana do Castelo a Toronto, de Coimbra a Luanda" (...)

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2211: O monumento da CCAÇ 1623, Canquelifá, 1966/68 (Francisco Palma, CCAV 2748, 1970/72)

Guiné > Zona Leste > Canquelifá > CCAV 2748 (1970/72) > O Francisco Palma posando junto ao brazão da CCAÇ 1623 (1966/68), na altura em belíssimo estado de conservação. O lema da CCAÇ 1623 era Vontade e Valor, como se pode ler.

Foto: Francisco Palma (2007). Direitos reservados

1. Mensagem do Francisco Palma:

Dr. Luís Graça , os meus respeitosos cumprimentos.

Os meus sinceros agradecimentos, em nome da CCAV 2748, Guiné 70-72 Canquelifá, pela divulgação dos nossos convívios, etc. (1)

Li, no seu blogue, e agora não consigo encontrar onde, que um ex-Combatente da CCAÇ 1623, Canquelifá 66-68, perguntava saber se o emir da sua Companhia ainda lá estaria.

Quando de lá saí , em Maio 1972, ainda lá ficou e junto da mesma tenho uma foto que anexo. Para que ele veja o bom estado de conservação [do brazão] naquela altura.

Atentamente
Francisco Palma

CCAV 2748
Canquelifá
1970/72

2. Comentário de L.G.:

Caro Francisco: Desculpa o atraso na publicação da tua mensagem. Obrigado pela foto e pela tua mensagem. Tens que me explicar, entretanto, o que é o emir... Confesso que desconhecia o uso do termo nesta acepção (monumento com as insígnias de uma unidade militar). Tu queres dizer braão, é isso ? Há aqui um lapsus linguae, coisa que acontece a qualquer um... Dá-nos mais notícias de Canquefilá e da malta com que conviveste. Um abraço. L.G.
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Nota de L.G.:

(1) Sobre esta unidade ver os seguintes posts:

10 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2093: Convívios (28): CCAV 2748, Canquelifá, 1970/72 (Francisco Palma)

7 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2035: Alf Mil Guido Brazão, da CCAV 2748/BCAV 2922, morto em acidente com arma de fogo, Canquelifá, 22/10/70 (José M. Martins)

30 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P2012: Em busca de... (7): Meu irmão, Guido de Ponte Brazão da Silva, alferes, morto em Canquelifá, em 1970 (Conceição Brazão)

Guiné 63/74 - P2210: Estórias avulsas (1): Soldado Clarim Serraninho (Ferreira Neto)

Ferreira Neto, ex-Cap Mil, CART 2340 (Canjabari, Jumbembem e Nhacra, 1968/69).

Estórias avulsas (8) > Soldado Clarim Serraninho
por Ferreira Neto (1)

Esta aconteceu em Novembro de 1967, antes da nossa partida para a Guiné.

Em pleno treino operacional, algures nas imediações de Torres Novas, tínhamos o nosso acampamento montado com os toques de clarim, para marcar as diversas fases do decorrer do dia.

Tínhamos um Cabo Clarim e dois Soldados especialistas do mesmo instrumento. Só que o clarim Serraninho, de seu nome, era uma verdadeira nódoa no seu mister.

Era, no entanto, bem recebido o seu toque de alvorada, já que o dito soldado consumia-se para produzir o som conveniente e suficientemente afinado, para o identificar com o evento.

Era um gargarejar de sons, intercalados por pausas, soluços e provavelmente suspiros. Era um desunhanço tal que lhe permitia ser ouvido por todos nós que, muito bem dispostos, acordávamos.

Mas, não há bela sem senão, uma manhã o toque de alvorada não se fez ouvir, nem bem, nem mal.

Após a expectativa normal pela falta do nosso divertimento matinal, ouvimos gritos cuja intensidade aumentava e por fim tornaram-se perceptíveis. Eis o que ouvimos:
- Acordem, acordem todos, que já tocou a alvorada!

Fácil de entender, o Serraninho naquela manhã não tinha sequer conseguido arrancar um gemido ao seu clarim. Então, num momento de desespero por não conseguir cumprir a sua missão, lançou-se a correr, acampamento fora, nos termos atrás relatados.

Ferreira Neto
ex-Cap Mil
CART 2340
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Nota do co-editor CV:

(1) Vd. Posts anteriores desta série:

9 de Outubro de 2007> Guiné 63/74 - P2168: Estórias avulsas (7): Cabra Maria (Ferreira Neto)

26 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2134: Estórias de vida (6): A minha convocação para o Curso de Capitães Milicianos (Ferreira Neto)

25 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1875: Estórias avulsas (6): Há coisas na guerra que só se podem fazer com 'boa educação' (Joaquim Mexia Alves)

31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)

20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1193: Estórias avulsas (4): O fantasma-cagão da 3ª Companhia do COM, EPI, Mafra, 1966 (A. Marques Lopes)

1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1136: Estórias avulsas (3): G3 ensarilhadas com Kalashnikov, no pós-25 de Abril (Pedro Lauret)

16 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1078: Estórias avulsas (2): Uma boleia 'by air' até Nova Lamego para uma noite de fados (Joaquim Mexia Alves)

7 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1056: Estórias avulsas (1): Mato Cão: um cozinheiro 'apanhado' (Joaquim Mexia Alves)

Guiné 63/74 - P2209: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (11): Um regresso emotivo ao passado (João Tunes)

1. Mensagem do nosso camarada João Tunes (ex-alf mil de transmissões, Pelundo e Catió, 1969/71) (1), enviada à Diana Andringa, com conhecimento aos nossoss editores, e que tomamos a liberdade de reproduzir aqui:

Cara senhora,

Assisti ontem, no cinema Londres, à exibição do documentário de que é co-autora com o Flora Gomes, sobre a guerra de libertação dos guineenses. Foi-me muito emotivo, para mais com a explêndida fruição estética do vosso filme, regredir quase 40 anos da minha vida a acontecimentos que marcaram o desperdício de dois daqueles que podiam, e deviam, ter sido dos melhores anos da minha juventude. A que se somou a dor e a contradição de já antes ser, e depois assim continuar (com maior convicção), um militante anti-colonial.

Já várias vezes tendo pensado e programado voltar a pisar o chão da Guiné ainda não o consegui fazer e a desistência já a tenho como adquirida. Voltei agora ao chão da Guiné através do vosso filme. E de que maneira! Tanto mais que nele passam locais onde estive (incluindo Guileje). Convosco fiz uma revisita que não consigo fazer através de presença física. Mas o cinema, o bom cinema, também para isso serve. Obrigado, pois.

À saída do Londres quis dizer-lhe isto, fazer-lhe este sincero discurso de agradecimento. Mas a comoção era tanta que só consegui soltar-lhe um sumido "obrigado" quando a cumprimentei. Fica aqui dito o que tinha para lhe dizer. E que está mais ou menos replicado aqui:

Água Lisa (6) > 21 de Outubro de 2007 > Cara e coroa de uma guerra que marciou a (nossa e deles) história

A sua obra jornalística e a sua militância por causas são méritos seus já consagrados. Parabéns pelo resultado de ter investido também o seu talento no campo do cinema. E está obrigada, por nós, os seus admiradores, a insistir com a máxima contumácia.

Aceite os melhores cumprimentos do
João Tunes

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2208: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (10): Dina Andringa comenta algumas das nossas críticas

Lisboa > DocLisboa2007 > Culturgest > Grande Auditório > 19 de Outubro de 2007 > Estreia do filme de Diana Andringa e Flora Gomes As Duas Faces da Guerra. Na imagem, os nossos camaradas A. Marques Lopes, Xico Allen, Álvaro Basto e esposa. Na fila a seguir, os coronéis na reforma Vasco Lourenço e Carlos Matos Gomes. A foto foi tirada pelo Helder de Sousa. À hora do início da sessão a sala (650 lugares) ficou cheia.

Lisboa > DocLisboa2007 > Culturgest > Hall > 19 de Outubro de 2007 > Estreia do filme de Diana Andringa e Flora Gomes As Duas Faces da Guerra. Na imagem, da esquerda para a direita: a esposa do Virgínio Briote, o Virgínio, o Inácio Silva e a esposa. De costas, o Mário Fitas.

Fotos: © Xico Allen / A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.

1. Resposta da Diana Andringa a alguns dos comentários até agora produzidos por alguns de nós, os da Tabanca Grande:

(i) Escreve o Mário Fitas:

"Ainda sobre Guiledge, palavras do comandante Pedro Pires (3): Guerra é Guerra... Julgo que foi uma expressão pouco feliz de um homem com as suas responsabilidades."

Ora o comandante Pedro Pires - hoje Presidente da República de Cabo Verde - não diz isso. Sobre Guileje, diz que, se os portugueses ficassem no quartel, teriam de erguer bandeira branca. E que terem escolhido saír foi "a solução mais sábia".

"Guerra é guerra" é a frase de um guineense que vivia no quartel de Guilege, cuja irmã e avó foram mortas pelo PAIGC, respondendo à minha pergunta: "Estes homens foram os que dispararam sobre si, a sua irmã, a sua avó. E agora?" É aí que ele diz que "guerra é guerra", que os guineenses se dividiram em dois lados durante a guerra, mas agora a guerra acabou e são de novo uma família.

(ii) Escreve o Inácio Silva:

"Embora o filme não o refira, verificou-se, igualmente, o apoio dos nativos Guineenses às tropas portuguesas, muitos deles recebendo treino militar e integrando companhias de combate."

O filme refere. Na história atrás, contada por quem estava dentro do quartel, num filme de arquivo sobre a incorporação de nativos, nas declarações de Marques Lopes sobre as companhias africanas (e o seu pelotão de balantas), na referência à coragem (e à violência) dos comandos africanos, nas imagens...

Há, com certeza, muitas coisas que gostariam de ver no filme e não estão lá. Mas essa referência está lá.

Não está, é verdade, o que refere o Mário Fitas, " Um "D" que não foi tocado, a situação dos militares brancos e negros que serviram o Exército Português e cujos problemas se mantêm pior que há quarenta anos".

O documentário centra-se nos anos da guerra. Mas talvez que o lembrar dessa guerra - só no DocLisboa2007 passam 3 documentários que abordam a guerra colonial: além do nosso, o da Luísa Marinho sobre a história de José Bação Leal e um estrangeiro sobre os cubanos nas ex-colónias portuguesas e há a série Guerra, de Joaquim Furtado, na RTP - seja útil à resolução dos problemas dela derivados.

Saudações e obrigada a todos pelas críticas,

Diana Andringa

2. Resposta do Inácio Silva:

Cara Diana,
Caros Amigos e ex-camaradas:

As minhas desculpas por, no meu comentário, ter escrito: "Embora o filme não o refira, verificou-se, igualmente, o apoio dos nativos Guineenses às tropas portuguesas, muitos deles recebendo treino militar e integrando companhias de combate."

Na verdade, depois da Diana lembrar que: "O filme refere. Na história atrás, contada por quem estava dentro do quartel, num filme de arquivo sobre a incorporação de nativos, nas declarações de Marques Lopes sobre as companhias africanas (e o seu pelotão de balantas), na referência à coragem (e à violência) dos comandos africanos, nas imagens...", fico com uma ténue ideia de ter ouvido falar nisso...

Talvez pudesse colmatar a minha imprecisão com uma segunda passagem do filme, o que não aconteceu...

Aqui está uma prova de que só não erra quem não faz.

Os meus cumprimentos.

Inácio Silva
Guiné, Mansabá, CART 2732 (1970/72)

Guiné 63/74 - P2207: As Nossas Tropas - Quem foi quem (1): Vasco Lourenço, comandante da CCAÇ 2549 (1969/71) e capitão de Abril


Lisboa > DocLisboa2007 > Culturgest > 19 de Outubro de 2007 > Os coronéis na reforma Vasco Lourenço e A. Marques Lopes, na estreia do filme de Diana Andringa e Flora Gomes As Duas Faces da Guerra. Os dois tugas que estiveram na Guiné, e que participam neste filme, com os seus depoimentos sobre a experiência da guerra. Vasco Lourenço, que comandou a CCAÇ 2549 (1969/71), e foi um dos grandes capitães de Abril, é actualmente presidente da Direcção da Associação 25 de Abril. O nosso camarada e amigo A. Marques Lopes é um dos responsáveis pela Delegação Norte. Infelizmente, não temos nenhum representante da CCAÇ 2549 na nossa Tabanca Grande.

Foto: © Xico Allen / A. Marques Lopes (2007). Direitos reservados.

Vasco Lourenço (n. 1942), comandante da CCAÇ 2549 (1969/71)

(i) Nasceu em 19 de Junho de 1942, em Lousa (Castelo Branco).

(ii) Ingressou na Academia Militar em 1960.

(iii) Após o tirocínio na EPI em Mafra, foi colocado no RI2 em Abrantes (1964), onde seria promovido a alferes.

(iv) Voltando à EPI em 1965, onde foi instrutor do Curso de Oficiais Milicianos (COM), foi transferido nesse mesmo ano para o RI5, nas Caldas da Rainha.

(v) Promovido a tenente (1966) e a capitão (1968), é mobilizado para a Guiné.

(vi) Na Guiné, comanda a CCAÇ 2549, integrada no BCAÇ 2879, nos anos de 1969/71.

(vii) Regressado da Guiné, foi colocado no BC5 em Lisboa.

(viii) Daí foi para o BRT onde adquiriu a especialidade de Criptólogo, em 1972.

(ix) Fundador do Movimento dos Capitães, coordenou a organização da sua primeira reunião, em 9 de Setembro de 1973.

(x) Membro da Direcção do Movimento dos Capitães e do Movimento das Forças Armadas (juntamente com Vítor Alves e Otelo Saraiva de Carvalho), onde era responsável pela ligação interna e pela área operacional.

(xi) Em 25 de Abril de 1974 encontrava-se colocado no QG da Zona Militar dos Açores, para onde seguira em 15 de Março desse ano, depois de um conturbado processo, que incluiu a oposição do Movimento dos Capitães à sua transferência, a simulação do seu rapto, a sua entrega às autoridades militares e a sua prisão na Casa de Reclusão da Trafaria (10 a 15 de Março).

(xii) Membro da Comissão Coordenadora do Programa do MFA; membro do Conselho de Estado; membro do Conselho dos 20; membro do Conselho da Revolução, durante toda a sua vigência, onde desempenhou a função de moderador das suas reuniões.

(xiii) Para além disso, foi também membro do Conselho da Arma de Infantaria.

(xiv) Desempenhou as funções de Porta-voz do Conselho de Estado, da Assembleia do Exército, da Assembleia do MFA, do Conselho dos 20 e do Conselho da Revolução.

(xv) Foi o primeiro subscritor do Documento dos Nove, em Agosto de 1975.

(xvi) Membro das Comissões que elaboraram os dois pactos MFA – Partidos.

(xvii) A sua nomeação para comandar a Região Militar de Lisboa desencadearia o 25 de Novembro de 1975.

(xviii) Manteve-se como Governador Militar de Lisboa e Comandante da Região Militar de Lisboa, de Novembro de 1975 a Abril de 1978 (para o efeito foi graduado em brigadeiro, 27 de Novembro de 1975, e em general, 11 de Agosto de 1976).

(xix) Nos finais de 1982, terminado o período de transição e extinto o Conselho da Revolução, regressou ao Exército, como major e foi colocado na Cheret, onde foi promovido a tenente-coronel (1984).

(xx) A seu pedido, passou à reserva em 1987; face à posterior alteração da legislação foi passado à reforma em 1994; ao abrigo da lei nº 43/99, foi promovido a coronel, em Abril de 2002, com antiguidade de 1990.

(xxi) Presidente da Comissão Organizadora do 25 de Abril – Dia da Liberdade, em 1979.

(xxii) Presidente da Comissão Instaladora da Associação 25 de Abril.

(xxiii) Obteve o curso de Defesa Nacional, em 1981.

(xxiv) Foi membro da Comissão Executiva das Comemorações Oficiais do 25º aniversário do 25 de Abril.

(xxv) É autor de dois livros: (i) No Regresso Vinham Todos (conta a experiência da guerra colonial na Guiné, em co-autoria com vários militares da CCAÇ 2549); (ii) MFA – Rosto do Povo (entrevista sobre o 25 de Abril de 1974, feita em princípios de 1975). (1)

(xxvi) Possui várias condecorações, de que se destacam a grã-cruz da Ordem da Liberdade e a grã-cruz da Ordem do Infante D. Henrique.

(xxvii) É casado e tem uma filha.

(xxviii) Presidente da Direcção da Associação 25 de Abril (desde a sua fundação em Outubro de 1982).

Fonte: Adapt. de Avenida da Liberdade > Vasco Lourenço (com a devida vénia...)

Vd. também:

Dossiê Expresso 25 de Abril > O puro dos puros, texto de Clara Ferreira Alves


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Nota dos editores

(1) Vd. post de 12 Julho 2005 > Guiné 69/71 - CV: Bibliografia de uma guerra (1) (Jorge Santos)

(...) Título: No Regresso Vinham Todos.
Autor: Vasco Lourenço.
Editor: Editorial Notícias.
Ano: 1978.

Resumo:

Mais do que a narração da guerra, este livro, escrito por um dos capitães de Abril, descreve-nos pequenos acontecimentos de uma comissão na guerra colonial, na Guiné (onde foi comandante da CCAÇ 2549), e sobretudo dá-nos conta das emoções, dos sentimentos, dos medos, dos passatempos, que passaram pela mente, pelo coração e pela vivência de um punhado de homens atirados para essa guerra.

No Regresso Vinham Todos é bem um testemunho da forma como a guerra colonial se desenrolou. A maioria dos portugueses que a ela eram obrigados, faziam-na com a ideia fixa no regresso, sãos e salvos, e nunca com a convicção da sua justeza e da sua razão de ser.

Guiné 63/74 - P2206: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (9): Saí do filme muito melhor comigo (Virgínio Briote)

Guiné > Bissau > 1965 > A equipa de comandos do Alf Mil Virgínio Briote desembarca do heli, pronto para a acção.

Foto: © Virgínio Briote (2006). Direitos reservados.

1. Com a autorização do co-editor Virgínio Briote (1), transcreve-se a seguir o mail que ele enviou à Diana Andringa, co-realizadora do filme "As Duas Faces da Guerra":


Gostei muito do vosso trabalho. Do seu e do Flora Gomes (2). Da Diana estou habituado a ver obras empenhadas, sem faltar ao rigor. Do Flora, vi dois filmes que passaram na RTP. Por isso, não foi surpresa, para mim, a qualidade que mostraram.
Das Duas Faces da Guerra, alguém pode dizer que é um trabalho de um face e meia. Porquê? Porque da nossa presença mostra apenas a face da guerra. Não mostra nada do outro trabalho que foi feito junto das populações. Casas, assistência médica, higiene, alimentação. Muitos dizem que em 11 anos de guerra se fez mais pela população que nos séculos anteriores. Mas esse facto também fazia parte da guerra. Fazia parte da chamada psico-social. Não digo aquela que era determinada pelas Neps militares. Era a que os nossos militares, localmente, podiam fazer por eles e para eles e que se estendia à população. Claro que isso não foi muito mostrado. Nem provavelmente era esse o objectivo do documentário e 1 hora e 40 minutos é 1h40', não dá para tudo.

O documentário é belo, saí da lá como gostaria de ter saído. Com mais paz dentro de mim e se fosse possível a gostar ainda mais daquela gente. Saí de lá em 1967. Pertenci a uma força ofensiva, quando íamos para o mato o nosso objectivo era destruir o então chamado IN.

Deixei a Guiné mal comigo. A odiar-me e a procurar esquecer a Guiné e aquelas gentes. Nos anos a seguir, envolvido na minha actividade profissional, quando alguém falava da guerra colonial, o assunto não me dizia respeito. Eu não queria lá ter estado, por isso eu não estive lá. Como se quisesse esconder de mim próprio o facto de ter lutado empenhadamente do lado errado.

Ver aquela gente falar sem rancor, aqueles a quem eu acordava de madrugada com tiros e granadas, foi uma lição para mim. Não me absolveu, mas como escrevo atrás saí de lá melhor comigo.
Que mais posso dizer, Diana? Que gostei, é tudo.

vb
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Nota do editor L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1943: Virgínio Briote, novo co-editor do blogue

Blogue do Virgínio Briote > Guiné, Ir e Voltar - Tantas Vidas Guiné. Ir e voltar. 1965 e 1967. Histórias baseadas em factos reais, mas vistas por um certo olhar. Outras vistas por esse olhar e que mais ninguém viu . (Fevereiro de 2006 / Fevereiro de 2007).

Aqui fica um cheirinho de um dos blogues mais intimistas sobre a experiência, humana e operacional, de um oficial miliciano, comando, na Guiné...

Fevereiro 26, 2006

Um guia

22. TRADIÇÃO É PARA QUEBRAR TAMBÉM!

Tinha sido capturado numa emboscada que a tropa fizera junto a Mantida. Ouvira um tuga, branco de barba preta, dizer a outro, amarra o gajo, amarra-o já, eu vou-me àquele. Nem sentira as cordas que lhe prenderam nas mãos, que as pernas não precisavam. Deitaram-no numa maca, camisa e calças em sangue, atordoado, só se lembrara que caíra para trás, sem forças. Deram-lhe uma injecção, nem sentira, só vira a seringa na mão do soldado de cigarro na boca, cinza a cair por ele abaixo. Adormecera logo, mal o transporte arrancou. (...)


(2) Vd. post anteriores:

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2202: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (8): Voltei a Cufar e a chafurdar nas bolanhas e rios de maré (Mário Fitas)

22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2200: A nossa Tabanca e As Duas Faces da Guerra (7): Comentário de Inácio Silva, da CART 2732, Mansabá, 1970/72

21 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2199: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (6): A crítica de Leopoldo Amado

21 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2198: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (5): Agradecimento de Diana Andringa

20 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2197: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (4): Encontro tertuliano no hall da Culturgest na estreia do filme (Luís Graça)

19 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2196: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (3): Para a petite histoire do filme (Diana Andringa)

18 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2189: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (2): Febre de guerra ? Espero pelo filme em DVD (Torcato Mendonça)

17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2187: A nossa Tabanca Grande e o filme As Duas Faces da Guerra (1): Estou interessado em comprar o DVD (Fernando Inácio)

Ver ainda:

19 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2194: Pensamento do dia (13): É na guerra que se revela o pior e o melhor das pessoas (Diana Andringa, Visão, nº 763, de ontem)

17 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2186: Uma guerra, duas vitórias: entrevista de Diana Andringa à RTP África (Luís Graça)

8 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2165: As Duas Faces da Guerra, filme-documentário de Diana Andringa e Flora Gomes, no DocLisboa2007 (18-28 Outubro 2007)

Guiné 63/74 - P2205: Humor de caserna (1): A sopa nossa de cada dia nos dai hoje (Luís Graça / António Lobo Antunes)

Guiné > Região de Tombali > Gandembel > CCAÇ 2317 (Abril de 1968/Janeiro de 1969) > Um pequeno luxo, no aquartelamento em construção (e rapidamente abandonada meses depois, em Janeiro de 1969): a messe de oficiais... No chão, assinalado a vermelho, o famigerado repelente contra os mosquitos...


Foto: © Idálio Reis (2007). Direitos reservados.

1. Damos hoje início a uma nova série: Humor de caserna. Será iniciada com a reprodução do post de 9 de Novembro de 2004 > Portugas que merecem as nossas palmas - XII: António Lobo Antunes (Luís Graça)


É seguramente muito melhor a escrever livros do que a dar entrevistas. O gajo (o senhor gajo...) não se sente bem no papel de entrevistado: é desconfortável lê-lo, dá a ideia de que anda com papelinhos amarelos no bolso, daqueles de tipo autocolante, com citações de gajos tão ou mais famosos do que ele, com frases feitas, e pequenas histórias prontas a servir...

Achei-o mais piegas, mais ternurento, menos cínico, mais portuga, na entrevista que deu hoje ao Adelino Gomes, no Público. A pretexto da homenagem que lhe estão a fazer, a esta hora, em Lisboa. E do seu último romance, Eu hei-de amar uma pedra (Lisboa: D. Quixote, 2004, 616 pp., 19 euros no hipermercado mais próximo de si; se for adolescente e não tiver graveto, faça um choradinho junto do autor, numa sessão de autógrafos, de preferência na presença do editor).

A homenagem é a dos seus vinte e cinco anos de carreira literária. E a da sua consagração de escritor de nível mundial. Vão cá estar grandes críticos literários: a portuguesa Maria Alzira Seixo, a espanhola Maria Luisa Blanco, o sueco Mats Gellerfelt, o alemão Wolfram Schütte. Ele, António Lobo Antunes, o melhor escritor de língua portuguesa da actualidade, podia já dar-se ao luxo de fazer birras, de mandar os portugas à merda, de cobrar a factura por ser mal amado na sua terra e no Hospital Miguel Bombarda. Mas não, ele faz o frete de ir ao Teatro Muncipal São Luís, de dar entrevistas, de autografar livros, de mostrar um sorriso amarelo aos leitores que lhe compram os livros e o lêem.

Com a idade e a fama, o nosso António está a ficar mais consensual, mais nacional, mais bem comportado. A sua ferida narcísica está melhor. Ou, pelo menos, não está pior. E os portugas rendem-se à evidência do êxito e, mesmo se o não lêem nem o entendem, tiram-lhe o chapéu. É um dos nossos poucos produtos de exportação. É, pá, o gajo (o senhor gajo...) tem mesmo de ser bom, para ter o êxito que tem na estranja, na Alemanha, na Suécia, na França, nos States... Esse argumento convence o papalvo, e o portuga pode ser saloio mas não é parvo.

E o Sampaio, que é da geração dele, e amigo dele e da família dele, achou por bem dar-lhe a grã-cruz-de-não-sei-quê. Espero que não tenha sido o Sampaio, o irmão do Daniel Sampaio, mas o Presidente, o Presidente de todos os portugas.

Este país é pequeno (em latim, parvulu, que deu parvo). E há vizinhos e amigos por todo o lado. Este país continua a ser o Bairro de Benfica dos anos cinquenta e sessenta. A Benfica das hortas e dos quintais, da couve portuguesa e dos coentros. E depois temos a lágrima fácil ao canto do olho.
Eu gosto do António, do escritor, que não do homem (que não conheço, vi-o uma vez na Feira do Livro, com o ar de quem estava ali a fazer um grande frete, contrariamente ao Zé Cardoso Pires, que era a humanidade em pessoa, um e outro autografando livros aos meus filhos, a Joana e o João). Confesso que não sou um serial reader do António, mas quando pego num livro do gajo lei-o de rajada.

Não resisto a fazer copy and paste desta carta que ele mandou de Angola a um dos manos mais novos, quando esteve no cu de Judas [, Era então alferes miliciano médico, tinha 28 anos, e estava recém-casado.] Vem hoje no Público.

O estilo é o da Guidinha, do saudoso Stau Monteiro. Presumo que a carta seja autêntica, e que o original, agora desenterrado do baú, esteja nas mãos do irmão. Reconheço nele (e nela, a carta) o estilo desalinhado e irreverente do futuro grande escritor. Um gajo como ele não precisa de ser adjectivado nem muito menos da grã-cruz-de-não-sei-quantas. O Portugal que o viu nascer é que precisa de homanegeá-lo. Acredito que ele não se sinta bem na sua pele, ao ser hoje apaparicado por tanta gente, no São Luís. E de ter honras de telejornal. Ele, no fundo, gosta, diz que não gosta, mas gosta, como qualquer primata social...

A vaidade é própria dos primatas, que são animais sociais, territoriais e... predadores. E vai gostar de ainda, um dia destes, receber o Nobel. É ele e nós. Com ele há uma parte de nós, dos portugas, que é apaparicada. E nós estamos mesmo com necessidade e desejo de sermos apaparicados.

Tivemos o Saramago, outro mal amado; temos agora o António, que está de reserva. Ainda o temos o eterno Manuel de Oliveira, que já está no Guiness por ser o realizador mais velho do mundo ainda a trabalhar... Não temos muito mais, talvez o Siza Vieira, talvez a Paula Rego, talvez o António Damásio, talvez o Figo, talvez até o Francis Obikwelo e o Deco, outros dois portugas de corpo inteiro...

Não vou dizer que o gajo, o António, o Lobo Antunes (1), é um génio e escreve bem, que isso ele já sabe, a gente já sabe. A crítica reconhece-o. Mas palmas, pelo menos, apetece-me dar-lhas e mandar-lhas neste dia. O António é um dos portugas que merece as minhas, as nossas palmas. Não fui à tua festa, pá, mas fiz-me de certo modo representar por cinquenta por cento dos meus genes. Já comprei o teu último romance e tenho-o à mesa de cabeceira: prometo lê-lo por estes dias de Outono.

Luís Graça

PS - Este escrito está datado. É de 2004. E pretendia ser uma pequena, singela, ternurenta, homenagem ao escritor António Lobo Antunes, por parte de um dos seus leitores. Hoje, passados três anos, há mais razões para estender essa homenagem ao homem (e ao nosso camarada), que sorriu à morte com meia cara... Quem se olha ao espelho e vê a morte, como muitos de nós que estivemos na guerra, tem muito respeito por quem a enfrenta com coragem, à morte, à adversidade, à doença... António, viveremos até aos cem anos, para continuar a ler as tuas fabulosas crónicas e perdermo-nos nos labirintos dos teus romances e das nossas vidas... Desculpa o tratamento por tu, mas aqui na nossa Tabanca Grande todos somos iguais, somos camaradas. Além disso, ainda não te puseram no Panteão Nacional, com a bandeira verde-rubra por cima!... Figas, canhoto!... E obrigado pela sopa que nos tens dado.

2. Humor de caserna > A sopa nossa de cada dia nos dai hoje (2)

Carta da Guerra em Angola Enviada por Lobo Antunes ao Irmão Mais Novo
Público, Terça-feira, 9 de Novembro de 2004 (com a devida vénia...)

Remetente:
António Lobo Antunes
Alferes-médico SPM 2676

Ex.mo Sr. Manuel Lobo Antunes
Travessa dos Arneiros, 14
Lisboa 4
Metrópole

Redação: A Sopa
27-04-1971, em Ninda

Querido Manuel,

Eu estou em Angola. Eu gosto muito de Angola. Eu vim para Angola num barco muito grande, com muitos soldados. Eu vou voltar de avião. Eu vou aí em Setembro. Eu tenho patilhas. Eu tenho cabelo rapado. Eu tenho muitas saudades de todos, tais como da Margarida. Angola é em África. África tem leões, macacos, gazelas, elefantes, pacaças, palancas e muitos pretos. Os pretos tem um cabelo com muitos caracóis e dentes brancos. Os pretos não falam português, falam preto. A gente não percebe os pretos a falar preto. Os pretos às vezes falam português. Os portugueses nunca falam preto. Em Angola há muito calor todo o dia. Eu tenho uma espingarda mas ainda não matei ninguém. Eu visto farda. Farda é um fato igual para todos. Eu como coisas que não gosto de comer mas como porque há muita gente com fome e não devemos desperdiçar. A colher fica em pé na sopa de tal maneira a sopa é grossa. A sopa serve também para pegar tijolos uns aos outros. Há casas que foram feitas graças à sopa. A sopa tem muitas coisas dentro, que a gente tem de mastigar, e às vezes corta-se a sopa com a faca. A sopa é mais dura do que um bife muito duro. As colheres de sopa caiem no estômago da gente com um barulho parecido com pedras a cair num poço. Eu não gosto de sopa. Eu nunca mais como sopa. Já me nasceram dentes na barriga para moer a sopa, e os meus intestinos, a fazerem a digestão da sopa, parecem mesmo um motor de traineira. Quando me sento à mesa e vem a sopa tenho medo porque a sopa parece cimento. Eu estou forrado de sopa por dentro. Quando me assoo sai sopa do nariz. Quando espirro espirro gotinhas de sopa. Outro dia tiraram-me sangue e um talo de couve saiu-me da veia e entupiu a agulha. De vez em quando, quando há feridos, fazem-se transfusões de sopa, e a gente vê o grão e o feijão da sopa a saírem de um para entrarem no outro. Quando há feridas é preciso desinfectar a sopa que sai da ferida. Se se espreme uma borbulha aparecem logo bagos de arroz de sopa. A sopa é o nosso pior inimigo, a espiar a gente do fundo das panelas duas vezes por dia, ao almoço e ao jantar, a sopa ataca-nos. A sopa já fez muitas baixas. Às vezes a sopa traz brindes como os bolos-reis tais como baratas, insectos, borboletas, que morreram envenenados pela sopa. De maneira que a gente vai começar a usar a sopa como remédio para os ratos. Os americanos já nos pediram para a gente mandar sopa para o Vietname, porque os comunistas morrem todos se a comerem. Eu gostava muito de dar sopa à sopa. Eu vou acabar. São horas de comer a minha sopa.

António Lobo Antunes
Vítima nº 07890263 da sopa
Morto no campo de batalha do refeitório com um ataque agudo de sopa

____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 9 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2169: Antologia (63): Zé, meu camarada, eras um dos nossos e cada um de nós um dos teus (António Lobo Antunes, Visão, 4 Out 2007)

(2) A bianda, o tacho, a comes-e-bebes, o rancho, além do álcool, era talvez a principal preocupação do tuga na Guiné... O supremo luxo era um bifinho com batatas fritas e ovo a cavalo, em Bissau, Bafatá, Nova Lamego, regado com vinho verde ou com umas bazucas... Veja-se, nos nossos cancioneiros, como o fantasma da fome, a pulsão da comida (e da bebida), inspirava os nossos poetas e humoristas de caserna. É apenas uma amostra... Também deveria fazer parte de qualquer filme-documentário sobre o qutodiano das NT, nos buracos (aquartelamentos e destacamentos) em que vivia... Esta também é outra face da guerra. Talvez um dia alguém a consiga passar para o garnde écrã. Como diz o Jorge Cabral, a 'nossa' guerra nãi teve apenas duas faces, era caleidoscópio...

(...) A comida principal
É arroz, massa e feijão.
P’ra se ir ao dabliucê
É preciso protecção.

(...) Bebida, diz que nem pó,
Só chocolate ou leitinho;
Patacão, diz que não há,
Acontece o mesmo ao vinho!

Hino de Gandembel


(...) Quando cheguei a Bolama
Muita fome lá passei
De fome julguei morrer
Mas desta ainda escapei.

(...) De noite cheguei a Empada
Estava tudo iluminado,
De manhã fui passear,
Fiquei decepcionado.

Comecei a comer melhor
Depois que cá cheguei,
Mas foi à minha custa,
Pois cá me desenrasquei.

Houve cabritos e cabras,
Mortos a tiro e paulada
Que para matar a fome
Não nos custava nada.

Neste rol de matança
Também há porcos e leitões
Que para nós mais tarde
São grandes recordações. (...)

Cancioneiro de Empada


CANÇÃO DA FOME

Estamos num destacamento,
A favor de sol e vento,
Na Ponta do Inglês.
Não julguem que é enorme
Mas passamos muita fome,
Aos poucos de cada vez.

A melhor refeição
Que nos aquece o coração,
É de manhã o café;
Pão nunca comi pior
Nem café com mau sabor
Na Província da GUINÉ.

Ao almoço atum a rir
E um pouco de piri-piri,
Misturado com Bianda,
E sardinha p´ró jantar
E uma pinga acompanhar
Sempre com a velha manga.

Falando agora na luz
Que de noite nos conduz
As vistas par' ó capim:
Se o gasóleo não vem depressa,
Temos Turras à cabeça,
Não sei que será de mim.

Quando o nosso coração bole,
Passamos tardes ao Sol
Junto ao Rio, a esperar
De cerveja p'ra beber
E batatas p'ra comer
Que na lancha hão-de chegar.

A fome que aqui se passa
Não é bem p'ra nossa raça,
Isto não é brincadeira
E com isto eu termino
E desde já me assino:

MANUEL VIEIRA MOREIRA.

Xime, Ponta do Inglês, 28/01/1968

Cancioneiro do Xime

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Guiné 63/74 - P2204: Estórias cabralianas (27): Turra desenfiado encontra Alferes entornado (Jorge Cabral)

Guiné > Algures em zona controlada pelo PAIGC > 1970 > Guerrilheiro, armado de Kalash...

Foto: Foto Bara (com a devida vénia...)


1. Mensagem de hoje, enviada pelo Jorge Cabral, nosso querido amigo e camarada, que foi Alferes Miliciano de Artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63, primeiro em Fá Mandinga e depois em Missirá, Sector L1 - Bambadinca, Zona Leste, 1969/71. É autor da série Estórias Cabralianas (1) cuja publicação em livro tem vindo a ser insistentemente reclamada pelos/as seus/suas inúmeros/as fãs...


Querido Amigo,

O Comentário fica para amanhã. Faces da Guerra? Só duas?

Sexta-feira (1) tive o prazer de conhecer e conversar com o Marques Lopes, o qual também aprecia as minhas estórias. Confessei-lhe que ia mandar esta. E aí vai.

Abraço Grande
Jorge Cabral


PS. 1) Devo a possibilidade de me ter recordado do episódio ao Ex-Alf Mil Jaime Pereira, da CCAÇ 12 (1971-73) que me enviou uma afectuosa mensagem.

PS. 2) Quando me vim embora, vendi por mil pesos ao Reis – Alferes do Pel Caç Nat 52 – que, me substituiu em Missirá, um belo armário com todo o seu recheio, incluindo a Obra Paroles, da qual faz parte o Poema (1).

Estórias cabralianas > Turra desenfiado encontra Alferes entornado...
por Jorge Cabral


Já é noite cerrada e o Alferes de Missirá continua em Bambadinca. Numa mão o copo, na outra, o pingalim, encostado ao balcão do Bar, declama. Trata-se do longo poema de Jacques Prévert, “L’orgue de Barbarie” (2). É interrompido, engana-se, esquece-se, volta atrás, mas não desiste.

Moi je joue du piano
Disait un
Moi je joue du violon
Disait l’autre...
(3)

Aborrecido com a situação, o Polidoro Monteiro (4) chama o Alferes Jaime da CCAÇ 12 e ordena-lhe que leve o Cabral, e só o largue dentro do Sintex, a caminho de Missirá. O Jaime cumpre, mas ao regressar ao Quartel, encontra o Comandante furioso.

O declamador voltou ao Bar e continua dizendo que está quase a acabar.

Moi je jouais au cerceau
À la balle au chasseur
Je jouais à la marelle
Je jouais avec un seau...
(4)

Então o Tenente-Coronel mete-o no seu jipe, e transporta-o ao cais. É muito tarde porém, e o Sintex já não funciona. Como fizera em outras ocasiões, o Alferes vai acordar o barqueiro da piroga que, a troco de alguns pesos, lá o atravessa.

Em Finete, os Milícias querem impedi-lo de prosseguir, mas ele está determinado, e deixa-os estupefactos, falando-lhes em francês:

Et l’homme prit la petite fille par la main
Et ils s’en allèrent dans les villes
Dans les maisons dans les jardins...
(5)

Continua o seu percurso, rememorando os versos, até que subitamente lhe surge pela frente um homem. É jovem, traz uma arma em bandoleira, e uma carga à cabeça. Sem dúvida um turra desenfiado, que acaba de passar um bom bocado amoroso em Mero (6), pensa o Alferes, que lhe grita:


Et puis ils se mirent à parler parler
Parler parler parler
on n’entendit plus la musique
et tout fut à recommencer! (
7)


Assustado o bom do turra desatou a fugir, metendo-se mato dentro. Quanto ao Alferes ficou radiante. Finalmente terminara de declamar o Poema…

Jorge Cabral
____________

Notas de L.G.:

(1) Vd. último desta série > 27 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2135: Estórias cabralianas (26): Guerra escatológica: o turra Boris Vian (Jorge Cabral)

(2) Paroles [Palavras], livro de poemas, publicado em 1946, do grande poeta surrealista francês, muito popular, Jacques Prevért (1900-1977).


Também foi argumentista de cinema.


O título do poema recitado pelo J.C. era, em português, O órgão da barbárie.


(3) Tradução de L.G.:

Eu toco piano,
Dizia um,
Eu toco violino
Dizia outro.


(4) Último comandante do BART 2917. Considerado um oficial superior spinolista, corajoso, competente, desassombrado, truculento, usando e abusando da linguagem de caserna. O único, de resto, que vi, de arma na mão, a meu lado, no Sector L1, entre Julho de 1969 e Março de 1971... Já morreu. Era amigo de alguns dos nossos tertulianos: O Jorge Cabral, mas também do Paulo Santiago… Há vários posts publicados, fazendo referência ao Ten Cor de Infantaria João Polidoro Monteiro.

(5) Tradução de L.G.

Eu, eu brincava ao arco,
À bola, ao caçador,
Eu jogava à malha,
Eu brincava com um balde…


(6) Mero: Aldeia, balanta, considerada sob duplo controlo. Fica(va) a norte de Bambadinca, e a oeste de Fá Mandinga, na margem esquerda do Rio Geba (Estreito). Vd. post de 18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1442: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (29): Finete contra Missirá mais as vacas e o bombolom dos balantas

(7) Tradução de L.G.:

E o homem pegou a rapariga pela mão,
E partiram dali para as cidades,
Para as casas, para os jardins...


(8) Tradução de L.G.:

E depois puseram-se a falar,
A falar, falar, falar,
Já não se ouvia mais a música
E tudo teve que recomeçar.