segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Guiné 61/74 - P19060: In Memoriam (324): António Manuel Sucena Rodrigues (1950-2018), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 (1972/74)

IN MEMORIAM



ANTÓNIO MANUEL SUCENA RODRIGUES (1950-2018)
Ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 12 - 1972/74


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1. Mensagem de António Duarte [ex-Fur Mil da CART 3493/BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; e CCAC 12 (em Novembro de 1972/74), com data de ontem, 30 de Setembro:

Boa tarde Camaradas
Uma má notícia tenho para vos dar. 
Hoje durante a noite, faleceu o nosso camarada de armas António Manuel Sucena Rodrigues, nascido em 1950, que esteve comigo na CCAÇ 12.

Prestou serviço nessa unidade de meados de 1972 a julho de 1974, tendo curiosamente, participado nos primeiros contactos com o PAIGC, em Madina Colhido, mas sem que antes não tivesse vivido vários contactos, não amigáveis, nas matas do Xime e ataques diversos ao dito aquartelamento.

Era Furriel Miliciano Atirador de Infantaria, do 3.º turno de 1971.

Já depois de regressar da Guiné, fez em Coimbra o curso de Engenharia Electrotécnica, tendo sido professor do ensino secundário até à reforma, que ocorreu em 2016.

Casado com a Rosa Pato, professora do ensino básico, sua namorada dos tempos da Guiné, tem dois filhos e 3 netos.

Vivia em Oliveira do Bairro, tendo sido operado em Coimbra no início do ano, aquando da deteção da doença.

Era habitual estar presente nos almoços da nossa Tabanca em Monte Real. Este ano já não foi por não estar bem.

Que permaneça vivo nas nossas memórias, já que se trata de um bom Homem, com participação em causas para ajuda dos mais desfavorecidos, estando sempre pronto a ajudar o próximo de forma desinteressada. Era voluntário do Banco Alimentar e de mais algumas organizações locais de ajuda a terceiros.

À família e amigos mais chegados, presto os meus sentidos pêsames, com a certeza que sempre recordarei os momentos vividos com ele na CCAÇ 12 e mais recentemente em encontros em Oliveira do Bairro e Lisboa, em conjunto com as nossas Companheiras de uma vida.

Abraços a todos
António Duarte
Cart 3493 e Ccaç 12 - dez 71 a jan de 74


Palace Hotel de Monte Real > XII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 29 de abril de 2017 > Dois camaradas da "3.ª geração" de graduados da CCAÇ 12, o António Duarte e António Manuel Sucena Rodrigues

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Nota do editor:

À família do nosso camarada Sucena Rodrigues enviamos as nossas mais sentidas condolências pela perda do seu ente querido. 

A família dos combatentes, a cada dia que passa, fica mais reduzida.
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Nota do editor

Último poste da série de 19 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19027: In Memoriam (323): Carlos Cordeiro (1946-2018), ex-Fur Mil Inf do Centro de Instrução de Comandos (Angola, 1969/71), Professor Aposentado da Universidade dos Açores

Guiné 61/74 - P19059: Notas de leitura (1105): “Gargalhada da Mamã Guiné”, de Carlos-Edmilson M. Vieira, edição de autor, 2014 (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Julho de 2016:

Queridos amigos,
Não é a primeira vez que aqui se fala de Noni, um jurista de formação, diplomata de carreira, poeta, declamador e músico, um escritor que faz denúncia social e política e não esconde a sua veia lírica intimista. Consta no seu currículo que compôs melodias para poemas seus, cantados por Tabanka Djaz, N'Kassa Cobra, Zé Manel e Eneida Marta.
Em 1999, durante o conflito político militar que devastou a Guiné-Bissau, escreveu, compôs e produziu um CD (Bumba ka tem udju/bombas não têm olhos), em que participaram todos os músicos guineenses em França.
Uma grande promessa a caminhar para a maturidade, como observa o historiador Julião Soares Sousa.

Um abraço do
Mário


Gargalhada da Mamã Guiné, por Carlos-Edmilson M. Vieira

Beja Santos

No prefácio de “Gargalhada da Mamã Guiné”, de Carlos-Edmilson M. Vieira, edição de autor, 2014, o historiador Julião Soares Sousa analisa as temáticas em que se centra a obra literária deste jurista de formação, diplomata de carreira e artista prolífico enquanto poeta, escritor, declamador, compositor e plumitivo: Noni é um escritor atento à vida guineense e daí a sua poesia solidária e comprometida; é um poeta do amor, um intérprete da ausência, atraído pelos processos líricos intimistas. Curioso é constatar como ele se atrela às grandes linhas de intervenção de outros escritores da sua geração, um pouco mais velhos e até mais novos, caso de Ernesto Dabó, Tony Tcheka, Félix Sigá ou Odete Semedo: a denúncia dos desmandos e desvios que deitaram por terra os sonhos do movimento de libertação; a acusação sobre a decadência, a perversão de valores e o desalento cívico; e o comprazimento na exaltação do amor e na marcação da saudade.

Em “Gargalhada da Mamã Guiné” temos um conjunto de poemas em crioulo sobre a pátria dolorida por matanças, por irmãos contra irmãos que se envolveram numa tenebrosa guerra civil que despedaçou materialmente o país, é um permanente tantã sobre o sofrimento e a dor, dos meninos e dos velhos e dos indefesos, o poeta fala mesmo na palmatória do inferno, no esquecimento dos caminhos da luta que levaram à independência, é uma poesia onde se evoca o artesanato e a tipicidade do país, caso dos panos Manjacos, do macaréu, das mandjuandades. Segue-se um conjunto de poemas em francês com o jogo de contraditórios (o negro e o branco, envolvendo sentimentos, dias negros e noites brancas), saudades porque há separação física, um diplomata de carreira pode levar uma vida errante, mas a ânsia de amar permite a exaltação do futuro, afrontar os elementos da natureza, os desertos inóspitos, declarar o amor como luminosidade, como flor dos campos, o amor intemporal a partir do quotidiano e para sempre.
E vem uma dor e um quadro de sofrimento que se exprime na língua portuguesa:
a dor que em mim mora / não é o mal no meu corpo / é a que vejo no corpo dos outros / mesmo quando fecho os olhos.
E há o desvendar da voz do coração, que os outros saibam que alberga solidão, que possui sonhos floridos.
Em dado passo, essa dor regista o que o poeta vê na terra-mãe, assim:
as ruas de Pilum n’kolo… onde cresci / sim / vejo com comiseração / caras precocemente enrugadas / carapinhas prematuramente esbranquiçadas.
Muita gente partiu à procura de novos horizontes, outros resistem e o poeta desenha-os:
determinadamente de pé / enfrentam cortes inoportunos de luz / cortes traiçoeiros de água / assistência médica cronicamente deficiente / salários que se esgotam antes de chegar a casa.
E há uma incontida fome de amor, que assim se manifesta:
sentimento desmedido e sem fronteiras / sentimento sem rosto nem cor / que faz de mim / um apaixonado pachorrento.
E se há fome do amor há, em jeito de despedida a fome pela justiça, se alguns destroem os íntegros e os justos, se há atropelos, traições ou ódios, se o novo país cambaleia sem memória, o poeta torna-se panfletário e grita:
não baixem os braços / ergam a cabeça e avancem firmes / nesta penosa marcha da verdade / a justiça triunfará / a verdade vos libertará / a verdade nos libertará!

Esta a paleta da escrita: a contestação, o desassossego, o comprometimento com os valores solidários e democráticos, a caricatura dos arrivistas e oportunistas, a poesia intimista em torno de ternura e da cordialidade. Julião Soares Sousa ajuíza-o assim: esta nova produção literária de Noni é reveladora da constância de um autor que, à medida que o tempo passa, vai patenteando maior maturidade literária que o coloca no grupo restrito dos escritores guineenses de nomeada.
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Nota do editor

Último poste da série de 28 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19052: Notas de leitura (1104): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (53) (Mário Beja Santos)

domingo, 30 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19058 (Ex)citações (344): os canhões... de Bigene!... No tempo da CART 3329 (1970-1972) e depois no meu tempo, de outubro a dezembro de 1972, havia 3 obuses 14 (140 mm) e 5 morteiros 81 (Eduardo Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540, Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74)

1. Mensgem de Eduardo Campos, Eduardo Campos (ex-1.º cabo rádio.telegráfico,  CCAÇ 4540, "Somos um Caso Sério", Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar. Nhacra, 1072/74)


Date: sexta, 28/09/2018 à(s) 17:49

Subject: Os canhões... de Bigene!


Boa tarde Luís:

Respondendo ao teu pedido sobre os "canhões de...Bigene" (*),,,

Depois de vários contactos com camaradas da Cart 3329 ], a quem fomos substituir, em 18/10/1972,] e o responsável do Pelotão de Artilharia à época,   constatei o seguinte.

(i) A Cart 3329 durante a sua permanência em Bigene teve 16 ataques ao aquartelamento, um dos quais provocou destruição de algumas infrasturas militares e feridos (ligeiros) entre  civis e militares.

(ii) Nesse ataque foi danificado e ficou inoperacional um obus 14 durante cerca de 30 dias;

(iii) Nada há mais a registar sobre o assunto, no período de 1970 a 12 de Dezembro de 1972, data em que saí de Bigene com destino a Cadique, noCantanhez;

(iv) Entretanto nas buscas efectuadas ao meu arquivo, poderei informar que existiam três Obuses 14  [140 mm} e 5 Morteiros 81 (em anexo, envio mapa, muito rudimentar).(**)


Mais alguma dúvida, como sempre fico ao teu dispor.

Um abraço. 

Eduardo Campos



Planta topográfica de Bigene. Cortesia de Eduardo Campos


 2. Também o A. Marques Lopes acrescentou o seguinte, com data de 27 do corrente:

Caro Luís

Sobre 1972 e 1973 não posso dizer nada. Não estava lá, a minha guerra já era outra. Mas o que posso dizer é que nunca ouvi falar desses canhões quando estive em Barro, de Maio de 1968 a princípios de 1969, mesmo quando me deslocava até Bigene para participar nas operações do COP3, até nas conversas que tinha com o Major Correia de Campos. E não creio que houvesse lá disso, pelo menos naquele tempo, pois quando Barro era atacado era natural que dessem uma ajuda dado que fica a pouco mais de 15 kms de Bigene e, segundo os especialistas que escreveram no blogue, as suas “bujardas” chegariam lá.

Abraço
Marques Lopes

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19046: (D)o outro lado do combate (36): Bigene, agosto de 1972, «Operação Silenciosa"... (Jorge Araújo)

Guiné 61/74 - P19057: Blogpoesia (587): "Tempo perdido", "Se me queres ver alegre..." e "Fujo pró mar...", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

1. Do nosso camarada Joaquim Luís Mendes Gomes (ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) estes belíssimos poemas, da sua autoria, enviados entre outros, durante a semana, ao nosso blogue, que publicamos com prazer:


Tempo perdido

Encontrei o tempo.
Um monte. Parado e triste.
Estava perdido.
Ali o deixaram.
O monte crescia
Com cada um que parava.
Não tinha futuro.
Não tinha passado.
E, o pior,
Para nada servia.
Tempos sem história.
Retalhos de vidas
Que a vida estragou.
Cheirando a ócio.
Tanta riqueza somada,
Se quem os perdeu
Os tivesse vivido,
Fazendo o bem
Ao serviço de todos.
Só há que esquecê-los.
Que seus donos voltem
E ali fiquem parados,
Perdendo a vida...

Berlim, 26 de Setembro de 2018
17h27m
Jlmg

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Se me queres ver alegre...

Se me queres ver alegre,
olha-me nos olhos e sorri.
Dá-me a tua mão para te ajudar a descer para o chão.
Lê um dos meus poemas e, se gostaste,
faz-mo sentir do jeito que tu quiseres.
Até pode ser um beijo ou um simples esgar do rosto, sem palavras,
onde eu leia comoção.
Me alerta dos meus erros, sintácticos ou de grafia.
Realça-me o que mais gostaste para eu tentar repeti-lo.
Vem a mim quando eu disser ou a alma to pedir.
Vamos os dois à beira-mar espraiar os nossos sonhos.
Como crianças,
Jogar à guerra com lances de água e ficar horas a olhar o mar...

Berlim, 24 de Setembro de 2018
9h44m
Jlmg

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Fujo pró mar...

Fujo pró mar,
desesperado da terra,
humanidade perdida,
inundada de mal.
Não há buraco do chão
donde ele não nasça.
Enche os palácios,
castelos dos vícios,
escraviza os governos,
com gula atroz.
Tudo lhes serve
pra que possam reinar.
Esgotam as fontes
que alimentam a terra,
com guerras sem conta.
Desgraçam os povos
que vivem pacatos.
Inventam teorias
que fazem tremer.
A humanidade não conta,
no fundo do ser.
Uma terra selvática
donde há que fugir.
Só um dilúvio a voltaria a limpar...

Berlim, 27 de Setembro de 2018
8h48m
Jlmg
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19038: Blogpoesia (586): "Todos os Santos dos céus...", "Sentado no banco..." e "Mercado das arestas", da autoria de J. L. Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728

sábado, 29 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19056: Memórias de Gabú (José Saúde) (71): Gabu em tempos de despedida. Rebentamentos de material de guerra (José Saúde)


1. O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua série. 

Gabu em tempos de despedida 

Rebentamentos de material de guerra 

O tempo passava por uma série de iniciativas, agora já em tempo de paz, no interior do arame farpado que impunham mestrias em princípios básicos que visavam rigorosas convenções previamente engendradas e depois levadas à prática. 

A euforia do 25 de Abril manifestava-se, em simultâneo, pelo mais recôndito lugar onde as nossas tropas lutavam nas três frentes de guerra por terras de África: Angola, Moçambique e Guiné. 

Em Gabu, Guiné, ecoava-se, igualmente, o hino da liberdade. A Revolução dos Cravos de 1974 abria novos horizontes e o pessoal no terreno da guerrilha lançava descomunais gritos de entusiásticas manifestações de plena alegria. 

A guerra havia terminado. Longe ficavam registados os dias de pavor e das atrocidades conhecidas. A morte de um camarada, ou as emboscadas nas picadas, os flagelamentos noturnos aos quartéis, ou a retirada de mais um camarada ferido em combate, enfim, um conjunto de circunstâncias entretanto sabidas que requeriam uma autoavaliação sobre os horrores de uma peleja onde se cruzavam mundos de fétidos interesses. 

Fui chamado para participar com o meu camarada Santos, furriel miliciano de minas e armadilhas, numa missão que tinha como finalidade o rebentamento de material de guerra armazenado no paiol e que necessitava o seu desfazer. 

Estudámos a tarefa ao pormenor e o respetivo local para a operação. O sítio escolhido ditava para um profundo matagal. Naquela frente existia um campo de minas demarcado por dois fios de arame farpado. Ah, lembro-me de um dia uma vaca ter entrado naquele espaço e rebentar uma mina causando-lhe a morte. 

Uma bela manhã começamos a labuta. O Santos foi-me dando dicas e o trabalho lá se protelou por uns dias. Antes, porém, todas as granadas a rebentar passou, naturalmente, por um inventário. 

Inventário atempadamente visto e revisto, sendo que os explosivos mereceram profícuos reconhecimentos e nada foi feito à toa de prazeres pessoais. Ali ninguém retirou uma simples peça para uma eventual recordação. Lembro a nossa azáfama perante tal responsabilidade. 

Cada caixa de granadas retirada do paiol obedecia a claros cumprimentos superiores. Havia ordens do capitão e qualquer explosivo detonado ficava implicitamente catalogado. 

O Santos, conhecedor do material armazenado, orientava os trabalhos e ele próprio manobrava cada granada, e respetivo detonador, com um à-vontade desmedido. A sua especialidade deu-lhe conhecimentos quanto baste para em casos de necessidade fazer uso da experiência adquirida. 

Por outro lado, eu como ranger, possuía, também, úteis conhecimentos em armamentos o que valeu a minha chamada ao serviço. Sei que foram várias as manhãs que passámos imbuídos numa luta que teve como prioridade o “queimar” as muitas caixas de granadas até então instaladas num paiol que se pretendia livre para entregar ao PAIGC no dia em que abandonássemos as instalações. 

Repare-se nas imagens que vos deixo camaradas: o local do “crime” completamente plano no início dos rebentamentos e o mesmo após alguns dias de intensos “bombardeamentos”. No final um enorme buraco onde uma Berliet, por exemplo, se afundaria sem lei nem roque. 

Coisas fidedignas de Gabu mas em tempo de “arrumar as botas” e dizer o definitivo adeus a uma guerrilha que antes nos fora severa. 

Ficam as reproduções recolhidas e a melancolia de uma guerra que ainda hoje mexe com os nossos egos. 



Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 

Mini-guião de colecção particular: © Carlos Coutinho (2011). Direitos reservados.
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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 



Guiné 61/74 - P19055: Os nossos capelães (12): O Carlos Manuel Valente Borges de Pinho, ex-alf mil capelão, de 16/3 a 16/9/73, CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74)


Guiné > Região de Tombali > BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Buba. Nhala, 1973/74 > Nhala > 10 de março de 1973 > 10 – Visita da Cilinha [, Cecília Supico Pinto, presidente do Movimento Nacional Femininpo].  aqui à conversa com o comandante do Batalhão, ten cor Carlos Ramalheira. Em primeiro plano,  o cap João Brás Dias, cmdt da  1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513,  de Buba. O ten cor César Emílio Braga de Andrade e Sousa foi o 1º  comandante do batalhão,  abandonaria o TO da Guiné, por doença, logo no início da comissão, sendo substituído pelo ten cor Carlos Alberto Simões Ramalheira, aqui na foto].

Foto (e legenda): © António Murta (2015).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Comentário de José Teixeira ao poste P19024 (*):
O Carlos Manuel Valente Borges de Pinho era e é felizmente meu amigo pessoal, ao ponto de ser por convite o celebrante do meu casamento.

Foi coadjutor da paróquia de Cedofeita, no Porto, transitando depois para S. João de Ovar. 

Por razões afetivas, abandonou o sacerdócio uns meses depois de ter chegado à Guiné. Veio de regresso e foi para Mafra tirar o COM [, Curso de Oficiiais Milicianos,],  por imposição militar e foi colocado em Infantaria 6 no Porto para formar Batalhão e partir para a guerra. 

Entretanto deu-se o 25 de Abril e ficou por cá.

Estava marcado e vigiado pela PIDE/DGS  desde Cedofeita. Sei que foi chamado pelo comandante de Batalhão e por este lhe foi dito mais ou menos isto:

- A PIDE ordenou-me que o Capelão fosse vigiado porque era um tipo perigoso - e mais lhe disse:  - Eu não lhe vou criar problemas, faça a sua vidinha, mas, se me complicar a minha,  fodo-o.

Chegou a estar em Aldeia Formosa. Foi por ele, no seu regresso que soube que o Alferes de 2ª linha e meu amigo, o Aliu Baldé, chefe de Tabanca de Mampatá, tinha falecido por doença e que a grande àrvore que havia no centro de Mampatá tinha sido abatida para alargar a estrada para Iroel/Colibuia/ Nhacobá.

Cursou direito e foi trabalhar para a Soares da Costa, de onde já se deve ter reformado.

José Teixeira

2. Comentário do editor LG:

Obrigado, Zé pela teu precioso comentário. O Carlos Manuel Valente Borges de Pinho foi capelão apenas por 6 meses: de 16/3 a 16/9/1973 (**).  Por informação do nosso camarada Fernando Costa, de 4 de setembro de 2014,  sabemos que pertenceu à CCS/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, 1973/74).  Aliás, o seu nome consta da lista do pessoal do batalhão [Vd. o blogue deste batalhão, que se publica desde 2010 e tem mais de 53 mil visualizações].

É a ele, seguramente, que se refere um poste de 11/4/2014, com o depoimento de um camarada deste batalhão, que pediu na altura o anonimato, pedido que foi aceite, a título excecional, dado o interesse do assunto. (***).

Oxalá apareçam mais depoimentos sobre os nossos capelães e, sobretudo, que apareçam mais capelães a dar a cara no nosso blogue, o mesmo é dizer, a exercer o dever e o direito à memória. Como é timbre da nossa Tabanca Grande, não estamos aqui para julgar ninguém, apenas para partilhar memórias (e afetos). (****)

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Notas do editor;

(*) Vd. poste de > 18 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19024: Os nossos capelães (10): O "romance do Padre Puim", por Carlos Rebelo (1948-2009), ex-fur mil sapador, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)

(**) Vd. poste de 17 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19023: Os nossos capelães militares (9): segundo os dados disponíveis, serviram no CTIG 113 capelães, 90% pertenciam ao Exército, e eram na sua grande maioria oriundos do clero secular ou diocesano. Houve ainda 7 franciscanos, 3 jesuitas, 2 salesianos e 1 dominicano.

Guiné 61/74 - P19054: Os nossos seres, saberes e lazeres (286): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (5): Dos jardins do Palácio de la Berbie em Albi, de novo na cidade do tijolo (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Julho de 2018:

Queridos amigos,
Foi com pesar que se deixou Albi, ficou muito para ver e rever. No final desta série, é com muito gosto que voltarei a falar e mostrar obras desse génio chamado Henri de Toulouse-Lautrec.
E voltei a Toulouse, havia muitíssimo mais para ver, em doses comprimidas, isto para já não esquecer que a cidade é aprazível, ajardinada e embelezada pelo canal do Midi. Desta feita, vagabundeou-se até chegar à grande beleza que é o Convento dos Jacobins. A próxima surpresa em Toulouse será o regresso à Basílica de Saint-Sernin e fundamentalmente ao Museu des Augustins que guarda um repositório único de capitéis românicos, deles falaremos mais adiante.
Amanhã o passeio é até Carcassonne e depois seguem-se os Pirenéus.

Um abraço do
Mário


Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (5): 
Dos jardins do Palácio de la Berbie em Albi, de novo na cidade do tijolo

Beja Santos

Impõe-se uma confissão do viandante: por ele, não arredava pé de Albi, está deslumbrado, é um crime lesa-majestade não voltar a percorrer a Catedral de Santa Cecília, mais impressionante obra-prima do gótico meridional não existe, não houve tempo de andar pela Ponte Velha, a Colegial Saint-Salvi e o seu claustro é um conjunto excecional que vem desde o século X, enfim, teve uma barrigada de Toulouse-Lautrec e agora vê lá do alto os jardins do Palácio de la Berbie, mais poderoso contraste entre o palácio-fortaleza e o rio não podia haver, é um jardim à francesa, parece tirado da revista de modas e bordados, um primor da jardinagem, e depois olha-se à distância a Ponte Velha, com um traço de azedume, é como ver Braga por um canudo, com as greves dos comboios os turistas estão sujeitos aos horários estritos dos autocarros. É hora de regressar a Toulouse.



Adeus Catedral de Santa Cecília, castelo por fora, palácio por dentro, esta entrada recamada entre o tardo-gótico e o Renascimento é coisa nunca vista. Adeus e até ao meu regresso.


Pareciam formigas numa algraviada, formigas grisalhas, umas dirigindo-se ao parque dos autocarros de turismo, outras à procura de uma estação bem perto dos comboios. As formigas estacaram, em enlevo, a mirar a catedral iconográfica, ouviu-se um comentário em castelhano, houvera sorte com o dia, bem verdade, olhe-se para aquele azul com nuvens bem altas a emoldurar a espantosa construção cor de tijolo. E para a cidade do tijolo, Toulouse, nos voltamos. Durante alguns dias, assim será, ida e volta.


O prato forte que está apalavrado para esta manhã de Toulouse é o Convento dos Jacobins, os Jacobins, uma fundação da Ordem dos Dominicanos, em 1215. O viandante começa o dia degustando o croissant de folha estaladiça e café au lait. Tem em frente um fontanário e uma fachada de tijolo, é irresistível não guardar a imagem, mais a mais a empregada que o serviu já falou dos encantos de Lisboa, andou no elétrico 28, comeu pastéis de bacalhau no Bairro Alto, ia munida de um guia Routard, não falhou os museus mais baratos, vinha deliciada com o Museu Nacional de Arte Antiga. Eis senão quando se atravessa o Capitólio de Toulouse e dá-se com uma festa LGBT, música, pavilhões, um palco em movimento. O viandante vasculha documentação, tem a doença do papel, encontra documentação curiosa sobre violência doméstica e os programas LGBT para seniores, acompanhamento de doentes, visitas a quem sofre, etc. O aspeto mais impressivo eram aqueles jovens, desinibidos, comunicativos, festivos, um quadro de um mundo que mudou radicalmente e atirou preconceitos e tabus para o fundo dos armários.




Vindo o viandante já assarapantado com o que vira em Albi, não deixa de ser esmagador olhar em todas as direções para este gótico meridional sobre influência das ordens mendicantes. Ainda se pode perceber o que foi a igreja primitiva, retangular, edificada de 1230 a 1235 e que depois se expandiu, ergueu-se a nave, todo aquele abobadado de teto se reticulou, é deslumbrante. O viandante prometera a si mesmo voltar a Albi e estende agora a promessa a regressar a Toulouse mais não seja para se estarrecer com o que o Convento dos Jacobins nos oferece, olhem bem.



Não querendo ensinar o Padre-Nosso ao vigário, recordo que a arte gótica apareceu no século XII, no Norte de França, exprimiu-se em várias fases até chegar ao gótico-flamejante. Aquilo que se chama gótico-meridional tem a ver com os materiais e neste caso o tijolo, assim se distingue do gótico do Norte, que usava o mármore e as pedras brancas. Este convento é reconhecido mundialmente pela sua abóbada em leque, a discrição dos vitrais, os elementos decorativos no abobadado. Estes irmãos pregadores vão ter um papel importante na luta contra a fé cátara, e aparecem associados à criação da primeira universidade de Toulouse, em 1229. Este convento medieval tem requisitos únicos: luminosidade e majestade dos volumes, uma espantosa organização dos lugares de vida da comunidade, e daí o interesse em visitar o claustro, a sala do capítulo, deslumbrar-se com o campanário que é uma torre octogonal com quatro níveis, arcos mitrados, passear pelo refeitório e parar diante do túmulo de São Tomás de Aquino.




Este Doutor da Igreja terá nascido entre 1224 e 1225 e faleceu em 1274. O seu pensamento trouxe novidade e fecundidade para o estudo da teologia. Desde o século XIV que as suas relíquias atraem aqui numerosos peregrinos, o seu túmulo está colocado sobre o altar-mor da igreja e todos os anos, a 28 de janeiro, dia de S. Tomás, os Dominicanos comemoram a trasladação do seu corpo para Toulouse. Porque Tomás de Aquino era italiano, é autor de um documento fundamental para o pensamento religioso católico, a Suma Teológica. Depois de muitas peripécias, as relíquias voltaram em 1974 para o Convento dos Jacobins. O mínimo que se pode dizer é que ele está num ambiente perfeito, é incontestável.

Amanhã, o viandante volta a território consagrado pela UNESCO como Património Mundial da Humanidade, Carcassone.


(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 22 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19035: Os nossos seres, saberes e lazeres (285): Primeiro, Toulouse, a cidade do tijolo, depois Albi (4): O fascinante Museu Toulouse-Lautrec (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19053: Parabéns a você (1503): António Bastos, ex-1.º Cabo At Inf do Pel Caç Ind 953 (Guiné, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 26 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19047: Parabéns a você (1502): António Medina, ex-Fur Mil Art da CART 527 (Guiné, 1963/65) e Amílcar Mendes, ex-1.º Cabo Comando da 38.ª Companhia de Comandos (Guiné, 1972/74)

sexta-feira, 28 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19052: Notas de leitura (1104): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (53) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
A documentação avulsa constante no Arquivo Histórico do BNU é bastante parcimoniosa sobre os acontecimentos da II Guerra Mundial, aqui fica referência a um aspeto de transferência financeira que envolvia os beligerantes, na vizinhança da Guiné.

Tema quente era o fim da filial de Bolama, com a mudança de capital. O gerente Virgolino Pimenta não deixa de zurzir o seu colega de Bolama e de referir que era tempo de acabar com aquele sorvedouro de dinheiro, tratava-se de um clamoroso prejuízo. Este gerente Virgolino Pimenta é uma das figuras centrais desta documentação esparsa, é seguramente a figura mais desassombrada e de comentários mais brutais de toda a vida do BNU da Guiné.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (53)

Beja Santos

Estamos já na guerra, impõem-se esclarecimentos sobre a delicadeza de transferências financeiras que envolvem países em conflito, em 1941 a capital está formalmente transferida para Bissau, põem-se assuntos delicados relacionados com a filial de Bolama, alguns deles dignos do maior interesse.
Neste acervo avulso chama logo a atenção um ofício expedido pelo gerente Virgolino Pimenta para Lisboa, o assunto tem a ver com a filial do Banque de l’Afrique Occidentale em Dakar, informa-se o seguinte:

“Bathurst, onde o Bank of British West Africa tem uma filial, fica na Gâmbia e está encravada no território francês que tem que ser atravessado por quem lá queira ir, partindo da nossa Guiné.
Actualmente, as autoridades não deixam passar ninguém da nossa colónia para a Gâmbia ou vice-versa o que, contudo, e em caso de haver interesse no negócio, talvez se pudesse conseguir com uma intervenção nossa junto do governador do Casamansa, em Ziguinchor, ou com uma ordem da Legação Francesa em Lisboa, para a mesma autoridade
.
Em princípio, pusemos de parte a ideia de se juntarem aqui as notas do Bank of British West Africa Ltd. e levarem-se a Bathurst, por razões muito sérias e de ordem vária que resultam da situação atual.
No entanto, se V. Exas. ordenarem tal serviço, nós faremos tudo para o executar.
Como sabemos que a Nouvelle Société Comerciale Africaine tem aqui escudos da Guiné em demasia e deve precisar de libras na Gâmbia, abordámos o seu gerente que, em princípio e sem nenhum compromisso da sua parte ou da nossa, nos disse que poderia interessar-lhe o negócio nas seguintes condições:

O nosso devedor Banque de l’Afrique Occidentale depositaria as libras West Africa, em Bathurst, à ordem da Nouvelle Société Comerciale Africaine daquela cidade e a mesma aqui, mediante telegrama, entregar-nos-ia os escudos da Guiné a um câmbio acordado e para o qual precisamos elementos, pois não temos hoje base para o fixar.

Tudo depende ainda de se conhecer a importância que o Banque de l’Afrique Occidentale tem de pagar.

Nas circunstâncias actuais, não vemos aqui outra solução para o assunto a não ser que possa interessar recebermos aqui as libras e remetê-las à sede.

Dadas as dificuldades de navegação, que parecem sujeitas a agravamento, para esta colónia, parece-nos conveniente uma resposta telegráfica, caso V. Exas. encontrem interesse no assunto.”

A partir de janeiro de 1941 adensa-se a correspondência de Bissau para Lisboa referente à desativação do filial de Bolama. Logo o cadastro de clientes, com informações curiosas:

“Carlos Machado – A sua situação é muito precária e, portanto, é muito prudente não lhe conceder nenhum crédito. Quanto à sua moralidade individual, talvez seja mais seguro tê-la por “regular”; Joaquim Ribeiro da Silva – Empregado da Casa Gouveia. Confidencialmente, e até por uma confissão verbal do próprio, sabemos que se mete em negócios do seu interesse particular, servindo-se da posição que tem naquela casa. Assim, tem arranjado bom dinheiro. Pomos reserva na sua moralidade que consideramos abaixo de regular, desde que se trate de negócios.

Dada a sua função de empregado da Casa Gouveia, casa hoje, como sempre, se mantém numa posição permanente de ataque aos interesses do Banco, pensamos que só pedirá crédito em último transe, pois, como é público, dispõe dos dinheiros da casa para os seus negócios.

Manuel de Pinho Brandão – É, francamente, má a moralidade deste indivíduo e citaram-na, decerto por mero lapso, como “boa”. Só por um muito infeliz acaso não se encontra a ferros para toda a vida.”

Vale a pena insistir que o gerente Virgolino Pimenta escrevia com este desassombro seguramente porque estava autorizado, foram anos sucessivos de catilinárias e expressões desabridas, não poupava ninguém, é seguro que Lisboa apreciava o vitríolo dos seus comentários. Intervém em tudo, veja-se, com data de 24 de maio de 1938 o que escreveu para Lisboa:

“O senhor presidente da Câmara de Bolama, aquele Sr. Delicado já célebre por ter sido aqui um sócio da revolução do Béla Kun, em 1931, parece que continua aivado dos mesmos princípios de destruição dos bens e propriedades alheias que caracterizava aquela revolução para a qual forneceu matéria para bombas.

Assim, preza-se de ser um inimigo do Banco, comprazendo-se em incomodar-nos sempre que pode. Tem sido grosseiro com o nosso encarregado de Bolama, pessoa que merece consideração a todos e tem-no importunado.

Agora Sua Excelência lembrou-se de fazer uma avenida, em Bolama, devendo esta ter, num dos lados, muros e só muros.

E, para tal, tem duas soluções, tirar aos donos os terrenos onde têm caído prédios velhos e destruir os prédios que estão bons e dão rendimento aos donos. Está o nosso neste caso e o Sr. Presidente Delicado quer que o Banco o dê à Câmara ficando com uma nesga de terra de uns três metros de profundidade por detrás do seu projectado muro, certamente para ele, no futuro, arranjar qualquer novo litígio por causa desta nesga de terreno”.

Informa-se Lisboa de como se está a processar a transferência de Bolama para Bissau, Virgolino Pimenta aproveita a oportunidade para lançar uma farpa ao Encarregado de Bolama:

“Imensamente desagradável nos tem sido também registar que o Sr. Encarregado de Bolama não tem querido manter a harmonia na sua filial, principalmente com o tesoureiro que tem sido uma perfeita vítima da falta de educação e maldade do Sr. Encarregado, que o persegue ferozmente. O Sr. Encarregado de Bolama, cujo carácter já conhecemos há quase duas dezenas de anos, é odiento, com os laivos de baixa cultura que mal fixou e de educação que não deixa dúvidas quanto à sua não existência. Tem sido um elemento de indisciplina invulgar, dentro do quadro do pessoal da Guiné, e actualmente aparenta quietude porque V. Ex.ª lhe impôs. Mas não tenha V. Ex.ª dúvida, não a aceita bem e sempre que pode mostra-se grosseiro.

Agora mesmo, acabamos de conhecer que obriga o servente do Banco a ser seu criado particular. V. Ex.ª diz-nos que nota da nossa parte falta de necessária e criteriosa acção para se modificar o Sr. Baptista. Pois pode V. Ex.ª crer que, com a calma com que temos suportado tanto desrespeito, tanta indisciplina, tanta grosseria, outra coisa não temos feito senão o contrário do que V. Ex.ª supõe.
O Sr. Baptista não tem razão absolutamente nenhuma para ser connosco como é, e só o é por ódio, cuja razão desconhecemos, e por falta de educação”.

Verboso e virulento, o gerente Virgolino Pimenta agradece os encómios e louvores que lhe chegam de Lisboa, apresenta-se com uma modéstia extrema:

“Se nada nos liga nem nada nos prende, pessoalmente, nesta colónia, confessamos aqui o nosso amor por ela, e o nosso sentimento por a vermos tão mal aproveitada, sendo tão rica e tão pródiga em recursos como é.~

Com os conhecimentos que temos da praça e da colónia, com as boas relações que temos em toda a parte, não havendo uma porta que se nos feche, é fácil cumprirmos a nossa missão como V. Ex.ª. quer e nós também, que a cumpramos”.

Em 1 de maio de 1941, o gerente Pimenta informa o Sr. Governador do BNU do que se está a passar na filial de Bolama:

“O Sr. Governador deu ordem para se activar o acabamento do edifício destinado à Repartição Central dos Serviços da Fazenda e à Repartição dos Serviços de Administração Civil, pois deseja que estes serviços passem para Bissau onde ficará então a capital da colónia.

Conta-se que, dentro de uns três ou quatro meses, o máximo, tudo estará efectivado, pois até para se ocorrer às necessidades de alojamento para o pessoal está também a activar-se a construção de 12 moradias para funcionários.

Nestas circunstâncias, é altura própria para se renovar o pedido ao Governo Central, caso a nossa ideia mereça o apoio de V. Ex.ª, de se fechar a filial de Bolama de modo que terminem os enormes prejuízos que o Banco tem com ela e vão a um grande milhar de contos, nos últimos dez anos.
Em sua carta de 6 de Janeiro de 1933, já o Exmo. Sr. Presidente do Conselho Administrativo do nosso Banco escrevia ao Exmo. Sr. Secretário-geral do Ministério das Colónias que ‘… a praça de Bolama, comercialmente, não tem condições para sustentar a organização de um estabelecimento bancário, mesmo modesto que seja’.

E isto que era uma realidade absoluta há 7 anos, tornou-se ainda mais evidente hoje, pois Bolama, dia-a-dia, tem perdido o valor comercial que naquela altura, e muito justamente, se lhe negava. E, o que é pior, não se entreveem se não possibilidades de decrescer mais esse já tão ínfimo valor.
A compartilhar esta razão, encontra-se um parecer que o Sr. Governador João José Soares Zilhão prestou a Sua Excelência o Ministro das Colónias, em seu ofício de 7 de Fevereiro de 1932 àquela entidade dirigido e onde afirma: ‘O fechar da agência do banco em Bolama e a mudança de capital parecem-me factos que devem ser conexos’. E daqui se conclui que entendia que se devia então fechar Bolama, logo que a capital mudasse.

A passagem dos serviços de Bolama para aqui obriga-nos a considerar a V. Ex.ª que nos falta lugar na nossa casa-forte para os valores do Tesouro.

Este inconveniente soluciona-se facilmente, acrescentando à casa-forte actual o compartimento ao lado, onde hoje mal cabe o nosso arquivo.

Para arquivo geral daqui e do que vier de Bolama é que não vemos lugar, mas há a grande facilidade de se acrescentar ao edifício, para o lado das traseiras, uma nova e ampla sala, cuja cobertura será uma simples laje de cimento, em continuação da actual varanda do edifício, modificação esta que em nada prejudica a estética deste.

Quanto a pessoal, terá que vir para aqui o funcionário que trabalha com o serviço do Tesouro e deverá vir o tesoureiro também pois o serviço de tesouraria que já é muitíssimo em Bissau e em várias alturas do ano obriga a ter que se mandar dois e mesmo três funcionários de outras secções ajudar na tesouraria, o que tem que se fazer, por força, embora não seja muito aceitável”.

O assunto da extinção da agência de Bolama só ficará clarificado em 16 de maio de 1942, a administração do BNU envia a seguinte determinação:

“Atendendo a que a capital da colónia foi transferida para Bissau, e que resolvemos extinguir a filial de Bolama, o Conselho do Banco resolveu em sua sessão de 12 do corrente que a dependência de Bissau passasse a denominar-se filial de Bissau.

Depois de a sede ter mandado circular a extinção da filial de Bolama, poderá Bissau usar a nova denominação.

Vossas Senhorias remeterão à repartição do arquivo da nossa sede os antigos carimbos da filial de Bolama”.

Mas os trâmites administrativos da transferência irão arrastar-se por mais tempo, como se verá adiante.

(Continua)


O Arquivo Histórico do BNU tem um belo património de plantas de edifícios construídos e outros planeados. O primeiro documento refere-se a um projeto da autoria do arquiteto Fernando Schiappa de Campos para as novas instalações da sede do BNU em Bissau, Marcello Caetano, na viagem efetuada em 1969 fez o reparo de que a sede era digna mas requeria uma construção moderna, o BNU mandou proceder a estudos, a nova sede não chegou a aparecer, o mesmo se passou com o plano de construir uma delegação em Bafatá. Entanto, construíram-se moradias para funcionários do BNU, houve sempre a preocupação de ter os funcionários bem instalados.


Fotografias do que resta do Hospital Militar e Civil de Bolama, reproduzidas, com a devida vénia, do livro “Bijagós Património Arquitetónico”, Edições Tinta-da-China, 2016.
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Nota do editor

Poste anterior de 21 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19033: Notas de leitura (1102): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (52) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 24 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19041: Notas de leitura (1103): “Ku Mininos Di Nô Terra, Ideias para a educação pré-escolar”, trabalho coordenado por Carlos Lopes e Olívia Mendes, para o Departamento de Educação Pré-escolar, edição patrocinada pelo Ministério da Educação Nacional da Guiné-Bissau e pelo Instituto Universitário de Estudos do Desenvolvimento, Genebra, edição DEDILD – Departamento de Edição, Difusão do Livro e do Disco, Bissau; 1982 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 27 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19051: Agenda cultural (650): Homenagem na Casa do Alentejo, Lisboa, sábado, dia 29, aos bonecos e aos bonecreiros de Estremoz, uma arte recentemente classificada como "património cultural imaterial da humanidade"



Casa do Alentejo, Lisboa, sábado, dia 29 > Homenagem aos bonecos e aos bonecreiros estremocences. 


1. Uma terra simpática, do nosso Alentejo, que tem na "produção do figurado em barro" uma arte com mais de 3 séculos, classificada no final do ano de 2017, pela UNESCO, como "património cultural imaterial da humanidade"... 

É um dos ex-libris do nosso Alentejo, que precisa ser conhecido, divulgado, acarinhado, protegido e... celebrado!... São meia dúzia os artesãos, os "bonecreiros", ativos. E mais de uma centena as figuras, já inventariadas, que saiem das mãos dos/das barristas, incluindo o "soldado montado a cavalo"... Ou não fosse Estremoz com tradições militares, sede do Regimento de Cavalaria nº 3 , o qual durante a Guerra do Ultramar  mobilizou, só por si,  cerca de 42 mil homens (!), organizados em 2 esquadrões de reconhecimento, 42 batalhões e 17 companhias independentes de cavalaria, que combateram nos 3 TO, Angola, Guiné e Moçambique.

Terra de gente valente e sacrificada, morreram na guerra do ultramar 25 estremocences, dos quais 8 no TO da Guiné. È também um pretexto para os homenagear e honrar a sua memória... Um pretexto para visitar a Casa do Alentejo onde os não-alentejanos também são bem vindos, de alma e coração.

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Nota do editor:


Guiné 61/74 - P19050: Os nossos capelães (11): Não, não fui chamado à presença do gen Spínola, mas sim de um outro militar de alta patente que de resto teve um comportamento civilizado comigo (Arsénio Puim, ex-alf mil, CCS/BART 2917, Bambadinca, 1970/71)


Coruche > IV Convívio anual da CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72) > 27 de Março de 2010 > O ex-Alf Mil Capelão Arsénio Chaves Puim (, que vive na ilha de São Miguel, Açores) e o ex-Alf Mil Trms Antero Magalhães Pacheco da Silva (, que vive no Porto).

Foto: © Luís Graça (2010). Todos os direitos reservados. [Edikção e kegendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Em 18 do corrente, enviámos a seguinte mensagem ao nosso camarada e amigo Arsénio Puim, ex-alf mil capelão, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), na sequência do poste P19024 (*)


Arsénio, amigo e camarada:

Há séculos que não falamos!... Por favor, lê o texto e os comentários [, Poste P19024] (*)...Julgo que tu e o Rebelo nunca mais se voltaram a encontrar, depois da tua saída forçada de Bambadinca e do CTIG... É importante o teu testemunho...Por dever e direito de memória...

Já és avô ? Vejo que continuas vivo, ativo, produtivo, saudável...

Um alfabravo do Luis, um xicoração da Alice...


2. Resposta de ontem do Arsénio Puim:

Caro amigo Luís

Há muito que não nos vemos, mas não nos esquecemos. É como a brasa debaixo da cinza: não aparece, mas está viva.

Impossível apagarmos as recordações e sentimentos que nos imprimiu um ano tão forte e marcante de vivência comum na - para bem e para mal - sempre lembrada Guiné. O mesmo posso dizer em relação a todos os velhos companheiros do nosso Batalhão.

Eu continuo vivo, e com alguma actividade , ao ritmo da idade e das consequentes e naturais limitações. E estou preparado e feliz por viver com a qualidade possível a minha quarta idade, que, como é natural, marca o fim de uma vida.

É verdade: sou já avô duma linda neta, com quase 4 anos, e duma outra que vem a caminho e chegará no fim de Novembro.

Ora o «Romance do Padre Puim», que o próprio autor [, o Carlos Rebelo,]  me remeteu com o curioso endereço «onde quer que se encontre» e que acabou por me chegar às mãos através de um funcionário da Caixa Geral de Depósitos,  de Vila Franca do Campo, foi um momento muito gratificante e emocionante para mim.

O  Carlos Rebelo foi dos últimos elementos do Batalhão [, o BART 2917,]  com quem me encontrei na Guiné, pois ele encontrava-se em Bissau e participou no jantar de homenagem que um pequeno grupo de camaradas de Bambadinca me promoveu antes de embarcar para Lisboa. Depois, é verdade, tive oportunidade de contactar com os filhos no convívio de Viana em 2009.

Quanto ao texto e o seu conteúdo, acho que a composição demonstra o talento do autor neste género e que ele apreendeu realmente a verdade de fundo do «romance» do capelão de Bambadinca em relação à sua missão no meio duma guerra colonial, sem deixar, como é natural, de «romancear» alguns pormenores descritivos. 

A propósito, posso dizer que não se tratava do General Spínola, mas sim dum militar de alta patente, cujo nome já não recordo. (**)

Termino,  reiterando ao Luís e Alice a minha sincera amizade e os meus melhores cumprimentos. E aproveito a oportunidade para enviar a todos os velhos companheiros da Guiné - e não esqueço também as Companhias do Xime, Mansambo e Xitole - as minhas amistosas saudações com um grande abraço.

Arsénio Puim
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 18 de setembro de  2018 > Guiné 61/74 - P19024: Os nossos capelães (10): O "romance do Padre Puim", por Carlos Rebelo (1948-2009), ex-fur mil sapador, CCS/BART 2917 (Bambadinca, 1970/72)

Dois comentários de LG:


(i) (...) O que fizeram ao Puim, os seus comandantes, os do BART 2917, o AC e o BB, foi de uma grande pulhice humana...Afinal, o que ele fez foi em perfeito alinhamento com as orientações da política spinolista "Por uma Guiné Melhor"!...

O Puim, enquanto português, homem, cidadão, capelão e oficial do Exército Português, insurgiu-se, protestou ou chamou a atenção para a situação desumana, degradante, em que viviam, numa espécie de galinheiro, em Bambadinca, velhos, mulheres e crianças que foram "recuperados" de uma tabanca no mato, sob controlo do PAIGC (que "eles" chamavam, pomposamente, "áreas libertadas", na famigerada áera do Poindon / Ponta do Inglês onde demos e levámos muita porrada ao longo da guerra...)!

Porra, não eram "TURRAS"!... Era população civil, desarmada, andrajosa, miserável, esfomeada, apavorada... As crianças tinham nascido no mato e entravam em pânico ao ouvir o roncar de uma GMC...no quartel.

Muito provavelmente estes "pobres diabos" foram trazidos pela minha CCAÇ 12 em abril ou maio de 1971... Eu tinha acabado de chegar à metrópole, há coisa de um mês e tal... (...)


(ii) (...) O "romance" escrito pelo Carlos Rebelo não pode ser lido "à letra"... O Rebelo nunca mais viu o seu camarada e amigo Puim... Daí a dedicatória: "Para o Padre Puim, onde quer que se encontre, tantos anos depois"...

Quando o Puim veio à metrópole, em 2009, ao 3º convívio do pessoal da CCS/BART 2917, já foi demasiado tarde... O Rebelo tinha acabado de morrer...

O Rebelo imaginou esta cena, o Puim, vítima mas corajoso, enfrentando o seu juiz, o general, prepopente mas fraco, e saindo porta fora com a dignidade e a superioridade dos que têm a razão moral...

Mas ninguém pode garantir, a não ser o próprio Puim, que as coisas se tenham passado assim... Nem sei sequer se o Puim esteve com o Spínola. É de todo improvável...Sei, pelas conversas que tive com ele, em Lisboa, na casa dos filhos, que houve, isso, sim, uma discussão azeda, amargurada, entre ele e o capelão-chefe, lá no "Vaticano", em Bissau...

Não estou a defender o Spínola, mas se ele tivesse chegado a saber a história como devia ser (, a história dos desgraçados dos prisioneiros civis, em Bambadinca, abril ou maio de 1971) quem teria levado uma "porrada" era o comando do BART 2917, o AC e o BB (...)



(**) Vd.poste de 25 de maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4412: Dando a mão à palmatória (20): O Arsénio Puim, capelão do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), só foi expulso em Maio de 1971

(...) O nosso capelão ainda teve uma semana em Bissau, a aguardar transporte, e outra semana em Lisboa, até ser reenvaiado para os Açores...

 Em Bissau, foi recebido por uma alta patente militar (que ele não consegue identificar, mas que até teve com ele um comportamento civilizado) bem como pelo seu superior hierárquico, o Major Capelão Gamboa (....). 

Em contrapartida, os amigos e camaradas de Bambadinca que na altura estavam de passagem em Bissau, fizeram-lhe um jantar de despedida, onde também esteve o 1º sargento Brito, como faz questão de frisar. (...)

quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Guiné 61/74 - P19049: Historiografia da presença portuguesa em África (132): Relatório de um alto funcionário maltratado na Revolução Triunfante, 1931 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Abril de 2018:

Queridos amigos,
Parecia que estava tudo escrito e dito sobre os acontecimentos da revolta de 1931, ninguém ignora que houve uma certa recetividade, rendidos os revolucionários da Madeira, era certo e seguro que os da Guiné iriam pelo mesmo destino. Os elementos da Junta Governativa saíram da Guiné, seriam quase todos severamente punidos, o Estado Novo fazia-se impor e não condescendia aos democratas.
Esta peça que faz parte do acervo dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa tem o seu encanto e alguém propõe como assunto o seu quase fuzilamento… Ele, que nada tinha a ver com aquela aventura, vinha, com as necessárias mesuras burocráticas, explicar-se convenientemente ao Sr. Governador interino, Soares Zilhão.
Para que conste.

Um abraço do
Mário


Relatório de um alto funcionário maltratado na Revolução Triunfante, 1931

Beja Santos

Não se pode dizer que o assunto do relatório não tenha um título exuberante: Relatório feito pelo Director dos Serviços e Negócios Indígenas, Dr. José Peixoto Ponces de Carvalho, entregue ao Governador nomeado pelo Poder Central, Sr. Coronel João Soares Zilhão, referindo-se à ocorrência, e do qual constam os maus tratos sofridos a quem foi submetido pelos revoltosos, a ponto de, mercê da intervenção de um amigo – revoltoso também – escapou milagrosamente de ser fuzilado, chegou a ser encostado a um muro. É um delicioso relatório constante do acervo dos Reservados da Sociedade de Geografia de Lisboa. O texto não é integral, julga-se, no entanto, que guarda o essencial:

“Exmo. Sr. Governador da Colónia da Guiné
Foi às 3,30 horas do dia 17 do passado mês de Abril que os tiros que iniciaram a revolução me despertaram. Mandei chamar o 1.º Oficial desta Direcção, António Pereira Cardoso. Demorado a comparecer, enviei novo recado. Pela resposta soube ter sido preso. Ao amanhecer soube mais: aquele funcionário fora violentamente espancado, bem como o Amanuense Mário Augusto de Serpa Rosa, detido, como o primeiro, no Armazém da Alfândega.

Já dia claro: nas ruas inúmeros civis – deportados, cadastrados e alguns espontâneos – passam armados. Depois, camionetas com metralhadoras, civis, cabos e sargentos.
É neste ambiente que à hora regulamentar me dirijo para o serviço. Ao entrar, um revolucionário deportado mostra-me uma intimação da chamada Junta Governativa, mandando comparecer na Repartição Militar os Magistrados Judiciais e do Ministério Público, Chefes de Serviço e de Repartição.

Na secretaria, todos os funcionários, com excepção dos referidos presos, trabalham nas suas mesas. Às 12 horas, apresentei-me na Repartição Militar, onde, com todos os intimados, assinei o compromisso de acatamento às ordens da Junta, repetindo o juramento feito quando tomei posse do meu cargo. Por duas razões o fiz: a convicção de que não cometia qualquer infracção; a certeza de que à recusa do acatamento corresponderia a da minha imediata prisão, o que necessariamente contribuiria para a desordem dos serviços e desprestígio de um alto funcionário, cujo cargo, para ser útil e eficaz, tanto cumpre fazer respeitar pelo elemento nativo.
O signatário, porque muito preza a verdade – contra a qual os interesses do seu amor-próprio não podem prevalecer – não quer omitir a hipótese de que a perspectiva de inúteis incómodos físicos e morais muito tivesse contribuído para a sua prudente resolução…

Em suplemento ao número 16 do ‘Boletim Oficial’ foi publicado um ‘convite’ a todos os funcionários e entidades oficiais para assistirem à posse do Governador Interino nomeado por ‘Resolução da Junta Governativa da Guiné’. Todos os funcionários compareceram, assinando o respectivo ‘termo de posse’. Nenhum outro contacto houve entre os funcionários da Direcção dos Serviços e Negócios Indígenas e a revolução. Dentro da quase completa estagnação que os acontecimentos provocaram, não se verificou a mais pequena solução de continuidade na pontualidade e compostura dos funcionários que aqui trabalham.
Durante o período revolucionário, nenhum diploma ou portaria foram publicados sobre a proposta, sugestão ou parecer desta Direcção.

Tendo exposto a V. Ex.ª. o comportamento e a atitude dos funcionários e a maneira como decorreram os serviços desta Direcção, durante o período revolucionário creio ter cumprido o que por V. Ex.ª foi determinado, 
15 de maio de 1935,
 José Peixoto Ponces de Carvalho”.



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Nota do editor

Último poste da série de 19 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19028: Historiografia da presença portuguesa em África (130): Relatório do Comando Militar do Oio, nascia o ano de 1915 (3) (Mário Beja Santos)