(1) Em Lamego... ser ranger;
(ii) Em Tomar... participar no 25 de Abril;
(iii) Em Mansoa, Guiné... arriar a última Bandeira.
Foto: © Magalhães Ribeiro (2005). Direitos reservados.
1. Num caderno, de 47 páginas, o nosso camarada Eduardo Magalhães Ribeiro conta, em verso, as peripécias da sua atribulada vida militar. Chamei a esses cadernos o Cancioneiro de Mansoa, por uma simples analogia com o Cancioneiro do Niassa. As diferenças são óbvias, nomeadamente quanto ao conteúdo.
O Cancioneiro de Mansoa está imbuído da ideologia ou (da mística) ranger, não é uma obra colectiva, é escrito por um dos últimos guerreiros do Império e, para mais, ao longo dos anos que se sucederam ao 25 de Abril de 1974 em que o autor também participou... Por sua vez, o Cancioneiro do Niassa (2) tem outra origem, outro contexto, outro tom...
De qualquer modo, o Magalhães Ribeiro não me levou a mal eu chamar Cancioneiro de Mansoa ao conjunto destes versos, ditados pela nostalgia do império perdido e pela afirmação do valor e do patriotismo do soldado português.
Recordo aqui a introdução aos cadernos (uma nota explicativa da sua origem e razão de ser):
"O meu velho gosto pela escrita sempre me impulsionou para, ao longo do tempo, alinhavar algumas palavras em bocados de papel, que ia guardando com as minhas outras relíquias, sem qualquer pretensiosismo, por ali, nas gavetas.
"Entretanto, li num dos jornais da Associação das Operações Especiais - da qual sou um dos orgulhosos sócios -, um apelo à colaboração de todos os Rangers, na sua composição, através do envio de artigos, contos, estórias, histórias, etc.
"Pensei então, modestamente, que os meus escritos talvez pudessem ter algum interesse para o efeito e, caso assim fosse julgado, cooperaria com muito gosto.
"Pelo que peguei nos velhos papéis e fui-os passando para outros papéis mais limpos, sem preocupações de qualquer requinte poético ou intelectual, propositadamente, através de linguagem popular e directa, de modo a ler-se e perceber-se o que realmente penso e sinto sobre as coisas e loisas de que eu gosto, sem outras interpretações ou distorções.
"Neste caderno reuni aquilo que diz respeito ao meu serviço militar que, por ter sido muito diversificado, dinâmico e histórico, constituiu para mim uma fonte inesgotável de aprendizagem, experiência, orgulho e inspiração.
"Como não podia deixar de ser, dedico especial atenção aos seus momentos mais altos: (i) o Curso de Operações Especiais, em Lamego; (ii) a participação no 25 de Abril; (iii) a comissão na Guiné; e, por fim, (iv) o arriar da última Bandeira Nacional em Mansôa" (...).
2.- Transcrevo hoje o relato da sua participação - por ordem do seu capitão, em Tomar - nas peripécias do 25 de Abril e a sua descoberta de uma palavra bonita, solidariedade... Na altura era um simples 1º Cabo Miliciano,
O Ranger Magalhães Ribeiro foi Furriel Miliciano da CCS do Batalhão 4612/74 - Mansoa/Guiné. Foi mobilizado para a Guiné já depois do 25 de Abril de 1974.
O 25 de Abril, a Barragem e a CPE
O 25 de Abril, quanto oportunismo?!
Quanto vigarista nele se governou?!
Quanto do seu sentido lhe foi alterado?!
Quanta injustiça em seu nome se gerou?!
Depois das Caldas da Raínha,
Lamego e Évora longe vão,
Seguiu-se a cidade de Tomar,
1ª Companhia de Instrução.
Regimento de Infantaria 15,
Ía eu no décimo mês militar,
Em Abril de setenta e quatro
Aconteceu numa noite de luar.
Gerou-se confusão no quartel,
Alguém correu a dar o alarme,
Corria o dia vinte e cinco
Ordem: - Toda a gente se arme!
Falava-se numa revolução,
Tropas a avançarem p’rá Capital,
A ocuparem as rádios e a TV
E outros d’importância vital.
Como achei aquilo estranho
E estava a ficar ensonado,
Fui tomar um banho e deitei-me;
De manhã... ruídos por todo lado!
Os ouvidos todos nos rádios,
Seguiam os acontecimentos,
Alguns mostravam indiferença,
Outros devoravam aqueles momentos
- O nosso Capitão quer vê-lo, já!-
Diz-me de repente um soldado;
Ao chegar junto dele reparei
No seu ar nervoso e preocupado.
- Meu capitão, bom dia, dá-me licença?
- Tenho uma missão p’ra lhe confiar...
Há um levantamento militar geral...
Com intenção do regime derrubar!
- Veio ordens para os Pides prender...
E controlar todos os pontos vitais...
Por isso, tenho aqui neste mapa
Já definidos todos os locais!
E, perante a minha curiosidade
Disse: - Em Lisboa rein’a confusão...
O Movimento das Forças Armadas...
É dono do Poder e da Decisão.
- Dividi as missões e o pessoal...
A si, tocou segurar a barragem…
Castelo de Bode, veja aí no mapa…
Um Cabo, treze homens, siga viagem!
Chegado lá, estudei a área
Rio, coroamento, margens e central,
Sete homens vigiam, sete descansam,
Olhos atentos a algo anormal.,
Mandei montar a tenda no jardim
As horas passaram rapidamente
O tempo do almoço passou e, nada…
- Liga o rádio p’ró quartel, urgente!
Diz o Cabo: - Está avariado!
Ora, sem rádio e sem almoço,
Também se passou a hora de jantar
E, para comer, nem um tremoço.
O Cabo começou então a divagar:
- Ou está tudo morto no quartel…
E s’esqueceram de nós aqui…
Ou foram p’ra Lisboa, c’um farnel!
Entretanto no nosso controle auto
Os civis davam sinais de alegria,
Faziam-me perguntas suspeitas
Qu’eu declinava, e não respondia.
Ao fim da manhã do outro dia,
Deleguei o Comando ao Cabo
E fui pesquisar os arrabaldes
Pois à vista, p’ra comer, nem um nabo.
Contado todo o dinheiro, concluí
- Nunca vi gajos tão tesos, porra!
Lembrei-me da regra simples da tropa:
Quem não se desenrasca, que morra!
Na margem direita, um pouco abaixo,
Vi uma Estalagem da CPE,
Qualquer coisa da Electricidade
E com coragem avancei, pé ante pé.
Expus ao Chefe o meu problema
E, descobri, naquela fresca manhã,
Que a palavra solidariedade
Afinal não era uma palavra vã.
A tropa não era só marcar passo!
Permitia conhecer outras terras,
Com belas paisagens e monumentos,
Por entre cidades, vales e serras.
Autor: Magalhães Ribeiro - Cabo Miliciano - 1ª Companhia de Instrução - 4º pelotão > RI 15 > Tomar, Abril de 74
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Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 1 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXVI: Cancioneiro de Mansoa (1): o esplendor de Portugal (Magalhães Ribeiro)
(2) Vd. post de 11 Maio de 2004 > Blogantologia(s) - XI: Guerra Colonial: Cancioneiro do Niassa (1) (Luís Graça)