Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
segunda-feira, 6 de janeiro de 2025
Guiné 61/74 - P26350: Parabéns a você (2342): Paulo Santiago, ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 53 (Saltinho, 1970/72)
Nota do editor
Último post da série de 3 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26339: Parabéns a você (2341): António Ramalho, ex-Fur Mil Cav da CCAV 2639 (Binar, Bula e Capunga, 1969/71)
sábado, 4 de janeiro de 2025
Guiné 61/74 - P26349: Tabanca dos Emiratos (13): Visita nas férias de Natal ao antigo Ceilão, a Taprobana de "Os Lusíadas", hoje Sri Lanka (Jorge Araújo) - Parte I
Banda desenhada infantil "Portuguese in Sri Lanka: part two: their exploits" (em inglês). Texto. Hashana Bandara; ilustração: Saman Kalubowila. (Sumitha Publishers. s/d., s/l. 24 pp.) Fonte: Poth Pancha, Panadura, Sri Lanla: uma livraria "on line" para crianças com menos de 12 anos (Imagem reproduzida com a devida vénia...)
A primeira estrofe de "Os Lusíadas" do Luís Vaz de Camões, cujos 500 anos do seu nascimento estamos a comemorar, começa justamente por fazer uma referència ao antigo Ceilãpo, a Taprobana, dos gregos e dos romanpos: "As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia Lusitana / Por mares nunca de antes navegados / Passaram ainda além da Taprobana / Em perigos e guerras esforçados / Mais do que prometia a força humana / E entre gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram". (JA/LG)De seguida apresentaremos algumas das imagens mais emblemátias desta nossa nova "comissão de serviço" (Ver fotos acima.)
Último poste da série > 22 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26067: Tabanca dos Emiratos (12): "Prova de vida" (Jorge Araújo)
Guiné 61/74 - P26348: Humor de caserna (91): O anedotário da Spinolândia (XIV): "Vão-se todos vestir com a roupa que tinham quando viram o helicóptero!"... (Mário Gaspar, ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gandembel e Ganturé, 1967/69)
1. Excerto do poste P12412(*), de Mário Gaspar:
(...) A CART 1659, "Zorba", só conheceu dois governadores, o General Arnaldo Schulz e o Brigadeiro António de Spínola. Só este último nos visitou – e por duas vezes. – mas, na segunda vez, discursou depois de formada a Companhia:
E assim sucedeu, depois de destroçarmos todos, rapidamente surgimos, de calções, tronco nu, chinelos e cabeça destapada.
− Não venho fazer promessas. Venho pedir mais privações e sacrifícios! (...) (**)
Guiné 61/74 - P26347: A Nossa Poemateca (6): Adeus, de Eugénio de Andrade ("Os Amantes Sem Dinheiro", 1950) (escolha de Mário Vitorino Gaspar, ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé,1967/69)
Mário Gaspar |
(ex-fur mil art MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68); lapidador de diamantes reformado, cofundador e antigo dirigente da Associação APOIAR; ele próprio leitor e cultor de poesia, porque "ler poesia faz bem ao cérebro"; tem c. 140 referências no nosso blogue; ingressou na Tabanca Grande em 8/12/2013.
Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
Eugénio de Andrade
in "Os Amantes sem Dinheiro" (1950)
Eugénio de Andrade, pseudónimo literário de José Fontinhas (Fundão, 1923 — Porto, 2005). Tem mais de 40 títulos publicados, em poesia, em prosa e em obras de tradução. Um dos poetas maiores, portugueses, do séc. XX. Dos mais lidos e traduzidos, Entre muitos prémios, recebeu o Camões em 2001. Por razões profissionais ( era inspector administrativo dos Serviços Médico-Sociais da Caixa de Previdência, 1947-1983), adotou o Porto como a sua cidade, a partir de 1950.
Para saber mais, ver Biblioteca Digital Eugénio Andrade
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Nota do editor:
Último poste da série > 2 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26335: A Nossa Poemateca (5): Romance de Tomasinho Cara-Feia, de Daniel Filipe (Ilha da Boavista, 1925-Lisboa, 1964 ) (escolha de Alberto Branquinho, ex-alf mil, CART 1689,1967/69)
Guiné 61/74 - P26346: Os nossos seres, saberes e lazeres (661): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (186): O que é próprio do traço vivo é ser justo e trair. Trai o que desconhece (Júlio Pomar dixit) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Júlio Pomar entrou na minha vida quando me fiz sócio da Cooperativa Gravura, pagava-se sete escudos e meio por trimestre, no fim do primeiro ano recebi uma gravura de Júlio Pomar, Mulher Reclinada; uma das prendas de casamento que recebi do meu padrinho de batismo foi uma gravura dele premiada pela Gulbenkian em 1961, e tenho procurado conhecer tudo quanto ele concebeu em azulejo, cerâmica, desenho, pintura e outros materiais. Há dias, visitando um antigo administrador do Metropolitano de Lisboa, um homem que vai a caminho dos 99 anos, levamos 50 anos de amizade, falámos deste trabalho inspirador de Pomar no Alto dos Moinhos, da serigrafia do Cupido, uma prenda com que me regalou. Vim a esta exposição com uma enorme tentativa, do princípio ao fim badalava-me uma frase de um outro grande artista plástico que me privilegiou com a sua amizade, Rolando Sá Nogueira: "O mais tormentoso, onde tudo arrisco pelo que se vai seguir é o primeiro traço do lápis, o espaço que ele vai ocupar, a forma que vai criar, em segundos eu terei a oportunidade de saber se naquele momento a inspiração está do meu lado ou se houve uma tentativa frustrada, inconsequente." E lembrei-me, igualmente, das observações que João Castel-Branco Pereira publicou da arte de Pomar na estação de metropolitano de Alto dos Moinhos, o génio plantado em azulejo. E como se escreve no folheto oferecido ao visitante desta soberba exposição, o próprio depoimento de Pomar: "Paredes ao alcance de mão vândala excluem toda a hipótese de pintura, dama de pele sensível e carnes frágeis. O revestimento cerâmico aparece naturalmente como solução ótima. O desenho linear pratiquei-o sempre e neste se tem acentuado ao longo dos anos, o cursivo da escrita." Por favor, dentro das vossas possibilidades, não percam esta exposição!
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (661):
O que é próprio do traço vivo é ser justo e trair. Trai o que desconhece (Júlio Pomar dixit)
Mário Beja Santos
O Atelier-Museu Júlio Pomar (Rua do Vale, 7, descendo a Calçada do Combro, ao fundo, à direita, como se fôssemos para a Igreja de Nossa Senhora das Mercês, antiga Igreja de Jesus, ao lado da Escola Secundária Passos Manuel) tem uma exposição patente até 20 de fevereiro intitulada De um traço, trai, uma exposição que mostra uma alargada seleção de desenhos que Pomar realizou sobre papel vegetal. De diferentes formatos, estes desenhos serviram de suporte, de estudo ou de esboço a composições realizadas em projetos de arte para o espaço público: estação de metropolitano Alto dos Moinhos, estação ferroviária de Corroios, Tribunal da Moita, espaço exterior da Fundação Champalimaud, Circo de Brasília, entre outros. Como se pode ler no folheto disponibilizado ao visitante, Pomar “Parte de um processo de estudo para chegar às composições finais, estes desenhos reclamam, ao mesmo tempo, uma autonomia face às mesmas. Eles revelam qualidades próprias, intensidades e pontos de vista irrepetíveis em cada registo. Com eles, revelam-se caminhos, aventuras em que o pinto se lançou e metodologias, como por exemplo os grandes formatos e as sobreposições, permitidas pelas folhas de papel vegetal (…) Os desenhos de Júlio Pomar surgem da rapidez do traço e essa rapidez resulta, certamente, de uma prática continuada e diária do desenho. Significa que rapidez e intuição estão, no caso de Júlio Pomar, radicadas em treino profundo, duradouro, consistente. E, se de uma assentada o traço sai, outras vezes haverá em que a posição ou a intensidade do traço é corrigida; o traço é refeito.” Haverá mais comentários durante a viagem, o melhor é mesmo entrar na exposição, nesta esplêndida atmosfera que é obra de um amigo de Pomar, Siza Vieira.
Desenhos para o Julgamento de Salomão, sobre papel vegetal montado em tela, 1993, obra destinada ao Tribunal da Moita
O visitante tem à sua disposição a visualização de um filme em que Pomar tece comentários à exposição que fizera na Gulbenkian em 1984, isto a propósito do seu trabalho para o Metropolitano de Lisboa. Retenha-se um desses comentários: “ver o que está em cada traço, que se sucede, se sobrepõe, eliminando ou ajuntando dentro de uma economia que eu gostaria que fosse condição do poder da expressão. Um mínimo de traços, um mínimo de elementos em jogo, é para mim a condição do máximo desejado da especificidade.” Pomar dirá noutro contexto: “Eu só poderia, e só isso me tentava, fazer o que até aqui tenho feito – soltar imagens. Suponho que, também, era isso que de mim se esperava.”
Voltando ao folheto que se distribui aos visitantes, uma outra anotação, como ponto final a esta visita: “Esta exposição procura mostrar o processo desenvolvido por Júlio Pomar até chegar a obra final, que hoje habita o espaço público: o seu traço limpo e espontâneo é, afinal, decorrente de várias tentativas para cercar cada figura, de movimentos de aproximação e distância em relação ao papel e ao plano onde está assente.”
Exposição imperdível, tenho para mim que Júlio Pomar foi o mais talentoso dos nossos artistas plásticos destes dois séculos que me foi dado viver.
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Nota do editor
Último post da série de 28 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26321: Os nossos seres, saberes e lazeres (660): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (185): From Southeast to the North of England; and back to London (5) (Mário Beja Santos)
Guiné 61/74 - P26345: Humor de caserna (90): teimoso... que nem um burro (João Crisóstomo, Nova Iorque)
João Crisóstomo, 2017. Foto: LG |
1. O João Crisóstomo , como lhe disse uma vez um seu amigo, o futuro cardeal patriarca de Lisboa, o José Policarpo (1936-2014), é um "berbequim", uma verdadeira força da natureza, persistente, teimoso, perseverante...
O João já era conhecido, no seu tempo de menino e moço, como um gajo teimoso como o caraças... Quando se metia numa coisa, não desistia logo às primeiras...
Se não assim, não teria tido sucesso, na emigração, na diáspora, no seu trabalho, nas "causas sociais" em que se tem metido (Foz Coa, Timor Leste, Aristides Sousa Mendes...) nem muito menos reencontrado a "sua" Vilma 40 anos depois de ter perdido o seu paradeiro (em Londres)...
Esta história. aqui meia perdida na minha caixa de correio, tem a sua piada (***). E, segundo penso, está relacionada com as suas diligências para associar as autoridades políticas e religiosas portuguesas â celebração da efeméride dos 70 anos da morte do Aristides de Sousa Mendes (Viseu, 19/7/1885 - Lisboa, 3/4/1954) (*)
Dizer que o João é "teimoso... que nem um burro", não é um insulto, é um elogio, a ele (e ao burro) e aos nossos milhões de compatriotas que escolheram viver e trabalhar (e morrer) longe, fora da Pátria.
Humor de caserna > Teimoso... que nem um burro
por João Crisóstomo
Data - quinta, 21/03/2024, 20:27
Assunto - Vale a pena ser teimoso…
Eu contei, em Nova Iorque, ao Fernando Santos (**) a minha odisseia em Portugal (em março de 2024: que o Presidente cancelou; que o Cardeal nem apareceu, mas por outro lado a secretária do Presidente facilitou-me a vida...
Aqui está a "verdade verdadinha", segundo "São Fernando”:
"Agora já sei por que é que o cardeal não compareceu. O Cardeal telefonou ao Pe. Melicias a saber quem era esse tal João Crisóstomo e ele disse-lhe:
− Tenha muita cautela, não apareça, ele mete-o em trabalhos.
O Cardeal telefona imediatamente ao Presidente Marcelo e avisa-o.
− Tenha cautela com um esse senhor João Crisóstomo. Vai metê-lo em trabalhos.
O Marcelo então avisa a secretária Ruela:
− Cancele o encontro com João .
Ela responde.
− Impossível, Sr. Presidente , o João Crisóstomo já está aqui!
− Oh, menina Ruela, por favor. Então diga-lhe que eu que lhe disse que eu não estava.
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(*) Vd. poste de 7 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25353: Efemérides (432): Há 70 anos que morreu Aristides de Sousa Mendes (em Lisboa, 3 de abril de 1954): O Presidente da República Portuguesa associou-se à homenagem do dia 7, hoje, em Nova Iorque, na Igreja Eslovena de São Ciro
(**) Jornalista e escritor, que vive em Nova Iorque, e é amigo de longa data do Jo
Guiné 61/74 - P26344: O nosso blogue em números (101): a nossa pequena Guiné-Bissau ficou, em 2024, no 10º lugar dos países que mais nos visitam...
Figura n º 2 - Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, de 2010 a 2024 (n=14 milhões): Mapa-múndi com a distribuição do número de visualizações de páginas. Embora muito pouco percetível, há um pontinho nos Açores, Madeira, Cabo Verde, Guiné-Bissau...
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Nota do editor LG:
Último poste da série > 3 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26340: O nosso blogue em números (100): cerca de 1,2 milhões de visualizações páginas em 2024 (da parte de 4,76 mil visitantes)
sexta-feira, 3 de janeiro de 2025
Guiné 61/74 - P26343: Desejando Boas Festas, Feliz Ano Novo de 2025, e aproveitando para fazer... prova de vida (14): Jorge Araújo (régulo da Tabanca dos Emiratos)
Boas Festas em Candoz e um melhor ano de 2025.
Um grande abraço, Jorge Araújo e Maria João
Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); nosso coeditor, a viver há uns anos entre Almada e Abu Dhabi, Emiratos Árabes Unidos. É um dos nossos coeditores. Como autor, tem mais de 335 referências no nosso blogue. Tem várias séries: "Tabanca dos Emiratos", "Memórias cruzadas...", "(D)o outro lado combate"... A esposa Maria João é professora na Universidade de Abu Dhabi.
O casal aproveitou as férias escolares para viajar até ao antigo Ceilão, hoje Sri Lanka, onde ainda há muitas marcas da presença histórica portuguesa (entre 1505 e 1656). No ano já em curso, comemoram-se os 520 anos da chegada dos portugueses a esta ilha.
A reportagem começa com uma calorosa mensagem natalícia, datada de 20 de dezembro último, a partir da capital Colombo, e com alguns problemas de velocidade na rede...
"Agora mesmo na República do Sri Lanka, situada a 9500 km da capital que já foi a do império luso, desejo-vos um santo Natal e um 2025 melhor do que o anterior onde a saúde e o conforto, a amizade e a partilha, os afetos e a felicidade, sejam os conceitos-chave para os próximos doze meses".
2. Outro camarada nosso, o Virgílio Teixeira, mandou-nos uma mensagem pelo WhattApp que se perdeu ao fim de 24 horas, por "burrice" minha. Do que peço desculpa. Vou ainda tentar republicá-la, a partir de uma nova versão. O Virgílio tem, além disso, uma série de materiais recentes que aguardam publicação. Peço - lhe paciência e compreensão. E desejo-lhe saúde e um bom ano.
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Nota do editor:
Último poste da série > 31 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26330: Desejando Boas Festas, Feliz Ano Novo de 2025, e aproveitando para fazer... prova de vida (13): Aí vem o Ano Novo (Juvenal Amado, ex-1.º Cabo CAR do BCAÇ 3872)
Guiné 61/74 - P26342: Notas de leitura (1760): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (8) (Mário Beja Santos)
Queridos amigos,
Permitam-me que insista neste aspeto: ler o Boletim Official da Província da Guiné nesta época tem extrema utilidade para se entender que a Guiné passou a ter atrativos comerciais, a sua legislação harmoniza-se tendencialmente com a da metrópole,os conteúdos são marcadamente burocrático-administrativos, só episodicamente se plasma no documento oficial que há conflitos interétnicos, que o Oio/Morés continua inexpugnável, etc. Chega Carlos Pereira, ele irá confessar ao ministro que encontrou a administração num caos e que a causa republicana tinha na Guiné um peso modestíssimo. Escreve isto um mês depois de lá chegar, em novembro de 1911. O seu tempo de governação, inevitavelmente, conheceu hostilidades entre indígenas, uma epidemia de febre amarela, vai aparecer o Capitão Teixeira Pinto nomeado como chefe do Estado-Maior, empreenderá uma campanha no Oio com sucesso, foi criada a Liga Guineense, que muito dará que falar por se ter oposto às tropelias e roubos praticados pela trupe de Abdul Indjai, sobretudo na Península de Bissau. A muralha de Bissau irá desaparecer, Teixeira Pinto terá sucesso no Oio e será condecorado. A colonização da Guiné parece avançar, Carlos Pereira virá a ser substituído por José António de Andrade Sequeira, que não aquecerá o lugar. Nesta altura já há inúmeras queixas contra Abdul Indjai.
Um abraço do
Mário
O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século e depois (8)
Mário Beja Santos
Carlos Pereira, o 1.º governador do regime republicano, toma posse a 23 de outubro e a 17 de novembro envia o seu primeiro ofício confidencial sobre a situação administrativa e política da província ao ministro da Marinha e das Colónias.
É um relatório bem desassombrado, diz ter encontrado a administração da província num verdadeiro caos, está a procurar obstar a abusos e ilegalidades, tem como objetivo o saneamento moral e todos os problemas vitais da economia. Diz ter encontrado muito poucos republicanos e muitos vira-casacas. Falando do problema orçamental da Guiné, classifica-o como ingovernável, o orçamento fora organizado no estertor da monarquia, promete apresentar soluções positivas e práticas para a província. Visita depois Bissau, ouve as queixas dos republicanos, e mais tarde viaja para Cacheu e Farim. É logo confrontado no regresso a Bolama com um processo levantado pelas autoridades judiciais contra o ex-governador Oliveira Muzanty, queixa apresentada por Graça Falcão, homem que Carlos Pereira classifica “sem escrúpulos e sem moral”. Em fevereiro de 1911, têm lugar episódios de hostilidade entre os indígenas, os Baiotes tinham atacado os Mancanhas junto do posto fiscal de S. Domingos, o novo governador não quis envolver-se em campanhas militares.
Havia um problema crónico de mão de obra para S. Tomé que passava por pedidos insistentes à Guiné. Carlos Pereira logo apurou que era enorme a relutância dos naturais da Guiné em se expatriar, quer evitar perturbações e descontentamentos, não deu seguimento aos pedidos de Lisboa.
Entretanto, a Guiné é abalada por uma grave epidemia de febre amarela, virão médicos de Cabo Verde, a Guiné só será considerada limpa em agosto, mas a epidemia voltou no final do ano, permanecerá até 12 de janeiro. Em julho de 1911, o governador aprova os estatutos da Liga Guineense, foi criada numa assembleia de nativos da Guiné e entre as suas finalidades tem a de fazer propaganda da instrução de estabelecer escolas em toda a província, e de trabalhar na medida das suas forças para o progresso e desenvolvimento da Guiné. Nesse mesmo ano iriam realizar-se eleições para a Câmara dos Deputados e Conselho Colonial, nos quais a Guiné tinha um representante. O nome mais estimado vindo de Lisboa era o de António da Silva Gouveia. Algo Carlos Pereira terá feito para lhe assegurar a eleição, pois foi enviada ao ministro uma exposição apresentando várias queixas contra Carlos Pereira, exposição apresentada por 92 nativos da Guiné, incluindo na exposição havia a queixa da transferência do capitão médico Francisco Regalla, chefe do serviço de saúde, era o único médico na capital, não se entendia a sua transferência para fora da capital. A queixa será arquivada em janeiro de 1912.
Em setembro de 1911, um violento temporal meteu ao fundo em Bissau a canhoneira Flecha, morreram quatro praças de marinhagem e dez indígenas, o comandante, José Francisco Monteiro, acabou por ser salvo exausto de forças. O tenente Monteiro conseguiu um verdadeiro milagre de pôr a Flecha a flutuar. Nos inícios de 1912, aquando da cobrança do imposto de palhota, deram-se vários desacatos da circunscrição de Cacheu, os indígenas da povoação de Jobel envolveram-se em tiroteio com a canhoneira Zagaia e o vapor Capitania. O Residente de Cacheu, contrariando a opinião geral dos habitantes, atacou Jobel e foi forçado a retirar-se, abandonando cinco mortos, mas incendiaram cem casas. Em meados de fevereiro, os Balantas de Binhone tinham assassinado um comerciante francês. O governador reconheceu a necessidade de ir pessoalmente à região. Há tiroteio, o governador regressa a Bissau e organiza uma forte coluna de Grumetes, retorna-se a Binhone que é destruída e queimada.
Aproveitando esta onda de resultados, o governador decidiu seguir para Cacheu para pôr na ordem os Felupes que tinham atacado a Zagaia, obrigando-os a fugir.
Mas os desacatos prosseguiram na região Felupe, voltam a ser batidos e incendiadas as povoações. A paz provisória será estabelecida em finais de maio. É durante a governação de Carlos Pereira que teve lugar a demolição da muralha de Bissau do lado confinante com a antiga povoação dos Grumetes, ligando o baluarte da Balança ao fortim de Pidjiquiti. A demolição desta muralha, que tinha três metros de altura, veio a originar alguns protestos no comércio e receio da população por temerem o ataque dos Papéis. A demolição decorreu sem qualquer incidente.
Em setembro de 1912, chega um novo Chefe do Estado-maior à Guiné, o capitão João Teixeira Pinto, que traz aura do serviço prestado em Angola. Vai dedicar-se ao estudo da ocupação e pacificação da província; cedo conclui que este processo se deveria iniciar pela ocupação das regiões de Mansoa e Oio, isto devido aos efeitos sob a economia da província e até prestígio das forças militares. Conversa com o chefe de guerra Abdul Injai e fica com a convicção que os subordinados era gente arrojada que poderia empregar como auxiliares. O administrado de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, pôs-se à disposição de Teixeira Pinto para o acompanhar com toda a gente que pudesse levantar da região. Fica acordado com o governador em que se estabelecesse um posto em Porto Mansoa, elemento-chave para fazer o cerco à região do Oio. Teixeira Pinto disfarça-se de inspetor da Casa Soller e atravessa o Oio de Mansoa a Farim e de Farim a Mansoa, observando toda a região. Conclui então que, sendo o ataque pelo lado de Farim impossível, ele só podia ser feito pelo lado de Geba-Gussará ou Mansoa-Bissorã. Como se ia estabelecer um posto em Mansoa, e ao norte de Morés todas as tabancas eram Soninqués, opta por este percurso. Mas estava gravemente doente, teve de se recolhera Bolama.
Carlos Pereira apercebeu-se que os Grumetes não queriam fazer parte da coluna que seria comandada por João Teixeira Pinto, a Liga Guineense também não mostrou disponibilidade. Teixeira Pinto aproveitou os irregulares de Abdul Indjai e pediu apoio ao administrador de Geba. Os ataques ao Oio começam no dia 1 de abril, haverá episódios de hostilidade até maio, sentir-se-ão muitas dificuldades: Ao chegar ao território do Oio os carregadores fugiram, caiu uma chuvada torrencial, atacou-se a tabanca de Cambaiu, ficou destruída, entrou-se no Morés, gente de Mansabá apresentou-se a pedir paz, procedeu-se à construção do posto em Porto Mansoa, prendem-se rebeldes, estava feita a submissão dos Balantas do Oio, Teixeira Pinto contou não só com o apoio de Vasco Calvet Magalhães como da lancha-canhoneira Flecha. Carlos Pereira saldou o acontecimento, foi criado o comando militar de Bissorã, Carlos Pereira pede a concessão a Teixeira Pinto da medalha de ouro de valor militar, ele será galardoado com a medalha de ouro da classe de serviços distintos pelos atos heroicos praticados como comandantes das forças que operaram nas regiões de Mansoa e Oio. Adiante, dar-se-á a exoneração de Carlos Pereira, virão seguidamente dois governadores que se irão suceder em tropel, José António de Andrade Sequeira e José de Oliveira Duque.
(continua)
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Notas do editor
Post anterior de 27 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26319: Notas de leitura (1758): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (7) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 30 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26327: Notas de leitura (1759): "Lavar dos Cestos, Liturgia de Vinhas e de Guerra", por José Brás; Chiado Books, 2024 (3) (Mário Beja Santos)