sábado, 18 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26401: Os nossos seres, saberes e lazeres (664): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (188): From Southeast to the North of England; and back to London (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Venho eufórico de Bath para Londres, dividido entre lautos passeios pedestres, por exemplo deambular entre Blackfriars, Catedral de S. Paulo, trago uma lista de parques, museus e galerias, mas prefiro andar ao sabor da corrente. É a primeira vez que me vou aboletar em Barnes - Richmond, mesmo a beijar o Tamisa, receção calorosa, revisão de histórias de outros encontros, a anfitriã já viveu em Brighton, lá a visitei, felizmente que ela também gosta de Lisboa, tudo conveniente para os dois. O dia seguinte está por minha conta, é exatamente na estação de Hammersmith que foi tomada a decisão de ir até à National Portrait Gallery para iniciação desta imersão londrina. O que aqui se conta, entre passear em museus e vagabundear por estes espaços urbanos opulentos, muita coisa vai acontecer, deu-me para rever os lugares por onde andei quando estagiei na BBC Rádio e TV antes de conceber e apresentar programas televisivos de defesa do consumidor; não vi tudo quanto queria e do que vi matei saudades e colhi algumas deceções.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (188):
From Southeast to the North of England; and back to London – 7


Mário Beja Santos

Viagem de Bath para Londres, apanha-se o tube para a estação de Hammersmith, atravessa-se a ponte que está em obras, avança-se para o requintado bairro de Barnes, em Richmond, receção afetuosa, já se fala no regresso de uma querida amiga a Lisboa, é uma verdadeira andarilha, arrumada a tralha, nada como desempenar as pernas e passear numa margem do Tamisa, aproveita-se um antiquíssimo caminho, é inumerável o número de barcos de regata desde um par a múltiplos, mas o que mais me surpreende é a quantidade de barcos estacionados, daqueles que se veem nos braços do Tamisa, assim como há caravanistas, há gente disposta a passear e até a viver nestes barcos à beira-rio, irei ser confrontado com muitas destas imagens. Regresso a casa, já com as pernas moídas, dou conta que tenho o dia seguinte todo para vagabundear, tinha quatro opções possíveis em museus, apanharei metro para sair perto de Trafalgar Square e, portanto, passar umas horas na National Portrait Gallery, já fiz uma escolha do que pretendo ver. Recordo quando estagiei na BBC Rádio e TV, quando saía do edifício aí pelas 16h30 ou 17h, metia-me a caminho até Charing Cross Road, sempre a paixão dos livros, das galerias, havia para ali muitas lojas de alfarrabistas e obras em saldo. Como contarei mais tarde, grande foi a deceção. Se a arquitetura se mantém intocável, mesmo com a introdução destes gigantescos edifícios com vidros, a parte comercial alterou-se radicalmente, o declínio do livro é chocante. Aqui alinhavam imagens da belíssima ponte de Hamemrsmith, do passeio pedestre a uma margem do Tamisa e pela escolha que fiz na National Portrait Gallery, foquei-me nos Tudor e um conjunto de retratos soltos, nem todos ficam neste documento, virão no próximo.

Pormenor da Hammersmith Bridge, vista do lado de Barnes – Richmond, a seguir vou dar o passeio por este velho caminho por onde outrora os cavalos puxavam os barcos
Pormenor do Tamisa, com a elevada quantidade de barcos de residência
Um outro detalhe dos barcos que se espalham pelo Tamisa
A minha anfitriã deu-me a saber que aquele barco que se avista ao fundo é o mais antigo de Londres
Este velho caminho oferece as suas curiosidades arbustivas, não resisti a fixar esta
Fachada da National Portrait Gallery, junto a Trafalgar Square, tinha saudades de caminhar alguns quilómetros a ver retratada gente que recebeu a bênção da perenidade
Monumento à enfermeira Edith Cavell, heroína nacional, fuzilada pelos alemães em Bruxelas, em 12 de outubro de 1915
Retrato de Isabel I, 1533-1603, por Nicholas Hillard, cerca de 1575
Rainha Maria I, 1516-1558, por Hans Eworth, 1554. Este quadro terá feito parte das negociações para o seu casamento com o primo Filipe II de Espanha. Tal como a sua irmã Isabel, Maria I nunca casou
Retrato de Sir Walter Raleigh, 1553-1618, este senhor fez-nos a vida negra com razias em povoações do litoral português
Retrato de Henrique VII, por artista anónimo
Retrato de Henrique VIII com Catarina de Aragão, sua primeira mulher e mãe de Maria I
Biombo feito com a técnica de découpage, ou papier machê, mostrando cenas de boxe, pertenceu a Lord Byron, obra de Henry Charles William Angelo, 1814
Benjamin Franklin, 1706-90, por artista desconhecido segundo retrato de Joseph Siffred Duplessis
Capitão James Cooke, 1728-79, por John Webber

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post de 11 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26378: Os nossos seres, saberes e lazeres (662): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (187): From Southeast to the North of England; and back to London (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26397: Os nossos seres, saberes e lazeres (663): Convite para a apresentação pública do livro "Orando em Verso III", da autoria do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves, dia 24 de Janeiro de 2025, pelas 21h30, no Salão 1 da Igreja Matriz da Marinha Grande

Guiné 61/74 - P26400: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (35): Jorge Pinto (ex-alf mil, 3.ª C / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74) - Parte V


Foto nº 1A  > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Colheita da mancarra (ou milho painço?... É sorgo, diz o nosso especialista Cherno Baldé).

Aqui os homens também trabalham! Em Fulacunda praticamente não havia atividades. Cultivava-se apenas junto ao arame que rodeava a tabanca, alguma mancarra, milho painço, pescava-se muito pouco, apanhavam-se cestos de ostras que cozinhávamos como petisco ao final do dia e havia um milícia que às vezes caçava uma gazela e nos vendia a “preço de ouro”.


Foto nº 1B  > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Colheita de sorgo.



Foto nº 2A Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Fazendo tijolos de adobe para uma morança. Durante a minha estada em Fulacunda, construíram-se apenas umas 3 moranças novas. As NT deram a sua ajuda preciosa


Foto nº 2B >  Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Fazendo tijolos de adobe para uma morança (2).


Foto nº 3 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Fonte dentro da tabanca. Furo feito pela companhia dos “Boinas Negras”, 1968/69 (?) [CCAV 2482, "Boinas Negras",  30 de junho de 1969 / 14 de dezembro de 1970]. 





Foto nº 4 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Horta do Tobias. Alguns soldados e gente da tabanca, sob a orientação do furriel Tobias,  dedicaram-se a esta horta que, como se vê, era bem verdejante, mesmo na época seca. Graças a ela tínhamos, couves, alfaces, pimentos e outras hortaliças.No lado esquerdo, vè-se uma picota (para retirar água de um poço).


Foto nº 5 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) >  Avó com filho de soldado branco. Em Fulacunda, verifiquei que havia 4 crianças filhas de soldados brancos,  pertencentes a companhias anteriores. Também verifiquei que apenas uma das mães continuava a viver em Fulacunda.


Foto nº 6 > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Lavadeiras. Fonte antiga. Todos os soldados tinham a sua lavadeira. A lavagem da roupa era feita na tabanca com água retirada através do único furo (foto nº 3), feito por uma companhia de caçadores estacionada em Fulacunda em 68/69 [ou melhor, 69/70], e que penso chamar-se “Boinas Negras” [ CCAV 2482, "Boinas Negras", subunidade que esteve em Fulacunda entre 30 de Junho de 1969 e 14 de Dezembro de 1970, data em que foi rendida e partiu para Bissau]. Contudo, quando havia muita roupa para lavar, as lavadeiras deslocavam-se à fonte antiga (foto), que se localizava na parte exterior do aquartelamento e portanto sujeita a “surpresas” [acções do IN].


Foto nº 7A > Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Vista aérea do quartel (à direita) e "reordenamento" (à esquerda)


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Foto nº 7 > Vista aérea da pista, da tabanca e do aquartelamento de Fulacunda... Tentativa de reconstituição de:
  • perímetro de arame farpado (a amarelo, tracejado);
  • espaldões (artilharia, armas pesadas...) e abrigos (a vermelho, círculo);
  • área cultivável em redor do arame farpado (a verde, linha)... 

No sentido su-sudeste / nor-noroeste, vê-se a pista e o heliporto...Para a esquerda era o porto fluvial .  

Pelas minhas contas, o observando a foto aérea, a tabanca de Fulacunda não teria nesta altura mais de meia centena de moranças (300 e tal pessoas): 30 moranças com telhado de zinco e umas 20 com cobertura de colmo... 

A população  vivia em economia de guerra:  homens (milícias) e mulheres (lavadeiras) dependiam da tropa. Não havia bolanhas perto.... Não havia produção de arroz (cujo preço irá triplicar em finais de 1973/74). Nem devia haver nenhum comerciante. A região de Qiuínara foi muito afetada pela guerra (que "oficialmente", para o PAIGC, começou em 23 de janeiro de 1963 em Tite; na verdade, começou muito antes; Tite não tinha qualquer importância, e tinha menos população que outras tabancas da região de Quínara como Bissásserma, Iusse, Enxudé, etc. Fulacunda, sim, era sede de circunscroção admonistrativa... Isoladfa, entrouu em total decadència, e hoje não terá mais de 1500 habitantes.

(Com  o ataque estúpido,  precipitado e infantil a Tite, desencadeado por um "djubi" a quem deram uma pistola, Arafan Mané, abriu-se a "caixa de Pandora", e a Guiné tornou-se um inferno para todos... Porquê, para quê, Arafan ?)

No final da guerra, as NT deveriam ter cerca de 220 homens em armas em Fulacunda: além da 3ª C / BART 6520/72 (160 homens) ,o Pel Mil 221 (30 homens) e o 31º Pel Art (3 obuses 14 cm) (30 homens). O setor S1 (Zona Sul, 1) estava sediado em Tite. Havia quartéis e destacamentos das NT em Tite,  Bissássema, Enxudé, Nova Sintra, Ganjauará, Fulacunda (mais de 1100 homens em armas, segundo a minha estimativa ).(LG)


Fotos (e legendas): © Jorge Pinto (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagemcomplementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


1. O Jorge Pinto: (i) ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74; 

(ii) natural de Turquel, Alcobaça; 

(iii) professor do ensino secundário, reformado; 

(iv) membro da Tabanca Grande desde 17/4/2012, com 6 dezenas de referências no blogue;

(v) tem o melhor álbum fotográfico sobre Fulacunda, região de Quínara, chão biafada;

(vi) pela qualidade técnica e estética, pela sensibilidade sociocultural bem como pelo interesse documental dos seus "slides", estamos a republicar, depois de reeditadas, algumas das suas melhores fotos (*).

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sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26399: Notas de leitura (1765): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Se pretendermos sintetizar os acontecimentos deste período, é imperioso lançar um olhar sobre a política da I República que é pautada por movimentos revolucionários, uma sucessão de ministérios, enfim, instabilidade, que se repercute com as nomeações para Bolama; a nomeação de Andrade Sequeira é coincidente com o rol de queixas quanto a Teixeira Pinto e Abdul Indjai, sobretudo este é acusado de barbaridades, roubos, raptos e intimidações em série; Andrade Sequeira informa o Ministério de que Teixeira Pinto tinha como braço direito este torcionário; irão suceder-se os governadores, haverá mesmo um inquérito a Andrade Sequeira, cresce a instabilidade nos Bijagós, houvera um grave incidente em Bor, Portugal já está em guerra com a Alemanha, irão não só acentuar-se as dificuldades económicas e financeiras , os negociantes alemães têm os seus bens apresados, vem aí um tempo de grandes dificuldades.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10)

Mário Beja Santos

1915, o ano que é dado como o da pacificação da Guiné continental, conhece a polvorosa em Portugal. O general Pimenta de Castro é encarregado de organizar um Ministério, entretanto redobra a agitação republicana, há um movimento revolucionário que provoca largas centenas de mortos, o presidente Manuel de Arriaga é obrigado a demitir-se; virá João Chagas, que era embaixador em Paris, convidado para formar Governo, mal entra em Portugal sofre um atentado, fica gravemente ferido; em junho, Norton de Matos é o novo ministro das Colónias, irá nomear Andrade Sequeira para governador da Guiné (como o leitor estará recordado a sua primeira nomeação fora recusada pelo Senado).

Chega a Bolama numa altura em que já tinham terminado as operações de Bissau, é no rescaldo destas que se irão viver na Guiné conturbados e complexos tempos. Ao considerar que estavam detidos vários Grumetes sem razão fundada, Andrade Sequeira não via razão para eles serem julgados em tribunal de guerra, e os acusados foram enviados para Bolama, medida que deu contestação; os Grumetes, segundo uma petição que chegou ao governador, dizendo que este queria amnistiar gente que se juntara aos Papéis para atacar os europeus e os seus haveres. O protesto era subscrito também por vários funcionários da colónia; o governador irá demiti-los ou suspendê-los. Mas, entretanto, houve uma chacina de Papéis em Bor, praticada por Abdul Indjai e a sua gente, o régulo de Intim terá sido barbaramente assassinado, bem como membros da sua comitiva. Os comerciantes de Bissau pediam ao governador que tomasse providências para salvar os Papéis que eram barbaramente assassinados por estes auxiliares de Abdul. Em novembro, o governador informa o ministro da situação na província, resultante das operações que tinham sido realizadas em Bissau, sob o comando de Teixeira Pinto. Os comerciantes e residentes em Bissau tinham pedido a manutenção deste capitão e escrito ao ministro nesse sentido.

Andrade Sequeira escreve que “a designação de Grumete é dada na Guiné a todos os indígenas cristãos que são, na sua grande maioria, oriundos da raça Papel. São os Grumetes os indígenas que mais têm assimilado a nossa civilização, e são eles também que exercem todas as artes e ofícios, e ocupam vários empregos públicos. Muitos dedicam-se ao pequeno comércio, e pequena cabotagem, e alguns há que são abastados de proprietários, importantes e acreditados comerciantes”. E o governador informa o ministro que era público e notório, terminada a guerra de Bissau, que os auxiliares de Abdul continuavam a praticar toda a casta de violências, extorsões, roubos, assassinatos, saqueavam tudo. Os Grumetes estavam impedidos de se deslocar a Bissau. E mais informava o governador que iria fazer a ocupação militar do território, dá instruções rigorosas aos auxiliares que só poderiam afastar-se dos postos com ordem do comandante, os Papéis poderiam construir as suas tabancas.

Na mesma carta ao ministro dava-lhe conta do que tinha pretendido fazer na ilha de Bissau em 1914; que os Grumetes, representados pela Liga Guineense, haviam pedido insistentemente que não houvesse guerra, considerava que tinha sido péssimo e desastroso esta guerra de 1915, ainda por cima com uma composição de três oficiais, dos quais um era médico, seis praças europeias e 35 soldados indígenas, apoiados por 2 mil irregulares de Abdul Indjai, considerava que com esta proporção de irregulares era materialmente impossível disciplinar e fazer obedecer os auxiliares. “Foi o Abdul que bateu Bissau e que nós fomos, apenas, os seus modestos auxiliares. O governador lamentava ter sido um francês de nascimento e bandido de profissão a prestar serviços à província ‘por seu próprio interesse’”. E juntava documentos que atestavam as irregularidades e as arbitrariedades que Abdul praticara ao longo do tempo. Nesta mesma carta ao ministro, Andrade Sequeira está ciente das dificuldades em apear Abdul, ele ainda goza de popularidade e escreve: “É indispensável tolerá-lo, mas é forçoso desarmá-lo, restringir-lhe a supremacia e não lhe permitir que, impunemente, pratique toda a série de crimes, barbaridades e vandalismos.”
Seguiria esta política desde que obtivesse a anuência do ministro.

Armando Tavares da Silva cita uma informação do administrador de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, enviada a Andrade Sequeira, em síntese: Abdul era oriundo do Senegal, antigo negociante ambulante, tinha exercido comércio de permuta com os indígenas da Costa de Baixo, tinha sido preso pelo régulo dos Manjacos por abusos cometidos, dele se vingou em 1914; um dia desgostou-se das suas ocupações e armou-se em guerreiro, veio viver para a região de Geba, onde cometeu abusos, coadjuvado pela gente que o acompanhava, o que obrigou o comandante militar de Geba a prendê-lo e depois enviado para S. Tomé, de onde regressou em 1908 amnistiado pelo príncipe Luís Filipe, o governador Muzanty não o queria deixar entrar, cedeu ao pedido do régulo Abdulai do Xime; Abdul esteve ao lado de Oliveira Muzanty na guerra com Badora e Cuor, continuaram os abusos, chegou a apresentar-se em Bafatá com mais de oitenta homens armados; trata-se de um esclarecimento longo, cheio de referências a roubos e humilhações de toda a ordem, Calvet Magalhães confessa mesmo que tinha reprovado a decisão do governador Oliveira Duque para a nomeação de Abdul como régulo do Oio, a carta também refere a escravatura que Abdul exercia sobre os desgraçados que apanhava nas guerras.

Vão seguir-se audições de Teixeira Pinto, inumeradas as acusações e é o próprio Andrade Sequeira que incrimina o capitão; há uma participação judicial sobre Teixeira Pinto e Abdul Indjai, Andrade Sequeira manda abrir inquérito sobre o desaparecimento de um processo que implicava Teixeira Pinto, segue-se nova inquirição, Teixeira Pinto vai respondendo aos quesitos, quem coordena o processo é o vice-almirante Brito Capello que concluirá não haver nenhum facto concreto que determinasse procedimento contra o capitão.

Em 1916, temos novo ministro das Colónia, António José de Almeida, Andrade Sequeira abandona a Guiné, em 10 de março Portugal está em guerra com a Alemanha. Surgem problemas nos Bijagós relacionados com a cobrança de impostos, reconheceu-se a impossibilidade de cobrar imposto. Regressado a Lisboa, Andrade Sequeira pede ao ministro um rigoroso inquérito a fim de se averiguarem vários abusos praticados na colónia e que ele documentara nos seus relatórios. O inquérito é entregue a Manuel Maria Coelho, um oficial que foi o primeiro governador-geral de Angola no regime republicano. O relatório deste é absolutamente demolidor quanto ao comportamento do governador Andrade Sequeira, e conclui mesmo que a obra do capitão Teixeira Pinto na Guiné tinha sido tão fecunda em benefícios para a colónia e em glória para Portugal como nefasta foi a obra do governador Andrade Sequeira.

Iremos ver agora o período de 1917 a 1919 marcada por desacatos em Canhabaque, a governação interina de Manuel Maria Coelho, haverá novo governador interino, Ivo Ferreira, e a segunda presença de Josué de Oliveira Duque à frente dos destinos da Guiné, e, no tropel dos acontecimentos, Sousa Guerra também será nomeado governador da Guiné.


Armando Tavares da Silva
Régulo Mamadu Sissé, colaborador de Teixeira Pinto nas operações de Bissau, fotografia de Domingos Alvão, tirada durante a I Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934
Aldeia Mancanha, 1910
Terra Ardente (1960, documentário realizado por Augusto Fraga, pertence à Cinemateca Portuguesa, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 10 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26385: Notas de leitura (1764): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26398: Eufemismos: o "acidente com arma de fogo" como causa de morte (1): o caso o cap art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, cmdt da CART 1613 (Guileje, 1967(68), morto em São João, em 24/12/1966




guardião das memóras da CART 1613 e de Guileje (1967/68). 
Foi um histórico (e um entusiasta) do nosso blogue
 e o primeiro a "deixar-nos"...  Tem mais de 80 referèncias.




Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 8.° volume: Mortos em Campanha, Tomo II, Guiné - Livro I, 1ª ediçáo. Lisboa, 2001,  pág. 224


1. Houve vários casos de homicídio, suicídio, automutilação, "fogo amigo", erro humano ou técnico, falha no manuseamento de arma de fogo, mina ou armadilha, etc,  ocorridos entre as NT, no TO da Guiné, e que originaram baixas mortais, tendo  invariavelmente sido tratadas, para os devidos efeitos (incluindo estatísticos) como "acidentes com arma de fogo". 

Trata-se de um "eufemismo", ou seja, um figura de estilo que usamos para, sem alterar o essencial do sentido,  encobrir, branquear, disfarçar ou atenuar factos, situações ou ideias  grossseiras, rudes, desagradáveis ou dramáticas, recorrendo a expressões mais suaves ("lerpar", por exemplo, em vez de "morrer", "levar um par de patins" em vez de "ser punido")...

O eufemismo é muito usado pelos seres humanos (não sei se os robôs já sabem usá-lo: depois de aprenderem a matar, aprenderão todo o resto). Os portugueses não são exceção. O eufemismo ajuda-nos a alijar a culpa, escamotear a responsabilidade, humanizar a tragédia, dourar a pílula, aligeirar a realidade, suportar o absurdo, fazer humor...e até "fazer amor" (outro púdico eufemismo).

No caso do meio militar, em tempo de paz ou de guerra, a expressão "acidente com arma de fogo" afeta menos o moral da tropa do que expressões ou vocábulos com "carga negativa" como fogo amigo, homicídio, suicídio., erro humano, falha técnica... Não sei como o exército, durante estes período de 1961/75, dava estas "funestas notícias" à família... De qualquer modo, o eufemismo também a ver com o pudor face à morte e sobretudo à "hipocrisia social".

Talvez por isso, por estas e outras razões, se prefirisse usar a expressão "acidente com arma de fogo" em vez  de "chamar os bois pelos nomes"...E no entanto as forças militares e militarizadas correm mais o risco de usar, indevidamente, as armas que estão à sua guarda... (Mas nós, convém dizê-lo,  não somos especialistas em ciências forenses, nem em justiça militar...)

Alguns destes casos já foram relatados aqui no blogue.. Vamos recapitulá-los, esperando com isso sistematizar esta matéria (que é melindrosa e dolorosa) e suscitar eventualmente novos contributos por parte dos nossos leitores.... Em tempo de paz ou de guerra, estes casos não chegam, em geral,  ao conhecimento público. Não chegavam ontem (nem hoje, apesar da liberdade de imprensa)...


2. Foram contabilizadas durante a guerra colonial (1961/75), no conjunto dos combatentes dos 3 ramos das forças armadas (e incluindo os do recrutamento local), em Angola, Guiné e Moçambique:

  • 10425 baixas mortais ("mortos"), por todas as causas (combate, acidente e doença),
  • a par de 31300 feridos graves (3 feridos graves por cada morto; 10 feridos, graves e não graves, por cada morto)
No TO da Guiné, esses números foram os seguintes:

  • 2854 mortos (dos quais 1717 em combate);
  • 9400 feridos graves.
"Excluindo as milícias", os mortos do Exército na Guiné foram os seguintes, discriminados por principais causas:

  • Ferimentos em combate = 1273 (58,5%)
  • Doença = 281 (12,9%)
  • Acidente com arma = 251 (11,5%)
  • Acidente de viação = 166 (7,6%)
  • Afogamento = 138 (6,3%)
  • Acidente de aviação = 2 (0,0%)
  • Outras causas  = 66 (3,0%)
  • Total= 2177 (100%)
(Fonte: adapt de Pedro Marquês de Sousa, "Os números da guerra em África". Lisboa: Guerra e Paz Editores, 2021, cap. II, pp. 97 e ss.)

Pelo menos, cerca de 12% das mortes no TO da Guiné foram devidas a "acidente com arma de fogo"... 

Estarão aqui, nestes casos,  as situações, mais frequentes de falhas no manuseamento de minas, armadilhas, dilagramas,  granadas de LFog e de armas pesadas, disparos acidentais com pistolas, pistolas-metralhadoras, espingardas automáticas, erro humano ou técnico, etc.,  mas também "fogo amigo", homicídio, suicídio, automutilação...



3. O caso do cap art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz é, inegavelmente, um dos que podemos classificar como homicídio.

 O autor, confesso, do crime, o soldado Cavaco,   foi condenado em Tribunal Militar a 23 anos de prisão maior, a cumprir em estabelecimento penal adequado na Metrópole. Vejamos, sumariamente, como tudo ocorreu.

Na vésperas da noite de Natal de 1966, uma tragédia vai ensombrar a história da CART 1613/BART 1896, a companhia que estava em IAO em São João, na região de Quinara, frente á ilha de Bolama, e que iria, seis meses depois, para Guileje (onde esteve, como unidade de quadrícula,  de junho de 1967 a maio de 1968). 

BART 1896, mobilizado no RAP2, Vila Nova de Gaia, esteve originalmente destinado a Angola. Tinha desembarcado em Bissau em 18 de novembro de 1966 (e regressaria à metrópole em 18 de agosto de 1968).  (Além da CCS, e da CART 1613, era formado ainda pela CART 1612 e CART 1614.).

No livro da CECA (8.° volume: Mortos em Campanha, Tomo II, Guiné - Livro I, 1ª ediçáo. Lisboa, 2001,  pág. 224) diz-se que "o cap mil art com o nº mecanográfico 1036/C", de seu nome Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, a comandar a CART 1613, foi vítima  de "acidente com arma de fogo" (sic), ocorrido no aquartelamento de S. João (e não Cachil...), vindo a morrer a 24 de dezembro de 1966 no HM  241, em Bissau.(*)

 (Há aqui, parece-nos,  um erro a corrigir: O cap art Fausto Ferraz não era milicino, pertencia ao QO, e foi-lhe,  "a posteriori", feita a correção de antiguidade, ao abrigo da Lei 15/2000, de 8 de agosto:  alferes com a antiguidade de 1 de novembro de 1952; tenente com a antiguidade de 1 de dezembro de 1954; capitão com a antiguidade de 1 de dezembro de 1956; major com a antiguidade de 25 de Maio de 1966; na ficha da unidade, publicada pela CECA aparece como "cap mil grad art"; o seu nome também não consta da lista dos antigos cadetes da Academia Militar mortos ao ao serviço da Pátria durante a Campanha do Ultramar, 161/74).

O malogrado cap art Fausto Ferraz (de que não temos, infelizmente, qualquer foto) foi inumado no cemitério da Conchada, em Coimbra. Era casado com Maria Fernanda Ferreira da Costa, filho de Manuel Fonseca Ferraz e Ana Rosa Manteigas, sendo natural da freguesia de Pousafoles do Bispo, concelho de Sabugal.

Houve testemunhas desse funesto acontecimento. O cap SGE ref José Neto (1929-2007), um dos históricos do nosso blogue (**), contou-me (e depois contou-nos), antes de morrer,  que o autor dos disparos foi o soldado condutor autorrodas José Manuel Vieira Cavaco. 

O Cavaco era madeirense, tendo recebido na véspera de Natal provisões remetidas pela família, entre elas uma garrafa de aguardente de cana de açúcar (rum da Madeira) (ou mais provavelmente poncha, a bebida tradicional da Madeira, feita de aguardente de cana-de-açúcar, açúcar ou melaço de cana e sumo de limão). 

Já não poderemos confirmar se era rum da Madeira, só regulamentado em 2021,   ou a tradicional poncha da Madeira, cuja produção e comércio também só foi regulamentada há uns anos atrás, em 2014, pelo Governo Regional da Região Autónoma da Madeira; de qualquer modo,  o rum tem um teor alcoólico minimo de 37,5º, superior à poncha (25º).

Chegado à Guiné há pouco mais de um mês, a CART 1613  estava em S. João, frente a Bolama, em treino operacional.

A mobilização para a Guiné (em vez de Angola), as andanças do batalhão e da companhia, 
as saudades da terra, a incerteza face ao futuro, as recordações do Natal na ilha e a poncha (ou o rum)  fizeram uma mistura explosiva. 

Sob o efeito do álcool, e sem qualquer motivo aparente, o Cavaco abateu a tiro o comandante da companhia, "alferes de artilharia, graduado em capitão", Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, na véspera de Natal, 24  de dezembro de 1966.

Creio que feriu mais militares. O Zé Neto, na altura 2º sargento a exercer as funções de 1º srgt,  "teve que o esconder para ele não ser linchado" (sic). (***)


3. Voltemos ao relato do Zé Neto (que foi a principal testemunha):

(...) No dia 25 de Dezembro [de 1966] vieram dois helis com oficiais que indagaram, investigaram, fotografaram e regressaram a Bissau sem o Cap Corvacho, que ficou a comandar, interinamente, a companhia. (...)

Inicialmente, na orgânica do Batalhão, o Cap Corvacho era o oficial mais antigo no seu posto e desempenhava as funções Oficial de Pessoal e Reabastecimento.

Eu já tinha lidado com ele em Brá, pois foi o oficial instrutor dum processo disciplinar que exigi ao comandante, na iminência de ser punido por uma infracção de trânsito - excesso de velocidade da viatura que me transportava - apenas em face da participação dum furriel da PM [Polícia Militar] e dum sistema de deteção de velocidade discutível.

O Cap Corvacho (que tinha o curso de Polícia Militar) levou as suas averiguações até ao mínimo pormenor e concluiu – e assim o exarou no final do processo – que a minha ordem ao condutor (não dada, mas assumida) de ultrapassar uma camioneta do BENG [Batalhão de Engenharia] que travou ao ver a patrulha da PM, foi a adequada para evitar a possível colisão, e o excesso de velocidade assinalado pelo aparelho, 12 Km/hora (62-50) em nenhum momento pôs em perigo a circulação na faixa contrária. (...)

O primeiro ato de comando do Capitão Corvacho foi mandar formar a companhia. A sua breve alocução resumiu-se a:

 
– Estou aqui para vos comandar até à chegada do novo comandante que há-de vir da Metrópole. Enquanto esta situação se mantiver vou exigir-vos o máximo e dar-vos todo o meu apoio. A minha primeira exigência fica já aqui: O que se passou esta noite foi uma tragédia que, contada e recontada, pode vir a sofrer deturpações que em nada favorecem a companhia. Por isso não vos peço que esqueçam, mas sim que não alimentem as coscuvilhices de Bissau e acho que a melhor resposta que podemos dar aos curiosos é: Isso é um assunto interno da companhia, ponto final.

Mandou destroçar e convocou os oficiais e sargentos para uma reunião. Disse-nos que queria o pessoal o mais ocupado possível. Que fossem à lenha, que fossem jogar a bola, que fossem banhar-se na praia, e que o resto do programa de treino operacional era para cumprir no duro.

Depois chamou-me à parte e fomos dar uma volta para conhecer o quartel – eu tinha chegado ali na véspera, pois tinha ficado em Brá a tratar da papelada e pedi para ir passar o Natal com os “meus rapazes” – e a nossa conversa andou à volta da situação algo calamitosa em que se encontrava o setor da alimentação com os desvarios que o Furriel vagomestre tinha apontado na reunião.

Ficou assente que eu não ia regressar a Bissau no dia 27, como estava previsto, e ficava em São João a fazer um balanço e pôr um pouco de ordem no setor administrativo enquanto ele ia tentar tirar a pele ao pessoal até fazer deles uns combatentes de verdade.

Em princípios de janeiro de 1967, a CART 1613 que regressou a Brá para ficar como companhia de intervenção à ordem do Comando-Chefe, era outra. 

Entretanto chegou a Bissau o oficial nomeado para comandar a companhia, o Capitão de Artilharia Lobo da Costa, e gerou-se um pandemónio dos diabos.

Eu nunca tinha visto, nem achava possível, uma manifestação de soldados. Mas o que é certo é que, por organização espontânea, a minha tropa foi postar-se frente ao gabinete do comando do batalhão a gritar:

 – O nosso comandante... é o capitão Corvacho!

Com a voz embargada pela comoção, o Capitão Corvacho disse-lhes:

– Vocês não sabem o que me estão a pedir… mas fico na companhia. Vou trocar as funções com o vosso novo comandante. Ponham- se a andar.

Toda a companhia, desde o Básico ao Alferes mais antigo, compreendeu aquela decisão do Homem que trocava o sossego da Messa e da Gestetner (máquinas dactilográficas e policopiadoras) pela terrível G3. (...)

PS - Acrescente-se que a quadra natalícia, coincidência ou não, parece que era propícia à ocorrência de baixas mortais (os nossos camaradas do Portal UTW - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar publicaram uma lista de cerca de seis dezenas de combatentes, dos 3 TO, que tombaram na véspera e no dia de Natal, por todas as causas, incluindo acidente com arma de fogo, acidente de viação e afogamento. Talvez houvesse mais álcool a correr, nesses dias...
 

4. Eis um excerto do relato do Zé Neto sobre o julgamento do Cavaco, realizado um ano depois em Bissau. (O cap inf Eurico Corvacho ficará entretanto no lugar  do cap art Fausto Ferraz, não sabendo nós o destino que foi dado ao cap art Lobo da Costa que o vinha substituir) (****)


(...) No final do ano [1967], eu, o furriel Martins e o 1º cabo Santos fomos chamados a Bissau para depor no julgamento do soldado Cavaco . O Tribunal Militar funcionou nas salas do tribunal civil e, em duas sessões, ficou tudo resolvido. 

O Cavaco deu-se como culpado e o seu defensor, um tenente miliciano de Administração Militar que era advogado, apenas se deu ao trabalho de procurar provar atenuantes para reduzir a pena.

Tanto eu como o furriel e o cabo respondemos apenas às perguntas que nos foram formuladas. O tenente, a certa altura, perguntou-me qual era a minha opinião sobre o comportamento do réu, anterior aos factos.Gerou-se uma pequena quezília processual entre o promotor e o advogado que acabou com o juiz auditor (civil) a intrometer-se e declarar que aquele Tribunal tinha a obrigação de conhecer o caráter do réu e, naquele momento, ninguém mais conhecedor do que o depoente (eu) podia responder a perguntas que levassem a fazer um juízo acertado.

Fiquei sob o fogo cerrado, ora de um, ora de outro, com respostas curtas, quase sim e não. O coronel presidente acabou por me interpelar dizendo-me que, por palavras minhas, classificasse a qualidade de soldado do réu. Respondi com convicção:

– Um excelente e infeliz soldado.

A pena foi de vinte e três anos de prisão maior, a cumprir em estabelecimento penal adequado na Metrópole. Nunca mais o vi, mas tive notícias de que o rapaz não cumpriu nem metade da pena. (...) (***).
______________


Notas do editor:

(*) Vd. poste de 
13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26386: Humor de caserna (95): Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau (António Reis)
 
(**) Vd. postes de:


10 de janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - P417: Memórias de Guileje (1967/68) (Zé Neto) (1): Prelúdio(s)

quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26397: Os nossos seres, saberes e lazeres (663): Convite para a apresentação pública do livro "Orando em Verso III", da autoria do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves, dia 24 de Janeiro de 2025, pelas 21h30, no Salão 1 da Igreja Matriz da Marinha Grande

C O N V I T E



Na sexta feira, dia 24, às 21h30, no salão 1 da nossa igreja da Marinha Grande, terá lugar a apresentação do meu terceiro livro “Orando em Verso III”.

A apresentação será feita pelo meu amigo Padre Armindo Castelão Ferreira, que aceitou o nosso convite para viver connosco esta minha alegria.

Tenho de agradecer muito ao Padre Patrício Oliveira, meu amigo e meu pároco, todo o trabalho que teve na concepção, paginação, etc., deste livro, bem como a óptima fotografia do autor colocada na badana do livro e que também está impressa neste convite.

Muito obrigado pelo fantástico trabalho.

Tenho também de agradecer muito à minha amiga Daniela Sousa a excelente fotografia da capa do livro, que engrandece o livro, sem a mínima dúvida.
A fotografia é do grande crucifixo que faz parte do espólio artístico da Paróquia da Marinha Grande.

Claro que o meu maior agradecimento vai para Deus, o Pai, o Filho, o Espírito Santo, que, no Seu infinito amor, conseguiram moldar a “pedra dura” que eu era, (e ainda sou um pouco), e levar-me a escrever coisas que eu próprio não consigo, por vezes, abarcar.

À minha Mãe do Céu, dizer obrigado por tantas vezes me dar a mão quando me perco no caminho.

Todos estão convidados a juntarem-se a nós nesta noite de grande alegria para mim.

A receita da venda deste livro reverte inteiramente para a Paróquia da Marinha Grande, particularmente para o fundo para a construção do Centro Pastoral, que tanto desejamos e necessitamos na nossa paróquia.

Quem não quiser ou puder estar presente, mas quiser adquirir o livro, pode fazê-lo enviando um email para – orandoemverso@gmail.com – expressando essa intenção e na resposta será indicado o modo como poderá adquiri-lo.

Marinha Grande, 15 de Janeiro de 2025
Joaquim Mexia Alves


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Sobre o autor:

Joaquim Mexia Alves nasceu em Maceira Liz em 1949, mas viveu sempre em Monte Real e Lisboa. Desde 2003, vive na Marinha Grande. Passou por África numa comissão militar na Guiné (1971-1973) como alferes miliciano de operações especiais e trabalhou em Angola nos anos 1974 e 1975.

Educado por pais católicos, frequentou colégios católicos dos irmãos Maristas, Franciscanos e Dominicanos. Ainda frequentou dois anos do curso de Medicina. Na adolescência, afastou-se da fé cristã e da Igreja, mas por volta dos 40 anos encontrou, no Renovamento Carismático Católico, a espiritualidade que o fez reencontrar a fé cristã e marcou o seu regresso empenhado à Igreja.

Fez o Curso Geral de Teologia, no Centro de Formação e Cultura da Diocese de Leiria-Fátima. Pertenceu aos órgãos nacionais do RCC e é, hoje em dia, membro do Board Nacional do Percurso Alpha. Pertence à equipa de liderança pastoral da sua paróquia da Marinha Grande, onde é também ministro extraordinário da comunhão.

É casado, pai de quatro filhos e avô de cinco netos. É autor de dois livros, Orando em Verso e Orando em Verso II, ambos editados pela Paulus.
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Nota do editor

Último post da série de 11 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26378: Os nossos seres, saberes e lazeres (662): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (187): From Southeast to the North of England; and back to London (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26396: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (11)

Foto 83 > Julho de 1970 > Olossato > Dia da Cavalaria > Parada Militar > Alferes Silva, Furriel João Moreira e Ramalho e os sodados do 4.º grupo de combate.
Foto 84 > Julho de 1970 > Olossato > Dia da Cavalaria > Parada Militar > CCAV 2721
Foto 85 > Julho de 1970 > Olossato > Dia da Cavalaria > Parada Militar > Capitão Tomé, Arfouche (Chefe de Posto) e Homens Grandes do Olossato.
Foto 86 > Julho de 1970 > Olossato > Arfouche > Libanês, Chefe de Posto
Foto 87 > Jullho de 1970 > Olossato > Furriéis Ramalho e João Moreira, junto ao bar e messe oficiais e sargentos
Foto 88 > Julho de 1970 > Olossato > João Moreira
Foto 89 > Julho de 1970 > Olossato > Em cima: Furriéis Lopes, Poupinha, Ramalho e João Moreira. Em baixo: Furriéis Oliveira e Pereira.
Foto 90 > Julho de 1970 > Bilhete de Identidade Militar de João Moreira

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 9 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26367: Álbum fotográfico de João Moreira (ex-Fur Mil Cav da CCAV 2721 - Olossato e Nhacra, 1970/72) (10)

Guiné 61/74 - P26395: (In)citações (260): Em louvor das nossas "tabancas" (ou tertúlias de antigos combatentes) (Angelino Santos Silva, escritor, natural de Paredes, ex-fur mil 'cmd', 26ª CCmds, Bula, Teixeira Pinto e Bissau, 1970/72)

1. Reprodução, com a devida vénia, de postagem no Facebook da Tabanca Grande, com data de 10 do corrente, às 23:00,  da autoria do nosso camarada Angelino Santos Silva, natural de Recarei, Paredes, escritor, ex-fur mil 'cmd', 26ª CCmds, Bula, Teixeira Pinto e Bissau, 1970/72, e que será o nosso próximo grão-tabanqueiro, passando (finalmente!) a sentar-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 897.

Frequenta, com alguma regularidade, as Tabancas do Norte, com destaque para a Tabanca de Matosinhos,
a Tabanca da Maia, e o Bando do Café Progresso. (E julgamos que também a Tabanca dos Melros,
 em Fânzeres, Gondomar.)


Tertúlias de combatentes
 
por Angelino Santos Silva


A Geração que entre 1961 e 1974/75 demandou por terras de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau para cumprir a Missão de Defender a Pátria, uma vez regressada a casa, criou um evento social até aí desconhecido nos hábitos dos portugueses: pelo menos uma vez por ano encontram-se algures num ponto intermédio do país, de modo a reunirem o maior número de Combatentes e aí confraternizarem, falando das suas vivências em África. 

Desde início criaram o hábito de levarem as esposas, depois filhos e depois netos, incluindo genros e noras. E assim tem sido a saga dos Combatentes ao longo de mais de 50 anos, após regresso definitivo a casa.

Há gente, que estando um pouco afastada destes “Encontros”,  estranha e se interroga, como o tema “Guerra” pode aproximar, direi, apaixonar tanta gente para, ano após ano conversarem alegremente de uma vida onde é suposto ter havido “sangue, suor e lágrimas”. E morte. 

E houve tudo isto. E mais. Houve cansaço, dor, mutilados, febres e outras doenças, especialmente maleitas “apanhadas pelo clima”, quando a cabeça não aguentava a pressão de viver num ambiente de guerra. Mas também houve alegrias, bebedeiras, sorrisos, cantorias e camaradagem. E algo comum a todos, que nos fez esquecer agruras e raivas por vermos um camarada mutilado ou morto ao nosso lado: o facto de termos 22, 23, 24 anos e a força de sermos jovens. Como esquecer, como não falar, como não confraternizar pela vida fora, pelo menos uma vez por ano?

Talvez pelas condições específicas da luta na Guiné-Bissau, os camaradas Combatentes que estiveram nesta Província, ao longo dos anos foram criando grupos que designam por Tabanca. E todos se mantêm ligados, quer pelas redes sociais, quer pelos “Encontros Anuais “ e há mesmo quem se encontre todos os meses e semanas. Eu, que fiz a guerra na Guiné, percebo como é importante para nós.

Das várias Tabancas que conheço e/ou participo, no passado dia 8 estive a confraternizar na Tabanca – O Bando do Café Progresso,  das Caldas à Guiné. Trata-se de um grupo simpático que há alguns anos se reúne religiosamente todos os meses. Como todos os grupos que conheço, este é também um grupo eclético pelo que nas conversas entre camaradas, além da vida da tropa, fala-se de outros temas, de A a Z, conforme o momento.

Desta vez o Ferreira marcou o encontro para a terra – que nela vive – mas esqueceu-se de nos avisar, que só um GPS concebido pela NASA nos levaria lá, sem a ajuda de um forasteiro que encontrássemos pelo caminho. Mas chegamos. E valeu a pena.

Boa comida nos serviram no restaurante. As “entradas” foram diversas e de boa qualidade e as tripas muito bem confecionadas e do agrado de todos. Desta vez a tertúlia teve a presença de algumas senhoras e cavalheiros da terra do Ferreira, gente simpática e alegre. Rosinha, dona do restaurante - porque coincidiu com o seu aniversário - prendou-nos com um belíssimo bolo e brindou-nos com alguns fados. 

Logo a seguir à refeição e antes das cantorias e conversas, foram declamados dois poemas: "Sextante", dito de forma magistral por Ricardo Figueiredo; e "Geração Africana", por mim. Algumas lágrimas surgiram ao canto do olho dos mais sensíveis.

Da próxima que lá for, vou de barco até a eclusa da barragem, subo e vou a correr por lá acima até chegar à Rua da Marroca, local do restaurante da Rosinha.

Um abarço, saúde om ano para todos Combatentes e suas família.
Angelino dos Santos Silva

Combatente na Guerra Colonial Portuguesa na Guiné-Bissau

PS - Deixo-vos com os dois poemas :

SEXTANTE

Tracei a vida a régua e esquadro
como se fora uma quadricula
estudei ângulos, revi a deriva
e lancei as sortes no xadrez da vida

Nas contas usei a tabuada
mexi números, tracei a equação
somei pelos dedos da mão
dividi a sorte pela raiz quadrada
e fui à vida de bota fardada

Em águas turvas naveguei
por mar em tempos navegado
ao chão da selva cheguei
dormi sem cama, comi sem mesa
joguei às escondidas de arma na mão
e nesta complicada equação
pisei a linha e perdi o norte

Quis o sextante livrar-me da morte
voltei à vida sem trunfos na mão
lancei os dados em busca da sorte
ganhei ao xadrez, perdi ao gamão
nos cálculos imperfeitos da equação

Traz-me o sextante nesta aflição
realinho a quadricula a régua e esquadro
cálculo o risco, sou enganado
consulto as linhas da palma da mão
e aguardo as sortes da equação

E a vida se faz, fazendo
umas vezes parada, outras correndo
em matemáticas de contas incertas
umas vezes erradas, outras certas
e as contas desta equação
apenas se fecham nas tábuas de um caixão.


GERAÇÃO AFRICANA

Já lá fui e voltei
Já lá fomos e voltamos.

Percorremos o lado negro da vida
tropeçamos na face má da sorte
e andamos por trilhos e picadas da morte.

Talvez com sorte digo eu
muita sorte dizemos nós
quando em passos cuidados e tremidos
caminhamos sem rumo e sem norte
lutando para segurar a vida
matando para sacudir a morte.

Já lá fui e lutei
Já lá fomos e lutamos
Já lá sorrimos e penamos.

E abrimos a caixa de pandora
e antes de virmos embora
enfrentamos medos e emboscadas
carregamos sonhos e granadas
corremos perigo e aflição
bebemos água da bolanha
comemos colados ao chão
adormecemos de arma na mão
socorremos camaradas feridos
beijamos rostos estendidos
cerramos os punhos cantando
festejamos a vida chorando
deixamos os sonhos esquecidos
zangamo-nos com deus e o diabo
apertamos a raiva mordida na mão
e levamos a cabo heroica missão
deixamos áfrica
e regressamos a casa
mais leves de coração.

Já lá fui e voltei
Já lá fomos e voltamos
E pouco pedimos em troca.

Apenas… respeito e consideração.
Da vida e das mãos se faz uma nação.
Das lágrimas de um povo se faz História.
Da Geração Africana se fará Memória.

Poemas da autoria de Angelino Santos Silva, 
disponíveis na sua página do Facebook)