quarta-feira, 15 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26391: Humor de caserna (96): "O mê Zé disse isso ?!"... O epílogo engraçado da história do impaludado (Alberto Branquinho)


1. A história do impaludado da CART 1689 / BART 1913, contada pelo Alberto Branquinho no seu livro de 2013, "Cambança final", e reproduzida no poste P26377 (*), teve um "fim feliz". 

Os nossos leitores (os leitores do Branquinho) têm direito a saber qual foi então esse "desfecho".  É um outro microconto, este inédito. Chegou-nos no próprio dia 11, pelo correio eletrónico. Ficamos a saber que o alferes Abreu da história é um "alter ego" do autor. E que o impaludado que queria mandar a notícia da sua morte à mulher, aproveitando a ida de férias do alferes à metrópole, se chamava Zé P...na [ P...ena ?  P...estana ? P...atarrana ? ... Para o caso não interessa, o Alberto Branquinho quer protegê-lo, e o Zé tem direito ao anonimato].

Aproveitou o nosso escritor (e ilustre camarada) para esclarece que, desde 2005 saíram 11 títulos sus ( e não oito, como tinhamos  informado) (*), mais uma 2ª edição (do "Por Século e meio" - romance com acção principal entre Barca d'Alva e Porto/Foz). 

Desses onze, há três sobre a Guiné: 

  • "Cambança" (2005 e 2009), 
  • "Cambança Final" (2013) e 
  • "Deixem a guerra em paz" (2019).


"O mê Zé disse isso ?!"...  O epílogo engraçado da história do impaludado 

por Alberto Branquinho



A situação (*) teve um epílogo engraçado muitos anos depois.

O impaludado do texto que  o blogue publicou, e que, afinal, se chama Zé, apareceu pela primeira vez (e com a mulher) num encontro da Companhia.

Meio a choramingar, dirigiu-se-me de braços abertos:

− Ó meu alferes!

E abraçámo-nos.

A mulher dele observava-nos deliciada e sorridente. Então dirigi-me a ela:

− A senhora não esteja a rir. Olhe que aqui o seu marido estava muito doente quando eu vim cá de férias e pediu-me para lhe telefonar a dizer-lhe que morreu a pensar em si.

− O mê Zé disse isso?

Imediatamente, se agarrou a ele e a mim. E não parava de chorar:

− Ele disse isso? Disse?

Aí o Zé (também a choramingar), soltou-se do abraço e desatou a bater na mulher (controladamente...), que continuava abraçada a mim sem parar de chorar,,,  E ele repetia, repetia:

 − Ó mulher, pára lá com isso! Ora não querem lá ver esta!

Juntou-se à nossa volta um grupo dos que estavam a chegar, que olhavam espantados sem perceber porque o Zé batia na sua própria mulher (que continuava abraçar-me e a chorar).

Era assim o Zé P....na. (**)

Alberto Branquinho, Lisboa, 11 jan 2025 18:44
 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26377: Humor de caserna (94): "Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!... (Alberto Branquinho, "Cambança Final", 2013)

(**) Último poste da série > 13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26386: Humor de caserna (95): Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau (António Reis)

terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26390: Banco do Afeto contra a Solidão (31): O Valdemar Queiroz regressa amanhã à rua de Colaride, depois de uma "nomadização hospitalar", tranquiliza-nos o Eduardo Estrela...


Valdemar Queiroz


1. Estranhei, há dias, o "silêncio bloguístico" do Valdemar Queiroz... Temi logo o pior: "foi de charola para o hospital, querem lá ver ?!"... (Ele sofre de doença crónica, uma DPOC, e vive sozinho em casa, em Agualva-Cacém; a família mais próxima está nos Países Baixos.)

Telefono-lhe, uma, duas, três vezes...Nada. Na sexta passada, às 10:07, mandou.me uma mensagem telegráfica:

"Obrig Luís stop Outra vez hospital stop Bateria fraca stop".

Só me dei conta no sábado. às 15:51, escrevi-lhe um msn: 

"Imaginei logo, camarada. Estamos no pico da gripe... Náo apanhes nenhuma bactéria hospitalar, irmãozinho. Nada de beijos às bajudas. Boa recuperação. Luis".

Alertei alguns amigos, que lhe devem ter telefonado, e  com mais sorte do que eu. Agradeceu, no domingo, às 12:29:

"Muito obrigado, meus grandes amigos. Elas(as bactérias)  bem querem, mas nós cá vamos aguentando as emboscadas. Abraço. Valdemar".

O Eduardo Estrela mandou-me um mail, hoje, às 13:39 com boas notícias:

"O nosso amigo Valdemar Queiroz acaba amanhã a nomadizacão hospitalar e regressa ao conforto do seu aquartelamento. Notícia recolhida há minutos junto dele.

Abraço para todos, saúde da boa.
Eduardo".


2. Comentário nosso editor:

Estamos bem quando os amigos também o estão . Temos de saber uns dos outros. Pelo menos, preocuparmo-nos uns com os outros. Bom regresso a penates, Valdemar.  Saúde da boa, que da má (vade retro, Satanás!)...já temos que chegue!

Não abuses das nomadizações. Já não temos "caixa de ar" nem "pernas" para essas andanças...E os hospitais, em especial no inverno, não são sítios recomendáveis.  Só se ouvem histórias de amigos e conhecidos: "apanhou uma bactéria, e lerpou"... 

Vens recuperado, é isso que importa. Bom regresso à rua de Colaride. Aproveita os bons dias de sol de inverno... mas de quico na cabeça ou à sombra do n0sso poilão, que é mágico e protetor.  Um abraço da malta toda. Luís
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Guiné 61/74 - P26389: Efemérides (448): Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar da União de Freguesias de Freigil e Miomães do Concelho de Resende (Fátima's)


1. Mensagem das nossas amigas Fátima Soledade e Fátima Silva, filhas de antigos combatentes do ultramar, enviada ao nosso Blogue no dia 11 de Janeiro de 2025, com um convite para a cerimónia de homenagem aos Antigos Combatentes da Guerra do Ultramar naturais da União de Freguesias de Freigil e Miomães, Concelho de Resende, a levar a efeito na Igreja Matriz de Santa Maria de Freigil, no dia 15 de Fevereiro pelas 15 horas e na Igreja Matriz de S. João Batista Miomães, no dia 22 do mesmo mês, também às 15 horas.

Boa noite, Carlos Vinhal:
Esperamos que se encontre bem de saúde. Aproveitamos para lhe desejar um Bom Ano.
Continuamos com as cerimónias de homenagem aos Combatentes do Ultramar.
No próximo mês, as mesmas irão realizar-se na União de Freguesias de Miomães e Freigil.
Gostaríamos que as publicasse.
Reporte os nossos cumprimentos ao Professor Graça.

Muito gratas por todo o apoio prestado.
Fátima´s

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Nota do editor

Último post da série de 29 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26214: Efemérides (447): Faz hoje 53 anos que a 35.ª CCmds chegou a Bissau a bordo no navio Angra do Heroísmo (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Cmd)

Guiné 61/74 - P26388: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (1): Uma portuguesa, mulher de um furriel, perdida num aquartelamento do Nordeste... (Giselda Pessoa)



Guiné-Bissau > Região de Cacheu > Cacheu > Forte (séc. XVII) > 1995 > Giselda Antunes Pessoa entre os "despojos do Império". Foi a primeira, das ex-enfermeiras paraquedistas, a integrar a Tabanca Grande, em 20 de fevereiro de 2009 (*). Em 1995, ela e o marido, o cor pilav ref, Miguel Pessoa, voltaram ao CTIG, com uma equipagem de filmagem da SIC. Como se vê pela imagem, o forte do Cacheu estava ao abandono. Foi de objeto de recuperação e requalificação em 2004, com recurso a fundos disponibilizados  pela União das Cidades Capitais de Língua Oficial Portuguesa (UCCLA)

Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Base Escola de Tancos > 1970 > 7.º curso de paraquedismo, para enfermeiras civis. Foto de grupo.


Foto (e legenda: © Giselda Pessoa (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Winston Churchil, num discurso que fez na Câmara dos Comuns, em 20 de agosto de 1940, proferiu a frase mais famosa (ou uma das mais famosa) de toda a II Guerra Mundial: "Nunca tantos deveram tanto a tão poucos"... 

Referia-se, neste caso,  às tripulações, inglesas e aliadas, da Royal Air Force, que, em inferioridade numérica, travaram a épica e decisiva batalha da Grã-Bretanha contra a Luftwaffe alemã.

Parafraseando o grande estadista inglês, e numa escala e num contexto completamente diferentes (o da guerra colonial portuguesa, de 1961/74), podemos também dizer que "nunca tantos deveram tanto a tão poucas"...  

Queremos com isso evocar, dar a conhecer melhor e homenagear o papel das nossas 46 enfermeiras paraquedistas, jovens, todas  elas voluntárias, que foram as primeira mulheres, portuguesas, a envergar, a entre nós,  uma farda militar, a partir de 1961.

Um terço já morreu e poucas das que estão vivas terão opotunidade de acompanhar esta série.  Das 46 houve trinta que participaram com as suas memórias, fotos e testemunhos na elaboração do livro "Nós, enfermeiras paraquedistas" (ed. lit. Rosa Serra, 2ª ed., Porto, Fronteira do Caos, 2014, 439 pp.).

Destas 30, há pelo menos 5 que são membros da Tabanca Grande: 

Oito destas nossas camaradas de armas participaram no filme da Marta Pessoa, "Quem Vai à Guerra" (2011)
  • Aura Teles
  • Cristina Silva,  
  • Ercília Pedro
  • Giselda Pessoa,
  • Júlia Lemos,
  • Maria Arminda Santos, 
  • Natércia Neves, 
  • Rosa Serra.

Já se passaram mais de 10 anos do lançamento do livro "Nós, enfermeiras paraquedistas" (que teve como prefaciador o prof Adriano Moreira, entretanto falecido com 100 anos, em 2022). Com a benevolência das autoras (e da editora), temos vindo a republicar no blogue alguns excertos das suas histórias, quer na série "Humor de caserna" quer em postes avulsos...

Esta nova série "Nunca Tantos Deveram a Tão Poucas" é uma forma de as continuar a homenagear e de tentar também suscitar a produção de depoimentos dos nossos camaradas da Guiné que foram objeto dos seus cuidados ou que com elas conviveram... 

Não vai ser fácil, porque elas eram mesmo poucas e na época pertenciam à FAP, prestando serviço na BA 12, em Bissalanca.  O seu contacto com a malta do exército era pontual, por ocasião de evacuações no mato ou nos quartéis do interior. De qualquer modo mais histórias sobre este tema serão bem vindas. 


Infelizmente também não há estatísticas sobre a sua atividade. Quantas evacuações terão feito, no TO da Guiné (e também em Angola e Moçambique) ? E recorde-se que não eram apenas de feridos ou doentes militares, mas também de população civil, de mulheres grávidas a crianças, sem esquecer combatentes do PAIGC, feridos, aprisionados, e até combatentes estrangeiros como o capitão cubano Peralta...

Óbvio que também não podemos esquecer aqui o resto das tripulações dos helicópteros (AL II e AL III), avionetas (DO-27) e outros aviões (Dakota...) que as nossas enfermeiras paraquedistas integravam, nomeadamente pilotos e especialistas (na época, "mecânicos").  A todos eles, a nossa gratidão .Ajudaram a  salvar muitas vidas... O seu trabalho (bem como o de todos o pessoal dos serviços de saúde militar, incluindo o do HM 241 e doo HMP - Hospital Militar Princopal)  está sempre no nosso espírito:  médicos, enfermeiros, técnicos de meios complementares de diagnóstico e terapêutica, administrativos, condutores de ambulância, etc. , sem esquecer os capelães.

O descritor Os nossos médicos tem 418 referências... Outros: os nossos enferemeiros (152); os nossos capelães (86); HM 241 (165); Hospital Militar Principal (28), etc. 

2. A Giselda Pessoa foi a primeira a entrar para o nosso blogue (*).  É também aquela com quem temos convivido mais, nomeadamente nos encontros das nossas tabancas. Com ela,  a Rosa Serra e a Maria Arminda também falamos ao telefone. A Aura devo tê-la visto uma vez ou duas vezes.

Vamos aqui reproduzir uma das singelas (e tocantes) histórias com que  a Giselda se estreou no nosso blogue (**). Recorde-se que fez uma comissão de 28 meses no CTIG, entre 1972 e 1974, que não era frequente entre as enfermeiras paraquedistas que, ao fim de a um ano, mudavam para outro teatro de operações. (#)  Da Guiné é tem inúmeras histórias.

Natural de São Martinho de Anta, concelho de Sabrosa (conterrânea, por tanto, do escritor Miguel Torga),  frequentou a Escola de Enfermagem do Hospital de S.João, no Porto, em 1966. Começou a trabalhar como enfermeira,  em 1968, no Serviço de Urgência do S.João. 

Tinha uma irmã, Antonieta,  também enfermeira, então integrada na Força Aérea como enfermeira paraquedista, e que lhe dava notícias de África.  Mas "foi um pouco por acaso que numa deslocação a Lisboa à Direcção do Serviço de Saúde da Força Aérea, alguns dos presentes me incentivaram a inscrever-me no novo curso que estava em preparação".  

(...) "Assim, em 1970 acabei por frequentar o curso de paraquedismo na Base Escola em Tancos, o 7º constituído por enfermeiras civis. Das nove que constituíam o curso acabaram oito, iniciando nós então um rodopio entre a base-mãe, os Açores, Guiné, Angola e Moçambique.

"No meu caso pessoal, fui inicialmente colocada em Moçambique durante todo o ano de 1971, onde se pode dizer que tive um período de férias razoável, pois para além de curtos períodos em Nacala e Nampula, estive essencialmente baseada em Lourenço Marques. Aí prestava apoio no serviço de saúde, o que incluía deslocações periódicas a Lisboa, acompanhando e apoiando os militares evacuados, inicialmente no DC-6, mais tarde nos Boeing 707.

"Deve dizer-se que em Lourenço Marques ainda se sentia menos a guerra do que em Lisboa e que este período não foi representativo para a minha formação militar, desgostando-me mesmo certos comportamentos que pude observar localmente, quer em alguma da população branca, quer em alguns militares mais acomodados a uma vida fácil e pouco arriscada." (***)


Uma portuguesa, mulher de um furriel, perdida num aquartelamento do Nordeste...

por Giselda Pessoa


No decorrer de uma evacuação que tinha como objectivo um aquartelamento no nordeste da Guiné, o helicóptero aterrou na placa, onde embarcou o militar  evacuado. No decorrer dessa operação, aproximou-se do AL-III um furriel daquela unidade, o qual se me dirigiu com um pedido fora do vulgar. Explicou-me que com ele estava naquele quartel a sua mulher, sendo ela a única branca que ali vivia; e que, não vendo nenhuma branca há já muitos meses, certamente apreciaria falar comigo por uns momentos. 

 Expliquei-lhe que o facto de transportarmos um ferido e o pouco combustível de que dispunhamos não permitia prolongar a nossa estadia ali. Mesmo assim, ele montou a sua motoreta e foi buscar a mulher, para a levar junto de nós. 

A espera prolongou-se por mais tempo do que aquele de que dispúnhamos, o que levou o piloto a decidir-se por descolar, com grande pena minha. Já no ar, tive a possibilidade de ver aproximar-se da placa a motoreta com o furriel, trazendo a mulher à boleia. Ali chegados, apenas teve ela tempo para nos acenar enquanto o AL-III rodava em direcção a Bissau. 

 Senti naquele momento um desgosto enorme por não ter podido proporcionar àquela mulher um momento de carinho e de solidariedade, de que ela tanto necessitaria. E imagino a sua frustação quando não lhe foi possível partilhar de uns momentos de proximidade com alguém que lhe recordaria outras companhias e outros ambientes deixados há muito para trás. (**)

Giselda Pessoa 

 
 (#) As comissões das enfermeiras paraquedistas variavam entre seis meses e um ano, o que provocava uma constante rotação do nosso pessoal. Vá-se lá saber porquê, fui optando por prolongar a minha estadia na Guiné, muito provavelmente devido ao ótimo ambiente que ali se vivia e também por me sentir realizada no trabalho que ali desenvolvia, numa atmosfera que não deixava esconder a guerra que nos rodeava. 

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, itálicos e título: LG)

 

3. Comentário do editor  L.G.: 

 Como tive ocasião de dizer â Giselda, na altura em que ela foi apresentada pelo Carlos Vinhal à Tabanca Grande, nesta "caserna virtual"...  "somos todos generais de muitas estrelas, somos todos VIP, somos todos importantes, isto é, somos todos camaradas (um termo castrense ou militar, por excelência)"... 

Não fazíamos na altura nem fazemos hoje distinção de idade, género, nacionalidade, posto, especialidade, arma, condição social, estatuto, estado de saúde, risco de morrer... 

Enfim, fiz questão de sublinhar qua a sua entrada na Tabanca Grande, em 2009,  "nada tinha a ver com feminismo ou, muito menos, com o politicamente correcto: conquistaste por direito próprio, nos céus da Guiné, o direito de estar aqui em pleníssima igualdade com os outros camaradas, da Força Aérea, da Marinha ou do Exército"...

 Mas não se podia escamotear o facto de ser ela "a primeira mulher militar", e ainda por cima enfermeira e paraquedista, "a entrar para o nosso blogue" (em boa verdade, o corpo de enfermeiras paraquedistas já tinha sido extinto há 30 anos, em 1980)...

Depois tratava-se de "uma mulher do Norte, corajosa, determinada e... bem disposta".

Em terceiro lugar, era "uma profissional de saúde, uma enfermeira (uma profissão que foi durante muito tempo estigmatizada, a ponto de o Estado Novo proibir as enfermeiras de se casarem, proibição essa, fundamentalista, que só acabou em... 1963!"). 

Esta (a primeira história da Giselda que publicámos no blogue) tinha, além disso,  o mérito de revelar uma outra faceta da sua personalidade: além de enfermeira paraquedista valente, destemida e competente, e de saber contar uma boa história, a Giselda era(é) uma grande camarada, sensível e solidária, e uma grande portuguesa... 

Sabíamos que era a primeira de outras histórias passadas no TO da Guiné, "terra de paixão e de solidariedade, terra vermelha, inferno verde, labirinto de bolanhas, mangal, rios e braços de mar, céus de chumbo, que nunca mais ela, o Miguel, eu e todos nós poderíamos esquecer... De resto, a Giselda e o Miguel voltaram lá em 1995, eu em 2o08, e muitos de nós também uma ou até mais vzes.

E finalizava com o seguinte comentário;

"Não podias estar impunemente 28 meses na Guiné, nos anos de brasa de 1972/74, naquela terra e naquela guerra, e chegares agora ao quilómetro 62 da tua vida e dizer: 'Não, por favor, não mais Guiné!... Nem já sei onde fica !'). 

"Morcões, abram alas, vai entrar uma camarada, uma grande senhora!"

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(**) Este excerto foi reproduzido no poste de 28 de fevereiro de 2009> Guiné 63/74 - P3952: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (3): No fim do mundo (Giselda Pessoa)

Faz também das várias histórias da Giselda, no citado livro, "Nòs, enfermeiras paraquedistas" (2014, pp. 318-319).

Guiné 61/74 - P26387: História de vida (53): Mário Gaspar ex-fur mil art, MA, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), lapidador de diamantes reformado... mas começou por ser um "rapaz de Alhandra"



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > ... "É preciso ser doido para vir para aqui a 4 mil quilómetros da minha Alhandra", parece dizer o nosso Mário Gaspar, em 1968, "apanhado do clima".



Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Gadael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) >  "Uma foto importante para os tempos de hoje. Sempre no mato na Guiné. De vez em quando, ou me vestia à civil ou então era um Militar vestido a rigor. À direita nota-se movimentação de naturais. Abandonado o aquartelamento de Sangonhá, sucede a distribuição da população. É a instalação da população e o princípio de muitas asneiras militares, (...) Foi em 1968. Outra curiosidade, essa bem mais forte:  Estou sobre um paiol construído pela CART 1659, Gadamael Porto, com cimento e ferro, material que sobrou da construção do cais, Na Escola Prática de Engenharia, em Tancos, onde frequentei o XX Curso de Minas e Armadilhas, os Paióis eram - e de certeza que ainda são - em tijolo. É obrigatório que um paiol seja um cofre forte."



Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > Gadamael, 1968


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) >  Gadamael, s/d, sem legenda...



 
Foto nº 5 > Guiné > Bissau > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) > "Eu com alguns Bravos Militares que comandei na Guiné, no regresso a Bissau no fim da comissão... Estou em cima, ao centro, de pé".


Foto nº 6 > Guiné > Bissau > 1968 > CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68) >  Despedida: foto do Mário Gaspar tirada junto á estátua do cap Teixeira Pinto (ou "capitão-diabo", para os guineenses)

Fotos do álbum foto gráfico do Mário Gaspar, disponíveis no seu Facebook.

 Fotos (e legendas): © Mário Gaspar (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. O Mário Vitorino Gaspar, ex-fur mil art,  minas e armadilhas, CART 1659, "Zorba" (Gadamael e Ganturé, 1967/68), está connosco desde  8/12/2013 (*). Tem mais de 140 referências no blogue.


(i) nasceu na freguesia de Santa Maria, em Sintra, e foi no antigo edifício dos Bombeiros Voluntários de Sintra que foi à Inspecção, embora desde os três anos morasse em Alhandra: 

(ii) Alhandra; "vila industrial, foi aí que aprendi a ser Homem, embora tenha estudado no então famoso Externato Sousa Martins, em Vila Franca de Xira";

(iii) "desde os meus treze anos namorei com uma sueca, linda boneca, Ingrid Margaretha Gustavsom: Alhandra foi a minha Universidade, tive como Professores Sábios Avieiros e os Operários";

(iv) à vila de Alhandra, no concelho de Vila Franca de Xira, estão ligados os nomes de grandes portugueses como Afonso de Albuquerque (Alhandra, 1452 -Goa, 1515), o médico Sousa Martins (Alhandra, 1843- Alhandra, 1897) (que o povo transformou em santo) ou o escritor Soeiro Pereira Gomes (Baião, 1909 - Lisboa, 1949), autor de "Esteiros" (1941) (obra ilustrada por Álvaro Cunhal, e dedicada aos "filhos dos homens que nunca foram meninos");

(iv) durante a pandemia de Covid-19, o Mário foi  também um dos nossos bons e fiéis companheiros, mandando-nos quase todos os dias emails, alimentando o nosso blogue com imenso material, desde poemas a vídeos, mesmo que muito desse material  não fosse publicável, por razões editoriais (por exemplo, tudo o que era referente à atualidade política, social e cultural);

(v) é também um exemplo, corajoso, de um camarada nosso que, apesar dos seus diversos problemas de saúde nos últimos anos, tem sabido remar contra a maré da infelicidade, e ensinar-nos a maneira como podemos envelhecer, ativa, proativa, produtiva e saudável:  escrita, no nosso blogue ou em boletins como  "O Olhar do Mocho", é apenas um dos muitos meios que ele aponta; 

(vi) é DFA.



Foto nº 7 > Vila Franca de Xira > Alhandra > O Mário, na escola primária


Foto nº 8 > Vila Franca de Xira > Alhandra >  A sua querida mãe



Foto nº 9 > Lisboa > Sede da Dialap– Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA (posteriormente foi edifício da Expo 98 e atualmente da RTP). Peça emblemática da arquitetura fabril de Lisboa na década de 60 (arquitectos: Carlos Manuel Ramos e António Teixeira Guerra) (LG).


 "Trabalhei lá perto de 30 anos. Éramos, nós Portugueses, os Melhores Lapidadores de Diamantes do Mundo, e a Dialap talvez a maior Empresa de Portugal. 

"Alterámos e criámos novas ferramentas e ultrapassámos tudo e todos. Após o 25 de Abril houve uma troca de galhardetes entre os dois Estados. Portugal nacionaliza o capital angolano na Dialap e Angola nacionaliza o capital Português da Diamang. Nada se fez para se encontrar uma solução. A Empresa de quase 700 trabalhadores, a pouco e pouco sumiu-se. Os trabalhadores foram simplesmente títeres, robertos e palhaços. A Administração deixou de administrar e passou a ter quotas em tudo que era da Dialap. Abrem uma Empresa em Viseu (Porcut) ficando o Estado com 49% e eram nossos adversários e concorrentes. A Dialap é feita de pedaços. Qual a razão de não terem ficado com 51%? 

"E trabalhámos pedras que ninguém queria lapidar. Foram as administrações e o Estado que mataram a Dialap. Fui dos últimos a ser despedido. Falou-se sempre em reestruturar. Existiam hipóteses da Dialap ser maior. Verdade que houve trabalhadores que tiveram culpas no desmanchar da Empresa. A Dialap pagou tudo para a Expo 98 se instalar e a Secção de Pessoal desta chegou a abrir a minha correspondência. Queixei-me ao senhor administrador Sá Pires que nada fez. Fui à Judiciária queixar-me e responderam-me que a Expo 98 era forte e com poder e perdia tempo. Acrescentou que a Empresa era para acabar. Este um muito pequeno resumo da extinção de uma Grande Empresa."






Foto nº 10 > Lisboa > Dialap– Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA > Cartão profissional do Mário Gaspar, lapidador qualificado, secção de facetagem.

Fotos do álbum fotográfico do Mário Gaspar, disponíveis no seu Facebook.,,, (Com a devida vénia.)

 Fotos (e legendas): © Mário Gaspar (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



2. Mensagem do Mário Gaspar, que fomos recuperar, e onde podemos saber algo mais sobre a sua singular história de vida (**), em complemento de outros postes dele já aqui publicados (***):

Data: 29 de janeiro de 2017 às 04:16
Assunto: Dois Poemas de José Gomes Ferreira

Conheci muita boa gente. Além dos meus Pais, fixo a minha "padeira de Aljubarrota", a Mãe. E a "Tia Quitéria".

Que tal a figura de Soeiro Pereira Gomes, o "Gineto" ? Esse rapaz, de Alhandra e que nasceu numa bateira no rio que amo – o meu Tejo – "meninos que nunca foram meninos" e tinham de suportar o calor do tijolo e telha queimada sobre as costas. Os telhais existiram mesmo.

Estive lá. Pois o "Gineto", do livro "Esteiros", de Soeiro Pereira Gomes, tornou-se no maior atleta da época, o nadador que venceu as ondas do Canal da Mancha, Joaquim Baptista Pereira foi meu amigo. Ainda é um grande Amigo.

E os avieiros? Aprendi com homens e mulheres muito pobres que vieram de Vieira de Leiria para o Tejo.

E os operários das fábricas de Alhandra, onde cresci?

Tanto que aprendi... Conheci um Senhor da Nossa Literatura, Alves Redol. Reunia com ele, nem sequer inicialmente pensei estar com aquele Homem que também me ensinou a crescer. Sonhava. Nunca ser rico, milionário, antes operário. 

A primeira profissão depois de deixar de estudar, foi de "Ajudante de Padeiro", com Carteira Profissional. Portanto Operário, trabalhava todos os 7 dias – visto ter de suportar de sexta para sábado o dobro de horas. Tinha uma pequena Venda de Pão, deslocava-me à casa do cliente. 

Fui Operário e continuo a ser um mero Operário. Lapidador, palavra nem sequer é reconhecida. Sou Lapidador de Diamantes na situação de Reformado. Fui Sindicalista. Cooperativista (fiz parte de um Grupo que fundou uma estrutura – pensou-se ser Nacional), existem uns restos em algumas terras – a"COOP Lisboa".

Na Dialap – Sociedade Portuguesa de Lapidação de Diamantes, SA, foi onde passei toda a minha vida de trabalho, após cumprir o Serviço Militar – nem fui voluntário, e obrigaram-me a passar por Comandos, essa tropa de elites. Também passei pelos Rangers, em Lamego. 

Acabei por novamente ser obrigado a tirar um Curso de Minas e Armadilhas, após julgar estar a terminar essa vida militar. 

Fui para a Guiné, como Furriel Miliciano, Atirador e de Minas e Armadilhas. Sou Deficiente das Forças Armadas. 

Na Dialap fui eleito e fiz parte da Comissão Negociadora após Greve, antes do 25 de Abril, nos princípios de 1974. Se não acontecesse o Abril,  bem arranjados estávamos. Fui eleito para o Grupo de Reestruturação da Empresa, era um dos três executivos. Colocaram a hipótese de representarmos os Trabalhadores como Administradores. 

Conheci muito escritor da nossa praça. Fui fundador de Comissões de Moradores e fui Autarca. Mais tarde, em 1996 fui fundador da Associação Apoiar – Associação de Apoio aos Ex Combatentes Vítimas do Stress de Guerra. Onze anos Dirigente, os últimos seis como Presidente. Fundador e Director do Jornal Apoiar.

Conseguimos vencer todos os objetivos que se pretendia. Percorri o país. Reuni com Ministros, Deputados, Presidentes e de tudo um pouco. Após muitos dias sem dormir – por tal venci – caí como um passarinho que voa alto.

Operado ao coração e em coma. Acordei, voltei e assinei Protocolos. Fui para uma Academia Sénior e ainda fui fundador e primeiro diretor do jornal "Olhar do Mocho"

A vida ofereceu-me tudo. Recusei. Sonhava, um sonho que se evaporou. Foi uma onda que molhou areias e se afundou nelas. Se ainda sonho? Espero sonhar sempre – até acordado – vejo-me pequeno, tão minúsculo no meio de uma multidão.

Estive num debate e o tema era o "Dia da Liberdade", ou o "Dia Mundial da Liberdade". Desconhecia essa homenagem a esse "dia de liberdade", anunciada.

Liberdade,  onde estás tu ?!... Encontrei-me com o Jornalista José Luís Fernandes que foi director do "Diário de Notícias". Conheci-o, nunca mais nos vimos. Foi ele que me reconheceu.

Neste momento, o meu computador também teve uma síncope, não tem cura e ficou em coma.

Reconheceram que não temos essa Liberdade, tal como a Liberdade de Imprensa. Quem domina é o dinheiro. Os portugueses andam nas penumbras do medo.

Mas dá gosto termos estes poemas. Portugal é pobre, mas rico na Literatura. Grandes Senhores e Esquecidos. Cada dia mais um. José Gomes Ferreira foi outro que conheci.

Mário Vitorino Gaspar

PS -  O Mário mandou-nos em anexo dois poemas do José Gomes Ferreira ("Viver Sempre Também Cansa!"  e "Devia Morrer-se de Outra Maneira"): um deles talvez venha a ser escolhido para figurar oportunamente na série "A Nossa Poemateca". Obrigado, Mário. E força para ti!

_________________
 
Notas do editor:

(*) Vd. poste de;


10 de dezembro de 2013 > Guiné 63/74 - P12426: Tabanca Grande (414): Ainda o "zorba" Mário Gaspar (ex-fur mil, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), natural de Sintra, residente em Lisboa, e lapidador de diamantes reformado

 (***) Vd. postes de:



13 de março de 2015 > Guiné 63/74 - P14356: A minha mãe, Maria Eugénia da Conceição Vitorino Gaspar, a minha Padeira de Aljubarrota (Mário Vitorino Gaspar)

segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26386: Humor de caserna (95): Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau (António Reis)


Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > Natal de 1967 > "Foto que me foi oferecida pelo grande amigo  António Malheiro (natural de Lamego, vive no Porto)."


Foto (e legenda): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1423 > Monumento funerário, à memória dos Fur Mil Condeço e Boneca, mortos na tarde de 24 de dezembro de 1966 (ainda evacuados para o HM 241). (****)

Foto (e legenda): © Ex-1º Cabo Gandra / Hugo Moura Ferreira (2006). 
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68; natural de Avintes, V. N. Gaia, é membro da nossa Tabanca Grande, nº 882; é autor de dois livrinhos de memórias da Guiné; tem página no Facebook... Vai fazer 81 anos no próximo dia 28 de fevereiro.

Gosto de reler o seu título "A minha jornada em África", com as as suas pequenas histórias do dia dia do HM 241 (Bissau), onde há uma sempre uma mistura de ternura, compaixão, humanidade, humildade, gratidão... e ironia". Tem uma boa memória.

Algumas delas tem perfeito cabimento na nossa série "Humor de caserna". Como esta que vamos aqui reproduzir, com a devida vénia, "Os Natais"...

Ele passou dois, no CTIG, o de 1966 e 1967. Um, o de 66, passado em família, a grande família do hospital, onde não faltaram oficiais e sargentos, médicos e enfermeiros, esposas que vieram da metrópole, etc., e onde não faltou nada do bom e do melhor... O de 67, bom... "também não foi mau", mesmo sem convidados... À boa melhor maneira portuguesa, ele justifica-se: havia quem estivesse pior, no mato...

Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau...

por António Reis


O de 66 foi um Natal passado em família, a família do hospital mais os convidados. 

As mesas forma postas cá fora; foram os oficiais médicos e os não médicos, os sargentos... Foram muitas esposas da metrópole para passarem o Natal.

Para quem estava habituado a pouco como eu, diria que nada faltou. Na nossa mesa andava, à vez, um de nós quase sempre de pé para desenrascar o que faltava.

Para quem estava em guerra foi um bom Natal, mas para que não esquecêssemos que estávamos em guerra, não faltaram  os helicópteros com mortos e feridos, por mais de uma vez, uma das quais com um capitão, já morto (**), e outra com dois furriéis gravemente feridos.

Um deles, se bem me lembro era uma figura do mundo do desporto, conhecido por "furriel boneco": ficaram ambos na minha enfermaria. Não me lembro se morreram os dois, mas pelo menos o "boneco" morreu. (***)

Assim se passou o Natal de 66, só que depois veio janeiro e passámo-lo, nós, as praças, a comer "bianda" (arroz) ao almoço e "bianda" ao jantar, para pagar a fatura do que foi gasto na noite de Natal.

No Natal de 67, como não foram  convidados nem médicos nem sargentos, nem ninguém estranho ao serviço, passámo-lo no nosso modesto refeitório, feito em hexágonos de cimento, tendo como telhado chapas de zinco, sem nada a lembar qiue era o Natal.

Não foi mau, porque outros o passaram metidos em abrigos que tinham furado, ou tinham sido feitos com camadas de troncos de árvores, e  a frazerem uma prece para chegarem ao dia seguinte.



Fonte: António Reis, "Os Natais". In: A minha jornada de África, 1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, pp. 75/76,

(Revisão/ fixação de texto, título: LG)

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Notas do editor:

(*) Ultimo poste da série > 11 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26377: Humor de caserna (94): "Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!... (Alberto Branquinho, "Cambança Final", 2013)

(**) Vd,. poste de 17 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4968: In Memoriam (32): Cap Mil Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, CART 1613, morto pelo Sold Cavaco, na véspera do Natal de 1966

(***) Não era alcunha mas apelido: "Boneca" e não "boneco": José Manuel Caracol Boneca, algarvio de Portimão...Vd. aqui os dois furriéis, gravemente feridos, que vão morrer no HM 241 na Consoada de 1966, ambos vítimas de rebentamento de uma armadilha, no Cachil:

Álvaro Nuno Florentino Condeço, fur mil at inf, CCAÇ 1423 / BCAÇ 1858, natural de Évora,

José Manuel Caracol Boneca,  fur mil sapador,  CCAÇ 1423 / BCAÇ 1858, natural de Portimão.


(****) Vd. poste de 18 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2361: O meu Natal no mato (4): Cachil, 1966: A morte do Condeço e do Boneca, CCAÇ 1423 (Hugo Moura Ferreira / Guimarães do Carmo )

Guiné 61/74 - P26385: Notas de leitura (1764): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Setembro de 2023:

Queridos amigos,
Este ensaio de Frédéric Mauro tem com aliciante a interpelação que ele faz se houve ou não um paradoxo colonial português. À revelia do que propunha Lenine, Portugal possuiu um império marítimo sem revolução industrial, teve nas mãos a economia de vastos territórios para além das suas possibilidades teóricas, mas não foi um imperialismo como último estádio do capitalismo, por uma razão que escapou a Lenine e aos seus seguidores. O império marítimo português era baseado na política de transporte, da intermediação. Trazia-se pimenta, madeiras exóticas, canela e outras especiarias, em Lisboa fazia-se a troca, comprava-se o que era apreciado no Oriente, nas feitorias africanas, no litoral brasileiro. Quando mudou o modelo capitalista no século XIX, praticamente inexistente o que fora o Império do Oriente, com o Brasil independente, o país lançou-se no terceiro império. A vocação marítima vinha de longe, houve negócios medievais com Inglaterra e os portugueses estavam mais perto da terra nova que os bretões. A marinha chama o comércio, não havendo indústria agarraram-se com ambas as mãos a fixação possível de populações depois da Conferência de Berlim, já não havia comércio negreiro, apostou-se nas potencialidades do cacau, do café, das madeiras, numa primeira fase, na cedência de mão-de-obra para as minas de África do Sul, desenvolvimento das pescas, novas explorações de ouro e diamantes. A lógica descolonizadora deixou perplexa o Estado Novo, enquanto ficava isolado nas relações internacionais, dependente dos interesses de África Austral, havia investimento estrangeiro do mundo ocidental que alimentou a ilusão de que o império estava para durar, esqueceu-se a outra dimensão humana que foi a saturação da guerra sem nenhuma solução política à vista.

Um abraço do
Mário



A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2)

Mário Beja Santos

Iniciativas Editoriais foi uma editora altamente conceituada dirigida por José Rodrigues Fafe, os temas sociopolíticos foram o seu polo atrativo. Tomou iniciativa de juntar um conjunto de profundos conhecedores da historiografia da colonização portuguesa e pedir-lhes uma apreciação em jeito de balanço. Abriu esta série de recensões Banha de Andrade, a sua intervenção intitula-se Ao fechar a última página da colonização portuguesa. Segue-se Frédéric Mauro, então professor da Universidade de Paris, reputado especialista da temática dos Descobrimentos portugueses. Acicata-nos com uma interrogação: haverá um paradoxo colonial português? E contraria o pensamento leninista, deste modo: 

“Lenine escreveu o imperialismo como último estádio do capitalismo. Ora, a história de Portugal parece insurgir-se contra essa ideia feita. Portugal, país pequeno e fraco, possuiu o maior império marítimo do seu tempo. País sem revolução industrial, teve nas mãos a economia de vastos territórios. Mas antes de explicar este paradoxo, recorde-se que houve, pelo menos, dois impérios coloniais portugueses como houve dois impérios coloniais europeus.”

É usual falar-se do primeiro império colonial ligado à expansão do capitalismo comercial, um império que durou do Renascimento à Revolução Francesa, os seus protagonistas foram Portugal, Espanha, Holanda, Inglaterra e França.

 As colónias espanholas foram sobretudo colónias de povoamento; os portugueses criaram feitorias comerciais no Oriente e colónias de povoamento no Ocidente, tal como os franceses e ingleses. Este primeiro império colonial conheceu duas fases. A primeira, ligado ao impulso comercial e capitalista do fim da Idade Média e do Renascimento, ergue-se sobre as ruínas do império veneziano; com a viagem de Vasco da Gama desviou-se a pimenta indiana das rotas pérsicas para a fazer passar por Lisboa; os espanhóis extraem do subsolo americano os metais preciosos; holandeses e depois os ingleses substituem-se no tráfego do Oriente; no século XVII portugueses e holandeses voltam-se para o Brasil a fim de compensar as perdas sofridas no Oriente; ingleses, franceses e holandeses prosseguem a sua empresa de colonização da América do Norte. Pode-se perguntar se o império português passou por duas fases de colonização ou se não houve diferentes ciclos da economia marítima portuguesa: o império e o ciclo das especiarias, baseado na exploração da Ásia, o império e o ciclo do açúcar do século XVII e da costa brasileira, o império e o ciclo do ouro ligado à colonização do interior do continente americano e à exploração do ouro e dos diamantes na capitania de Minas, depois em Goiás e Mato Grosso – este duplo ciclo brasileiro consolida a presença portuguesa na América.

O segundo império colonial europeu liga-se ao alargamento do que se convencionou chamar o capitalismo industrial que cresceu e se desenvolveu conhecendo as flutuações a curto e longo prazo de todo o sistema capitalista. A expansão europeia que fez nascer o segundo império europeu está ligada à Grande Depressão dos anos 1873-1895 e suscitou a criação de novos territórios coloniais. Os preços dos produtos industriais caíam na Europa, havia que os vender noutros continentes, e daí as emigrações e expatriamentos para povoar o continente americano, a África, a Austrália e a Nova Zelândia. Tudo isso suscitou rivalidades coloniais e estabeleceu-se o entendimento na Conferência de Berlim e organizar a expansão territorial, não a juntado às discórdias que existiam no continente europeu.

 Neste concerto capitalista, imperial e colonial, Portugal teve um lugar à parte. Participou na partilha de África, socorreu-se de expedições, engrenou na ocupação dos territórios, houve um relativo consenso em Portugal quanto à legitimidade e às obrigações de promover um quadro civilizacional, explorar as riquezas e fomentar o desenvolvimento naquilo que se convencionou chamar o terceiro império.

É neste quadro que Frédéric Mauro procura uma explicação para o paradoxo. Enquanto a reconstrução europeia a seguir à guerra dos Cem Anos não encarou grandes empresas ultramarinas, os portugueses foram movidos pelo génio marítimo, não faltou um sentido de cruzada; o chamado império do açúcar foi um feliz acaso, apareceu ligado ao desenvolvimento de uma nova necessidade do consumidor, trouxe reforço à vocação agrícola, marítima e comercial dos portugueses; e no ciclo do ouro e diamantes a balança comercial portuguesa com o estrangeiro tornou-se superavitária porque a do Brasil com Portugal era favorável ao Brasil. Foi graças ao seu défice com o Brasil que Portugal estava em excedente com o resto do mundo. Foi o ouro brasileiro que provocou a lenta alta de preços do século XVII e, curiosamente, beneficiou da pré-revolução e da revolução industriais em Inglaterra, país que desempenhava um papel privilegiado no comércio português desde o fim da Idade Média. 

A potência industrial inglesa irá tornar-se uma desvantagem para Portugal. A independência do Brasil consagrou e encorajou o esforço inglês para liberalizar o comércio brasileiro. E o resultado foi uma crise dramática da economia portuguesa, contribuiu para a revolução de 1820.

Até ao princípio do século XIX, o poderio português residiu no seu papel económico de intermediário, entre a produção do capitalismo comercial e o mundo tropical. Quando este papel se extinguiu, o país entrou numa via decadente, a alternativa encontrada foram os territórios africanos. Portugal aceitou desempenhar de novo o papel de intermediário, foi entreposto das manufaturas inglesas, francesas, alemãs, belgas ou holandesas para Angola e Moçambique. Finda a Segunda Guerra Mundial, deu-se uma convergência entre as grandes potências ocidentais e os países orbitados por Moscovo: os comunistas viam a descolonização como um meio de substituir a sua influência à da Europa Ocidental; os EUA aspiravam ao domínio económico e político do mundo, procuravam e conseguiram substituir a Grã-Bretanha como tutor e fornecedor de produtos manufaturados, de equipamentos e de capitais.

Nas Nações Unidas soprava o vento da descolonização. E Frédéric Mauro procura concluir este itinerário de análise:

“O paradoxo Portugal decifra-se em que conservou mais tempo as suas colónias, resistiu por mais tempo ao anticolonialismo. As razões deste paradoxo prendem-se à vontade de um governo ditatorial que montara uma estratégia hábil: neutralidade durante a Segunda Guerra Mundial, ingresso na NATO e apoiante da Guerra Fria, propagandista de uma política não-racial, recorrendo à valorização dos territórios, implantando colonos brancos nas regiões mais temperadas, trocando o nome das colónias por províncias ultramarinas e reclamando que nestas etnias diferentes viviam em entendimento perfeito e onde a exploração e a dominação não existiam, mas sim a colaboração e a cooperação. Enquanto muitos países europeus estavam alicerçados na sua vocação continental, Portugal foi essencialmente movido pela sua vocação marítima. 

Mas há outros fatores, há sempre que realçar o papel de Portugal como país de trânsito, de intermediário entre o mundo industrial e as suas próprias colónias. O império português estava integrado num sistema que se servia dele e do qual ele próprio beneficiava. Mas há outra explicação que tem a ver com o processo interno do próprio Portugal. O atraso industrial de Portugal, mantendo a preponderância dos interesses agrários e comerciais, ajudou a manter o salazarismo. O apoio da África do Sul, a existência de um “bloco branco” na região mais temperada de África fizeram o resto".

Frédéric Mauro não quis fazer mais especulações sobre o pós-colonização. Iremos adiante fazer uma breve resenha sobre a colonização portuguesa no sudeste africano, entre 1505 e 1900, pela mão de Eric Axelson, e falaremos mais adiante daquele que terá sido o historiador de língua inglesa que melhor conheceu o império português, Charles Ralph Boxer.


Frédéric Mauro
Página do livro "De Angola à Contra Costa" desenhos da autoria de Roberto Ivens
A atual cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, na época do Ciclo do Ouro - Vila Rica e era o centro económico da mineração no Brasil colonial

(continua)

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Notas do editor:

Vd. poste de 6 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26355: Notas de leitura (1761): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de10 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26384: Foi há 100 anos (2): A "saloiada" vem às sortes a Lisboa...enquanto bandos de operários, nas ruas, pedem "pão ou trabalho" ("O Domingo Ilustrado", nº 1, 18 de janeiro de 1925)... Estamos já a um ano e pico da instauração da Ditadura Militar.

 

Legenda: "Os Recrutas: Bandos de rapazes dos arredores, com os seus pitorescos trajes invadiram a cidade para a incorporação militar. No meio da monotomnia de Lisboa, o seu ar saudável e a sua indumentária característica aparecem como uma alegre saudação do campo. Oxalá so seus braços aprendam depressa o manejo das armas para as trocarem pela prosaica enxada, de glória humilde mas sagrada". Ilustração: B.B (pág. 1)


Fonte: Capa do semanário "O Domingo Ilustrado",  nº 1, 18 de janeiro de 1925,12 pp. (Custava 1 escudo.). Cortesia de Hemerateca Digital / Câmara Municipal de Lisboa.


Legenda: "A Parada da Fome: Bandos de operários percorreram a cidade pedindo pão com que matassem a fome. É um espetáculo desolador o que oferece uma sociedade que não consegue assegurar a existência dos que produzem. Sem revoltas e sem excessos contraproducentes, todos temos o dever de  arrumar melhor a vida. Por detrás de cada homem está um lar, e se o patriotismo é alguma coisa mais do que uma imagem retórica, façamos lares felizes para que a pátria possa viver". Ilustração: B. B. (pág. 12).

(Seleção, fixação / revisão de texto, reedição de imagens: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2025)

1. Estávamos a um ano e 4 meses do golpe militar do 28 de maio de 1926, que levaria à instauração da Ditadura Militar (1926-1933) e do Estado Novo (1933-1974). (*)

Sobre este novo semnanário, "O Domingo IIustrado" (DI), escreveu Rita Lopes, na ficha histórica disponível em formato pdf, no portal da Hemerateca Digital / Câmara Municipal de Lisboa (**)

(...) Semanário editado regularmente, em Lisboa, entre Janeiro de 1925 e Dezembro de 1927. A sua curta existência coincide com um período de grande perturbação política e social, que muitos autores consideram mesmo de guerra civil latente, e que conduzirá à Ditadura Militar, instaurada pelo golpe militar de 28 de Maio de 1926.

 (...) [Espelha] uma imagem profundamente negativa da política, enquanto jogo protagonizado por partidos, e, consequentemente, da própria democracia, enquanto sistema político. Esta será a mensagem de fundo que trespassará subliminarmente todas as edições até ao golpe de 28 de Maio de 1926. Era então chegada a hora de aclamar sem reservas as forças que, sob o comando do general Gomes da Costa, se sublevaram em Braga e se põem em movimento para Lisboa para confiscar o poder. O DI está ao serviço da sua legitimação e da mobilização da nação: «Este Homem tem poder: Ajudemos este homem a salvar Portugal!» − proclama em primeira página, ilustrada com a bandeira nacional e uma fotografia di militar" (...)

Um dos fundadores e diretor do DI foi o conhecido  Leitão de Barros (1896-1967), professor, realizador de cinema (Nazaré, 1927; Maria do Mar, 1930: A Severa, 1931; As Pupilas do Semhor Reitor, 1935; Ala, Arriba!, 1942; Camões, 1946...), escritor, jornalista, dramaturgo, cenógrafo, pintor, próximo de figuras do poder (António Ferro, Duarte Pacheco, Salazar...) sem contudo ter sido um "salazarista" indefetível (ecompletamente esquecido depois do 25 de Abril).

 (...) "O seu interesse pelas artes gráficas levaram-no a Frankental, na Alemanha, onde fez a aprendizagem da heliogravura. Foi um difusor deste processo em Portugal que fez brilhar no DI e, posteriormente, no Notícias Ilustrado, que também dirigiu, e no Século Ilustrado." (**) 
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Notas do editor:

(**) Vd. Rita Correia (10 de Novembro de 2007). «Ficha histórica: O Domingo Ilustrado (1925-1927)» (pdf). Hemeroteca Municipal de Lisboa. Consultado em 11 de janeiro de 2025.