segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26479: As nossas geografias emocionais (41): Café Bento / 5ª Rep: excertos de postes e comentários - Parte I: E tudo o vento levou.... [ Luís Graça / Jaime Machado / Patrício Ribeiro / Oliveira Miranda / Hélder Sousa / Virgínio Briote / Manuel Luís Lomba / Virgílio Ferreira / José Pardete Ferreira (1941 - 2021) ]



Guiné > Bissau > s/d (c. fev / abril de 1970) > Início da Av da República... O polícia sinaleiro que regulava o "trânsito" de Bissau, e, do lado direito , vê-se a bomba de gasolina que na época era da Shell (no letreiro falta-lhe uma letra, um "l"). Tapada pelo arvoredo, a esplanada do Café Bento. É a melhor foto que temos, até agora, no blogue sobre a localização da 5ª Rep.

Foto do belíssimo álbum do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968 / fevereiro de 1970, ao tempo dos BART 1904 e BCAÇ 2852)

Foto (e legenda): © Jaime Machado (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]






Mapa de parte da Bissau Velha, entre a Avenida da República (hoje, Av Amílcar Cabral) e a fortaleza da Amura. A escuro, dois prédios que pertenciam a Nha Bijagó. Com uma estrela a vermelho, a localização do edifício do antigo Café Bento, que foi demolido. Fonte: António Estácio, em "Nha Bijagó: respeitada personalidade da sociedade guineense (1871-1959)" (edição de autor, 2011, 159 pp., il.).



1. Alguns excertos de postes e comentários sobre o Café Bento / 5ª Rep:

O Café tinha o nome do seu proprietário. Há camaradas (Victor Tavares) e amigos (Lucinda Aranha) que chegaram a conhecer o senhor Bento. Vivia para os lados de Coimbra e teria uma filha médica. Mas não sabemos quando deixou a Guiné, nem em que circunstàncias, muito provavelmente por altura da independência.

O edifício, de um só piso, com uma ampla esplanada coberta de árvores, no início da antiga Avenidade da República, foi demolido. Do seu lado direito, tinha o edifício, de arquitetura colonial, dos anos 50, que era a sede da administração civil (e, depois da independència, passou a ser tribunal e tesouraria das finanças).

Interessa-nos falar do tempo em que o Café Bento era uma referência para os militares que viviam em Bissau ou passavam por lá, incluindo os "desenfiados". A famosa 5ª Rep (designação bem humorada que era aceite, inclusive, pelo gen Spínola e seus colaboradores mais próximos, do QG/CCFAG).

O Patrício Ribeiro, empresário, que vive em Bissau desde 1984, diz que já não o comheceu a funcionar. Assistiu às obras para ser um novo restaurante, de arquitetura moderna, propriedade do conhecido empresário hoteleiro, Fernando Barata que tinha negócios na Guiné Bissau (Cacheu, Bijagós...) e que foi cônsul honorário da Guiné-Bisau em Albufeira, ao tempo do 'Nino' Vieira.

" Depois foi entregue a um antigo presidente, foi alugado à RTP África, até há pouco mais de um ano. De onde retirei parte dos equipamentos, para o novo edifício da Delegação da RTP no Chão de Papel." (*)

(i) O nosso editor, Luís Graça, escreveu:

No meu tempo (1969/71) o Café (e cervejaria) Bento , era provavelmente a mais famosa esplanada de Bissau, até pela sua localização, na zona portuária.(Tem já 19 referências no nosso blogue) ...

Também era conhecido com a 5ª Rep, o maior "mentidero" da cidade: era um dos nossos locais de convívio, dos gajos do mato, dos desenfiados e sobretudo dos heróis da guerra do ar condicionado. (**)

Rcorde-se que havia 4 grandes repartições militares em Bissau, no QG/CCFAG, na Amura, mas a 5ª Rep, o Café Bento, era a mais famosa, porque era lá que paravam todos os "tugas" que estavam em (ou iam a) Bissau, gozar as "delícias do sistema"; era lá que se fazia "contra-informação", de um lado e do outro; era lá que se contavam as bravatas, os boatos e as mentiras da guerra... (Sabe-se que o QG/CFAG utilizou o Café Bento para lançar a atoarda de que iria haver uma grande operação em Buruntuma em dezembro de 1972; o PAIGC seria depois surpreendido com a Op Grande Empresa, a invasão do Cantanhez).

O Café Bento ficava na esquina da Av da República (hoje Av Amílcar Cabral) (do lado esquerdo, de quem descia), com a Rua Tomás Ribeiro (hoje António Nbana) (localização assinalada a vermelho no croquis acima publicado), no início da única avenida de Bissau, digna desse nome (a que ia da marginal e cais do Pidjiguiti até à Praça do Império e Palácio do Governador).

Do outro lado dessa artéria, ficava a Casa Gouveia, que pertencia ao Grupo CUF.

No lugar do antigo edifício do Café Bento irá constuir-se um outro, de maior volumetria, e que passou a ser, mais tarda, a sede da delegação da RTP África (hoje, com novas instalações, inauguradas em 2021, na Rua Angola, 78, Chão de Papel, já fora portanto da "Bissau Vellha", a cidadezinha colonial, a do asfalto, que conhecemos e calcorreámos.

De qualquer modo, aceitemos a "bocarra": Quem nunca lá foi, ao Café Bento, não pode dizer que esteve na Guiné, ou pelo menos em Bissau (***)

Depois, tudo o vento (da História) levou...

A Casa Gouveia passou a Armazém do Povo e o Café Bento fechou por falta de cerveja, de "apanhados do clima" (que eram os clientes e bebedores de cerveja) e, claro, da matéria-prima (que era a guerra) com que se faziam combatentes, da frente e da retaguarda, heróis, cobardes, coirões, espiões, pides,"turras", bufos, etc. (Logo ali ao lado, era a Amura, a sede do QG/CCFAG, com os seus centenários poilões.)

A 5ª Rep era a "fábrica de boatos" da guerra... Também tinha como em Saigão, "djubis" que engraxavam as botas das tropa...Nunca lá puseram, felizmente, nenhum engenho explosivo...

No final da guerra, sim, haverá um atentado terrorista contra o Café Ronda (café e pensáo, uma espelunca), em 26 de fevereiro de 1974. E foi da responsabilidade do PAIGC, que quis mostrar, no 1º aniversário da morte de Amílcar Cabral, que podia atingir alvos urbanos e civis no coração da capital...

Felizmente que a incursão pela "guerrilha urbana" ficou por ali...mas foi o suficiente para causar algum alarme entre os militares e suas famílias, que viviam em Bissau... Provocou um princípio de debandada... (Resta saber se Amílcar Cabral, se fosse vivo, aprovaria este tipo de escalada da guerra, com recurso a atentados cegos, causando vítimas inocentes entre a população civil.)

O Cafe Ronda situava-se também na Av da República, um pouco mais abaixo do cinema UDIB e do lado contrário ao deste,

Quem disse que a Guiné foi o nosso Vietname ?... Era uma das bocas com que se "emprenhavam os ouvidos aos piriquitos" quando chegavam esbaforidos e sequiosos a Bissau...


(ii) Oliveira Miranda (**)

Parabéns ao editor deste comentário que me deixou emocionado, pois o café Bento era o local onde tomava a minha cerveja, chegado do hospital militar onde estava em consulta após ser ferido em combate.

Ainda revejo passados 55 anos as piruetas que os meninos faziam com a escova de de engraxar, embora ao lado via a miséria de leprosos a pedir uns pesos (moeda local).

Passado é passado, mas não esqueço a fome, peste e guerra que alguns de nós vivemos no mato. Saudações a todos os vivos e paz àqueles que já partiram.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2025 às 14:45:00 WET" (....)


(iii) Hélder Sousa (***)

(...) Assim, de repente não me faz lembrar nada o "Café do Bento".

Isto porque, tanto quanto me lembro (eu frequentei alguma vezes esse café/esplanada mas não era muito assíduo, tinha a ideia que haviam por lá "muitos ouvidos") a esplanada não seria assim tão comprida mas muito mais larga. As árvores seriam de maior porte (...)

Além disso, o espaço da esplanada, entre a estrada e a edificação do "Café" era muito maior do que se vê. (...)

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025 às 14:36:00 WET


(iv) Virgínio Briote (***)

Eu tive quarto em Brá, entre maio65 e 10kan67, e quando estava em Brá, ia quase todos os dias a Bissau e era frequente passar pelo Café Bento. Quando lá estava, o Solar dos 10 era mais conhecido pelo Restaurante Fonseca, onde se comia frango assado, ostras e vinhos verdes e maduros.

Entre 65/66 e a altura em que estas fotos foram tiradas não tenho dúvidas que as feições da cidade iam mudando.

A foto em questão (do Jorge Pinto, de agosto de 1974) leva-me mais para o Império (na rotunda do Palácio) e não coincide com a imagem que tenho do café Bento, cá mais para baixo, à esquerda de quem descia a Avenida.

Ainda se descia um pouco até uma pequena rotunda onde estava um polícia sinaleiro a regular o trânsito. E a seguir era a marginal e o cais do Pidjiguiti. Não posso garantir a pés juntos mas é o que retenho na memória.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2025 às 19:53:00 WET


(v) Manuel Luís Lomba (***)

O nosso Batalhão de Cavalaria esteve uma ano de intervenção no no Forte da Amura , juntamente com a Companhia de Polícia Militar, a que pertencia o então alferes Mário Tomé.

A esplanada com guarda-sóis e o seu edifício não são o Café Bento: o seu edifício era apenas de um piso, muito envidraçado, as mesas e cadeiras eram pintados de verde, as suas árvores eram mais corpulentas, troco e copas.

Voltei à Guiné nos princípios da década de oitenta e a esplanada eram bombas de gasolina da Galp.

A Cervejaria Somar não existia. A restauração mais importante eram o Asdrúbal, dos frangos, e o Restaurante Tropical, do bife, ostras e verde branco de Amarante, da marca Vinhos Borges.

Lembro-me de ter na mesa ao lado o tenente-coronel Fernando Cavaleiro e outros oficiais. Dizia-se que quando descia de Farim a Bissau, a malta do ar condicionado do QG entrava em polvorosa: "Vem aí a guerra!"

Também lembro de o alferes Mário Tomé, em patrulhamento, ter expulsado da esplanada do Café Bento um primeiro-sargento que se refastelara numa cadeira, os seus calções eram largos, e os seus "pendentes", por acaso bem pretos, saíam-lhe por uma perneira.


sexta-feira, 31 de janeiro de 2025 às 19:55:00 WET


(vi) Virgílio Teixeira (**)

(...) Conheci muitíssimo bem o Bento. Mas até julho 69.

Depois disso nada sei. (...) Alguns estabelecimentos aqui referidos já não são do meu tempo.

Só em 1984 e 1985, voltei lá e já não conheci nada. Pois nada existia.

Tempos do caranho. Nunca mais vi um tasco aberto e o Grande Hotel estava em ruínas
Ficámos numa pensão perto da estátua do Honório, na rua Mondlane, de alguém que era amigo da dona de uma pensão aqui em Vila do Conde. (Esta pensão chama-se Manco da Areia.)

Tudo mudou muito depois do meu regresso em 1969 e depois em 1985.

sábado, 1 de fevereiro de 2025 às 01:44:00 WET

(vii) José Pardete Ferreira (1941-2021) (****)

Este livro, "O paparratos : novas crónicas da Guiné : 1969-1971", publicada sob a chancela editorial da Prefácio, surge numa coleção , "História Militar" (...) que se reclama de um "conceito inovador": pretende conciliar a investigação historiográfica com a produção literária e memorialística, como é o caso deste livro do nosso saudoso camarada José Pardete Ferreira (1941-2021), que foi alf médico, no CAOP1, Teixeira Pinto (1969) e no HM 241 (1969/71).

O alferes miliciano médico João Pekoff (heterónimo criado pelo José Pardete Ferreira, ou se não mesmo o seu "alter ego") chega a Teixeira Pinto, ao CAOP, em meados de fevereiro de 1969 (pág. 30). Em Bissau, onde o seu batalhão de origem (que apostamos ter sido o BCAÇ 2861) desembarcou em 11/2/1969, deve ter estado alguns escassos dias, em trânsito, antes de apanhar uma DO-27 que o levou até à capital do chão manjaco , de qualquer modo o tempo suficiente para começar a conhecer alguns dos pontos obrigatórios do roteiro dos cafés e restaurantes da tropa...

Alguns eram obrigatórios como o café Bento, mais conhecido por 5ª Rep, junto à fortaleza da Amura onde estava instalado o QG/CCFAG [Quartel General do Comando Chefe das Forças Armadas da Guiné], com as suas 4 Rep[artições].

Era o grande "mentidero" de Bissau, onde os "apanhados do clima", vindos do mato, "desenfiados" ou em trânsito, partilhavam notícias e histórias com a malta do "ar condicionado"...

Chegados a Bissau, os "periquitos" apanhavam logo ali os "primeiros cagaços", histórias tenebrosas de Madina do Boé, de Gandembel, de Guileje, etc., aquartelamentos no mato, felizmente, longe, muito longe de Bissau e do seu "bem-bom"...

Pardete Ferreira, de cultura francófona, descreve assim a 5ª Rep, com inegável bom humor, para não dizer sarcasmo, comparanda-a com a situação de um aquartelamento do mato, Tite, na região de Quínara, perto de Bissau em linha recta, pelo que, quando era atacado ou flagelado, toda a gente ficava a saber e até a ver (pp. 54/55):

"(...) Toda a Guiné Portuguesa tinha esta classificação de zona cem por cento de risco. Naquele território, era indiferente passar calmamente uma soirée [sic] na 5ª Rep ou no aquartelamento de Tite.

"Na 5a. Rep, a arma era um copo de uma beberagem qualquer, que ia aquecendo na mão e que ia sendo municiada periodicamente. O único risco era constituído pelos perdigotos, por vezes sólidos estilhaços de mancarra, que o companheiro de conversa lançava, aproveitando o estar longe do interface do corpo a corpo.

"Em Tite, que se situa mesmo em frente da 5ª Rep, do outro lado do Geba [, na margem esquerda], apenas a alguns quilómetros à vol d'oiseau [sic], a arma que se tinha na mão era das verdadeiras, daquelas que matam.

"Aquela cómoda sala do QG [Quartel General], no teatro operacional, dava lugar a um abrigo onde o combate mordia. No QG, pelo barulho podia adivinhar-se que Tite estava seguramente a embrulhar, podendo ver-se as cores das balas tracejantes e ter uma ideia da intensidade do assalto,pela quantidade e duração do fogo de artifício.

"Na 5ª Rep, assistindo-se ao espetáculo, beberricando um whisky ou despejando rapidamente uma mulher grande [ basuca ?], quase sem tempo para descascar a mancarra acompanhante, estava-se exactamente dentro dos limites do mesmo Teatro Operacional da Guerra. Todo o pedaço daquela terra era território de guerra. O risco tinha uma graduação muito relativa, embora fosse sempre uma probabilidade.

"Não se fizeram operações de black out [sic] como treino para a remotíssima hipótese de um ataque dos MiGs da Guiné-Conacry ? Houve quem dissesse que afirmar isto era um verdadeiro disparate, na medida em que os MiGs de Conacry eram de um modelo tão antigo que. se atacassem Bissau, teriam que pedir o favor de ser reabastecidos em combustível no aeroporto de Bissalanca, a fim de poderem regressar à sua base de partida" (...).



Estes excertos vão inseridos na série "As nossas georgrafias emocionais" (**).

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos e itálicos: LG)

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 4 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26459: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (53): O antigo Café Bento já não é do meu tempo, e foi vítima do "bota-abaixo"...Foi remodelado e até 2023 estave lá instalada a delegação da RTP África

(**) Vd, poste de 5 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26461: As nossas geografias emocionais (40): A Casa Gouveia e o Café Bento num conhecido postal da época, da coleção do Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74)

(***) Vd. poste de 31 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26443: Fotos à procura de... uma legenda (192): Bissau, agosto de 1974: qual a mais famosa esplanada da cidade ? Café Bento ou cervejaria Solmar ? E esta foto é da 5ª Rep ou da Solmar ?

(****) Vd. poste de 23 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21939: Notas de leitura (1343): Paparratos e João Pekoff: as criaturas e o criador, J. Pardete Ferreira - Parte II: os "mentideros' de Bissau (Biafra, 5ª Rep) e ainda e sempre a retirada de Madina do Boé (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P26478: Parabéns a você (2349):José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68)

_____________

Nota do editor

Último post da série de 6 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26464: Parabéns a você (2348): José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381 (Os Maiorais) (Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70)

domingo, 9 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26477: S(C)em Comentários (58): A "Primavera Marcelista" ?...é um mito: eu estava em Coimbra e e apanhei em pleno a crise académica de 1969 (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 / BCAÇ 3880, Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74)




Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil at inf, CCAÇ 3535 /
BCAÇ 3880 ( Zemba e Ponte do Zádi, Angola, 1972/74);
membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018,
com o nº 780, tem 34 referências no nosso blogue.
Engenheiro, natural do Porto, é o administror
que mantém ativo desde janeiro de 2006 até hoje.
Um caso notável de longevidade.


1. Comentário ao poste P26467 (*):

Lembro-me muito bem desta edição do Diário de Lisboa. Eu estava em Coimbra, a frequentar a Universidade, e o Diário de Lisboa tinha-se tornado o meu jornal diário. 

A notícia impressionou-me muito. Eu ainda não tinha idade para ser chamado para o cumprimento do serviço militar obrigatório, mas estava quase. Naquele tempo, o Diário de Lisboa era sem dúvida o melhor jornal diário português, apesar da censura e da péssima qualidade da sua edição, feita com caracteres de chumbo, alinhados penosamente letra a letra pelos tipógrafos, e impressa com uma tinta que nos borrava as mãos todas. 

Dizes tu, Luis, que o Diário de Lisboa era "do reviralho". Se havia algum jornal que fosse do reviralho, esse jornal era o República, muito mais do que o Diário de Lisboa. Em 1969, o Diário de Lisboa era um jornal aberto e plural, que tinha colaboradores de grande nível, como Eduardo Lourenço (que enviava crónicas a partir de França), e que publicava traduções de reportagens saídas nos jornais Le Monde e Washington Post. 

Além do República e do Diário de Lisboa, havia mais jornais diários que se assumiam como republicanos e defensores de um regime democrático. Exemplos: O Primeiro de Janeiro, O Comércio do Porto, O Século, A Capital, Diário de Coimbra e até A Província de Angola, de Luanda.

A chamada "Primavera Marcelista" é um mito. O Marcelo Caetano apenas abria uma fresta , para fechá-la logo a seguir. Não houve "primavera" nenhuma. 

Eu mesmo, que estava em Coimbra, vivi por dentro (mais "por dentro" do que imaginas) a chamada Crise Académica de 1969, que deve ter sido uma das maiores ondas de repressão de toda a história do Estado Novo. A cidade de Coimbra ficou em estado de sítio, ocupada e controlada por centenas de militares da GNR, com as suas armas, os seus cavalos, os seus jipes, o seu arame farpado, as suas botifarras e os seus capacetes iguais aos do Exército. Até a Polícia Judiciária foi mobilizada para Coimbra, para ajudar a PIDE a fazer o seu "trabalhinho". 

Mas que raio de "primavera"!!! (**)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025 às 21:38:00 WET 

________________

Notas do editor:

(*) Vd,. poste de 6 de fevereiro de 2025  > Guiné 61/74 - P26467: Efemérides (450): 6 de fevereiro de 1969, o desastre do Cheche: quando os relatos de futebol eram dados em direto, e efusivamente, e a guerra em diferido, resumida a telegráficas notas oficiosas

(**) Último poste da série > 25 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26422: S(C)em Comentários (57): os fulas e o gado bovino como extensão da própria família e da comunidade (Cherno Baldé, Bissau)

Guiné 61/74 - P26476: Por onde andam os nossos fotógrafos (37) ?: Zeca Romão, de Vila Real de Santo António, ex-fur mil at inf, CCAÇ 3461 / BCAÇ 3963 e CCAÇ 16, Teixeira Pinto e Bachile, 1971/73) - Parte II

 



Vídeo (4' 20'') > You Tube / Romão José (2014) | "Eecordando o meu percurso pelo exército português de 6 de abril de 1970 a 24 de outubro de 1973" | Video de Zeca Romão | C. 35 mil visualizações desde 18/11/2014.

Ligar o som... Música: Canção "Vou levar-te comigo", do Duo Ouro Negro, numa interpretação de um grupo que não identificámos  (Reprodução do vídeo, com a devida autorização do autor....)

Vídeo: © José Romão (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. O nosso camarada José Romão é natural de Vila Real de Santo António, onde é uma figura muito popular e um cidadão interveniente... Sobre ele escreveu o seu e nosso camarada Eduardo Estrela (que é de Faro mas vive em Cacela) (*):

"O camarada Zeca Romão, amigo e companheiro do blogue, é um cidadão pelo qual tenho uma grande estima. Faz-me o favor de ser meu amigo há muitos anos, temos amigos em comum e um igual amor pelo teatro amador. O Zeca foi amador de teatro no grupo de teatro António Aleixo de Vila Real de Santo António, grupo pelo qual o GT Lethes de Faro tem um especial carinho. Daqui lhe mango um fraterno abraço Eduardo Estrela."

O Zeca Romão como é carinhosamemnte tratado pelos seus amigos e conterrâneos, tem um especial apego à sua terra, um grande amor pelas s suas gentes, as suas tradições, o seu património... E tem uma segunda terra, a Guiné-Bissau, com destaque para o  "chão manjaco", do qual guarda "recordações inesquecíveis" do tempo em que foi fur mil at inf, CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73.

Tem c. 20 referências no nosso blogue. É membro da Tabanca Grande desde 20/6/2010. Tem página no Facebook. Foi atleta na sua juventude. É um fotógrafo compulsivo. Disponibiliza centenas de fotos no seu Facebook. 

Estamos a recuperar as da Guiné, todas dispersas. Serão reeditadas e publicadas no blogue, com a devida vénia.  O seu tempo de tropa na metrópole (Tavira, Amadora, viagem para a Guiné, etc,) pode ser melhor acompanhado por este "vídeo" que ele postou na página do Facebook da Tabanca Grande, com fotos do seu álbum.

Obrigado, Zeca, também passei pelo CISMI, Tavira, e também fui no T/T Niassa para o CTIG. E também me calhou uma "africana" (CCAÇ 12) como tu (CCAÇ 16). 

sábado, 8 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26475: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (54): a caminho de Bubaque, contando os 30 navios de pesca industrial junto à ilha de Rei e à illha dos Pássaros, fora as centenas de canoas nhomincas...


Foto nº 1






Foto nº 2, 2A e 2B

Guiné-Bissau > Bissau >  Canal do Geba, frente à Ilha de Rei > 7 de fevereiro de 2025 > c. 09h00 > A frota pesqueira estrangeira pronta para a faina do alto mar...

Fotos (e legenda): © Patrício Ribeiro (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de enviada ontem pelo Patrício Ribeiro (o "embaixador em Bissau" da Tabanca Grande, ums dos nossos 111 históricos, nosso colaborador permanente para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e antigo diretor técnico da Impar Lda; tem c. de 185 referências no blogue; autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau" (*):



Data - sexta, 7/02/2025, 10:20

Assunto - Mais uma viagem de Bissau a Bubaque

Luís,

Mais um comentário, para as tuas reportagens sobre Bissau desta semana.

Estou a enviar as minhas fotos de dentro do barco de transporte que a cooperação portuguesa ofereceu conforme postes anteriores (**). E a quem a população chama o nome do atual presidente.

São 9h da manhã, o céu cheio de neblinas e areia do Sarah.

Nas primeiras fotos que envio, podemos â ver saída de Bissau, 25 navios de pesca industrial junto à ilha do Rei e mais 5 junto à ilha dos Pássaros. Fora as centenas de canoas, de grande capacidade, que estão no porto de pesca, que também podem pescar no alto mar.

O arquipélago dos Bijagós com as 88 ilhas e ilhéus ainda é um bom refúgio para desova das diversas espécies de pescado.

Por este motivo vêm pescadores de cana de todo o mundo para os diversos hoteis na ilhas, para tentarem bater recorde mundiais de algumas espécies.

Guiné 61/74 - P26474: Os nossos seres, saberes e lazeres (668): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (191): From Southeast to the North of England; and back to London (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Setembro de 2024:

Queridos amigos,
Aqui se deixa um cheirinho deste recheio preciosíssimo, mais de quatro milhões e meio de objetos de arte, sério concorrente do Louvre ou do Hermitage de S. Petersburgo. É evidente que procurei previamente documentar-me e optar pelas minhas escolhas, tivesse eu mais tempo e outro galo cantaria, seria uma digressão metódica dos tempos medievais e do Renascimento, pela Europa moderna, nos imensos tesouros asiáticos que dão pelo nome Japão, China, Islão e Índia; e far-se-ia uma visita a preceito ao mundo da moda, aos instrumentos musicais, à joalharia, tudo riqueza opulenta, mas as pernas já não são o que eram, fica aqui uma pálida amostra do que é possível esperar do Museu Vitória e Alberto.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (191):
From Southeast to the North of England; and back to London – 10

Mário Beja Santos

É de toda a conveniência, à entrada deste museu que conserva mais de 4 milhões e meio de obras de arte ter um sentido de orientação e tentar entender o que se pretende promover desde a sua fundação. Este museu foi fundado em 1852 com o título de Museu de Fabricantes. Anos depois, o museu mudou de local e veio para aqui em South Kensigton. O seu nome atual é Museu Vitória e Alberto mas não deve ser tomado à letra como um museu da era vitoriana, aqui encontram-se tesouros medievais, os esplêndidos cartões que Rafael concebeu para as tapeçarias dos Museus Vaticanos, os núcleos de arte indiana e chinesa são riquíssimos, como a arte inglesa dos séculos XVI e XVII, a arte europeia entre 1800 e 1900, o núcleo dos instrumentos musicais, a pintura de John Constable… Mas o visitante deve estar preparado para ver design moderno e aprender rapidamente a dosear o seu esforço para não se esgotar na exploração de tantíssimas galerias. Falou-se anteriormente de peças de arte que se viram nos rés do chão, é hora de tomar um chá, num espaço apropriado.

O visitante é bem acolhido nas zonas de refúgio para distender as pernas e meter conversa, neste museu tem notoriedade o jardim John Madejski.

Não escondo quanto gosto da arte pré-rafaelita e do movimento Arts & Crafts, dos trabalhos de William Morris, Dante Gabriel Rossetti e Edward Burne-Jones, eles estão bem representados neste museu ainda que em lugares distintos, para ver o seu mobiliário de desenho genial quase que temos de galgar até ao topo do edifício. Aqui fica uma amostra das minhas escolhas.

Campos de caça do Cupido, do artista pré-rafaelista Burne-Jones
Sonhar de Dia, por Dante Gabriel Rossetti

Este museu acolhe vitrais de várias épocas, aqui procuro cingir-me aos séculos XVIII e XIX, penso que escolhi vitrais de eloquente beleza.
Personificação da Fé, por Henry Holiday (à esquerda) e Jacó com uma sopa nos braços, desenho de Dante Gabriel Rossetti (à direita)
A Última Ceia, por William Peckitt, século XVIII

Era quase obrigatório que o Museu Vitória e Alberto, que possuem um espaço dedicado ao Renascimento italiano não possuísse obras da mais delicada qualidade. Com frequência, quando visito o museu, ponho um tanto à banda para ver o que fascina mais o visitante. Intrigou-me que a generalidade de quem por ali passava lançava um olhar indiferente a este Martírio de Santa Catarina, quadro de pequena dimensão, é indispensável gostar de despender de tempo a ver os pormenores, a sua soma é que nos dá a gratificação estética.
Martírio de Santa Catarina, pintor italiano desconhecido, início do século XVI

É um espaço único, já visitei gipsotecas, nada é tão impressionante como esta, as pessoas ficam estupefactas com a gigantesca coluna de Trajano, a estátua de David, o pórtico da igreja de Santiago de Compostela, por aqui andam muitos estudantes, dada a natureza rigorosa das réplicas, é como nos sentíssemos no mundo clássico ou no Renascimento. The Cast Courts foi construído entre 1868 e 1873 para acolher esta prodigiosa coleção, sem dúvida alguma a grande atração do museu.
The Cast Courts, um dos espaços mais surpreendentes do Museu Vitória e Alberto, sobretudo pelas suas réplicas monumentais em moldes de gesso
Em termos de museografia, este museu merece os parabéns. Havendo espaços abertos de grandes dimensões, encontraram-se soluções que permitem ao visitante contemplar obras antigas e modernas, como aqui se exemplifica nestas duas imagens
Cadeira de braços, 1888, por George Faulkner Armitage (à esquerda) e cadeira de braços desenhada por C.F.A. Voysey, 1909 (à direita). Movimento artístico de Arts & Crafts

Uma das surpresas do museu é de nos dar a sensação de que nos passeemos no interior de um palácio imponente, grandioso, como se tivéssemos de pleno direito acesso grátis à sumptuosidade. Deixo-vos aqui esta imagem, mas muitos exemplos ficam por dar.

Museu ou palácio?
A pesca miraculosa é um dos desenhos de Rafael mais impressionantes, com ele nos despedimos desta portentosa visita, segue-se um passeio a pé, depois o metro até Hammersmith, uma alegre cavaqueira, jantar e repouso. Amanhã é o grande passeio pela City, e depois avião para Lisboa.

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 1 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26447: Os nossos seres, saberes e lazeres (666): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (190): From Southeast to the North of England; and back to London (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 2 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26450: Os nossos seres, saberes e lazeres (667): Rescaldo da apresentação do livro "Orando em Verso III", da autoria do nosso camarigo Joaquim Mexia Alves, levada a efeito no passado dia 24 de Janeiro de 2025, na Igreja Matriz da Marinha Grande

Guiné 61/74 - P26473: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (33): O amola-tesouras (Rui Felício, nado e criado no Bairro Norton de Matos, em Coimbra)



1. O Rui Felício, que foi uma das vítimas do desastre do Cheche (ia na  trágica jangada, tendo perdido 11 homens do seu pelotão em 6/2/1969) (*),  é um dos históricos do nosso blogue. 

Entrou para a Tabanca Grande em 12/2/2006 (a par do Paulo Raposo). Ex-afl mil, CCAÇ 2405 (Galomaro e Dulombi, 1968/70), tem 35 referências. Advogado, é  autor do blog Escrito e Lido 2010-2014, colabora no blog Encontro de Geraçóes do Bairro Norton de Matos . É um talentoso contador de histórias: tem pelo menos umas 10 na série "Estórias de Dulombi", que gostaríamos de poder retomar.

Natural de Coimbra, vive na Ericeira.


Rui Felício > Blog Escrito e Lido > quinta-feira, 28 de março de 2013 > Amola-tesouras


A minha memória , entre várias figuras que percorriam as ruas do Bairro, guarda ainda a imagem do amola-tesouras.

Com a boca deslizando numa gaita de beiços, primeiro num sentido e depois no contrário, percorria totalmente a escala musical, dela extraindo uma melodia estridente e inconfundível.

Era desta forma que anunciava a sua própria presença, chamando as donas de casa que tivessem facas e tesouras para afiar, panelas e tachos rotos para remendar, ou mesmo pratos rachados para lhes serem colocados “gatos”.

Dizia-se que a sua vinda previa chuva iminente. A profecia muitas vezes batia certo, apenas porque era no inverno que o amola-tesouras aparecia com maior frequência. Por causa dos consertos nos guarda-chuvas, que também fazia...

O seu principal instrumento de trabalho era constituído por uma roda feita de pedra de esmeril, que fazia rodar a grande velocidade, impulsionando um pedal acoplado à roda de bicicleta que àquela estava ligada por uma correia de transmissão em cabedal.

Fascinava-me observar o trabalho de afiar as facas e as tesouras. Da pedra de esmeril em contacto com o metal, soltava-se uma miríade de faíscas que me lembravam os fogos de artifício que eu tinha visto nas festas da Rainha Santa.

E, a tantos anos de distância, dou por mim a reflectir como os tempos mudaram de maneira tão acentuada.

Hoje em dia, os hábitos de consumo que nos foram sendo incutidos, tornam quase impensável mandar consertar utensílios e ferramentas do nosso quotidiano.

Se um guarda-chuva se estraga, deitamos fora e compramos outro na loja dos chineses. Se as lâminas da faca ou da tesoura embotaram, se o prato rachou, se o tacho furou, fazemos a mesma coisa.

Displicentes, apressados, nós próprios também quase descartáveis... (**)


Rui Felício


(Reproduzido com a devia vénia...)
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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 7 de fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5778: Efemérides (45): O desastre do Cheche, visto por quem esteve lá e perdeu 11 homens do seu grupo de combate (Rui Felício, Alf Mil, CCAÇ 2405, Galomaro, 1968/70)

(**) Último poste da série > 1 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26220: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (32): da "pubela"... ao vidrão, sem esquecer a "cesta-secção" e a "poubellication" (Luís Graça)

Guiné 61/74 - P26472: Humor de caserna (101): Dar de beber à dor... (António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68, autor de "A Minha Jornada em África", 2015)


Espinho > 20.º Encontro do Pessoal do HM 241 (Bissau) > 7 de Outubro de 2023 >  O António Reis e a esposa, Rosa, na convívio anual do pessoal do HM 241 (Bissau)


Foto (e legenda): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

António Reis, ex-1º cabo aux enf, HM 241 (Bissau, 1966-68)
 membro da nossa Tabanca Grande, nº 882. 
É natural de Avintes, Vila Nova de Gaia.



Capa do livro de  António Reis, "A minha jornada de África", 
1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, 111 pp. 


1. Tenho especial carinho pelos nossos camaradas dos serviços de saúde militar, não só alferes milicianos médicos (não conheci os do QP, a não ser mais tarde como professor...),  mas também furriéis enfermeiros, 1ºs cabos aux enf, soldados maqueiros, e outros.

 Nunca entrei felizmente no HM 241 (devia tê-lo feito, ainda em Bissau, antes de regressar a casa, para visitar camaradas internados, o que nunca se proporcionou). 

Também nunca fui, como devia ter ido, ao HMP, à Estrela, depois da "peluda"...Visitar os doentes é uma das 14 obras de misericórdia que um cristão deve cumprir.  Mas depois da guerra acabar (?) para mim, ainda houve camaradas que conheceram o calvário do Hospital  Militar Principal... Não fui cristão para com  eles.  

Penitencio-me agora, mais de 50 anos depois, dando-lhes a palavra, não os esquecendo, valorizando o seu papel... O mesmo se passa com as nossas antigas enfermeiras paraquedistas, que pertenciam ao serviço de saúde da Força Aérea.  Temos que falar mais deles e delas. porque "nunca tantos deveram tanto a tão poucos e tão poucas"...

O António Reis foi um dos nossos camaradas que passou toda a comissão no HM241. Nunca saiu de Bissau, e se deu um "tiro" de G3 só para dazer o gosto ao dedo e... "perder os três" como combatente; enfim, nunca viu o "mato" mas viu os "horrores do mato" nos corpos e nas almas dos que chegavam, de helicóptero, ao HM241,  onde trabalhava por turnos.   

Não o conheço pessoalmente, mandou-me há 10 anos atrás dois ou três exemplares da nova edição do seu livrinho de memórias. Tenho que publicar um dia destes a sua pequena grande história de vida. Gosto do seu sentido de humor, da sua bonomia, da sua bondade e da sua...marotice.

Esta cumplicidade entre dois avintenses, o Toinho e o Feiteira é uma grande história, a nº 101 da série "Humor de caserna".


Dar de beber à dor

por António Reis

(....)

Fonte: Excertos e adapt. de António Reis - "Em nome do próximo" e  "Saudade". In:  "A minha jornada de África", 1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, pp. 45/46 e 49/50.


Observações: 

 O autor queria muito provavelmente escrever " Coramina" e não "Coromina"...

"La niquetamida es un estimulante que afecta principalmente al ciclo respiratorio. Ampliamente conocido por su antiguo nombre comercial de Coramina, se utilizó a mediados del siglo XX como contramedida médica contra las sobredosis de tranquilizantes" (...). Fonte: Wikipedia.

O medicamento "Coramina®", dos Laboratórios Ciba,  era "a marca registrada da substância (C10H14N2O) derivada do ácido nicotínico, indicada como estimulante cardíaco e respiratório". Etimologia: vocábulo composto do latim, "cor + amina". Fonte: Michaelis.


(Seleção, digitalização, título, observações: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 5 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26460: Humor de caserna (100): A piçada do general: "Ó nosso alferes, qual bicha, qual carapuça!... Saiba que no exército português não há bichas e muito menos de pirilau!"... (disse ele para o ten mil José Belo, sendo o 1º cabo mil Carlos Silvério testemunha)

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26471: Notas de leitura (1770): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Vellez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Janeiro de 2025:

Queridos amigos,
Finda aqui a digressão pelo livro de Armando Tavares da Silva, "A Presença Portuguesa na Guiné, História Política e Militar, 1878-1926", Caminhos Romanos, 2016, foi a nossa bengala como contraponto à rotina burocrática do Boletim Official da Guiné Portuguesa. Com efeito, o Boletim Official, talvez tirando o período da governação do tenente-coronel Vellez Caroço, é meticuloso quanto à publicação dos diplomas emanados pelo Governo em Lisboa, elenca nomeações, movimento marítimo, aforamentos e concessões de terrenos, etc., etc., mas sonega-nos informações da vida quotidiana, conflitos interétnicos; é evidente que nos vamos apercebendo da gradual presença portuguesa dentro da colónia e como se está a alterar o movimento import-export, vão saíndo empresas estrangeiras, a CUF tem um papel dominante e, já mais atrás, a Sociedade Comercial Ultramarina. Sinto falta a partir de agora de uma obra que me permita o contraponto ao Boletim Oficial, usarei como recurso a História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936, de René Pélissier, mas sinto que há um vácuo entre 1928 e 1933, isto a despeito do golpe revolucionário republicano que eclodiu na Guiné entre maio e abril de 1931. A ver vamos como se poderá tapar esta lacuna.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, a governação de Velez Caroço, totalmente distinta das anteriores (13)

Mário Beja Santos

Chega à Guiné em junho de 1921, a colónia tinha estado durante um ano entregue ao secretário-geral Sebastião Barbosa, tinham-se praticado muitas irregularidades. Vellez Caroço tinha apostado em sanear a vida pública da província, faz-se acompanhar do seu sobrinho, que irá exercer as funções de seu chefe de gabinete. Prontamente inicia as visitas pelo território, reconhece que era necessário dissolver a Comissão Municipal de Bissau, o ministro também lhe propõe o restabelecimento do Conselho de Governo. Este oficial de Infantaria conheceu seguramente inúmeros desagradáveis conflitos, é firme e enérgico, anuncia publicamente que não se afastaria uma linha de cumprimento dos seus deveres, indica uma série de ligações que considera prioritárias; Brames a Cacheu, Farim e Bafatá; Mansoa a Bafatá, S. João a Buba, entre outras. É aprovada a criação da circunscrição de Cacine. Já em rota de colisão com Sebastião Barbosa, anula disposições por este tomadas, mas punha-se um problema concreto relativamente à concessão de terrenos, o governador temia as especulações.

Os problemas não se ficaram por aqui: o ex-governador Carlos Pereira havia requerido a concessão por aforamento de 25 mil hectares de terreno na Costa de Baixo, os indígenas protestaram contra esta concessão, nasce processo, o ministro não vê condições para anular a decisão, o governador não desanima, sempre que suspeita de indícios de corrupção manda fazer sindicâncias, não faltou uma sindicância ao coronel Quinhones de Matos Cabral, é suspenso Sebastião Barbosa, vai decorrendo a moralização da vida pública, o governador tem amigos e inimigos, a intriga chega a Lisboa, o ministro resiste e congratula-se com a ação governativa.

Em agosto de 1922, Vellez Caroço elabora o seu primeiro relatório, exprime a sua preocupação com o saneamento da província, já que altos funcionários eram acusados de faltas que iam desde o abuso de autoridade até aos crimes de peculato. Lembra o ministro que há uma tentativa surda de afastamento da colónia da esfera da influência portuguesa. A campanha de difamação contra o governador chega ao Parlamento e à imprensa de Lisboa. Nesse mesmo primeiro relatório, sempre pondo o seu lugar à disposição do Governo, Vellez Caroço fala num período de estabilidade, lembra que era preciso fazer um regulamento do trabalho indígena que estabelecesse um mínimo de trabalho para cada indivíduo. Não poupando a verdade dos factos, o governador afirma que a província se encontrava enxameada de empregados recrutados em Cabo Verde, com pouquíssimas habilitações.

Outros escolhos pendiam sobre a Guiné, a situação financeira, a questão das cambiais e o imposto de palhota. O ministro decidira que fosse adotado na colónia o estabelecimento de uma sobretaxa a que ficariam sujeitas as mercadorias exportadas; tal valor seria devolvido se dentro dos dez dias subsequentes o exportador entregasse na agência do BNU todo o valor, em moeda estrangeira, da sua exportação ou reexportação. Cresceu o descontentamento, o comércio da Guiné sentia-se altamente prejudicado com as disposições deste decreto, dizendo que havia uma escandalosa proteção à CUF. Logo no início de 1923 se verificou que o BNU não tinha numerário suficiente para permitir as transações. O problema vai-se agudizando, em agosto de 1924 Vellez Caroço torna a pedir providências, mantinham-se as dificuldades em fazer transferências para Lisboa, a agência do BNU não tinha recebido ordens de acesso para as fazer. Na ausência de moeda, o governador foi obrigado a procurar meios de aumento das disponibilidades, aumentou a taxa de imposto de palhota, mas foi manifestamente insuficiente. Novas cartas ao Governo, Vellez Caroço pede a demissão e foi-lhe dada, o governador regressa amargurado, em Lisboa sucedem-se os governos, Vellez Caroço acaba por ser nomeado de novo governador, quando chega, ele que se referia aos seus primeiros anos da Guiné como de paz, chega e encontra tumultos para resolver. Tudo começa na região de Nhacra, é decretado estado de sítio, o governador avança para o local dos incidentes com cem homens e peças de artilharia, a população apresenta-se, mas é mantido o estado de sítio, as operações só acabam dias depois.

Em 1925, nova operação em Canhabaque, bem-sucedidas, pelo menos temporariamente.

Esta ação de fomento do governador é notória, são melhoradas as estradas, é inaugurada uma linha telegráfica Farim – Kolda – Dacar. São tomadas medidas de fomento educativo, é criada uma escola noturna de ensino primário, retificam-se fronteiras e reconstroem-se antigos marcos que se achavam danificados. Graça Falcão continuava a ser uma figura controversa; demitido o Exército, mantivera-se ativo na vida da província, propusera-se como candidato a deputado pela Guiné, não tem sucesso mas consegue uma carreira na administração local, conhece castigos, transferências, inquéritos, sai sempre ilibado. Tavares da Silva dá nota da crise fiduciária em 1925, não há possibilidade de manter o equilíbrio orçamental e o delegado do BNU em Bolama recebera ordens da sede para não continuar a fazer transferências para a conta da colónia no Ministério, por falta de cobertura de Lisboa porque tal medida significativa a paralisação dos fornecimentos e dos pagamentos da colónia.

A tensão vai crescendo entre Bolama e Lisboa, o BNU fez a proposta segundo a qual o comércio exportador obrigava-se ao depósito na colónia de 50% do valor da exportação, mas não chegava o dinheiro para pagar os vencimentos aos funcionários. Em Lisboa sucediam-se alterações ministeriais umas atrás das outras. Vellez Caroço novamente pede a demissão, as dificuldades financeiras com que se deparava a província foram aproveitadas pelos adversários de Vellez Caroço, lançaram-lhe novos ataques. Em Lisboa, o jornal O Século também o destrata, refere-se que tinha mandado abrir sem plano nem critério estradas pessimamente construídas e por indígenas que ainda não tinham sido renumerados, a CUF apostava na saída do governador. Ele vem a Lisboa, dirige ao ministro uma exposição relatando todo o problema das transferências, para obviar as reclamações do comércio, o governador propõe que o Governo da metrópole ceda 50% das cambiais provenientes da exportação e reexportação da Guiné; publica-se uma portaria em que o Governo dispensa chamar a si as cambiais correspondentes aos produtos reexportados, satisfazia-se assim a Casa Gouveia.

Tudo isto ocorre nas vésperas do 28 de maio, o comércio de Bolama pede insistentemente ao Governo o regresso imediato do “honesto de Vellez Caroço”, segue o pedido da Câmara Municipal de Bolama, em 23 de junho Vellez Caroço reassume o Governo e elabora um diploma de acordo com o que tinha sido estabelecido com o Governo Central, procura-se uma solução para a questão das transferências. A associação comercial de Bissau manifesta-se em oposição ao governador, este discute a situação com o comércio exportador, os comerciantes de Bolama e Bissau estão divididos. Continua a faltar numerário na circulação da Guiné. Tudo acabará com a verdadeira exoneração de Vellez Caroço em dezembro de 1926.

O trabalho de Tavares da Silva termina com a referência de que Vellez Caroço regressado a Lisboa envolve-se nas sublevações militares de fevereiro de 1927, vindo a ser preso e deportado para a Angola. Resta o epílogo. Vale a pena reter alguns parágrafos.

“As dificuldades financeiras da Guiné e a falta de cambiais continuariam ainda por vários anos a afetar o comércio, sendo o de menor dimensão o mais prejudicado. Igualmente as atividades de fomento, que tiveram um assinalável incremento durante a governação de Vellez Caroço, iriam ser afetadas, assim como os serviços de administração local. Porém, a partir de meados dos anos 30 as contas da colónia passaram a apresentar saldos positivos, aliviando as dívidas ao exterior.
A Casa Gouveia, onde a CUF tinha uma participação, ia adquirindo uma posição cada vez mais dominante no comércio local, quase monopolizando a atividade exportadora e comercial da província. Desde a pacificação da ilha de Bissau com a campanha de Teixeira Pinto, em 1915, que a província vivera sem que operações militares de envergadura ocorressem, excetuando a campanha de Canhabaque de Vellez Caroço. Novas operações só vêm a ter lugar em 1933 na região dos Felupes, prolongando-se pelo ano seguinte; e, em 1935-l936 ocorre uma outra campanha nos Bijagós, também na ilha de Canhabaque. Era, porém, a última grande operação militar na Guiné. A partir desta, e terminada a Segunda Guerra Mundial, a Guiné viverá um período de paz que lhe vai possibilitar notável desenvolvimento, sobretudo sob o Governo de Sarmento Rodrigues.”


Armando Tavares da Silva
Bilhete-postal de 1900
Bilhete-postal de 1900
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Notas do editor:

Vd. post de 31 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26445: Notas de leitura (1768): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, continuação dos acontecimentos em 1917-1919 (12) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 3 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26455: Notas de leitura (1769): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (4) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26470: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (4): "Meu amor, se depender de mim não morres aqui"... Palavras que me ficaram para a vida (Carlos Parente, natural de Viana do Castelo, ex-sold at inf, CCAÇ 1787)


Guiné > s/l (Bula ?) > 1968 > "De pé, o alferes Alberto,  municiador Azevedo (não sei o que é feito deste moço) e eu, apontador do morteiro 60".




Guiné > S/l > S/d > CCAÇ 1787 (Bula, Bissau, Empada, Quinhamel, 1967/69)... ) > O Carlos Parente.

Fotos da sua página do Facebook

Fotos (e legendas): © Carlos Parente (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Finalmente apanhamos, no Facebook da Tabanca Grande, um comentário, sincero, espontâneo, singelo, de agradecimento às nossas enfermeiras paraquedistas (*), por parte de um camarada nosso que foi helievacuado em 17 de janeiro de 1968, na zona de Portogole. 

Estamos a falar do Carlos Parente (**). nosso grão-tabanqueiro nº 889 (portanto, de entrada recente). Foi sold at inf, CCAÇ 1787 (1967/69),   foi gravemente ferido no decurso da Op Escudo Negro, a norte de Porto Gole, já na região do Oio, cerca de dois meses e meio depois de chegar ao CTIG..


Em louvor dos nossos anjos do céu


Olá,  boa gente, quando falamos em condecoração isso é para quem dá uns chutos numa bola ou canta umas cantilenas. Isto  com o devido respeito, claro, mas lembar aqueles que tombaram pela Pátria, melhor é esquecer... 

Tal como aquelas heroínas,  que ao lado de pilotos, paraquedistas,  vinham do céu como de verdadeiros anjos se tratasse para socorrer os soldados que rastejavam no mato. Tudo isto é gente de quem não se fala!

Aproveito para dar um abraço muito mas muito forte aquela que no dia 17 de janeiro de 1968 me socorria no mato entre Portogole e Mansoa,  depois de ter passado a noite ali única e simplesmente com o carinho possível dos meus irmãos de guerra que não esqueço nunca.... 

Quem sabe se essa linda jovem tem um diário e porventura venha a ler isto, eu fui apanhado por uma detonação de uma armadilha que me deixou desventrado com fraturas várias,  mas como de noite não haavia socorro aéreo,  fiquei toda a noite a pedir a Deus que não me deixasse morrer ali tão longe de todos que amava. E essa enfermeira,  como que adivinhasse,  a primeira coisa que me disse foi: "Meu amor,  se depender de mim não morres aqui"...  

Sei que já não conseguia falar mas estava lúcido e estas palavras ficaram para a vida. Depois de mais de um ano de internamento e muito sofrimento,  ainda vou estando por cá, por vezes com limitações mas estou cá. 

Abraço grande para todos que me estão a aturar e não esqueço essas lindas jovens que em condições tão difíceis nos ajudavam e que ninguém fala nelas, perdoai este chato. 

Fonte: Facebook da Tabanca Grande Luís Graça, 6 de fevereiro de 2025, 10:37

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Notas do editor:


14 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26388: Nunca Tantos Deveram Tanto a Tão Poucas (1): Uma portuguesa, mulher de um furriel, perdida num aquartelamento do Nordeste... (Giselda Pessoa)

(**) 21 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25667: Tabanca Grande (559): Carlos Parente, ex-sold at inf, CCAÇ 1787 (Bula, Bissau, Empada e Quinhamel, 1967/69). vive em Viana do Castelo e senta-se agora à sombra do no nosso poilão, no lugar nº 889